Acessibilidade / Reportar erro

In memorian: Oskar Vogt

In memorian: Oskar Vogt

Extinguiu-se a 31 de julho de 1959, com a vida de Oskar Vogt, urna das carreiras científicas mais longas e produtivas dentre as que têm engrandecido a neuropsiquiatria.

Nascido em Husum a 4 de abril de 1870, muito cedo entrou Vogt para o rol dos fundadores da patologia cerebral, pois já aos 25 anos de idade publicava o estudo sobre "anatomia e embriologia dos feixes fibrosos intracerebrais", no qual se insurgia contra as conclusões de Flechsig (1895). E em menos de um decênio (1902) era já chefe de escola neuroanatômica, ombreando com August Forel, em companhia de quem fundou o "Journal für Psychologie und Neurologie". Votava-se esta publicação a aprofundar os estudos sobre hipnotismo, sugestão e histeria, apesar de se consagrar precipuamente à neuroanatomia, especialmente cortical. Êsse pendor para o lado funcional e mesmo filosófico da dinâmica cerebral constituiu traço dominante nas pesquisas de Vogt, que nunca se limitou às refinadas minúcias de estrutura cerebral. Não seria pois por simples coincidência que aos 19 anos - quando iniciava os estudos universitários - se ligou a Binswager e a Haeckel, em Jena. Mais tarde, já conhecido como homem de ciência, estagiou em Paris no Serviço de Pierre Marie (1898). Conheceu aí a jovem discípula de Pierre Marie, Cécile Mugnier, então com 23 anos, a qual logo a êle se associou como espôsa e como colaboradora científica de primeira plana.

O entusiasmo com que se aprofundou na estrutura cerebral e que o levou a desbravar o domínio das relações entre morfologia neural e funções psíquicas era ressaltado pela capacidade de organizador. Assim desenvolveu sucessivamente quatro institutos para pesquisas cerebrais, que demonstram a ampla visão de pesquisador insaciável. Em primeiro lugar, como professor universitário em Berlim, estabeleceu um laboratório para universitário, pois as limitações acadêmicas não lhe permitiam dar toda plenitude aos trabalhos. Logo a seguir, ampliou-o de tal forma que houve de transferi-lo para Berlim-Buch: constituiu assim o "Hirnforschungsinstitut", modêlo de organização e de produtividade para todo o Ocidente. Premido, anos depois, pelo nazismo, teve que encerrar ali as atividades; mas as trasladou - amparado pelo clamor de todos os centros científicos mundiais e pelo apoio de instituições particulares - para Neustadt, em 1937. Antes da fase de obscurantismo social que se abateu sôbre a Alemanha fora chamado a Moscou para estudar o cérebro de Lenine e daí resultou a fundação do célebre "Instituto do Cérebro" da capital soviética, onde prosseguem as tradições de descortínio científico inseparáveis da atividade de Vogt.

Ao grande neuroanatomista têm-se associado estudiosos de renome mundial, em tôdas as fases. Primeiramente, pela data e pelo valor, Cécile Vogt, cujas pesquisas sôbre fisiologia e sôbre histologia subcorticais constituem descrição princeps. A ela se vieram associar as filhas Marguerite e Marthe, respectivamente no campo da genética e no da quimiotopografia cerebral. Desde o início teve Vogt a secundá-lo Liepmann quanto a cérebros de aprácticos, Brodmann na citoarquitectonia cortical, Rose no domínio da mieloar-quitectonia. Nas investigações de fisiologia cortical a êle se associaram Tõnnis e Kornmüller - revelando a diferenciação do potencial bioelétrico campo por campo - e nele se fundamentaram, essencialmente, Foerster e Kleist em direções diversas. Trabalharam com êle nas verificações genéticas Timofeeff, Patzig, Marguerite Vogt; e, principalmente, Marthe Vogt se encarregou de esmiuçar as correlações quimiotopográficas das várias regiões e dos vários campos corticais, na acepção de Vogt.

Com a inseparável colaboradora, que em março corrente completa 85 anos, estabeleceu Oskar Vogt a concepção da patoclise, segundo a qual campos corticais, feixes intracerebrais e núcleos subcorticais se reúnem em verdadeiros sistemas - unidos pela sensibilidade patológica - para explicar a gênese de sintomas neuropsiquiátricos. A essa noção se prende ainda a da eletividade das camadas corticais 3ª e 5ª para certos processos mórbidos - donde a chamada patoarquitectonki. Não só existem afinidades funcionais entre núcleos subcorticais, definidas pela estrutura - como as massas parvi-celulares e as magnocelulares do putame e do caudado - como também ocorrem entre elas participações específicas em quadros neurológicos; e existem ligações preferenciais das diferentes subdivisões de núcleos para com a convexidade frontal e para com a zona orbitaria do cérebro, o que explica certos sintomas neuropsiquiátricos característicos destas regiões encefálicas.

No Instituto do Cérebro de Moscou contou Vogt colaboradores como Minor, Popoff, Sapir, Sarkissoff e como Filimonoff, que o sucedeu na direção do organismo fundado em 1925. Para estudar o cérebro de Lenine era mister distinguir neste o que seria conseqüência da lesão, o que representaria característica racial e o que representaria traço individual. Isto exigiu - acentuou Vogt - que se fizessem estudos comparativos. Organizou então o "panteon de cérebros"; encéfalos de homens célebres da recente União Soviética, cérebros de pacientes das várias nacionalidades que integravam a República Socialista; e material para pesquisa de anatomia cerebral comparada, especialmente de antropóides. Só o estudo do cérebro genial, campo por campo, absorveu dois anos de atividade de Vogt e dos colaboradores. Mas as conclusões a que chegou o grande anatomista vieram assim escoimadas de causas de êrro: Lenine fôra um "atleta dos processos mentais".

No domínio da esquizofrenia - a partir da concepção do papel nutritivo fundamental do nucléolo - estabeleceu Vogt investigações sôbre a ultra-estrutura ao nível das várias regiões do córtex e do tronco cerebral. E ao chegar a resultados até ali não suspeitados - em que diferençou esquizofrênicos na acepção estrita de Kleist e pacientes de psicoses degenerativas - dedicou Vogt essa nova demonstração ao grande inovador da psiquiatria, consagrando assim a doutrina de Kleist.

Aníbal Silveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 1960
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org