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Théophile Alajouanine: 1890-1980

IN MEMORIAM

Théophile Alajouanine: 1890-1980

André Roch Lecoure; Roberto Melaragno Filho

Antoine Joseph Théophile Alajouanine nasceu em 12 de junho de 1980 em Verneix, província francesa de Bourbonais. Estudou humanidade em Moulins e dirigiu-se depois para Paris para completar seus estudos. Altamente interessado em Literatura e em Medicina, hesitou entre a École Normale Supérieux e a Faculté de Medicine. Apesar de se decidir pela última, sempre se esmerou na correção e na elegância de seu estilo, preferindo sempre escrever e falar. Sua cultura literária tornou-se legendária. Em 1914, foi nomeado interno dos Hopitaux de Paris mas, com a deflagração da guerra, interrompeu o estágio e, como médico, serviu o exercito francês. Nessa época considerava-se a si próprio como alienista e se dedicou à Neurologia após 1918, quando reassumira suas funções de interno. Em 1923, conquistou a medalha de ouro do Internato. Já nessa época havia casado com uma jovem inglesa. Provavelmente o amor e sua dedicação à patologia neurológica o derivaram de seus primeiros mestres psiquiatras, entre eles Philippe Chaslin e Jules Ernest Séglas. Suas primeiras influencias no estudo da patologia orgânica do sistema nervoso se fundaram em seu convívio com os extraordinários neurologistas de sua época, entre eles Achille Alexandre Souques, Pierre Marie e, principalmente, aquele a quem se ligou cientificamente, Charles Foix. Em 1947 Alajouanine, aos 57 anos de idade, assumiu a "Clinique du Systeme Nerveux", criada para Jean-Martin Charcot em 1882, sendo o 5? sucessor nessa Cátedra, na Salpetrière. Por lei compulsória, aos 70 anos, em I960, Alajouanine cedeu seu posto a Paul Castaigne que detém a Clínica até hoje. A carreira de Alajouanine, antes de ser nomeado para a célebre Cátedra fora desenvolvida em Bicêtre na direção do Serviço de Neurologia, posto previamente ocupado por Broca, Déjèrine e Pierre Marie. Sua ampla cultura geral lhe havia conferido, na Faculdade de Medicina de Paris, a Cadeira de História de Medicina, na qual Alajouanine se distinguira por soberbas conferências sobre a evolução dos conceitos e das idéias sobre as afasias.

Não há setor da Neurologia em que Alajouanine não tenha excursionado. Em todas essas áreas deixou sua marca, mediante novas conceituações e novas descobertas. Nos limitaremos a salientar, entre sua volumosa bagagem cientifica, seus trabalhos e suas idéias sobre as afasias. O pensamento de Alajouanine sobre as afasias do adulto se estribava em três postulados que ele próprio considerava empíricos: a afasia do adulto é uma perturbação de um comportamento já aprendido e completamente organizado, o estudo dos complexos afási-cos sintométicos abre uma janela sobre os mecanismos fisiológicos das atividades psicolingüísticas e a afasia seria o resultado de lesões cerebrais focais, cujo estudo poderia fornecer informações sobre as estruturas cerebrais e reações neuronals envolvidas especificamente no controle do comportamento da linguagem normal.

Alajouanine encarava a linguagem não apenas como um neurologista para o qual a perturbação deveria ser considerada como simples manifestação clinica, com sua respectiva reeducação ortofônica e correspondentes correlações anáto-mo-clínicas, mas também sob o ponto de vista de um psicopatologista e de um neurolingüista. Desses enfoques se originaram seus trabalhos pioneiros sobre as características lingüísticas de desintegração fonética das afasias de Broca e dos jargões das afasias de Wernicke. Quando considerava as relações entre cérebro e linguagem, Alajouanine explicitamente desconfiava de sínteses muito esquemáticas e de sistemas de interpretação então vigentes. Tinha verdadeira aversão pelo associacionismo germânico e foi o primeiro a abrir as portas de suas enfermarias a um lingüista, mais precisamente a uma foneticista. Conjuntamente com ela e com um psicólogo, André Ombredane, Alajouanine publicou uma monografia, hoje clássica (Le syndrome de desintégration phonétique dans l´aphasia). Esta publicação constitui um marco no nascimento da neurolingüís-tica, assim como delimitou os campos de investigações e conhecimentos multidis-ciplinares. Conjuntamente com discípulos seus, tornou-se fascinado pelo comportamento discursivo dos jargonofásicos e com eles criou os conceitos de "para-fasia fonêmica" e de "parafasia semântica". Alajouanine descreveu a preponderância dos desvios fonêmicos em determinados jargões ocorrendo conjuntamente com uma desordem de repetição, mas sem maiores dificuldades na compreensão. No conjunto, além de suas clássicas contribuições à neurolingüística (isto é, a descrição das desordens da fala comprometendo especialmente os níveis fonéticos, fonêmicos e verbais), seus trabalhos afasiológicos envolveram problemas dos mais variados, como a redução da fala para uns poucos estereótipos verbais, agrama-tismo, e dificuldades para encontro de palavras, as afasias nas crianças, nos canhotos, nos surdo-mudos, nos poliglotas e artistas, as afasias paroxisticas, a redução ortofônica. Memoráveis são seus estudos comparativos, analisando as características das afasias em artistas de renome em diferentes áreas de atividade. Seu principal interesse, mesmo após sua aposentadoria, permaneceu constantemente focalizado na estrutura das afasias e, 8 anos após, publicou o sumário de suas observações e conclusões em memorável livro "L'aphasie et le Langage Pathologique".

O renome de Alajouanine extravasou para todo o mundo neurológico, incluindo o Brasil, que freqüentemente visitava e onde pronunciou substanciosas conferências. Com amabilidade e visível afetividade, ele acolhia neurologistas brasileiros que auferiam úteis informações de seus conhecimentos e de sua experiência. Alajouanine, entretanto, ao contrário de outros mestres da especialidade era relativamente pouco comunicativo. Ouvia mais do que falava, mas quando expunha seu ponto de vista sobre uma doença, fazia-o com segurança e após longa meditação. Alajouanine era um homem completo; além de seus amplos conhecimentos neurológicos, sabia apreciar a literatura e a história, cultivava com carinho as flores e a música, assim como a boa mesa e os bons vinhos. Sua biblioteca particular era considerada como uma das mais ricas e preciosas de Paris.

Théophile Alajouanine faleceu, serenamente, em 2 de maio de 1980, com a idade de 90 anos. Pouco antes da morte ele repetia a seus assistentes que as relações mútuas entre o cérebro e linguagem eram e sempre seriam um mistério. Seu sorriso e o brilho de seu olhar faziam entrever que ele falava antes de uma crença do que em um conhecimento.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Ago 2012
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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