Acessibilidade / Reportar erro

Características clínicas da enxaqueca sem aura

Clinical characteristics of migraine without aura

Resumos

Um estudo aprofundado das características clínicas da enxaqueca sem aura (ESA) revela alguns dados interessantes. Um questionário foi respondido por 200 pacientes que preenchiam os critérios da Sociedade Internacional de Cefaléia para ESA. O pico do início da enxaqueca foi entre 10 e 19 anos de idade. A cefaléia era restrita a um lado em 19%. Era exclusivamente bilateral em 9%. A maioria (86,2%) dos pacientes que descreveram cefaléias em um único local localizou-a na área fronto-temporal. Cervicalgia estava associada aos ataques de enxaqueca em 70,5% e dor facial em 73,5%. O caráter latejante foi notado por 81%. Todos os pacientes descreveram a cefaléia como moderada a severa. Somente 55% disseram que a dor era agravada por atividades físicas rotineiras. Náusea ocorreu em 91%, foto e fonofobia em 77% e vômitos em 50%. Este olhar detalhado na ESA demonstra a grande complexidade dos seus sintomas.

cefaléia; enxaqueca; enxaqueca sem aura


A detailed study of the clinical characteristics of migraine without aura (MOA) reveals some interesting data. A questionnaire was returned by 200 patients who met the International Headache Society criteria for MOA. The peak of onset of migraine was between 10 and 19 years of age. The headache was side-locked in 19%. It was exclusively bilateral in 9%. The majority (86.2%) of the patients who described headaches in only one site located them in the fronto-temporal area. Neck pain was associated with migraine attacks in 70.5% and face pain in 73.5%. A pounding quality was noted by 81%. Every patient described the headache as moderate to severe. Only 55% stated that it was aggravated by routine physical activity. Nausea occurred in 91%, photo and phonophobia in 77%, and vomiting in 50%. This close look at MOA uncovers a great complexity of symptoms.

headache; migraine; migraine without aura


CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA ENXAQUECA SEM AURA

LUIZ PAULO DE QUEIROZ* * Neurologista do Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e do Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil; ** Neurologista do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA; *** Psiquiatra do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA. Aceite: 19-novembro-1997. , ALAN MARK RAPOPORT** * Neurologista do Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e do Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil; ** Neurologista do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA; *** Psiquiatra do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA. Aceite: 19-novembro-1997. ,FRED DAVID SHEFTELL*** * Neurologista do Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e do Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil; ** Neurologista do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA; *** Psiquiatra do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA. Aceite: 19-novembro-1997.

RESUMO - Um estudo aprofundado das características clínicas da enxaqueca sem aura (ESA) revela alguns dados interessantes. Um questionário foi respondido por 200 pacientes que preenchiam os critérios da Sociedade Internacional de Cefaléia para ESA. O pico do início da enxaqueca foi entre 10 e 19 anos de idade. A cefaléia era restrita a um lado em 19%. Era exclusivamente bilateral em 9%. A maioria (86,2%) dos pacientes que descreveram cefaléias em um único local localizou-a na área fronto-temporal. Cervicalgia estava associada aos ataques de enxaqueca em 70,5% e dor facial em 73,5%. O caráter latejante foi notado por 81%. Todos os pacientes descreveram a cefaléia como moderada a severa. Somente 55% disseram que a dor era agravada por atividades físicas rotineiras. Náusea ocorreu em 91%, foto e fonofobia em 77% e vômitos em 50%. Este olhar detalhado na ESA demonstra a grande complexidade dos seus sintomas.

PALAVRAS-CHAVE: cefaléia, enxaqueca, enxaqueca sem aura.

Clinical characteristics of migraine without aura

ABSTRACT - A detailed study of the clinical characteristics of migraine without aura (MOA) reveals some interesting data. A questionnaire was returned by 200 patients who met the International Headache Society criteria for MOA. The peak of onset of migraine was between 10 and 19 years of age. The headache was side-locked in 19%. It was exclusively bilateral in 9%. The majority (86.2%) of the patients who described headaches in only one site located them in the fronto-temporal area. Neck pain was associated with migraine attacks in 70.5% and face pain in 73.5%. A pounding quality was noted by 81%. Every patient described the headache as moderate to severe. Only 55% stated that it was aggravated by routine physical activity. Nausea occurred in 91%, photo and phonophobia in 77%, and vomiting in 50%. This close look at MOA uncovers a great complexity of symptoms.

KEY WORDS: headache, migraine, migraine without aura.

O Comitê de Classificação das Cefaléias, da Sociedade Internacional de Cefaléia (SIC), definiu em 19881 a enxaqueca sem aura (ESA) com maior clareza que a prévia classificação, do comitê Ad Hoc do Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Cegueira2. No entanto, os critérios diagnósticos da ESA ainda merecem revisão, como proposto por diversos estudiosos3-5. Existem muitos aspectos da dor de cabeça e sintomas acompanhantes que precisam ser mais bem estudados.

Embora um questionário possa não ser a ferramenta ideal para o diagnóstico das cefaléias6, ele é uma boa maneira de avaliar a sintomatologia dos pacientes já diagnosticados como enxaquecosos. Até o momento, não há nenhum teste laboratorial que estabeleça o diagnóstico de enxaqueca. O diagnóstico é baseado na presença de um número mínimo de diversos sintomas subjetivos.

O objetivo deste estudo é detalhar e quantificar algumas manifestações clínicas desta complexa síndrome.

PACIENTES E MÉTODOS

De janeiro a março de 1995, um questionário foi respondido por 200 pacientes do The New England Center for Headache, em Stamford, CT, USA. Destes pacientes, 170 (85%) eram mulheres e 30 (15%) eram homens, com idade média de 44 anos (variação: 12 a 75 anos). Os questionários foram distribuídos a aproximadamente 250 pacientes consecutivos que foram a consulta médica e que preenchiam os critérios da SIC para ESA. Cerca de 20% deles não puderam ou não quiseram participar do estudo. Qualquer dúvida sobre como responder a alguma parte do questionário era discutida pessoalmente com o autor principal (LPQ). Casos em que o paciente tinha associação de ESA e enxaqueca com aura não foram incluídos. Também foram excluídos os pacientes com cefaléia crônica diária e cefaléia pós-traumática. Se havia um misto de ESA e cefaléia tipo tensão, eles só seriam incluídos se pudessem diferenciar as duas condições.

O questionário continha muitas variáveis: idade de início da ESA; lateralização e localização da dor; irradiação da dor; presença de dor facial e cervical; intensidade da cefaléia; influência da atividade física; qualidade da dor; características do latejar; e a ocorrência de sintomas acompanhantes.

RESULTADOS

A idade média do início da ESA foi 22,3 anos (variação: 2 a 59 anos). O pico do início foi entre 10 e 19 anos (Figura). Somente 9% desenvolveram ESA após a idade de 40 anos.


Na Tabela 1 é mostrada a lateralidade da dor nos ataques de ESA. A cefaléia era restrita a um único lado da cabeça em 19%. Era exclusivamente bilateral em 9%. Nos restantes 72% os ataques eram não-estereotipados. Quando a cefaléia era sempre do mesmo lado (38 pacientes), era do lado direito em 55% e do esquerdo em 45%.

A localização da dor foi descrita como em um único local, tanto durante ataques isolados de cefaléia como em diferentes ataques, por 73 pacientes (36,5%). O restante dos pacientes (63,5%) tinha cefaléias que eram ou generalizadas ou em múltiplos locais. A Tabela 2 mostra a localização da cefaléia em pacientes com dor sempre no mesmo local. Irradiação da dor foi notada por 150 pacientes (75%). Cervicalgia associada aos ataques de enxaqueca foi relatada por 70,5%; e dor facial (geralmente na área orbital) por 73,5%.

A qualidade da dor foi descrita como mostra a Tabela 3. Mais de uma dessas características (por exemplo, dor latejante e tipo pressão em um mesmo paciente) foram relatadas por 75,5% dos pacientes.

Todos (100%) os pacientes descreveram a intensidade de sua cefaléia como moderada a severa. Cinqüenta e cinco por cento disseram que sua dor piorava com a atividade física. Dos 162 pacientes com cefaléia latejante, 58,7% notaram que o latejar era ou pior ou ocorria somente com atividade física (Tabela 4).

A Tabela 5 detalha a ocorrência dos sintomas acompanhantes. Fotofobia e fonofobia ocorreram concomitantemente em 77% dos pacientes. Quando pacientes apresentavam náusea, fotofobia ou fonofobia, eles geralmente tinham estes sintomas na maioria (>75%) dos seus ataques; por outro lado, o vômito, que foi referido por 50% dos pacientes, geralmente estava presente em somente alguns (<25%) ataques. Náuseas e vômitos, especialmente os vômitos, estavam associados com as crises mais severas de enxaqueca.

DISCUSSÃO

Neste estudo, baseado em questionário, que focaliza as manifestações clínicas da ESA, relatamos alguns aspectos interessantes desta síndrome complexa e variada.

Nos nossos casos a idade de início da ESA teve pico entre 10 e 19 anos, como frequentemente relatado na literatura7-10. Alguns autores, no entanto, encontraram este pico entre 20 e 29 anos11,12. Stewart e col.10 acreditam que estes achados mais tardios se devem provavelmente a erros de memória dos pacientes.

A lateralidade da cefaléia na ESA é um importante aspecto para seu diagnóstico. Embora enxaquecas sejam "tipicamente" unilaterais, uma mudança de lados deve ser esperada4,13,14. Nós encontramos cefaléias restritas a um único lado em somente 19% dos pacientes; ela era sempre bilateral em apenas 9%. A maioria (72%) dos pacientes tinha cefaléias com mudança de lado ou um misto de cefaléias uni e bilaterais. Estes achados são similares aos de Sjaastad e col.4. Grande parte dos pacientes (63,5%) tinha cefaléias que eram localizadas em mais de um local da cabeça. No entanto, a maior parte (86,2%) dos que referiram cefaléias em um único local específico as teve na área fronto-temporal. Esta localização "anterior" da dor corrobora os achados da literatura14,15. Encontramos uma surpreendentemente alta porcentagem de pacientes que descreveram que sua face (73,5%) e seu pescoço (70,5%) estavam envolvidos no ataque de enxaqueca.

Uma qualidade pulsátil da dor foi notada pela maioria (81%) dos pacientes, como frequentemente documentado3,7,16,17. Entretanto, a maioria (75,5%) também referiu um associação de cefaléia latejante com outras qualidades da dor, como pressão, fisgadas e dor constante.

Rasmussen e col.3 sugerem que dor moderada a severa deva ser um critério mandatório para ESA. Nossos achados de 100% dos pacientes descrevendo cefaléias de intensidade moderada a severa suporta esta afirmação. Isso também foi notado por Dahlöf e Riman7 numa clínica de cefaléias da Europa.

Somente 55% dos nossos pacientes notaram que sua cefaléia era agravada por atividades físicas rotineiras. Porcentagem maior (94 a 98%) foi previamente relatada3,7,16. No entanto, 58,7% descreveram piora do latejar ou que o latejar só se manifestava com atividade física.

Nossos achados sobre os sintomas acompanhantes são similares aos da literatura3,7-9,11,16-18. Nós observamos que náusea, foto e fonofobia ocorrem na maioria dos ataques de enxaqueca, nos pacientes que têm estes sintomas. Iversen e col.16 também descreveram isto.

Um estudo mais aprofundado nas manifestações clínicas dos pacientes com ESA revela uma miríade de sintomas, com grande complexidade. O clínico deve estar atento a estas múltiplas variáveis quando do atendimento a pacientes com esta entidade.

Dr. Luiz Paulo de Queiroz - Rua Barão de Batovi 546 - 88015-340 Florianópolis SC - Brasil.

  • 1. Headache Classification Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorder, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988;8(Suppl 7):1-96.
  • 2. Ad Hoc Committee on Classification of Headache. Classification of Headache. JAMA 1962;179:717-8.
  • 3. Rasmussen BK, Jensen R, Olesen J. A population-based analysis of the diagnostic criteria of the International Headache Society. Cephalalgia 1991; 11: 129-134.
  • 4. Sjaastad O, Bovin G, Stovner LJ. Laterality of pain and other migraine criteria in common migraine: a comparison with cervicogenic headache. Funct Neurol 1992; 7: 289-294.
  • 5. Sjaastad O, Stovner LJ. The IHS classification for common migraine: is it ideal? Headache 1993;33:372-375.
  • 6. Rasmussen BK, Jensen R, Olesen J. Questionnaire versus clinical interview in the diagnosis of headache. Headache 1991;31:290-295.
  • 7. Dahlöf C, Riman E. How does the International Headache Society classification perform in a European headache clinic? ln Olesen J (ed.) Headache classification and epidemiology. New York: Raven Press. 1994:77-86.
  • 8. Davies PTG, Peatfield RC, Steiner TJ, Bond RA, Clifford Rose F. Some clinical comparisons between common and classical migraine: a questionnaire-based study. Cephalalgia 1991; 11: 223-227.
  • 9. Manzoni GC, Farina S, Granella F, Alfieri M, Bisi M. Classic and common migraine: suggestive clinical evidence of two separate entities. Funct Neurol 1986;1:112-122.
  • 10. Stewart WF, Linet MS, Celentano DD, Natta MV, Ziegler D. Age- and sex-specific incidence rates of migraine with and without visual aura. Am J Epidemol 1991; 134: 1111-1120.
  • 11. Selby G, Lance JW. Observations on 500 cases of migraine and allied vascular headache. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1960;23:23-32.
  • 12. Steiner TJ, Guha P, Capildeo R, Clifford Rose F. Migraine in patients attending a migraine clinic: an analysis by computer of age, sex and family history. Headache 1980; 20: 190-195.
  • 13. Sjaastad O, Fredriksen TA, Sand T, Antonaci F. Unilaterality of headache in classic migraine. Cephalalgia 1989;9:71-77.
  • 14. Sjaastad O, Bovim G, Stovner LJ. Common migraine ("migraine without aura"): localization of the initial pain of attack. Funct Neurol 1993;8:27-32.
  • 15. D'Amico D, Leone M, Bussone G. Side-locked unilaterality and pain localization in long-lasting headaches: migraine, tension-type headache and cervicogenic headache. Headache 1994;34:526-530.
  • 16. Iversen HK, Langemark M, Anderson PG, Hansen PE, Olesen J. Clinical characteristics of migraine and episodic tension-type headache in relation to old and new diagnostic criteria. Headache 1990;30:514-519.
  • 17. Olesen J. Some clinical features of the acute migraine attack: an analysis of 750 patients. Headache 1978;18:268-271.
  • 18. Lance JW, Anthony M. Some clinical aspects of migraine: a prospective survey of 500 patients. Arch Neurol 1966;15:356-361.
  • *
    Neurologista do Hospital Universitário, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e do Hospital Governador Celso Ramos, Florianópolis, SC, Brasil;
    **
    Neurologista do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA;
    ***
    Psiquiatra do The New England Center for Headache, Stamford, CT, USA. Aceite: 19-novembro-1997.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 1998

    Histórico

    • Aceito
      19 Nov 1997
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org