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Terapêutica intravenosa com metilprednisolona e ciclofosfamida na vasculite do sistema nervoso periférico: avaliação de oito pacientes

Intravenous theraphy with methylprednisolone and cyclophosphamide in vasculitis of peripheral nervous system: evaluation of eight patients

Resumos

O comprometimento do sistema nervoso periférico é frequente nas vasculites sistêmicas e contribui decisivamente para o diagnóstico. Oito pacientes foram estudados: sete do sexo feminino e um do sexo masculino; cinco brancos, dois negros, um amarelo; média de idade de 55,9 anos; quatro com poliarterite nodosa, um com lúpus eritematoso sistêmico, um com artrite reumatóide, um com vasculite isolada do sistema nervoso periférico e um com vasculite livedóide. Todos foram submetidos a terapêutica intravenosa com pulsos mensais de metilprednisolona (1 g/dia/3dias) e ciclofosfamida (1 g/dia). Cinco pacientes melhoraram, dois permaneceram inalterados e um faleceu. A melhora neurológica objetiva ocorreu após o terceiro ou quarto pulso e nos pacientes com menor duração da doença.

vasculite do sistema nervoso periférico; vasculite sistêmica; terapêutica intravenosa imunossupressora; pulsoterapia


The peripheral nervous system is frequently involved in systemic vasculitis and it may be helpful in the disease diagnosis. We report on eight patients: seven women and one man; five white, two black and one yellow; age mean 55.9 years; four had polyarteritis nodosa, one had systemic lupus erythematosus, one had isolated peripheral nerve vasculitis and one had livedoid vasculitis. All of them received endovenous therapy with "pulse" of methylprednisolone (1 g/day/3days) and cyclophosphamide (1 g/1day). Five patients improved, two remained unchanged and one died. The neurological improvement occurred after the third or fourth pulse and in the patients who have had a shorter time of disease.

vaculitis of peripheral nervous system; systemic vasculitis; intravenous immunosuppressor therapy; pulsetherapy


TERAPÊUTICA INTRAVENOSA COM METILPREDNISOLONA E CICLOFOSFAMIDA NA VASCULITE DO SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO

AVALIAÇÃO DE OITO PACIENTES

ANGELINA M.M. LINO* * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998. , MARIA TERESA A. HIRATA** * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998. , ALEX M. BAÊTA *** * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998. , ANA MARIA C. TSANACLIS**** * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998. , MILBERTO SCAFF***** * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998. , PAULO E. MARCHIORI****** * Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP): Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP; ** Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP; *** Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP; **** Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP; ***** Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP; ****** Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998.

RESUMO - O comprometimento do sistema nervoso periférico é frequente nas vasculites sistêmicas e contribui decisivamente para o diagnóstico. Oito pacientes foram estudados: sete do sexo feminino e um do sexo masculino; cinco brancos, dois negros, um amarelo; média de idade de 55,9 anos; quatro com poliarterite nodosa, um com lúpus eritematoso sistêmico, um com artrite reumatóide, um com vasculite isolada do sistema nervoso periférico e um com vasculite livedóide. Todos foram submetidos a terapêutica intravenosa com pulsos mensais de metilprednisolona (1 g/dia/3dias) e ciclofosfamida (1 g/dia). Cinco pacientes melhoraram, dois permaneceram inalterados e um faleceu. A melhora neurológica objetiva ocorreu após o terceiro ou quarto pulso e nos pacientes com menor duração da doença.

PALAVRAS-CHAVE: vasculite do sistema nervoso periférico, vasculite sistêmica, terapêutica intravenosa imunossupressora, pulsoterapia.

Intravenous theraphy with methylprednisolone and cyclophosphamide in vasculitis of peripheral nervous system: evaluation of eight patients

ABSTRACT - The peripheral nervous system is frequently involved in systemic vasculitis and it may be helpful in the disease diagnosis. We report on eight patients: seven women and one man; five white, two black and one yellow; age mean 55.9 years; four had polyarteritis nodosa, one had systemic lupus erythematosus, one had isolated peripheral nerve vasculitis and one had livedoid vasculitis. All of them received endovenous therapy with "pulse" of methylprednisolone (1 g/day/3days) and cyclophosphamide (1 g/1day). Five patients improved, two remained unchanged and one died. The neurological improvement occurred after the third or fourth pulse and in the patients who have had a shorter time of disease.

KEY WORDS: vaculitis of peripheral nervous system, systemic vasculitis, intravenous immunosuppressor therapy, pulsetherapy.

O acometimento do sistema nervoso periférico é frequente nas vasculites sistêmicas1-5 e pode contribuir para o diagnóstico desta entidade nosológica. A vasculite do sistema nervoso periférico decorre de diferentes mecanismos patogênicos. Entretanto, estas diferentes causas produzem número limitado de expressões clínicas e respostas histológicas à lesão. A manisfestação clínica mais comum é a mononeurite múltipla. No entanto, a polineurite também ocorre, podendo representar a confluência de lesões isquêmicas neurais multifocais. A maior causa de lesão tecidual é a isquemia resultante da oclusão dos vasos inflamados6,7. O vaso epineural é o local mais comumente acometido no processo vasculítico do nervo periférico, havendo perda focal de fibras na distribuição vascular. Nas descrições clássicas, a degeneração das fibras é mais pronunciada nas regiões centrais dos fascículos, ocorrendo degeneração walleriana distalmente aos sítios isquêmicos2,8. A patogênese das vasculites inclui quatro mecanismos imunológicos distintos: inflamação mediada por imunecomplexos, inflamação mediada por anticorpos anti-neutrofílicos citoplasmáticos, inflamação mediada por células T associada ao antígeno maior de histocompatibilidade e efeitos diretos sobre as células endoteliais7,9,10.

Avanços no tratamento da vasculite sistêmica têm ocorrido sem o conhecimento dos fatores etiológicos10. A caracterização das vasculites por mecanismos patogênicos permitirá um tratamento mais específico, com maior eficácia e menor morbidade. Não há consenso quanto à terapêutica empregada5,11, sendo preconizado o uso de corticosteróides e agentes citotóxicos12. Relatamos oito pacientes tratados com terapêutica intravenosa mensal ("pulsos"), com metilprednisolona e ciclofosfamida.

PACIENTES E MÉTODOS

Pacientes. Os critérios de inclusão dos pacientes neste estudo foram: 1) evidência histológica da lesão vascular na biópsia de nervo sural, conforme critérios definidos abaixo; 2) déficit neurológico progressivo apesar do uso de corticosteróides ou outro imunossupressor; 3) idade inferior ou igual a 65 anos; 4) ausência de processo infeccioso sistêmico.

Protocolo. Todos os pacientes foram submetidos a análise bioquímica sanguínea, hemograma, dosagem de fator anti-núcleo, fator reumatóide, velocidade de hemossedimentação, mucoproteína, proteína C reativa, eletroforese de proteína, imunoeletroforese, crioglobulinas, coagulograma, enzimas hepáticas, alfa fetoproteína, antígeno carcinoembriônico. Foram feitos exames imunológicos no soro para lues e para os virus da hepatite B (VHB), hepatite C (VHC) e da imunodeficiência humana adquirida (HIV). Os exames radiológicos incluíram radiografia simples de tórax e tomografia computadorizada (TC) de crânio, tórax e abdome. O líquido cefalorraqueano (LCR) foi analisado para celularidade, proteína, eletroforese de proteínas e reações imunológicas para esquistosomose, lues, cisticercose e HIV.

Método eletrofisiológico. Os estudos eletroneuromiográficos foram realizados com o Eletromiógrafo Digital PL 1002, segundo métodos previamente descritos13.

Método anátomo-patológico. A biópsia de nervo sural consistiu da secção completa de três centímetros do nervo; este foi divido em três fragmentos: 1) um conservado em formaldeído 10%, destinado à microscopia de luz e seus cortes corados pelo método de Ziehl-Neelsen (ZN) e hematoxilina-eosina (HE); 2) outro fixado em glutaraldeído 2,5% para cortes semi-finos e microdissecção de fibra única; e 3) um outro armazenado a -70oC. A coloração pela HE foi examinada para evidenciar vasculite ou vasculopatia. Vasculite foi definida pelos achados de necrose fibrinóide ou fibrose associados a processo inflamatório peri-vascular ou intra-mural e vasculopatia pela presença de infiltrado inflamatório peri-vascular ou oclusão da luz do vaso2,3,9,11. A coloração pelo ZN foi feita para pesquisa de bacilos álcool-acido resistentes. Os cortes semi-finos foram analisados quanto à presença de sinais de lesão isquêmica do nervo8 (degeneração fascicular central ou acentuada diferença no grau de perda de fibras nervosas entre os fascículos). A microdissecção de fibra única e os cortes semi-finos foram estudados semi-quantitativamente para a presença de lesão axonal, desmielinização e remielinização.

Terapêutica. Os pulsos mensais foram iniciados após a confirmação histológica de lesão vascular na biópsia de nervo. A terapêutica intravenosa estabelecia 6 administrações consecutivas a intervalos de 30 dias. Posteriormente, a intervalos de 60 dias, até o máximo de 12 aplicações. Empregou-se metilprednisolona 1 g/dia, por três dias consecutivos e ciclofosfamida 1g, no terceiro dia. Após o sexto pulso, iniciou-se prednisona (5 mg/dia) como terapêutica de manutenção. Todas as aplicações foram precedidas por dosagem sérica de sódio, potássio, uréia e creatinina, hemograma, urina I e radiografia de tórax. Os critérios para a suspensão da terapêutica foram: 1) ausência de melhora neurológica após o sexto pulso; 2) exame neurológico normal ou pequenos sinais de neuropatia; e 3) presença de processo infeccioso grave.

Seguimento. O exame neurológico foi repetido antes de cada pulso e quantificado através dos graus de incapacidade14. A doença sistêmica foi monitorizada pelas manifestações clínicas e por exames séricos de atividade inflamatória.

RESULTADOS

Avaliação clínico-laboratorial

Os oito pacientes foram internados na DCN do HC/FMUSP: sete eram do sexo feminino e um do sexo masculino; cinco eram brancos, dois negros e um amarelo; a média de idade foi 55,9 anos, variando de 45 a 65 anos. Clinicamente, a hipertensão arterial ocorreu em seis pacientes, anemia em dois, acidente vascular cerebral em dois, alterações cutâneas em 3, trombose venosa profunda em um, febre em um e emagrecimento em um (Tabela 1). Todos os pacientes iniciaram as manifestações neurológicas com parestesias; em quatro, dores ocorreram associadamente. A quantificação da força muscular15 evidenciou assimetria do exame neurológico em quatro pacientes (Tabela 2).

Segundo critérios clínico e laboratoriais, quatro pacientes apresentavam poliarterite nodosa (PAN)16, um lupus eritematoso sistêmico17, um artrite reumatóide12, um vasculite isolada do sistema nervoso periférico18 e um vasculite livedóide19-21. A velocidade de hemossedimentação estava aumentada em todos os pacientes e a mucoproteína, em cinco. Os exames imunológicos no soro para lues, VHC e HIV foram negativos e apenas um paciente apresentou positividade para anticorpo contra o antígeno de superfície do VHB (IgG). Os demais exames séricos do protocolo foram normais. O exame do LCR foi normal em todos os pacientes. Nos Pacientes 3 e 7, a TC de crânio mostrou área isquêmica encefálica; nos demais pacientes, a investigação radiológica do protocolo foi normal.

Exame eletroneuromiográfico e biópsia de nervo sural

O estudo eletrofisiológico (Tabela 3) mostrou mononeuropatia múltipla em quatro pacientes e polineuropatia nos restantes. Os nervos examinados mostraram diminuição na amplitude do potencial de ação com dispersão temporal em todos os pacientes. A lesão predominante foi axonal em três, mista em quatro e desmielinizante em um.

Na biópsia de nervo sural, o infiltrado inflamatório linfomononuclear intra-mural ou peri-vascular estava presente em todos os casos (Fig 1), necrose fibrinóide em 3 (Fig 2), oclusão vascular em sete e trombose em um. A perda focal de fibras nervosas (Fig 3), denotando assimetria de acometimento fascicular, ocorreu em três. As análises semi-quantitativas dos cortes semi-finos e da microdissecção de fibra única foram concordantes e mostraram predomínio de lesão axonal e graus variados de desmielinização segmentar e remielinização (Tabela 4).




Terapêutica intravenosa e seguimento

A evolução neurológica de cada paciente é mostrada na Tabela 5. A incapacidade motora melhorou em cinco pacientes, permaneceu inalterada em dois e um paciente faleceu. As queixas de dores e parestesias diminuiram após o primeiro pulso. A melhora motora objetiva iniciou-se após o terceiro ou quarto pulso. A recuperação foi mais significativa nos Pacientes 1, 2,e 4, os quais apresentavam menor intervalo de tempo entre o início dos sintomas neurológicos e a instituição da terapêutica; os Pacientes 5 e 8 permaneceram estáveis e este intervalo foi de 3 e 4 anos, respectivamente.

O tempo médio de seguimento foi 28,3 meses. Exceto o Paciente 6 que cursou com artrite do cotovelo durante o primeiro pulso, os demais não apresentaram novas manifestações neurológicas ou clínicas de vasculite sistêmica. O Paciente 7 tinha diagnóstico de PAN desde 1989 e estava em uso de prednisona sem melhora neurológica e com controle parcial das úlceras cutâneas dos membros inferiores. Na sua última internação, em 1994, apesar do terceiro pulso endovenoso, cursou com necrose distal dos 4 membros. Foram realizadas duas sessões de plasmaférese (60 ml/Kg, com reposição de albumina 4%), evoluindo com distensão abdominal e choque hipovolêmico, falecendo. A necrópsia revelou vasculite no tecido cutâneo dos quatro membros, pulmões e paredes gástrica e intestinal.

Os efeitos colaterais restringiram-se a distúrbios gástricos (náuseas e vômitos) em dois pacientes, com a administração da ciclofosfamida. Em três ocasiões, as aplicações foram postergadas em virtude de processo infeccioso (dois pacientes com infecção do trato urinário e um com abscesso em região glútea). Durante e após o emprego dos pulsos mensais não foram observados diabetes mellitus, efeito cushingóide nem processo infeccioso disseminado.

DISCUSSÃO

O sistema nervoso periférico é frequentemente acometido nas vasculites sistêmicas2,4, na PAN chegando a 50%4,22. Em metade de nossos pacientes este foi o diagnóstico final. Convém notar que, em sete pacientes, as manifestações neurológicas periféricas inauguraram a doença. É citado que a mononeuropatia múltipla confluente ocorre em 50% dos casos4; metade de nossos pacientes apresentava exame neurológico assimétrico, confirmado pelo estudo eletroneuromiográfico. Dos exames laboratoriais, a velocidade de hemossedimentação foi o único alterado em todos os pacientes; no entanto, lembramos a pouca especificidade desse exame. A antigenemia para hepatite B ocorre em 30% dos casos de PAN5. Na nossa casuística um paciente apresentou positividade para anticorpo anti-VHB.

Em três pacientes, a biópsia do nervo sural mostrou evidências inequívocas de vasculite. Nos demais, os achados de oclusão da luz vascular e infiltrado inflamatório perivascular ou intra-mural sugerem que o vaso foi alvo da agressão2,3,11. Os achados clássicos de vasculite foram vistos em pacientes que não receberam corticosteróides previamente à biópsia. O efeito anti-inflamatório do corticosteróide, frequentemente usado na prática clínica23, assim como o caráter segmentar do processo vasculítico, podem justificar a confirmação de vasculite em somente três de nossos casos.

A terapêutica para vasculite baseia-se na imunossupressão. Estes pulsos mostraram-se úteis em cinco pacientes e com baixa incidência de efeitos colaterais. Concluímos que esta forma de terapêutica deve ser considerada no tratamento da vasculite do sistema nervoso periférico, necessitando de maior amostragem e comparação com outros esquemas terapêuticos. O acompanhamento a longo prazo é fundamental para estabelecer o número ideal de pulsos, frequência de recidiva e a melhor terapêutica de manutenção.

Dra. Angelina M.M. Lino - Laboratório de Neuropatologia Experimental, Departamento de Patologia - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - Av. Dr Arnaldo 455 - 01246-000 São Paulo SP - Brasil.

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    Estudo realizado pelo Grupo de Nervos Periféricos da Disciplina de Neurologia Clínica e do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade de São Paulo (USP):
    Médica Pós-Graduanda do Departamento de Patologia FMUSP, Médica-Assistente da Divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, Ex-Médica Preceptora do Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica (DCN) do Hospital das Clínicas (HC)/FMUSP;
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    Doutora, Médica-Assistente do Serviço de Neurologia Clínica da DCN do HC/FMUSP;
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    Médico Pós-Graduando do Departamento de Neurologia da FMUSP;

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    Professora-Doutora, Laboratório de Neuropatologia Experimental do Departamento de Patologia da FMUSP;

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    Professor Titular da Disciplina de Neurologia Clínica do Departamento de Neurologia da FMUSP;

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    Livre Docente, Professor Associado da Disciplina de Neurologia Clínica da FMUSP. Aceite: 6-fevereiro-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 1998

    Histórico

    • Aceito
      06 Fev 1998
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