Acessibilidade / Reportar erro

A resposta metabólica ao trauma cranioencefálico é autolimitada? Análise das proteínas de fase aguda e glicemia

Is the metabolic response self-limited in head trauma? Analysis of acute phase proteins and glycemia

Resumos

Nos últimos anos tem havido referências à limitação da resposta metabólica nas duas primeiras semanas após trauma cranioencefálico (TCE). Foi feita proposta de estudo a partir de experimento clínico em pacientes com trauma encefálico grave, que foram avaliados por volta de 7 dias após a lesão (M1). A segunda avaliação ocorreu 4 dias após (M2), e a terceira 3 a 4 dias após (M3). Em um período de 2 anos, foram selecionados 28 pacientes do sexo masculino, com trauma encefálico grave, escala de gravidade de Glasgow entre 4 e 6. Dentre os 28 pacientes, 6 completaram o estudo proposto. Os pacientes foram acompanhados clinicamente durante toda a fase do experimento. Em cada um dos momentos de análise, foram feitas análises da excreção nitrogenada e proteínas de fase aguda. Da mesma forma foram feitas determinações da glicemia plasmática, N-amínico e triglicerídeos. Os resultados do estudo demonstraram não haver modificações no balanço nitrogenado, normalização da proteína-C-reativa e redução relativa da glicemia ao final do experimento. Os autores tecem considerações sobre os possíveis mecanismos envolvidos na modulação da resposta metabólica e concluem que o hipermetabolismo, a basear-se na análise da glicemia e das proteínas de fase aguda, não persiste além do 13° dia do período de recuperação pós-trauma. São feitas sugestões de estudos futuros que possam elucidar os mecanismos envolvidos na normalização do hipercatabolismo e hipermetabolismo observados nas duas primeiras semanas após TCE.

trauma cranioencefálico; proteínas de fase aguda; metabolismo protéico


There are many reports supporting a self-limitation mechanism involved with hypermetabolic response after severe cranial injury. It was proposed a study with severe head injury patients, in three stages of the evolution. The first 7 days after admission (moment 1- M1), the second three days latter (M2) and the last 7 days after the first (M3). Among male patients with severe head injury, attended between January 1992 and December 1993 in University Hospital of Botucatu, UNESP, were selected 28 male patients, with Glasgow severity scale between 4 and 6, with pO2< 70 mm Hg, weighting 60 kg or more. Among these patients, 6 finished the study, including analysis of the excretion of N, acute phase proteins, glycemia, triglycerides and amine nitrogen. During the study there were no changes in nitrogen balance and there was a decrease in protein C-reative. Glycemia tends to fall within two weeks after injury. The authors make some considerations about possible mechanisms involved in brain modulation associated with the period of dependence of hypermetabolism and hypercatabolism after closed brain injury. There are some evidences that the brain responds to head trauma with a gobal non specific way, which tends to be reorganized beyond the first two weeks after lesion. The study does not show any influence of the type and severity of head trauma.

head injury; trauma; acute phase proteins; protein metabolism


A RESPOSTA METABÓLICA AO TRAUMA CRANIOENCEFÁLICO É AUTOLIMITADA?

ANÁLISE DAS PROTEÍNAS DE FASE AGUDA E GLICEMIA

ARTHUR O. SCHELP* * Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP): Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica; ** Professora Assistente de Clínica Médica; *** Professor Assistente de Neurocirurgia; **** Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR); ***** Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998. , APARECIDA Y.O. ANGELELI ** * Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP): Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica; ** Professora Assistente de Clínica Médica; *** Professor Assistente de Neurocirurgia; **** Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR); ***** Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998. , MARCO A. ZANINI*** * Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP): Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica; ** Professora Assistente de Clínica Médica; *** Professor Assistente de Neurocirurgia; **** Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR); ***** Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998. , HISACHI TSUJI**** * Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP): Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica; ** Professora Assistente de Clínica Médica; *** Professor Assistente de Neurocirurgia; **** Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR); ***** Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998. , ROBERTO C. BURINI***** * Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP): Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica; ** Professora Assistente de Clínica Médica; *** Professor Assistente de Neurocirurgia; **** Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR); ***** Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998.

RESUMO - Nos últimos anos tem havido referências à limitação da resposta metabólica nas duas primeiras semanas após trauma cranioencefálico (TCE). Foi feita proposta de estudo a partir de experimento clínico em pacientes com trauma encefálico grave, que foram avaliados por volta de 7 dias após a lesão (M1). A segunda avaliação ocorreu 4 dias após (M2), e a terceira 3 a 4 dias após (M3). Em um período de 2 anos, foram selecionados 28 pacientes do sexo masculino, com trauma encefálico grave, escala de gravidade de Glasgow entre 4 e 6. Dentre os 28 pacientes, 6 completaram o estudo proposto. Os pacientes foram acompanhados clinicamente durante toda a fase do experimento. Em cada um dos momentos de análise, foram feitas análises da excreção nitrogenada e proteínas de fase aguda. Da mesma forma foram feitas determinações da glicemia plasmática, N-amínico e triglicerídeos. Os resultados do estudo demonstraram não haver modificações no balanço nitrogenado, normalização da proteína-C-reativa e redução relativa da glicemia ao final do experimento. Os autores tecem considerações sobre os possíveis mecanismos envolvidos na modulação da resposta metabólica e concluem que o hipermetabolismo, a basear-se na análise da glicemia e das proteínas de fase aguda, não persiste além do 13° dia do período de recuperação pós-trauma. São feitas sugestões de estudos futuros que possam elucidar os mecanismos envolvidos na normalização do hipercatabolismo e hipermetabolismo observados nas duas primeiras semanas após TCE.

PALAVRAS-CHAVE: trauma cranioencefálico, proteínas de fase aguda, metabolismo protéico.

Is the metabolic response self-limited in head trauma? Analysis of acute phase proteins and glycemia

ABSTRACT - There are many reports supporting a self-limitation mechanism involved with hypermetabolic response after severe cranial injury. It was proposed a study with severe head injury patients, in three stages of the evolution. The first 7 days after admission (moment 1- M1), the second three days latter (M2) and the last 7 days after the first (M3). Among male patients with severe head injury, attended between January 1992 and December 1993 in University Hospital of Botucatu, UNESP, were selected 28 male patients, with Glasgow severity scale between 4 and 6, with pO2< 70 mm Hg, weighting 60 kg or more. Among these patients, 6 finished the study, including analysis of the excretion of N, acute phase proteins, glycemia, triglycerides and amine nitrogen. During the study there were no changes in nitrogen balance and there was a decrease in protein C-reative. Glycemia tends to fall within two weeks after injury. The authors make some considerations about possible mechanisms involved in brain modulation associated with the period of dependence of hypermetabolism and hypercatabolism after closed brain injury. There are some evidences that the brain responds to head trauma with a gobal non specific way, which tends to be reorganized beyond the first two weeks after lesion. The study does not show any influence of the type and severity of head trauma.

KEY WORDS: head injury, trauma, acute phase proteins, protein metabolism.

A elevada incidência do traumatismo cranioencefálico (TCE) observada nas últimas décadas, com alta taxa de mortalidade e elevada permanência hospitalar, comparados a traumatismos em outros órgãos e sistemas1, 2, levaram a um crescente interesse no estudo das peculiaridades do trauma encefálico. Autores como Hackl e col.3, chegam a afirmar que "o prognóstico de pacientes com trauma cranioencefálico severo, seria devido mais à hipertensão intracraniana e distúrbios metabólicos adjacentes, do que propriamente aos cuidados terapêuticos usuais e medidas gerais de reabilitação".

Diversos estudos demonstram que a resposta inflamatória e neuroendocrinológica que se segue à lesão encefálica teria sua expressão limitada às duas primeiras semanas após o trauma4-6. Dentre as alterações mais marcantes está a hiperglicemia, associada diretamente ao prognóstico do trauma7. No que se refere ao metabolismo protéico-energético, Young et al.8 demonstraram que as proteínas de fase aguda tendem à normalização passadas duas semanas após o TCE. A influência do tipo da lesão intracraniana é comumente associada ao prognóstico do TCE , de forma que se estabeleceu para pacientes com escore de Glasgow entre 3 a 5 , uma taxa de mortalidade de 30% a 74% e, dependendo da lesão, boa recuperação entre 6% a 52%9.

Para analisar a resposta metabólica ao TCE e o período pelo qual ela se mantém, em pacientes com diferentes graus de TCE fechado e grave, foi proposto um experimento avaliando pacientes com TCE grave e fechado (escala de Glasgow10 entre 4 e 6 à entrada) com escores na escala de Insbruck11 entre 10 e 20 no início do estudo. O estudo incluiu análise das proteínas da fase aguda, bem como outros aspectos do metabolismo protéico-energético.

MATERIAL E MÉTODOS

Seleção dos pacientes

Na seleção dos pacientes incluídos no estudo utilizou-se como primeiro critério a presença de TCE fechado, com ou sem hematoma intracraniano e escala de gravidade do trauma encefálico de Glasgow10 entre 4 e 6, no momento de entrada no hospital. Na análise da evolução do quadro clínico ao longo do experimento, utilizou-se a escala de coma de Insbruck11 com escores entre 10 e 20, para designar a transição da fase de comprometimento córtico-reticular no trauma encefálico difuso, para a fase em que acontece uma recuperação gradativa das funções cognitivas corticais (fase apalidal traumática). Não foram considerados para o estudo, pacientes menores de 20 anos ou maiores de 45. Foram excluídas as pacientes do sexo feminino. O protocolo de pesquisa foi aprovado pela Comissão de Ética do Hospital das Clínicas, da FM/UNESP, Botucatu, sob o número 074/91-CEM.

Após minuciosa avaliação da história pregressa, foi feita breve retrospectiva dos hábitos alimentares dos pacientes, com a finalidade de acumular dados sobre o estado nutricional pré-morbido. Não foram incluídos na análise, pacientes com evidências de comprometimento pulmonar grave, que implicassem em pressão parcial de O2 inferior a 70 mmHg. Ainda na seleção do grupo de pacientes, foram também excluídos aqueles com queimaduras ultrapassando 5% da superfície corporal, peso inferior a 60 Kg , história prévia de doenças metabólicas, fraturas de ossos longos e uso de corticoesteróides, à época da avaliação metabólica.

Para o reconhecimento completo e adequado do quadro fisiopatológico, associado ao TCE, foram realizados estudos angiográficos e tomográficos que, juntamente com o quadro clínico de entrada e evolução, permitiram estabelecer a época para o início do estudo, a coincidir com o início ou vigência da fase de fluxo, hipercatabólica, em torno de 7 dias após o trauma.

Decorridos três dias após o trauma e não havendo intercorrências, isto é, re-operações, infecções graves com septicemia, infarto do miocárdio ou outras complicações que interferissem no metabolismo protéico-energético, foram os pacientes considerados para inclusão no protocolo de estudo. No período de dois anos, de janeiro de 1992 a dezembro de 1993, 28 pacientes preencheram os critérios para inclusão no estudo. Foi iniciado o protocolo em 9 pacientes. Dentre estes, 6 completaram o estudo conforme o proposto.

Duração do estudo e delineamento experimental

Havendo estabilidade do quadro neurológico, ou seja, ausência de piora ou flutuações do estado clínico, com padrão respiratório estável, iniciou-se a primeira avaliação (M1). Após o primeiro momento, seguiram-se outros dois, a intervalos de 3 a 4 dias, designados como M2 e M3 (Fig 1).Apremissa foi a de que diferentes aportes de glicose, frente às concentrações constantes e adequadas de proteínas (2 a 3 g/Kg/dia), provocariam distintas modificações no metabolismo protéico, em um indivíduo que se comportaria como controle de si mesmo. Foi feita opção pela administração de dietas pela via enteral, o mais precoce possível, a volumes reduzidos, de tal forma que entre 6 e 10 dias após o trauma, estivessem os pacientes recebendo 3200 calorias, a serem aumentadas às custas de glicose via parenteral, por volta do 12° dia, com aporte atingindo 4400 Kcal/24 horas.


A glicose, uréia e triglicerídeos foram determinados espectrofotometricamente no plasma mediante uso de autoanalisador (Método enzimático - Technicon® RA 1000). A análise colorimetrica do nitrogênio amínico foi feita conforme a metodologia de Ibbot, FA.12. A proteína C reativa foi determinada pelo método nefelométrico (Hoechst® do Brasil, Química e Farmacêutica S.A. Setor Diagnóstico Behring® -Nefelômetro 100) As demais proteínas de fase aguda foram determinadas por imunodifusão radial (Partigen - Hoechst, divisão ® Behring®).

Foram feitas diferentes análises bioquímicas a cada dia do estudo. Às 8:00 horas foi feita coleta da urina residual, com determinação de proteínas de fase aguda (albumina, transtirretina- TTR e proteína de ligação do retinol- RBP); coleta de sangue para dosagens de glicose, creatinina, ácidos graxos livres, triptofano livre, triglicerídeos e uréia plasmáticos. Às 12:30 foi feita coleta de sangue para dosagem de triglicerídeos, uréia e glicemia. Às 17:00 foi feita nova coleta de urina e sangue para dosagem de glicose, triglicerídeos e uréia. Do volume total das 24 horas, foram determinados o balanço nitrogenado13, índice catabólico e glicosúria.

A instalação da sonda nasogástrica foi feita no primeiro dia de internação, com oferta de dieta enteral a partir do terceiro dia. A dieta básica foi constituída de cerca de 3200 Kcal de energia, com 130 g de proteína.. A infusão da dieta D1, foi iniciada lenta e gradualmente até atingir o volume desejado. Este esquema nutricional foi mantido até 6 a 10 dias após o trauma. A dieta denominada como D2, era constituída da dieta D1 acrescida de glicose hipertônica a 50%, em volume de 500 a 600 mL (1200 Kcal), em infusão e.v. de 2 mg/Kg/min., fornecendo cerca de 4 mg/Kg/min. A infusão de glicose mantida até o dia seguinte às 8:00 horas.

Foram calculados, para cada momento, a média (x) e a mediana (Md) assim como medidas de tendência central e o desvio padrão (dp) como medida da variabilidade. Em todas as análises, as estatísticas calculadas foram consideradas significativas quando p < 0, 05.

Evolução e características clínicas dos pacientes

TCE 1. Paciente JGS, sexo masculino, 39 anos, registrado no HC/FM de Botucatu sob o número 262489-3, procedente de Botucatu, SP, deu entrada no serviço de pronto-socorro com história de queda de um telhado com cerca de 2 metros de altura, apresentando o seguinte quadro: ausência de abertura ocular espontânea; ausência de respostas à solicitação verbal; aos estímulos nociceptivos havia resposta em flexão bilateral, sem localização; padrão respiratório normal; pupilas isocóricas com reflexo fotomotor presente, bilateral; hemiparesia a esquerda (E); hematoma peri-orbicular à E; reflexo cutâneo-plantar em extensão, bilateral. Gravidade do trauma: Glasgow 6.

Após a admissão foi feito RX de crânio que evidenciou fratura da base do crânio temporal, à direita (D). Carótido-angiografia cerebral evidenciou sinais indiretos de edema em região temporal à E, consistente com contusão temporal, do mesmo lado. Paciente foi então entubado, passando a ter ventilação mecânica assistida.

Cinco dias após a internação, o paciente apresentava discreta melhoria do padrão de resposta motora , com sinais clínicos de comprometimento do lobo frontal, caracterizado pela presença de reflexo de preensão palmar à D, com persistência da hemiparesia à E e reflexo cutâneo-plantar em extensão bilateral. Neste dia foi feita a primeira avaliação metabólica, assim como 3 dias e 6 a 7 dias após.

No decorrer das análises subsequentes, o paciente apresentou quadro de infecção pulmonar, com melhoria gradativa e significativa do quadro neurológico. Na avaliação longitudinal da evolução clínico-neurológica ao longo do experimento, foi possível constatar a virtual ausência de acometimento das funções do tronco cerebral, com evidências do comprometimento bilateral dos hemisférios cerebrais. Sendo assim, este paciente não apresentou quadro "apalidal", de transição, servindo como parâmetro para análise do metabolismo protéico em comprometimento supra-tentorial isolado. No dia do último estudo, o paciente encontrava-se orientado, com respostas verbais e motoras adequadas, sem evidências de processo infeccioso em atividade.

TCE 2. Paciente WGS, de 26 anos, sexo masculino, registrado no HC/FM sob o número 167747, procedente de Botucatu, SP, com história de hipertensão arterial moderada, diagnosticada em 1986, aos 19 anos de idade, foi encaminhado ao serviço de pronto-socorro com relato de queda de uma escada de 3 metros de altura. À entrada apresentava o seguinte quadro clínico: ausência de abertura ocular espontanea; ausência de respostas a comandos verbais simples; postura em descerebração bilateral; hiperventilação neurogênica; pressão arterial 25/13; anisocoria, pupila D maior que a E, bradirreagente. Escala de gravidade: Glasgow 4.

A investigação inicial com carótido-angiografia cerebral à D, demonstrou desvio da artéria cerebral anterior e artéria cerebral média, sugerindo existência de hematoma extradural do mesmo lado. Levado à cirurgia, foi evidenciada a presença de hematoma extradural (± 200 mL), em região temporo-parietal à D, que foi drenado, sem intercorrências. Paciente foi entubado, com ventilação mecânica assistida por ventilador a volume.

Oito dias após a internação, foi realizada a primeira avaliação metabólica do paciente. Neste dia foi possível observar reação do despertar, com abertura dos olhos, à estimulação nociceptiva vigorosa. Mantinha-se a postura em descerebração e era melhor evidenciável presença de midríase, estrabismo e ptose palpebral à D. O paciente encontrava-se afebril e a PA média estava em torno de 14/9. No decorrer das avaliações subsequentes, feitas 3 e 7 dias após, houve melhora progressiva do quadro neurológico, sendo que à época da terceira e última avaliação, ocorreram períodos em que o paciente alternava intensa agitação com postura em descerebração com acalmia e sono. Persistiam episódios de taquicardia com persistência de sinais de comprometimento do III nervo craniano à D. Quatro dias após a última avaliação, o paciente faleceu em quadro de falência de múltiplos órgãos. A avaliação longitudinal do quadro clínico-neurológico ao longo do experimento, permitem concluír que o referido paciente apresentava-se na fase apalidal, de transição para reintegração cortical, ao longo de todo experimento.

TCE 3. Paciente CAFL, de 21 anos, sexo masculino, procedente de Botucatu, SP, foi conduzido ao pronto-socorro com história de acidente automobilistico e admitido com o seguinte quadro clínico: ausência de abertura ocular espontânea; ausência de resposta aos comandos verbais simples; agitação intensa, sem localização de estímulos dolorosos; anisocoria, pupila maior à E, fotorreagente bilateral; hemiparesia à D; hematoma peri-orbicular à D; PA 10/6; fístula liquórica à D? Glasgow 6.

Investigação complementar com carótido-angiografia cerebral não evidenciou desvios vasculares significativos, o que foi interpretado como contusão cerebral. Feita entubação oro-traqueal, com assistência ventilatória assistida com ventilador volumétrico.

Nove dias após a entrada, foi iniciada a análise metabólica do paciente. Naquele dia o paciente encontrava-se melhorado em relação à entrada, torporoso, por vezes abrindo espontaneamente os olhos. Havia suspeição de comprometimento de nervos cranianos (IX, X e VII), sem evidências de processo infeccioso em atividade. No decorrer do estudo, houve recuperação gradativa das funções neurológicas, sendo que ao serem finalizadas as análises, o paciente encontrava-se vigíl, porém ainda com sinais de comprometimento do IX, X e VII nervos cranianos. Na análise clínico-neurológica longitudinal foi possível observar que o paciente se apresentava no período de transição durante o experimento, com intercorrências na época da análise D2. Naquele dia, o paciente estava muito agitado, nescessitando de sedação, tendo desinserido o cateter de punção venosa central, na madrugada precedente ao início do estudo.

TCE 4. Paciente AB, de 30 anos, procedente de Tietê, SP, encaminhado ao pronto-socorro do HC/FM de Botucatu, com história de atropelamento apresentava-se torporoso, com o seguinte quadro clínico: ausência de abertura ocular espontânea; aos comandos verbais apresentava respostas inapropriadas; aos estímulos nociceptivos, havia localização regional com retirada em extensão no membro inferior E e membro superior D e flexão no membro inferior D e membro superior E. Momentos após a admissão apresentou intensa irregularidade do padrão respiratório, nescessitando ser entubado e sendo mantido sob respiração assistida em ventilador volumétrico. Pupilas isocóricas e fotorreagentes; lesão peri-orbicular à D; Pressão arterial 17/9. Houve dúvidas sobre eventual comprometimento de nervos cranianos baixos. Escala de gravidade de Glasgow: 6.

Na investigação de entrada, o RX simples de crânio evidenciou fratura temporal a D. A carótido-angiografia cerebral não evidenciou desvios dos vasos sanguíneos cerebrais.A tomografia de cranio, feita 15 dias após, não revelou anormalidade.

Oito dias após a internação, foram feitos os procedimentos para a primeira avaliação metabólica. Naquele dia, o paciente apresentava abertura ocular espontânea, agitação intensa, redução da paresia observada em membro superior D e membro inferior E e melhoria da função do IX, X e XI nervos cranianos. Sete dias após, na última avaliação, o paciente alternava períodos de sono com períodos de vigília com acometimento parcial das funções do IX, X e XI nervos cranianos, com traqueostomia e respiração espontânea. A avaliação longitudinal do quadro clínico-neurológico ao longo do experimento demonstrou que o paciente se apresentava no período "apalidal", com envolvimento de nervos cranianos e distúrbios do ciclo vigília-sono. A avaliação posterior, realizada 6 meses após, revelou regressão total do quadro com hipoacusia à D, que foi imputada à lesão mecânica do aparato auditivo.

TCE 5. Paciente MAMN, de 26 anos, procedente de São Manuel, SP, foi encaminhado ao pronto socorro do HC/FM de Botucatu com história de agressão física, apresentando o seguinte quadro clínico: ausência de abertura ocular espontânea; ausência de resposta aos comandos verbais; resposta motora em descerebração aos estímulos nociceptivos, pupilas anisocóricas, midríase não fotorreagente à D; ventilação mecânica assistida; pressão arterial flutuando entre 13/7 e 16/10; afebril. Escala de gravidade: Glasgow 4.

Na investigação inicial, a carótido-angiografia cerebral à D evidenciou presença de hematoma extra-dural em região têmporo-parietal à D. Levado à cirurgia, foi constatada presença de hematoma fronto-temporo-parietal à direita, que foi drenado, sem intercorrências. Quando da primeira avaliação metabólica , o paciente, encontrava-se praticamente inalterado em relação à entrada, traqueostomizado e com níveis de pressão arterial mais estáveis, em torno de 13/8. Ao ser feito o segundo estudo, o paciente apresentava picos de hipertermia, devidos a processo infecioso de origem pulmonar, o que persistiu até o final do experimento Na época da terceira e última avaliação do metabolismo protéico energético, o paciente já esboçava abertura ocular espontânea, ficando melhor evidenciada a presença de ptose palpebral à D. Mantinha , no entanto, postura em descerebração à estimulação nociceptiva. A avaliação longitudinal do quadro clínico-neurológico demonstrou que o paciente se manteve no período "apalidal" de transição com postura em descerebração e transtornos do ciclo vigília-sono. Por ocasião da alta hospitalar, 2 meses após, havia regressão total dos sinais e sintomas referidos.

TCE 6. Paciente ESR, de 22 anos, procedente de Botucatu, SP, deu entrada no pronto-socorro do HC/FM de Botucatu com história de acidente automobilistico, com o seguinte quadro clínico: ausência de abertura ocular espontânea; ausência de resposta aos comandos verbais; à estimulação nociceptiva presença de hemiparesia à D ficando evidente resposta em flexão; respiração espontânea, isocórico, fotorreagente; afebril; pressão arterial 16/9. Escala de gravidade: Glasgow 6.

A investigação inicial, com carótido-angiografia cerebral à E, revelou presença de discreto rechaçamento da artéria cerebral média, no sentido superior, com ausência de circulação até as regiões mais corticais. Levado à trepanação, ficou evidenciada a presença de hematoma subdural laminar, com contusão e laceração do lobo temporal à E. Feita a drenagem, com hemostasia e aspiração dos tecidos lacerados. Não houve intercorrências durante a intervenção cirúrgica.

Oito dias após, ao ser ralizada a primeira avaliação do metabolismo protéico-energético, o paciente apresentava-se, traqueostomizado, com picos de hipertermia, mantendo quadro neurológico de entrada. A investigação complementar revelou presença de meningite bacteriana, associada a broncopneumonia. Apesar da gravidade em potencial do quadro infeccioso, o estudo foi realizado sem intercorrências. Quando da segunda avaliação, três dias após, o paciente persistia com infecção pulmonar, mantendo picos febris e pO2 em torno de 104. Naquele dia já era observável a abertura ocular às solicitações verbais.

Ao ser feito o terceiro e último estudo, o paciente apresentava abertura ocular espontânea e atendia aos comandos verbais, com respostas confusas e inapropiadas, com persistência da hemiparesia à D. Havia melhora do quadro pulmonar e não mais apresentava febre. A tomografia computadorizada de crânio, dois meses após o trauma, revelou imagens hipodensas, localizadas na regiões frontais à D e E, bem como em região temporo-parietal à esquerda, comunicando-se com a cisterna quadrigêmea daquele lado. A análise longitudinal revelou que este paciente, à semelhança do Paciente 4, apesas de apresentar inúmeras intercorrências, incluindo infecção do sistema nervoso central, não tinha evidências de comprometimento de funções do tronco cerebral ao longo do processo de recuperação do trauma encefálico.

RESULTADOS

Evolução clínica

É possivel observar que dentre os pacientes, 4 encontravam-se em fase de transição da fase de comprometimento do tronco para uma fase "apalidal traumática", a coincidir aproximadamente com o momento M2. Os dois pacientes restantes, mesmo não apresentando acometimento infratentorial, tiveram melhoria significativa do quadro neurológico, com intersecção ocorrendo em M2, de maneira análoga aos pacientes citados primeiramente. Intercorrências clínicas, como infecções graves, (Paciente 6, meningite) ou mesmo falência de múltiplos órgãos, observada dias após o término do experimento no Paciente 2, não parecem ter interferido de maneira significativa, na resposta metabólica analisada. É importante salientar que este comentário, se refere especificamente à época do estudo. Dois casos , com inchaço cerebral (brain swelling), não se enquadrariam adequadamente como estando na fase de transição para síndrome apalidal traumática. Por definição, estes pacientes não apresentam comprometimento primário do tronco cerebral14 .No entanto a inclusão destes pacientes foi feita por critérios préviamente estabelecidos, que não permitiam estabelecer com segurança a inexistência de comprometimento de estruturas do tronco cerebral (i.e. ressonância magnética e/ou potenciais evocados).

Proteínas da fase aguda

A análise das proteínas reativas da fase aguda (Tabela 1), mostrou diferença entre os momentos inicial (M1) e final (M3) apenas para a proteína C reativa, que caiu significativamente.Mesmo sem significância estatística, notou-se diminuição nos níveis de ceruloplasmina com elevação nos níveis de RBP e TTR.

Evolução das variáveis plasmáticas

Os valores da glicemia, triglicerídeos e aminoácidos plasmáticos nos vários tratamentos, encontram-se na Tabela 2. Observa-se que a elevação da glicemia após administração de glicose não foi estatisticamente significante, apesar de tendência a queda em M3, assim como para as variações verificadas com os triglicerídeos.

DISCUSSÃO

Aspectos clínicos e metabólicos dos pacientes estudados

Existe consenso quanto aos efeitos do TCE sobre o metabolismo e catabolismo protéicos, nas fases precoces de recuperação6,15. A resposta aguda ao TCE parece ser independente da presença de traumatismos sistêmicos associados ou não16.

A escala de gravidade do coma após TCE, proposta por Teasdale10, do grupo de Glasgow, foi uma tentativa de aperfeiçoar os aspectos prognósticos da lesão encefálica traumática, em função da recuperação social do indivíduo. A escala de Glasgow não faz considerações sobre os distúrbios metabólicos que acompanham o quadro. Não obstante, tem sido relatada correlação entre a gravidade do trauma encefálico, determinado pela escala de Glasgow, e o metabolismo cerebral, avaliado pelo consumo de O217 . Para os pacientes com escores abaixo de 8, há queda de, pelo menos, 50% no consumo de O2. Outros autores, como Haas18, concluem que reduções no consumo de O2, menores que 1/3 do normal, estão associadas a mau prognóstico. Esta correlação não era mais evidenciável se os pacientes fossem avaliados entre 60 e 90 horas após o trauma. Estes achados confirmam que a redução no metabolismo ocorre na fase aguda do trauma, coincidindo com a fase "ebb", de depressão metabólica19.

Neste sentido, este estudo reforça a impressão, de que a escala de trauma morfo-metabólica de Insbruck pode ser aplicada a qualquer tipo de TCE, independendo do momento, extensão e etiologia da lesão.

A opção pela avaliação de pacientes do mesmo sexo, faixa etária, peso e altura, com análise iniciando entre 7 a 10 dias após o trauma incluindo somente pacientes com escala de Glasgow entre 4 e 6 à entrada, propiciou a formação de um grupo homogêneo, em que os indivíduos, ao início do experimento, estavam em fase clínica da transição de síndrome apalidal traumática20 , coincidente com a fase de fluxo, hipermetabólica e hipercatabólica. Não encontramos na literatura qualquer relato de avaliação do metabolismo protéico em condições comparáveis. Se, por um lado, existem limitações na comparação com resultados de outros autores, por outro, abriu perspectivas para que um assunto tão polêmico fosse abordado sob um enfoque distinto. É importante ressaltar que se tratava de um grupo homogêneo do ponto metabólico, com pacientes apresentando hematomas subdurais, extradurais, assim como lesões focais e inchaço cerebral isolado. O fato de um dos pacientes ter falecido, em razão de falência de múltiplos orgãos, dias após a última análise, em nada altera a assertiva de que todos os pacientes, mesmo aqueles com hematoma subdural, de pior prognóstico9, estavam dentro da categoria de boa evolução, no que se refere à lesão causal.

Proteínas de fase aguda e evolução clínica dos pacientes

A visualização dos dados representativos da análise das proteínas de fase aguda, ceruloplasmina, RBP, TTR e alfa-1-antitripsina, representadas na Tabela 1, com pequeno número de dados e desvio padrão elevado, não permite comparações com alto grau de significância. Ainda assim, foi possível constatar diferença significativa para a proteína-C-reativa, que apresentou queda na avaliação final A exceção foi o Paciente 2, que faleceu quatro dias após o final do experimento.

Dentre todos os pacientes, 5 tiveram boa evolução clínica e somente um (Paciente 2) teve evolução fatal por falência de múltiplos órgãos após o momento M3. Apesar da proteína-C-reativa ter valor restrito para diagnóstico diferencial, sua queda após alguns dias é indício consistente de melhoria da lesão, incluindo inflamação e sepsis21. Young e col.8, estudando pacientes com trauma encefálico divididos em dois grupos, verificaram que, tanto o primeiro, constituído de 9 pacientes com Glasgow < 4 nas primeiras 24 horas, como o segundo, com 16 pacientes e Glasgow > 8, apresentavam queda significativa da proteína-C-reativa em torno do 14° dia pós-trauma. A estabilização, em níveis relativamente elevados, persistiu até pelo menos o 20° dia do período de recuperação. Chama atenção que os menores valores foram observados em pacientes com Glasgow < 4 , atingindo o pico de 150±23 mg/dL por volta do 4° dia. O comportamento da proteína-C-reativa passa a ser mais um argumento a favor de que as repercussões metabólicas e inflamatórias do TCE não persistem além de duas semanas após lesão do tecido encefálico. McClain e col.22, apresentaram resultados comparáveis, com pico no 4° dia e queda entre o 13° e o 16° dias.

Evolução da glicose, triptofano e triglicerídeos plasmáticos.

A observaçãoda Tabela 2 demonstra não haver alterações significativas da tirosina, N-amínico e glicemia no período estudado. É possível constatar relativa redução nos níveis do triptofano, assim como aparente normalização da glicemia. Na análise dos dados nessa tabela, devemos tomar em consideração que todas as análises foram feitas às 8:00 horas, período em que os pacientes ainda não haviam recebido dieta pela sonda nasogástrica. Este dado leva a concluír que os pacientes estavam em jejum de 8 horas em M1 e recebendo cerca de 3 mg/Kg /min-1de glicose em M2.

A hiperglicemia, induzida pelas catecolaminas, parece ser resultado tanto do aumento na liberação hepática de glicose , como da redução do "clearence" da glicose. As demonstrações de que, após 90 minutos de infusão contínua de epinefrina, existe retorno dos níveis de liberação hepática da glicose à normalidade23, levam a concluir que a manutenção dos níveis de hiperglicemia em pacientes submetidos a estresse, deve-se, basicamente, à redução do "clearence" plasmático da glicose, dependente da ação do cortisol24, que se mantém em níveis elevados semanas após o TCE. Diversos estudos realizados nas últimas décadas, têm reforçado estes conceitos, permanecendo o consenso de que a hiperglicemia aguda, observada em situações de estresse e hemorragia, é determinada nas primeiras horas, tanto pela ação das catecolaminas liberadas pelo sistema nervoso autônomo simpático, no fígado, como pelas catecolaminas circulantes, liberadas pelas glândulas adrenais25. Já a manutenção da hiperglicemia por períodos mais prolongados parece estar associada à ação sinergística da adrenalina e do glucagon com o cortisol plasmático, que pode permanecer elevado por semanas após trauma encefálico26. Um aspecto que chama a atenção no presente estudo, foi o de não ter sido observada glicosúria ou cetonúria em nenhum dos momentos de estudo em qualquer um dos pacientes analisados, mesmo considerando que foram infundidos 6 mg/Kg/min de glicose em M2. Este achado aponta para plena capacitação de oxidação da glicose.

Análise dos dados bioquímicos e metabólicos e evolução dos pacientes

Os estudos demonstrando que 600 gramas de glicose, mesmo sendo suficientes para uma completa supressão da neoglicogênese hepática27, não provocam modificações significativas no balanço nitrogenado em indivíduos normais, ou mesmo politraumatizados, são confirmados neste estudo, realizado em pacientes com TCE. Não foi possível demonstrar queda no balanço nitrogenado após a segunda semana do período pós-traumático. Deutschman e col.5,6,28 questionam os autores que relacionam o aumento da excreção de nitrogênio com a resposta hormonal ao trauma encefálico. A imobilização no leito seria responsável pela excreção elevada de nitrogênio semanas após a lesão. As respostas motoras com hipertonia, responderiam pelo aumento do consumo energético15,29,30 já nas fases mais precoces de recuperação do trauma. O gasto energético basal (GEB) apresenta elevação significativa nas duas primeiras semanas, podendo estar aumentado em até quatro vezes em pacientes com rigidez em descerebração15. As infecções respiratórias, intercorrência frequente nos pacientes com TCE, parecem não influir de maneira significativa sobre o GEB31.

É possível observar, como demonstrado, que as proteínas de fase aguda, assim como a glicemia, apresentam razóavel correlação com a evolução neurológica, tendendo à normalidade passadas duas semanas. A visualização global dos resultados confirma as impressões de Deutshman e col.5,6,28 e Young e col.8, de que o trauma encefálico fechado, diferentemente das lesões que não comprometem o crânio, tem a resposta hipermetabólica restrita às primeiras duas semanas do período de recuperação, independentemente da gravidade e localização das lesões. A justificativa para esta periodicidade pode estar ligada a distintos fatores. As respostas neuroendocrinológicas mediadas pelo eixo hipotálamo-hipofisiário-adrenal estão associadas a mecanismos de "feed-back", que ocorrem em vários níveis. É possível afirmar que as reações ao estresse têm diferentes graus de especificidade, podendo ser adequadas ou não para a manutanção da homeostase. A pergunta que se coloca é a de que se a resposta é ou não apropriada; e no caso de ela ser adequada, se é exagerada ou não. A elucidação dos fatores e mecanismos que regulam a manutenção da resposta é essencial na abordagem terapêutica do TCE.

Em 1959, Hume e Egdahl32 chamaram a atenção para a importância do encéfalo na resposta endocrinológica ao trauma. Os autores concluiram que a secreção de ACTH e corticoesteróides adrenais, era controlada por mecanismos neuro-humorais, localizados em várias áreas cerebrais. Dentre as respostas metabólicas ao trauma, destaca-se o aumento na liberação de cortisol e a pronunciada elevação da glicose. Estas respostas são ainda mais evidentes no TCE28,33, acompanhadas de incrementos do catabolismo protéico, que persistem por semanas após a lesão16,29.Woolf et al.34 demonstraram que a elevação inicial do cortisol independe da gravidade do trauma ou mesmo do estado de consciência do paciente. A exceção é encontrada naqueles pacientes com lesões muito severas que evoluem para óbito30 . É possível pressupor também que, uma eventual persistência da hiperglicemia , relatada por vários autores28,35, estejaligada não só aos níveis plasmáticos de cortisol36, mas também à ação das interleucinas e prostaglandinas37,38. A demonstração de que a infusão combinada de cortisol, insulina e glucagon, por período superior a 3 dias24, falha na manutenção da resistência insulínica, é mais uma evidência do papel das citoquinas na gênese da proteólise observada nas primeiras semanas após o TCE. A queda da glicemia ocorre somente após o final da fase de fluxo, hipercatabólica, que se prolonga, por vezes, além do 10º dia após o trauma19,39. A correlação entre a resposta adrenérgica, hipermetabólica e a evolução do quadro clínico-metabólico foi discutida por Hörtnagl et al.40, que demonstraram queda da atividade do sistema nervoso simpático, ao final da fase de transição da fase mesencefálica para a fase apalidal traumática, com recuperação gradual das funções cognitivas. Estes autores constataram um pico nos níveis de noradrenalina que se iniciava por volta do 15° dia, voltando a cair no final da fase apalidal traumática. Este pico de atividade adrenérgica poderia estar relacionado com a melhoria da consciência e redução da ansiedade no período.

A integridade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal parece ser essencial para o realinhamento metabólico, observado na segunda semana após o TCE. Os distúrbios transitórios das funções do eixo hipotálamo- hipófise- adrenal, após TCE são demonstrados pelo aumento do GH4, que persiste por duas semanas após o trauma, e pode estar acompanhado de resposta anormal ao teste de tolerância à infusão de glicose. Outro aspecto que distingue a resposta do eixo hipotálamo- hipófise-adrenal ao TCE, comparado a traumatismos que não envolvem o encéfalo, é a intensa liberação de vasopressina, associada a situações em que ocorre aumento da pressão intra-craniana41. É evidente que a resposta ao estresse sistêmico depende , basicamente, da manutenção dos agentes etiológicos a ele associados.

No encéfalo parece acontecer uma situação peculiar, ou seja, quando lesado responde de forma inespecífica, intensa e desordenada, com tendência à normalidade passadas duas semanas. Os resultados do experimento, em pacientes com TCE grave e etiopatogenias distintas, reafirmam que a proteína-C-reativa e a glicemia tendem à normalização, naquele período. Os dados são mais uma evidência de que a intervenção nutricional e terapêutica do TCE deve ter como meta a modulação da resposta metabólica.

Estudos do metabolismo protéico-cinético relacionados à hipertensão intracraniana servirão para elucidar a associação entre hipermetabolismo e elevação da pressão intracraniana42. Da mesma forma a análise das citoquinas ao longo da fase de recuperação do TCE contribuirá para o entendimento da fisiopatogenia da resposta hipermetabólica e " auto-limitada", ao TCE, demonstrada por este e outros estudos.

Dr. Arthur O. Schelp ¾ Departamento de Neurologia, Faculdade de Medicina, UNESP ¾ Caixa Postal 540 ¾ 18618-970 Botucatu SP ¾ Brasil. E-mail: aschelp@fmb.unesp.br

  • 1. Andersen J, Sharkey W, Schwartz ML, McLellan BA. Injury severity score, head injury, and patient wait days: contributions to extended trauma patient length of stay. J Trauma 1992;33:219-220.
  • 2. Ruthenford EJ, Morris Jam, Reed GW, Hall KS. Base deficit stratifies mortality and determines therapy. J Trauma 1992;33:417-423.
  • 3. Hackl JM, Gottardis M, Wieser CH, et al. Endocrine abnormalities in severe craniocerebral trauma. Intensive Care Med 1991;17:25-29.
  • 4. King L, Knowles H, Mc Laurin R, et al. Pituitarry hormone response to head injury. Neurosurgery 1981;9:229-235.
  • 5. Deutschman CS, Konstantinides FN, Cerra FB. Hypermetabolism is not persistent in closed-head injury. Crit Care Med 1986;14:336.
  • 6. Deutschman CS, Konstantinides FN, Raup S, Thienprasit P, Cerra FB. Physiological and metabolical response to isolated closed-head injury. Part 1. Basal metabolic state: correlatios of metabolic and physiological parameters with fasting and estresseed controls. J Neurosurg 1986;64:89-98.
  • 7. Merguerian P, Perel A, Wald U, Feinsod M, Cotev S. Persistent non-ketotic hyper-glycemia as a grave prognostic sign in head-injured patients. Crit Care Med 1981;9:838-840.
  • 8. Young B, Ott LG, Beard D. The acute-phase response of the brain-injured patient. J Neurosurg 1988;69:375-380.
  • 9. Gennarelli TA, Spielman GM, Langfitt TW, et al. Influence of the type of intracraneal lesion on out come from severe head injury. J Neurosurg 1982;56:26-32.
  • 10. Teasdale G, Jennet B. Assesment of coma and impaired consciousness: a practical scale. Lancet 1974;2:81.
  • 11. Benzer A, Mitterschiffhaler G, Marosi M, Luef G, Pühringer F, De La Renotiere, Lehner H, Schmutzhard E. Prediction of non-survival after trauma: Innsbruck coma scale. Lancet 1991;338:977-978.
  • 12. Ibbot FA. Amino acids and related substances. In Henry RJ, Cannon DC, Winkelman JW (eds). Clinical chemistry. principles and technics. Hagerstown: Harper & Row, 1974:565-638.
  • 13. Calloway DH, Odell ACF, Margen S. Sweat and miscellaneous nitrogen losses in human balance studies. J Nutrition 1971;101:775-786.
  • 14. Lobato RD, Sarabia R, Cordobes F, et al. Postraumatic cerebral hemispheric swelling. J Neurosurg 1988;68:417-423.
  • 15. Young B, Ott L, Norton J, et al. Metabolic and nutricional sequelae in the non-steroid treated head injury patient. Neurosurgery 1985;17:784-791.
  • 16. Petersen SR, Jeevanandam M, Harrington T. Is the metabolic response to injury different with or without severe head injury? Significance of plasma glutamine levels. J Trauma 1993;34:653-661.
  • 17. Muizellar JP, Obrist WD. Cerebral blood flow and brain metabolism with brain injury. In Becker DP, Povlishock JT (eds). Central nervous system trauma status report. Bathesda: National Institutes of Health, 1985:123-137.
  • 18. Haas WK. Prognostic value of cerebral oxidative metabolism in head trauma. In McLaurin RL (Ed.). Head injury. New York: Grune & Stratton, 1976:35.
  • 19. Cuthbertson DP. Post-shock metabolic response. Lancet 1942;1:433-437.
  • 20. Avenarius HJ, Gerstenbrand F. The transition stage from midbrain syndrome to traumatic apallic syndrome. In Dalle Ore G, Gerstembrand F, Lücking CH, Peters UH (eds). The apallic syndrome. Berlin: Springer, 1977:22-25.
  • 21. Fleck A. Acute phase response: implications for nutrition and recovery. Nutrition 1988;4:109-117.
  • 22. McClain CJ, Twyman DL, Ott LG, et al. Serum and urine zinc response in head-injured patients. J Neurosusg 1986;64:224-230.
  • 23. Rizza R, Haymond MW, Cryer P, Gerich J. Differencial effects of epinephrine on glucose production and disposal in man. Am J Physiol 1979;237:E356-E362.
  • 24. Bessey PQ, Watters JM, Aoki TT, Wilmore DW. Combined hormonal infusion simulates the metabolic response to injury. Ann Surg 1984;200:264-281.
  • 25. Yamaguchi N. Sympathoadrenal system in neuroendocrine control of glucose: mechanisms involved in the liver, pancreas, and adrenal gland under hemorrhagic and hypoglycemic estresse. Can J Physiol Pharmacol 1992;70:167-206.
  • 26. Saccŕ L. Role of counterregulatory hormones in the regulation of hepatic glucose metabolism. Diabetes Metab Rev 1987;3:207-229.
  • 27. Elwyn DH, Kinney JM, Jeevanandam M, Gump FE, Broell JR. Influence of increasing carbohydrate intake on glucose kinetics in injured patients. Ann Surg 1979;190:117-127.
  • 28. Deutschman CS. Physiology and metabolism in closed head injury. World J Surg 1987, 11: 182-193
  • 29. Clifton GL, Robertson CS, Contant LF. Enteral hyperalimentation in head injury. J Neurosurg 1985;62:186-193.
  • 30. Barton R. The neuroendocrinology of phisical injury. Bailličres Clin Endocrinol Metab 1987;1:355-374
  • 31. Grahm TW, Zadrozny DB, Harrington T. The benefits of early jejunal hyperalimetation in the head injured patient. Neurosurgery 1989;25:729-735.
  • 32. Hume DM, Egdahl RH. The importance of the brain in the endocrine response to injury. Ann Surg 1959;150:697-712.
  • 33. Barton RN, Stoner HB, Watson SM. Relationship among plasma cortisol, adrenocorticotrophin, and severity of injury in recently injured patients. J Trauma 1987;27:384-392.
  • 34. Woolf P, Cox C, Kelly M et al. The adrenocortical response to brain injury: correlation with the severity of neurologic dysfunction, effects of intoxication, and patient outcome. Alcoholism 1990;14:917-921.
  • 35. Frayn KN. Hormonal control of metabolism in trauma and sepsis. Clin Endocrinol 1986;24:577-599.
  • 36. Shamoon H, Hendler R, Sherwin RS. Synergistic interactions among antiinsulin hormones in the pathogenesis of stress hyperglicemia in humans. J Clin Endocrinol Metab 1981;52:1235-1241.
  • 37. Baracos V, Rodemann H.P, Dinarello, LA, Goldberg AL. Stimulation of muscle protein degratation and prostaglandins E2 release by leukocytic pyrogen (Interleukin-1). N Engl J Med 1983;308:553-558.
  • 38. McClain CJ, Cohen D, Ott L, Dinarello AL, Young B. Ventricular fluid interleukin-1 activity in patients with head injury. J Lab Clin Med 1987;110:48-54.
  • 39. Chioléro R, Schutz Y, Lemarchand T, et al. Hormonal and metabolic changes following severe head injury or noncranial injury. J Par Enter Nutr 1989;13:5-12.
  • 40. Hörtnagl H, Hammerle, A F, Hackl J M, Brücke T, Rumpl E, Hörtnagl H. The activity of the sympathetic nervous system following severe head injury. Intens Care Med 1980;6:169-177.
  • 41. Born J, Hans P, Smitz S, et al. Syndrome of inappropriate secretion of antidiuretic hormone. Surg Neurol 1985;23:383-387.
  • 42. Bucci MN, Dechert RE, Arnoldi DK, Campbell J, Mc Gillicoddy, IE Bartlett, RH. Elevated intracranial pressure associated with hipermetabolism in isolated head trauma. Acta Neurochir 1988;93:133-136.
  • *
    Departamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP):
    Professor Assistente Doutor de Neurologia Clínica;
    **
    Professora Assistente de Clínica Médica;
    ***
    Professor Assistente de Neurocirurgia;

    ****

    Professor Adjunto de Endocrinologia (UNIMAR);

    *****

    Professor Titular de Clínica Médica. Aceite: 8-setembro-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1998

    Histórico

    • Aceito
      08 Set 1998
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org