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Tratamento da espasticidade: uma atualização

Treatment of spasticity: an update

Resumos

Apresentamos revisão sobre o tratamento atual da espasticidade, enfocando a terapêutica farmacológica, fisioterápica e através da utilização de toxina botulínica.

espasticidade; fisioterapia; toxina botulínica


We present an update about the treatment of spasticity, stressing the pharmacological treatment, physical therapy and botulinum toxin therapy.

spasticity; physical therapy; botulinum toxin


TRATAMENTO DA ESPASTICIDADE

UMA ATUALIZAÇÃO

HÉLIO A.G. TEIVE* * Professor Assistente de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR); ** Fisioterapeuta, Responsável pela U.I. de Neurologia do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR; *** Fisioterapeuta, Chefe do Serviço de Reabilitação do HC/UFPR. Aceite: 25-agosto-1998. , MARISE ZONTA** * Professor Assistente de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR); ** Fisioterapeuta, Responsável pela U.I. de Neurologia do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR; *** Fisioterapeuta, Chefe do Serviço de Reabilitação do HC/UFPR. Aceite: 25-agosto-1998. , YUMI KUMAGAI*** * Professor Assistente de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR); ** Fisioterapeuta, Responsável pela U.I. de Neurologia do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR; *** Fisioterapeuta, Chefe do Serviço de Reabilitação do HC/UFPR. Aceite: 25-agosto-1998.

RESUMO - Apresentamos revisão sobre o tratamento atual da espasticidade, enfocando a terapêutica farmacológica, fisioterápica e através da utilização de toxina botulínica.

PALAVRAS-CHAVE: espasticidade, fisioterapia, toxina botulínica.

Treatment of spasticity: an update

ABSTRACT - We present an update about the treatment of spasticity, stressing the pharmacological treatment, physical therapy and botulinum toxin therapy.

KEY WORDS: spasticity, physical therapy, botulinum toxin.

A espasticidade pode ser definida como o aumento, velocidade dependente, do tônus muscular, com exacerbação dos reflexos profundos, decorrente de hiperexcitabilidade do reflexo do estiramento. A espasticidade associa-se, dentro da síndrome do neurônio motor superior, com a presença de fraqueza muscular, hiperreflexia profunda e presença de reflexos cutâneo-musculares patológicos, como o sinal de Babinski1-4.

Dentre os vários mecanismos fisiopatológicos, originados em vários pontos da via do reflexo do estiramento, envolvendo os motoneurônios alfa, gama, interneurônios da medula espinhal e vias aferentes e eferentes, sobressai a teoria clássica do aumento do tônus, secundário à perda das influências inibitórias descendentes (via retículo-espinhal), como resultado de lesões comprometendo o trato córtico-espinhal (piramidal, agora melhor definido como vias mediadoras de influências supra-espinhais sobre a medula espinhal). A perda da influência inibitória descendente resultará em aumento da excitabilidade dos neurônios fusimotores gama e dos moto-neurônios alfa1-5. Os principais neurotransmissores envolvidos no mecanismo do tônus muscular são: ácido gamaminobutírico (GABA) e glicina (inibitórios) e glutamato (excitatório), além da noradrenalina, serotonina e de neuromoduladores como a adenosina e vários neuropeptídeos.

A espasticidade nos membros superiores predomina nos musculos flexores, com postura em adução e rotação interna do ombro, flexão do cotovelo, pronação do punho e flexão dos dedos. Nos membros inferiores, a espasticidade predomina nos músculos extensores, com extensão e rotação interna do quadril, extensão do joelho, com flexão plantar e inversão do pé. Esta postura característica recebe a denominação de atitude de Wernicke-Mann1-6. Na prática as etiologias mais frequentemente encontradas têm sido a esclerose múltipla, o trauma crânio-encefálico e raqui-medular, a paralisia cerebral e o acidente vascular encefálico (AVE)1-4. Ao exame físico os membros espásticos demonstram aumento de resistência ao movimento passivo, que é mais acentuado com o aumento da amplitude e da velocidade imposta. O aumento de resistência ao estiramento passivo é maior no início do movimento e diminui com a continuação dele, caracterizando o chamado "sinal do canivete"1-4,6.

A espasticidade pode ser avaliada através de escalas. Dentre estas citamos a de Ashworth (Tabela 1) e a de espasmos (Tabela 2)1,2. Outras escalas de avaliação são, dentre outras, as de Barthel, a de avaliação do movimento (EAM), a de medição da locomoção independente funcional (EMLIF)1,2. Podem-se utilizar manobras semiológicas para melhor caracterização dos grupos musculares espásticos, como: as provas de Duncan-Ely diferenciando a espasticidade do músculo reto femural daquela do músculo ileopsoas (com o paciente em decúbito ventral, com a articulação coxo-femural extendida, o examinador flexiona o joelho do paciente provocando o estiramento do músculo reto femural; se existir flexão da articulação coxo-femural e a nádega elevar-se, deve haver espasticidade do reto femural), a de Thomas caracterizando a espasticidade do músculo ileopsoas (com o paciente em decúbito dorsal, com uma articulação coxo-femural totalmente flexionada: se houver espasticidade do músculo ileopsoas observar-se-á a elevação da articulação coxo-femural oposta) e a de Silverskiold diferenciando a espasticidade do músculo gastrocnêmio do músculo sóleo (o examinador orienta o paciente a realizar movimentos de flexão e extensão do joelho; se o examinador mantiver o pé do paciente em posição de dorsiflexão máxima e obtiver uma maior dorsiflexão com o joelho do paciente flexionado do que estendido, deve haver espasticidade do músculo gastrocnêmio; se a dorsiflexão do pé estiver limitada tanto durante a flexão como a extensão do joelho, deve haver espasticidade do músculo sóleo). A análise quantitativa da marcha (laboratórios de marcha), e a utilização da eletromiografia convencional e dinâmica também contribuem para melhor avaliação da espasticidade2.

Dentre os tratamentos disponíveis incluem-se: a fisioterapia, os agentes farmacológicos (por via oral ou intratecal), a quimiodesinervação dos músculos com o uso de injeções de fenol, a utilização de injeções de toxina botulínica e os tratamentos cirúrgicos como o alongamento de tendões, transferência de tendões, liberação capsular, neurotomia, cordotomia e a rizotomia1-3,7-21.

TRATAMENTO FISIOTERÁPICO

O tratamento fisioterápico visa à inibição da atividade reflexa patológica para normalizar o tônus muscular e facilitar o movimento normal, devendo ser iniciado o mais breve possível. Por inibição da atividade reflexa patológica se entende evitar e combater os padrões de movimento e posturas relacionadas aos mecanismos reflexos liberados, adotando posições e guias adequadas e empregando os métodos inibidores. Desta forma a fisioterapia pode prover condições que facilitem o controle do tônus prestando ajuda nos movimento e na aquisição de posturas, oferecendo estímulos que favoreçam os padrões normais18-21. Para se inibir o padrão patológico é necessário conhecer suas formas de instalação, que variam de acordo com o tipo e o local da lesão. O grau de hipertonia vai indicar o quanto de inibição será necessária. Com a inibição se facilita o movimento normal e, por sua vez o movimento normal inibe a espasticidade17-21. Cada padrão patológico terá a sua inibição, não só no posicionamento mas em todos os movimentos passivos ou ativos utilizados desde as primeiras sessões de fisioterapia. Muitas vezes será necessário o uso de talas ou splints para auxiliar no posicionamento ou facilitar os movimentos dentro de um padrão mais próximo de normal7,19.

A espasticidade é evidenciada pelo grau de excitabilidade do fuso muscular que depende fundamentalmente da velocidade com que os movimentos são feitos. Portanto, os movimentos lentos têm menor possibilidade de induzir a hipertonia espástica. Da mesma forma, os alongamentos músculo-tendinosos devem ser lentos e realizados diariamente para manter a amplitude de movimento e reduzir o tônus muscular18,21. Exercícios frente a grande resistências podem ser úteis para fortalecer músculos débeis, mas devem ser evitados nos casos de pacientes com lesões centrais, pois nestes se reforçarão as reações tônicas anormais já existentes e consequentemente aumentará a espasticidade18,21.

Dentre os diferentes métodos fisioterápicos existentes para o tratamento da espasticidade sobressai o método neuroevolutivo (Bobath). Outras alternativas que podem ser utilizadas para reduzir a espasticidade seriam a aplicação de calor e frio durante períodos prolongados e massagens rítmicas profundas, aplicando pressão sobre as inserções musculares7. Na atualidade a estimulação elétrica tem sido usada com maior frequência na reabilitação neurológica. Entre as modalidades terapêuticas disponíveis estão: a estimulação elétrica terapêutica (EET), que é principalmente usada na redução da espasticidade, principalmente de músculos antagonistas; a estimulação elétrica funcional (EEF), que pode ser utilizada para estimular o sistema nervoso periférico e o central, com a finalidade de aliviar a espasticidade. Uma outra forma de estimulação elétrica é a técnica de biofeedback. Mais recentemente a estimulação nervosa elétrica transcutânea (ENET) tem sido sugerida para o tratamento da espasticidade, ainda com mecanismo de ação não conhecido7,8.

O tratamento fisioterápico tem como metas, em resumo, preparar para uma função, manter as já existentes ou aprimorar sua qualidade, através da adequação da espasticidade.

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO

Os medicamentos mais utilizados no tratamento da espasticidade são o baclofen, o diazepam, dantrolene, a clonidina, a tizanidina, a clorpromazina e também a morfina. Estas medicações atuam por diferentes mecanismos, que resultam em diminuição da excitabilidade dos reflexos espinhais2,3,8,9,13.

O baclofen é agonista do GABA, atuando em nível de receptores GABA-B, inibindo o influxo pré-sináptico de cálcio, que bloqueara a liberação de neurotrasmissores excitatórios, na medula espinhal. O baclofen é mais eficiente para reduzir a espasticidade causada por lesões da medula espinhal do que por lesões cerebrais. São utilizados doses progressivas, de até 80-120 mg ao dia, podendo chegar a 160 mg ao dia. Os efeitos colaterais, são sonolência, tontura, mal-estar, ataxia, confusão mental, cefaléia, depressão respiratória e cardiovascular e alucinações2,3,8,9,13. Uma alternativa é a utilização de baclofen por via intratecal, com a implantação de bomba, de liberação gradual. Os critérios recomendados para a utilização de baclofen intratecal são: espasticidade grave, refratária a medicações por via oral (ou quando estas desencadeiam efeitos colaterais intoleráveis em doses efetivas), deve haver resposta positiva a administração de dose menor que 100 mcg, em geral 50 mcg de dose teste. Deve-se refazer a dose de baclofen no reservatório a cada 4-12 semanas. As doses recomendadas variam de 12-1200 mcg/dia, sendo menores nos casos de espasticidade de origem cerebral. Os efeitos colaterais mais comuns decorrentes do uso de baclofen intratecal são: hipotensão ortostática, sedação, dificuldades de ereção peniana, pseudomeningocele pós-cirúrgica, e obstrução do catéter8,13. Recentemente vários estudos enfatizaram a melhora da espasticidade decorrente de paralisia cerebral, esclerose múltipla, e trauma raqui-medular, após o uso de baclofen intratecal8,13. Em nosso meio, contudo, o custo extremamente oneroso do baclofen intratecal impede a sua utilização rotineira.

Os benzodiazepínicos atuam em nível de receptores GABA pré e pós-sinápticos (aumentado a afinidade dos receptores GABA por GABA endógeno), aumentando a inibição sináptica ao nível espinhal e supra-espinhal. Utilizam-se o diazepam e o clonazepam. O diazepam em doses de até 60 mg ao dia, enquanto o clonazepam em doses de até 18mg/dia. Os efeitos colaterais são muito semelhantes aos do baclofen, principalmente a sedação, sonolência, astenia e agitação paradoxal2,3,8,9,13.

O dandrolene sódico é medicamento de ação periférica, em nível muscular, através do bloqueio da liberação de cálcio no retículo sarcoplasmático, com subsequente inibição da despolarização. As doses preconizadas estão entre 50 a 800 mg ao dia. Os efeitos colaterais mais comuns são tontura, sonolência, letargia e diarréia. Contudo, em face de efeitos colaterais mais raros de hepatotoxicidade (1%), foi retirado do mercado em nosso país2,3,8,9,13.

A clonidina é agonista de receptores alfa-2 adrenérgicos, localizados principalmente na substância gelatinosa e nas colunas de células intermédio-laterais da medula espinhal torácica. A clonidina é medicação coadjuvante para o tratamento da espasticidade, principalmente a de origem espinhal. As doses podem chegar até 0,4 mg ao dia. O efeito colateral mais frequente é a hipotensão postural2,3,8,9,13.

A tizanidina é um agonista alfa-2 adrenérgico que provoca depressão indireta nos reflexos polissinápticos, por facilitar a ação da glicina, um neurotransmissor inibitório, e por reduzir pré-sinapticamente a liberação de neurotransmissores excitatórios. As doses devem ser aumentadas de 2 mg ao dia até 36 mg ao dia. A tizanidina tem sido considerada tão eficaz no tratamento da espasticidade quanto o baclofen e o diazepam, talvez com menos efeitos colaterais, os quais são: sedação, boca seca, sonolência, astenia, tontura, alucinações visuais e hipotensão2,8,9,13.

Os fenotiazínicos, tais como a clorpromazina, têm demonstrado eficácia no tratamento da espasticidade, provavelmente por atuarem bloqueando os receptores alfa-adrenérgicos. Os efeitos colaterais mais comuns, como sedação e a possibilidade de discinesia tardia, contra-indicam frequentemente a utilização destas drogas8,13.

A morfina pode ser utilizada por via intratecal para o tratamento da espasticidade. Promove a inibição dos reflexos polissinápticos da medula espinhal, através da ação em receptores opióides. A possibilidade de provocar o desenvolvimento de tolerância e dependência reduz sobremaneira a sua utilização8,13.

Grande parte dos medicamentos para o tratamento da espasticidade apresenta limitações de uso, principalmente pela necessidade frequente de doses elevadas e/ou o desenvolvimento de efeitos colaterais incapacitantes.

TRATAMENTO CIRÚRGICO

Os tratamentos cirúrgicos para a espasticidade mais comumente utilizados são divididos em neurocirúrgicos e ortopédicos.

Os tratamentos neurocirúrgicos mais comuns são a rizotomia dorsal e, eventualmente, as mielotomias e cordotomias, além da estimulação da coluna dorsal da medula espinhal2,7,12,15.

A rizotomia dorsal promove a ablação de radículas dorsais, em nível de L2-S2 (seccionam-se 40-50% das radículas em cada nível), que estão diretamente envolvidas nos circuitos reflexos anormais. Os efeitos colaterais mais comuns são parestesias, disestesias nos membros inferiores2,7,15.

A mielotomia e a cordotomia devem ser restringidas a casos de espasticidade grave e refratária a outras modalidades de tratamento menos invasivos e com menor incidência de efeitos colaterais graves (paraplegia flácida e bexiga neurogênica, por exemplo)2,7,15.

A estimulação da coluna dorsal da medula espinhal é um método alternativo que tem sido usado há vários anos. Colocam-se os eletrodos no espaço epidural da medula espinhal cervical ou torácica, na coluna dorsal, com a estimulação elétrica através da implantação de um transmissor. Não há ainda consenso quanto a utilização deste método12,15.

Os procedimentos ortopédicos são: a tenotomia, a transferência e o alongamento de tendões2,7,12,15. A tenotomia deve ser reservada para liberação de tendão em músculos intensamente espásticos. O alongamento de tendão é utilizado para enfraquecer músculos espásticos e melhor posicionar as articulações. Já a transferência de tendão é utilizada em músculos que se apresentam parcialmente funcionais e podem assim produzir movimentos úteis. A transferência e o alongamento de tendões são mais utilizados nos membros inferiores, para melhorar a deambulação dos pacientes. A utilização de procedimentos ortopédicos nos membros superiores é mais controversa2,7,15.

BLOQUEIO DE NERVO PERIFÉRICO COM FENOL

O fenol atua como agente neurolítico de duas formas: como anestésico local em nível de fibras gama e provocando axonotmese química. A condução nervosa é bloqueada e o arco reflexo, interrompido, provocando diminuição do tônus muscular e paresia muscular. A duração do efeito pode variar de 2 a 743 dias, em média 300 dias. As doses utilizadas variam de 1 a 5 ml de uma solução a 3% em diferentes pontos de bloqueio. Os músculos mais comumente tratados com fenol incluem o triceps sural, o tibial posterior, os posteriores da coxa e os flexores do punho e dos dedos.

As complicações incluem parestesias dolorosas (10-30%), fraqueza muscular permanente, tromboflebite e aumento da espasticidade em músculos antagonistas.

A utilização de fenol, ou eventualmente de álcool, deve ser reservada para casos de espasticidade que não respondem aos tratamentos conservadores2,7,12.

TRATAMENTO COM TOXINA BOTULÍNICA

As indicações para o uso da toxina botulínica vêm progressivamente se expandindo, sendo uma das armas terapêuticas no tratamento da espasticidade1,7,10-12,14,16,22-30. A toxina botulínica é neurotoxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, que atua na junção neuromuscular, bloqueando a liberação do neurotransmissor acetilcolina, em nível pré-sináptico e provocando paresia muscular. Existem diversos tipos de toxina botulínica, sendo a do tipo A o mais potente veneno biológico conhecido e também a mais utilizada para fins terapêuticos1,7,12,23-26,28,29. A neurotoxina botulínica é proteína formada por cadeias de polipeptídeos (pesada e leve), cujo modo de ação é caracterizado por processo de ligação (nas terminações nervosas periféricas colinérgicas), internalização (endocitose) e ação tóxica (através da lise de proteínas que participam do processo de exocitose das vesículas que contem acetilcolina), promovendo a inibição da liberação de acetilcolina na fenda sináptica1,12,26,28,29.

A partir dos estudos de Scott, publicados a partir de 1980, iniciou-se a utilização de toxina botulínica para casos de estrabismo e, posterioremente, blefaroespasmo, espasmo hemi-facial e distonia cervical1,12,24. Em 1990, a Academia Americana de Neurologia aprovou a utilização de toxina botulínica para os casos de distonia (blefaroespasmo, distonia cervical, distonia laringéia, distonia oro-mandibular, outras distonias focais e para o espasmo hemi-facial10. Em 1994, a Academia Americana de Neurologia estabeleceu as normas para o uso de toxina botulínica no tratamento de doenças neurológicas, enfatizando os pré-requisitos básicos e os princípios do tratamento11.

A toxina botulínica é o tratamento de eleição para distonias focais (blefaroespasmo, distonias oromandibular, cervical, laringéia e de membros) bem como para condições não distônicas, (espasmo hemi-facial, sincinesias, espasticidade, tremores, tiques, distúrbios do assoalho pélvico, distúrbios de motilidade gastrointestinal,como a acalásia). Pode haver indicações cosméticas (tratamento de rugas de expressão) e para o tratamento de hiperidrose1,23.

A utilização de toxina botulínica nos músculos estriados com espasticidade provoca desnervação controlada, com fraqueza muscular temporária e eventual atrofia.

Os cuidados primordiais da utilização de toxina botulínica nos distúrbios dos membros são: injetar sempre a dose mínima efetiva e evitar a aplicação de doses elevadas (como acima de 300-400 unidades) em menos de 3 meses; objetiva provocar fraqueza muscular, para melhorar o controle motor, aliviar dor, acabar com posturas incapacitantes e prevenir contraturas1,12,23,24. Encontram-se disponíveis duas apresentações do tipo A. A mais utilizada é a Botox (Allergan, EUA) e a menos a Dysport (Porton, UK).

A dose especifica depende de uma série de fatores que incluem: idade e peso do paciente, grau e padrão de espasticidade. Contudo, podem-se utilizar doses padrões de referência, que encontram-se definidas na Tabela 31. Nos músculos espásticos selecionados para a aplicação da toxina, podem-se aplicar injeções em vários pontos, variando em geral de 1 a 4 pontos.

Em crianças as doses de toxina botulínica podem ser calculadas por kg de peso. A dose preconizada inicialmente foi 4 unidades por kg de peso, distribuída nos músculos espásticos. Posteriormente, a dose foi sendo progressivamente elevada, com definição de 6, 8, 10, até 12 unidades por kg de peso, como recentemente proposto1,2,12,14,22,24-29.

A medicação (Botox) encontra-se em frascos com 100 unidades, conservadas a -5oC de temperatura, sendo realizada diluição com soro fisiológico, em doses específicas, como por exemplo: 1 ml de solução salina = 10,0 U/0,1 ml; 2 ml de solução salina = 5,0 U/0,1 ml; 4 ml de solução salina = 2,5 U/0,1 ml.

O efeito da toxina botulínica tem início entre 24-72 horas, com início da melhora clínica entre 7-10 dias da aplicação. A duração do efeito é variável, entre 2 e 6 meses, em média 3 meses.

Os efeitos colaterais podem ser dor, formação de equimoses ou hematomas nos locais de aplicação, acentuada fraqueza muscular transitória, astenia. Existe a possibilidade da inducão de formação de anticorpos contra a toxina botulínica, impedindo a sua ação terapêutica1,12,23,28,29. Não existem contra-indicações para a utilização de toxina botulínica, contudo deve-se ter precauções em determinadas situações como: uso concomitante com antibióticos aminoglicosídeos, pacientes com doenças do neurônio motor e da junção neuromuscular, gravidez e lactação. Não há contra-indicação quanto a associação a anticoagulantes1,12,23. Existem relatos de raros casos de falta de eficácia da utilização de toxina botulínica, provavelmente relacionados à formação de anticorpos contra proteínas estranhas ao organismo.

A toxina botulínica deve ser considerada o tratamento de escolha para a espasticidade quando os métodos tradicionais falham. Quando a espasticidade interfere com as atividades funcionais do paciente e atividades da vida diária, a toxina botulínica pode ser utilizada1,12,24,28,29. Pullman e col.24, publicaram estudo sobre a utilização de toxina botulínica como tratamento de distúrbios dos membros. Foi aplicada em 187 pacientes com espasticidade e distonia, durante um período de 8 anos. Deste grupo, 136 pacientes tinham distonia e 14, espasticidade. A toxina botulínica mostrou-se método terapêutico seguro e eficaz na maioria dos pacientes, com o uso de baixas doses em pequeno número de músculos selecionados24.

A utilização da toxina botulínica em pacientes espásticos com paralisia cerebral e com espasticidade em membros decorrentes de AVE, trauma craniano e raqui-medular, tem demonstrado ser de grande valor terapêutico1,12,24,26,28,29.

Na atualidade discute-se a utilização de eletromiografia (EMG) como exame de auxílio na definição dos músculos espásticos para aplicação de toxina botulínica, definindo-se com mais clareza o ponto motor. A experiência obtida em vários centros de referência tem demonstrado que a utilização da toxina botulínica com auxílio de EMG tem resultados mais adequados do que a aplicação orientada através do exame clínico neurológico14,30. Quanto ao membro superior, a melhor indicação seria para o caso de espasticidade dos músculos flexores do punho e do antebraço. Nos membros inferiores, as indicações de toxina botulínica para espasticidade seriam nos músculos adutores do quadril, flexores do joelho e do pé, como, por exemplo, nas crianças com paralisia cerebral e marcha com equinismo1,2,12,14,24,28,29.

Após a aplicação da toxina botulínica, pode-se utilizar tala, órtese e o gesso, para melhor definir a posição funcional do membro1,12,16,24,28,29.

A eficácia da toxina botulínica no tratamento de membros espásticos baseia-se primordialmente na correta escolha dos músculos envolvidos e na utilização de doses eficaz.

Dr. Hélio A.G. Teive - Pça. Santos Andrade 37-A apto. 112 - 80020-300 Curitiba PR - Brasil. Fax 041 244 5060. E-mail: hagteive@mps.com.br

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  • *
    Professor Assistente de Neurologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR);
    **
    Fisioterapeuta, Responsável pela U.I. de Neurologia do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR;
    ***
    Fisioterapeuta, Chefe do Serviço de Reabilitação do HC/UFPR. Aceite: 25-agosto-1998.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Dez 1998

    Histórico

    • Aceito
      25 Ago 1998
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