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Doenças de Dupuytren e de Ledderhose associadas ao uso crônico de anticonvulsivantes: relato de caso

Dupuytren's and Ledderhose's diseases associated with chronic use of anticonvulsants: case report

Resumos

Relatamos o caso de um paciente que após uso crônico de anticonvulsivantes, sem epilepsia definida, desenvolveu contraturas das aponeuroses palmar (doença de Dupuytren) e plantar (doença de Ledderhose). Discutimos as principais dessas complicações, os fatores predisponentes e sua estreita relação com o uso de anticonvulsivantes, particularmente de fenobarbital.

doença de Dupuytren; doença de Ledderhose; anticonvulsivantes


We present the case of a patient that after chronic use of anticonvulsant drugs without proven epilepsy , developed Dupuytren's and Ledderhose's diseases. We discuss the most frequent predisponent factors, and their relationship with chronic use of anticonvulsants, particularly phenobarbitone.

Dupuytren's disease; Ledderhose's disease; anticonvulsants


DOENÇAS DE DUPUYTREN E DE LEDDERHOSE ASSOCIADAS AO USO CRÔNICO DE ANTICONVULSIVANTES

RELATO DE CASO

PATRÍCIA CORAL* * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999. , ALESSANDRA ZANATTA* * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999. , HÉLIO A. G. TEIVE*** * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999. , YLMAR CORREA NETO** * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999. , EDISON MATOS NÓVAK**** * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999. , LINEU CÉSAR WERNECK***** * Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR): Residente de Neurologia (R2); ** Residente de Neurologia (R4); *** Professor Assistente de Neurologia; **** Professor Adjunto de Neurologia; ***** Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999.

RESUMO ¾ Relatamos o caso de um paciente que após uso crônico de anticonvulsivantes, sem epilepsia definida, desenvolveu contraturas das aponeuroses palmar (doença de Dupuytren) e plantar (doença de Ledderhose). Discutimos as principais dessas complicações, os fatores predisponentes e sua estreita relação com o uso de anticonvulsivantes, particularmente de fenobarbital.

PALAVRAS-CHAVE: doença de Dupuytren, doença de Ledderhose, anticonvulsivantes.

Dupuytren's and Ledderhose's diseases associated with chronic use of anticonvulsants: case report

ABSTRACT ¾ We present the case of a patient that after chronic use of anticonvulsant drugs without proven epilepsy , developed Dupuytren's and Ledderhose's diseases. We discuss the most frequent predisponent factors, and their relationship with chronic use of anticonvulsants, particularly phenobarbitone.

KEY WORDS: Dupuytren's disease, Ledderhose's disease, anticonvulsants.

A contratura palmar foi inicialmente descrita por Cooper na Inglaterra e Boyer na França por volta de 1823. Entretanto coube ao Barão Guillaume de Dupuytren, ao descrever em 1832 os resultados da fasciotomia palmar, a honra do epônimo1. A contratura ou doença de Dupuytren é caracterizada pela degeneração de fibras elásticas, espessamento e hialinização do feixe de fibras de colágeno da fáscia palmar, com formação de nódulos e contração da fáscia1. Em pacientes com doença de Dupuytren, lesões semelhantes na fáscia plantar medial (doença de Ledderhose) ocorrem em 5 a 10% dos casos e na fáscia profunda do pênis (doença de Peyronie) em 1 a 3%. A doença de Dupuytren incide mais frequentemente em homens entre a 5 ª e 7ª décadas de idade, principalmente de origem escandinava ou celta, sendo rara em negros e asiáticos1,2.

Descrevemos o caso de um paciente que fez uso prolongado de anticonvulsivantes, sem epilepsia definida, e que desenvolveu as doenças de Dupuytren e de Ledderhose de forma intensa e simétrica.

RELATO DO CASO

JR, masculino, branco, 44 anos, pedreiro, refere episódio único de crise convulsiva generalizada tônico-clônica aos 19 anos, após ingestão excessiva de álcool etílico. Desde então vem fazendo uso diário de 100 mg de fenobarbital, 100 mg de fenitoína e 10 mg de diazepan. Há 23 anos começou a observar contratura da região palmar e plantar bilateralmente, que vem progressivamente se intensificando. Nega história familiar. O exame físico revelou contratura importante de ambas as fáscias palmares e plantares (Figs 1 e 2). O exame neurológico não evidenciou alterações. A investigação complementar incluiu eletroencefalograma, eletromiografia e estudo das conduções nervosas que tiveram resultados normais. Após reavaliação do quadro clínico, sem evidência de epilepsia e com crise convulsiva única relacionada ao uso de álcool, foram suspensas as medicações anticonvulsivantes. O paciente foi submetido a correção cirúrgica das contraturas e um fragmento da fáscia plantar retirado, apresentou fibromatose ao exame anátomo-patológico.



DISCUSSÃO

A etiologia das doenças de Dupuytren e Ledderhose permanece incerta. Diversos estudos têm mostrado associação com doença hepática alcoólica, drogas anticonvulsivantes, trauma, diabetes melitus, além de uma forma familiar autossômica dominante1,3-7. Estudos de Féré e Fracillon, publicados em 1902, sobre os dedos e aponeuroses palmares de pacientes epilépticos não mostraram qualquer relação entre epilepsia e a doença de Dupuytren8. Desde o início do século, tem sido descrita a associação dos barbitúricos com desordens do tecido conectivo, incluindo ombro congelado, doença de Dupuytren, nódulos palmares, fibromas plantares ou doença de Ledderhose, doença de Peyronie, e dores generalizadas. Mas como tais desordens são comuns na população em geral uma relação causal com as drogas antiepilépticas tem sido provável mas não certa3. Lund, em 1941, observou incidência de 50% (em 190 homens) e 25% (em 171 mulheres) de doença de Dupuytren em epilépticos; já Skoog, em 1948, encontrou 42 % de epilépticos acometidos9,10. Em pacientes não epilépticos a incidência de doenca de Dupuytren tem sido estimada entre 0,5% (mulheres na menopausa), 1 % (homens adultos jovens), 9% (mulheres acima de 75 anos) e 18% (homens acima de 75 anos)11. Critchley e col. em 1976 relataram incidência de 56% em 361 pacientes epilépticos crônicos e todos haviam recebido barbitúricos como monoterapia ou em combinação com outras drogas. Nenhum dos 19 pacientes que não haviam sido tratados com barbitúricos apresentaram contraturas11. Alguns autores acreditavam ser a contratura relacionada com o tipo de epilepsia, sua duração e tempo de tratamento8,10.

Mattson e colaboradores em 1989 demonstraram o desenvolvimento da doença de Dupuytren em 7 de 10 pacientes epilépticos no primeiro ano de tratamento com anticonvulsivantes, sugerindo que o efeito não requer décadas do uso de drogas. Quando analisamos as diferentes combinações de anticonvulsivantes temos alta incidência da doença se nos restringimos ao uso de fenobarbital, fenitoína e primidona. Entretanto se o fenobarbital for excluído, o risco de adquirir a doença cai dramaticamente3.

Diversos estudos têm indicado que o processo da doença pode ser revertido se a terapia é descontinuada3,9,12. Blanquart e colaboradores observaram que 11 de 16 pacientes melhoraram dentro de 1 a 4 meses após a terapia com fenobarbital ter sido suspensa e os outros melhoraram mais tarde12. O grande aumento de relatos desta doença após 1940, entre pacientes epilépticos, demonstra que a gênese da contratura seja relacionada com a introdução no mercado dos medicamentos anticonvulsivantes3,8-12.

Neste relato, o paciente fez uso indevido por 25 anos de fenobarbital, fenitoína e diazepam e desenvolveu contraturas palmares e plantares de forma acentuada, sugerindo a associação com os anticonvulsivantes utilizados cronicamente.

Dr. Hélio Teive - Serviço de Neurologia, Hospital de Clínicas UFPR - Rua General Carneiro 181, 12º andar - 80060-900 Curitiba PR - Brasil. Fax 041 264 3606.

  • 1. Pojer J, Radivojevic M, Willian TF. Dupuytren's disease. Arch Intern Med 1972; 129: 561-566.
  • 2. Gonzalez MH, Sobeski J, Grindel S, Chunprapach B, Weinzweig N. Dupuytren's disease in african-americans. J Hand Surg 1998;3:306-307.
  • 3. Mattson RH, Cramer JA, McCutchen CB. Barbiturate-related connective tissue disorders. Arch Intern Med 1989;149:911-914.
  • 4. Falasca GF, Toly TM, Reginato AJ, Schraeder PL, O'Connor CR. Reflex sympathetic dystrophy associated with antiepileptic drugs. Epilepsia 1994;35:394-399.
  • 5. Burge P, Hoy G, Regan P, Milne R. Smoking, alcohol and the risk of Dupuytren's contracture. J Bone Joint Surg 1997;2:206-210.
  • 6. Evans RA. The aetiology of Dupuytren's disease. Br J Hosp Med 1986;36:198-199.
  • 7. Attali P, Ink O, Pelletier G, et al.. Dupuytren's contracture, alcohol consumption, and chronic liver disease. Arch Intern Med 1987;147:1065-1067.
  • 8. Féré C, Francillon M. Note sur le fréquence de la retracion de l'aponeurose palmaire. Revue Médecine 1902;22:539-551.
  • 9. Lund M. Dupuytren's contracture and epilepsy. Acta Psychiatr Neurol Scand 1941;16:465-492.
  • 10. Skoog T. Dupuytren's contracture with special reference to aetiology and improved surgical treatment: its occurrence in epileptics. Note on knuckle pads. Acta Chirurg Scand 1948;96:Suppl. 139.
  • 11. Critchley EMR, Vakil SD, Hayward HW, Owen VMH. Dupuytren's disease in epilepsy: result of prolonged administration of anticonvulsants. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1976;39:498-503.
  • 12. Blanquart F, Houndent G, Deshayes PL. L´algo-dystrophie iatrogene gardenalique. Sem Hop Paris 1974;50:499-503.
  • *
    Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR):
    Residente de Neurologia (R2);
    **
    Residente de Neurologia (R4);
    ***
    Professor Assistente de Neurologia;

    ****

    Professor Adjunto de Neurologia;

    *****

    Professor Titular de Neurologia. Aceite: 4-junho-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 1999

    Histórico

    • Aceito
      04 Jun 1999
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