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Avaliação clínica da eficácia da combinação paracetamol e cafeína no tratamento da cefaléia tipo tensão

Clinical evaluation of the efficacy of the acetaminophen and caffeine combination in the treatment of tension headache

Resumos

A cefaléia tipo tensão em suas duas modalidades, episódica e crônica, é a forma mais comum de dor de cabeça na população. O tratamento é feito com medidas não farmacológicas e farmacológicas, tanto para o ataque como profilaxia das crises. Este estudo foi realizado com 5490 pacientes, que procuraram ambulatórios e consultórios médicos em várias regiões do Brasil. Cerca de 95% apresentavam cefaléia tipo tensão episódica e 5% cefaléia tipo tensão crônica. A maioria dos pacientes apresentou crises de intensidade moderada (62,19%). Em 5419 pacientes uma crise de cefaléia tipo tensão foi tratada com 1000 mg de paracetamol e 130 mg de cafeína. Em 93,98% início de melhora foi observado em até 2 horas após a ingestão da medicação. Em 77,61% houve reversão completa da crise em até 2 horas. Avaliação da eficácia boa/excelente foi observada em 51,93%/37,80% dos casos quando feita pelos médicos e em 48,51%/40,29 quando pelos pacientes. Efeitos adversos, em geral manifestações gastrointestinais, foram observados em 5,57%. Este estudo representa uma experiência brasileira no tratamento de ataque da cefaléia tipo tensão, demonstrando eficácia e segurança no uso da combinação paracetamol-cafeína.

cefaléia; tratamento; paracetamol; cafeína


Tension type headache in both its forms, episodic and chronic, is the most common type of headache experienced by the population. The headache attack or the prevention of new crises may be treated with pharmacological as well as non-pharmacological measures. This study included 5,490 patients from out-patient clinics and medical offices covering various regions of Brazil. Approximately 95% of the subjects had episodic tension type headache, while 5% had chronic tension type headache. The majority of the patients presented with crisis of moderate intensity (62.19%). In 5,419 patients a tension type headache crisis was treated with acetaminophen 1000 mg and caffeine 130 mg. In 93.98%, onset of relief occurred within 2 hours of taking the medication. In 77.61%, complete reversion of the crisis occurred within 2 hours. Good/excellent efficacy ratings were achieved in 61.93%/37.80% of the cases according to the physician's assessment and in 48.51%/40.29% according to the patients' assessment. Adverse events, commonly gastrointestinal manifestations, were reported by 5.57% of the patients. This is a Brazilian study of the efficacy and safety of the combined use of acetaminophen - caffeine for the treatment of tension type headache.

headache; treatment; acetaminophen; caffeine


AVALIAÇÃO CLÍNICA DA EFICÁCIA DA COMBINAÇÃO PARACETAMOL E CAFEÍNA NO TRATAMENTO DA CEFALÉIA TIPO TENSÃO

GETÚLIO DARÉ RABELLO* * Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Responsável pelo Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (HC)-FMUSP; ** Médico Neurocirurgião, Assistente do Grupo de Neurologia e Neurocirurgia da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência (Grupo Prof. Dr. Walter Carlos Pereira); *** Doutor em Neurologia pela FMUSP e Médico Assistente do HC/FMUSP. Aceite: 9-novembro-1999. , LUIS VICENTE FORTE** * Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Responsável pelo Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (HC)-FMUSP; ** Médico Neurocirurgião, Assistente do Grupo de Neurologia e Neurocirurgia da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência (Grupo Prof. Dr. Walter Carlos Pereira); *** Doutor em Neurologia pela FMUSP e Médico Assistente do HC/FMUSP. Aceite: 9-novembro-1999. , ANTONIO CEZAR RIBEIRO GALVÃO*** * Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Responsável pelo Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (HC)-FMUSP; ** Médico Neurocirurgião, Assistente do Grupo de Neurologia e Neurocirurgia da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência (Grupo Prof. Dr. Walter Carlos Pereira); *** Doutor em Neurologia pela FMUSP e Médico Assistente do HC/FMUSP. Aceite: 9-novembro-1999.

RESUMO - A cefaléia tipo tensão em suas duas modalidades, episódica e crônica, é a forma mais comum de dor de cabeça na população. O tratamento é feito com medidas não farmacológicas e farmacológicas, tanto para o ataque como profilaxia das crises. Este estudo foi realizado com 5490 pacientes, que procuraram ambulatórios e consultórios médicos em várias regiões do Brasil. Cerca de 95% apresentavam cefaléia tipo tensão episódica e 5% cefaléia tipo tensão crônica. A maioria dos pacientes apresentou crises de intensidade moderada (62,19%). Em 5419 pacientes uma crise de cefaléia tipo tensão foi tratada com 1000 mg de paracetamol e 130 mg de cafeína. Em 93,98% início de melhora foi observado em até 2 horas após a ingestão da medicação. Em 77,61% houve reversão completa da crise em até 2 horas. Avaliação da eficácia boa/excelente foi observada em 51,93%/37,80% dos casos quando feita pelos médicos e em 48,51%/40,29 quando pelos pacientes. Efeitos adversos, em geral manifestações gastrointestinais, foram observados em 5,57%. Este estudo representa uma experiência brasileira no tratamento de ataque da cefaléia tipo tensão, demonstrando eficácia e segurança no uso da combinação paracetamol-cafeína.

PALAVRAS-CHAVE: cefaléia, tratamento, paracetamol, cafeína.

Clinical evaluation of the efficacy of the acetaminophen and caffeine combination in the treatment of tension headache

ABSTRACT - Tension type headache in both its forms, episodic and chronic, is the most common type of headache experienced by the population. The headache attack or the prevention of new crises may be treated with pharmacological as well as non-pharmacological measures. This study included 5,490 patients from out-patient clinics and medical offices covering various regions of Brazil. Approximately 95% of the subjects had episodic tension type headache, while 5% had chronic tension type headache. The majority of the patients presented with crisis of moderate intensity (62.19%). In 5,419 patients a tension type headache crisis was treated with acetaminophen 1000 mg and caffeine 130 mg. In 93.98%, onset of relief occurred within 2 hours of taking the medication. In 77.61%, complete reversion of the crisis occurred within 2 hours. Good/excellent efficacy ratings were achieved in 61.93%/37.80% of the cases according to the physician's assessment and in 48.51%/40.29% according to the patients' assessment. Adverse events, commonly gastrointestinal manifestations, were reported by 5.57% of the patients. This is a Brazilian study of the efficacy and safety of the combined use of acetaminophen - caffeine for the treatment of tension type headache.

KEY WORDS: headache, treatment, acetaminophen, caffeine.

Cefaléia é qualquer dor referida no segmento cefálico. Trata-se de manifestação extremamente frequente na prática clínica, e alguns dados populacionais devem ser citados: - a prevalência de cefaléia durante a vida na população geral é maior que 90%1; - em ambulatório geral de clínica médica, cefaléia representa o terceiro diagnóstico mais comum (10,3%), sendo suplantada apenas pelas infecções de vias aéreas e dispepsias2; - em ambulatório de neurologia, cefaléia representa o mais frequente motivo de encaminhamento (28,54%), seguido da epilepsia e transtornos mentais2.

Em 1988 a International Headache Society3 estabeleceu critérios diagnósticos para as várias modalidades de cefaléia, particularmente para as cefaléias primárias, ou seja, as não causadas por distúrbios estruturais evidentes. Isto permitiu melhor caracterização clínica, levando a avanços significativos nos estudos epidemiológicos, clínicos e terapêuticos. Entre as cefaléias primárias, a cefaléia tipo tensão (CTT) e a enxaqueca são as mais importantes.

Existem duas modalidades de CTT: episódica (CTTE), em que os quadros dolorosos ocorrem durante períodos inferiores a 15 dias ao mês, e crônica (CTTC), na qual a dor ocorre em períodos acima de 15 dias mensais, durante pelo menos 6 meses. As crises dolorosas podem durar de minutos à vários dias, apresentam caráter em pressão ou aperto, tem localização bilateral, intensidade leve a moderada e não pioram com a atividade física. Sintomas associados não costumam aparecer, embora às vezes possam ocorrer isoladamente fotofobia ou fonofobia, . Habitualmente a dor muda de localização durante a mesma crise. Dor unilateral ocorre em 10-20% dos pacientes4,5.

Estudos sobre prevalência de CTT na população apresentam resultados diversos, devido aos diferentes critérios diagnósticos utilizados, vícios de seleção da população e falha no controle de variáveis como uso abusivo de drogas e a duração da dor de cabeça. Em países ocidentais, a prevalência em um ano é de 28-63% nos homens e 34-86% nas mulheres. A CTT é mais comum nas mulheres (relação homem/mulher = 1,04 a 1,4) e ocorre principalmente dos 20 aos 50 anos. Cerca de 18% dos pacientes com esta forma de cefaléia interrompem suas atividades habituais e 44% tem limitação funcional. As crises ocorrem com frequência média de 2,9 dias/mês e 35/dias/ano. Cerca de um terço dos portadores tem dois ou mais ataques mensais6.

Crisp e col7, nos Estados Unidos, em 1977, encontraram prevalência durante a vida de CTT de 29% nos homens e 35% nas mulheres. Abramson e cols.8, em Israel, em 1980, observaram que a prevalência de cefaléias não enxaquecosas era de 65% para os homens e 66% para as mulheres. Rasmussen e col1, em 1991, constataram prevalência durante a vida de CTT em 78% das pessoas (63% nos homens e 86% nas mulheres), sendo portanto a modalidade mais frequente de cefaléia. Neste estudo a prevalência durante a vida da enxaqueca foi de 16%.

Rasmussen9 em 1995 publicou estudo de prevalência em amostra representativa e aleatorizada da população de 1000 homens e mulheres, idades variando de 25-64 anos e taxa de participação de 76%. A prevalência em um ano da CTTE foi de 56% nos homens e 71% nas mulheres. Já na CTTC a prevalência foi de 2% nos homens e 5% nas mulheres. A prevalência, portanto, é maior nas mulheres, corroborando dados de outros estudos. A idade média para os homens com CTT episódica/crônica foi de 42,9/44,9 anos (mediana de 43/44 anos) e para mulheres 42,3/45,4 (mediana de 42/44). A idade média nos indivíduos com CTTC foi maior que nos indivíduos com CTTE, sugerindo que as formas crônicas possam se desenvolver a partir das formas episódicas10. A evolução de uma forma episódica para forma crônica geralmente se relaciona com o uso abusivo de analgésicos. Constatou-se que no ano anterior 58% apresentaram crises de intensidade discreta ou moderada durante apenas 1-14 dias. A prevalência de CTT ocorrendo por mais de uma vez ao mês parece ser de 20% a 30%1,8,11,12.

Iversen e col13, na Dinamarca, observaram que 59% da população teve CTT durante um dia ou menos, mensalmente, e 3% teve mais de 15 dias todo mês. Estes autores citaram que as crises variam de localização entre os pacientes e mesmo no mesmo paciente entre suas diferentes crises.

O conceito mais aceito em relação à etiopatogenia da CTT é que ocorreria disfunção na modulação central da dor, seja através de mecanismos bioquímicos e mecanismos ligados à própria circuitaria neuronal. Esta modulação anormal envolveria alterações em gânglios da base, sistema límbico e neurônios no tronco encefálico, ocasionando facilitação da neurotransmissão central da dor e sensibilização periférica dos nociceptores miofasciais. Aliada à deficiência dos mecanismos antinociceptivos centrais, levaria à eclosão do fenômeno doloroso.

A terapêutica da CTT envolve terapias farmacológicas e não farmacológicas. Dentre as técnicas não farmacológicas de tratamento temos: terapia de apoio, técnicas de relaxamento, fisioterapia, "biofeedback" e acupuntura. Alguns estudos mostraram melhores resultados com a fisioterapia quando comparada à acupuntura14.

No tratamento farmacológico podem-se usar medicações abortivas ou de ataque, e medicações profiláticas ou preventivas. As medicações de ataque são os analgésicos comuns (ácido acetilsalicílico, paracetamol, dipirona), isolados ou associados com cafeína, ansiolíticos, codeína e anti-inflamatórios não esteróides (como naproxeno, ibuprofeno e cetoprofeno, entre outros). Em alguns países existem combinações de analgésicos com barbitúricos de ação rápida (butalbital), porém o uso delas aumenta a possibilidade de drogadição. Havendo abuso de analgésicos, o potencial para o desenvolvimento de cefaléia crônica diária aumenta.

O tratamento profilático deve ser preconizado em pacientes com crises frequentes (> 2 crises/semana), de longa duração (>3-4 horas) e de intensidade moderada. Dentre as medicações preconizadas, os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina, nortriptilina, protriptilina, doxepin) e os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (fluoxetina) são os mais utilizados. Não existem evidências que relaxantes musculares como baclofeno, diazepam, tizanidina, dantrolene tenham ação na CTT.

Embora o uso de analgésicos comuns seja feito há muito tempo no tratamento da CTT, estudos mostrando sua eficácia são escassos. Relatamos estudo que efetuamos.

MÉTODO

Desenho do estudo

População de 5490 pacientes portadores de cefaléia foi avaliada em estudo aberto, multicêntrico, não aleatorizado, não comparativo, por 2042 médicos e medicada com combinação farmacológica de 1000 mg de paracetamol e 130 mg de cafeína em um ataque agudo de cefaléia classificada como CTT. O estudo durou de julho a dezembro de 1998.

O objetivo do estudo foi a avaliação da eficácia e segurança de dose única de combinação farmacológica de 1000 mg paracetamol e 130 mg cafeína no alívio da dor. Foram fornecidos 2 comprimidos a serem ingeridos concomitantemente, cada um contendo 500 mg de paracetamol e 65 mg de cafeína

Foram definidos os seguintes critérios de inclusão: 1. Pacientes de ambos os sexos com idade acima de 18 anos; 2. Pacientes com hipertensão arterial controlada (PA Sistólica < 140mmHg E PA Diastólica < 90mmHg); 3. Pacientes que não apresentavam sintomas de enxaqueca; 4. Pacientes com potencial para engravidar, mas que fizessem uso de método contraceptivo seguro (como DIU e pílula contraceptiva); 5. Pacientes que apresentaram pelo menos 10 episódios de cefaléia; 6. Pacientes que apresentavam cefaléia com pelo menos 30 minutos de duração; 7. Pacientes que apresentavam pelo menos duas de quatro características abaixo, em suas crises de cefaléia: - dor tipo pressão/tensão, - dor de leve a moderada intensidade, - dor de localização bilateral, - dor que não piorava com atividade física. 8. Pacientes que não apresentavam fotofobia e fonofobia, ou apenas um destes presente .

Como critérios de exclusão foram definidos os seguintes parâmetros: 1. Pacientes que apresentavam doença grave concomitante (hepatopatia, nefropatia, cardiopatia, pneumonia, úlcera péptica); 2. Mulheres grávidas ou fase de amamentação; 3. Pacientes que estavam em uso concomitante das seguintes drogas (anticoagulantes, nitratos, antiinflamatórios não esteróides, tranquilizantes e outros analgésicos); 4. Pacientes alérgicos a qualquer um dos componentes da formulação; 5.Pacientes que apresentavam vômitos durante as crises; 6. Pacientes que apresentavam história de abuso de analgésicos, definidos conforme os seguintes critérios: uso de > 10 cp/semana de analgésicos comuns, em formulações isoladas ou associadas, nos últimos 3 meses; uso de > 2 cp/semana de opiáceos, formulações isoladas ou associadas, nos últimos 3 meses; uso de > 3 cp/semana de ergóticos, em formulações isoladas ou associadas, nos últimos 3 meses.

O estudo constou de 2 visitas com intervalo de 8 semanas. Na primeira visita, os pacientes que preencheram os critérios de inclusão e não apresentaram critérios de exclusão foram cadastrados para receber a medicação para tratar uma crise de CTT. A ficha de avaliação clínica constava de 3 partes: dados pessoais, características da cefaléia, exame clínico. O médico entregou 2 comprimidos (cp.) da formulação (cada comprimido contendo paracetamol 500mg + cafeína 65mg), a serem ingeridos de forma concomitante no momento da crise. Neste momento foram explicados os possíveis efeitos adversos, porem sem preenchimento de consentimento pós-informado, devido ao fato de tratar-se de medicação de uso habitual. Até 8 semanas da primeira visita o paciente deveria retornar à consulta e, tratada uma crise com a medicação em estudo, deveria preencher a ficha de avaliação com dados à respeito da crise tratada, eficácia da medicação e efeitos adversos. A intensidade da crise foi classificada como:

Leve, cefaléia de fraca intensidade que não inibia nem interferia com as atividades diárias;

Moderada, cefaléia de média intensidade que inibia mas não incapacitava para as atividades diárias;

Intensa, cefaléia intensa que incapacitava para as atividades diárias.

Medidas da eficácia

A avaliação da eficácia da medicação foi feita pela análise de alguns índices:

1. Tempo para ocorrer início de melhora da cefaléia;

2. Tempo de duração da cefaléia até seu desaparecimento;

3. Avaliação da eficácia segundo o médico:

Pobre, nenhum controle da cefaléia

Razoável, controle razoável da cefaléia

Bom, bom controle da cefaléia

Excelente, controle completo da cefaléia

4. Avaliação da eficácia segundo o paciente:

Pobre, nenhum controle da cefaléia

Razoável, controle razoável da cefaléia

Bom, bom controle da cefaléia

Excelente, controle completo da cefaléia

Avaliação da segurança

A segurança foi avaliada pelo relato da natureza e incidência de feitos adversos. Todos os pacientes que receberam pelo menos uma dose da medicação em estudo foram inquiridos pelo médico na segunda visita quanto aos efeitos adversos.

RESULTADOS

Características dos pacientes estudados

Foram estudados 5490 pacientes , 2764 (50,35%) do sexo feminino e 2726 (49,65%) do sexo masculino. A idade média foi 38,35 ano (mediana 37 anos), com idades entre 19 e 91 anos. Estes pacientes foram selecionados a partir de consultórios e ambulatórios médicos em várias regiões do Brasil.

Características da cefaléia tipo tensão na amostra escolhida e histórico das crises

Em relação ao tempo de existência da CTT, 56,33% tiveram história inferior a 5 anos, em 24,01% sendo inferior a 1 ano. Em 43,68% a história foi superior a 5 anos, em 15,63% sendo superior a 10 anos (Tabela 1).

Dos pacientes com informações adequadas quanto ao número de crises mensais, a maior parte apresentou menos de 5 crises ao mês (75,43%), como está na Tabela 2.

Em relação ao número de dias de cefaléia ao mês, 94,96% dos pacientes apresentaram crises com duração inferior a 15 dias ao mês caracterizando-se como CTTE e 5,05% mais de 15 dias ao mês, caracterizando-se como CTTC. (Tabela 3).

As crises ocorreram no despertar, durante a manhã, tarde e noite. O maior percentual foi durante a tarde, ocorrendo em 57,69% dos pacientes.

Entre os 5490 para os quais foram fornecidos os 2 cp. da formulação para tratamento de uma crise de cefaléia tipo tensão, 71 não retornaram para avaliação. Entre os 5419 que retornaram com informações a respeito da crise tratada, as principais características observadas estão nas Tabelas 4 a 8 .

Dos 5419 pacientes tratados, 302 (5,57%) referiram 391 efeitos adversos (Tabela 9). Sintomas gastrointestinais foram os mais relatados, ocorrendo em 94 pacientes. Outros efeitos adversos ocorreram em percentual muito pequeno: angústia, ansiedade, cefaléia, dormência de lábios, insônia, edema de face, rubor facial, etc. Não houve qualquer efeito considerado grave pelos médicos participantes do estudo.

DISCUSSÃO

Problemas ocorrem quando um estudo é feito para avaliar eficácia de medicação na CTT. O "International Headache Society Committee on Clinical Trials in Tension-type Headache"15 aponta estes problemas: dificuldade na classificação da CTT como CTTE e CTTC, duração muito variável de uma crise de CTT (poucos minutos até muitos dias) e incerteza do diagnóstico. Isto facilita a ocorrência de vícios de seleção dos pacientes e erros na avaliação da eficácia, devidos à própria variabilidade do tempo de duração de uma crise de CTT. Pode ser difícil discriminar entre a melhora da dor pela medicação ou pela própria evolução da crise. Esse Comitê recomenda realização de estudos cujo desenho seja aleatorizado, controlado com placebo, duplo-cego. Este tipo de avaliação, sem dúvida nenhuma, evita alguns erros dos estudos abertos no tratamento da CTT. Efeito placebo pode chegar a 30%.

Apesar disso, estudos abertos com grande casuística podem nos responder quanto à eficácia de certas medicações para controle de crises. Neste estudo, o grande número de pacientes tratados (N =5419) pode reforçar a validade de suas conclusões.

Dentre as medicações utilizadas no tratamento abortivo ou de ataque da cefaléia tipo tensão, paracetamol e cafeína, os fármacos utilizados neste estudo podem ser utilizados.

O acetaminofeno ou paracetamol, derivado do para-aminofenol, é considerado excelente analgésico em casos de dor discreta a moderada, alem de não provocar efeitos gastrointestinais importantes16. Tem fraca ação anti-inflamatória em relação ao ácido acetil-salicílico. Cuidados devem ser tomados devido à suas interações medicamentosas17. Altas doses podem potencializar a ação dos anticoagulantes orais. Além disso, cuidado especial deve ser tomado no uso em pacientes desnutridos e/ou alcoólatras, nos quais o risco de hepatotoxicidade é maior. A cimetidina pode servir como antídoto nesta situação18. Outra ação importante é a potencialização dos efeitos do cloranfenicol. O uso prolongado do paracetamol pode acelerar a absorção de zidovudina19. O uso de anticonvulsivantes pode potencializar hepatotoxicidade do paracetamol20.

A cafeína é um alcalóide natural presente em várias plantas e pertence ao grupo das metil-xantinas. Como medicamento é muito utilizada em associação com alcalóides do ergot, analgésicos e alcalóides da beladona, em preparações comerciais para tratamento de crises de enxaqueca. A cafeína não apenas aumenta a ação vasoconstrictora dos ergotamínicos, como também melhora a absorção oral e retal21. Também tem atividade anti-inflamatória definida, incluindo a capacidade de potencializar os efeitos de drogas analgésicas semelhantes à aspirina22. Quando administrada isoladamente cafeína não apresenta atividade analgésica significativa, o que não ocorre quando em associação. O mecanismo desta ação potencializadora não está esclarecido23. A cafeína é um estimulante do sistema nervoso central (SNC), sendo necessária cautela na associação com outros estimulantes centrais, como os anfetamínicos, para não induzir efeito excessivo. O uso concomitante da cafeína com inibidor da mono-amino-oxidase (IMAO) pode provocar distúrbios cardíacos e hipertensão arterial. Suspeita-se que a cafeína possa reduzir a eficácia anticonvulsivante da fenitoina, sendo recomendável reduzi-la ou suspendê-la em pacientes epilépticos que falhem em responder adequadamente à concentrações terapêuticas da droga24. A cafeína opõe-se ao efeito hipnótico e sedativo dos barbitúricos, podendo induzir ao aumento da necessidade destes, facilitando assim a dependência.

A população estudada apresentou em 87% dos casos mais de uma crise mensal e 76% dos casos tiveram história superior a 1 ano. Estes dados, segundo as orientações do International Headache Society Committee on Clinical Trials in Tension-type Headache"15, permitem maior certeza quanto ao diagnóstico de CTT. O diagnóstico de CTTE em 94,95% desta população e de CTTC em 5,05% é condizente com a literatura, já que a prevalência de CTTC na população é de 3-5% em diversos estudos.

Quanto à frequência da dor, 87,10% dos pacientes tiveram mais de duas crises mensais e 39,50% dos mesmos apresentaram dores durante 6 ou mais dias ao mês.

A maior parte dos pacientes apresentou cefaléia moderada (62,19%). O "International Headache Society Committee on Clinical Trials in Tension-type Headache"15 admite que estas são as melhores crises a serem tratadas como CTT, pois as cefaléias leves podem melhorar de forma espontânea e as intensas podem ser confundidas com enxaqueca.

Após 2 horas a percepção do início de melhora da dor ocorreu em 93,98% dos pacientes tratados. Este fato demonstra boa absorção da medicação e adequada farmacocinética da combinação farmacológica. O número de crises de cefaléia com reversão completa em 2 horas, considerado parâmetro de eficácia importante na avaliação de uma medicação, foi de 77,61%. Este valor é superior ao índice de efeito placebo de 30% habitualmente admitido para este tipo de cefaléia.

No tratamento de qualquer tipo de dor, um índice que reflita a opinião do médico e do paciente para com o tratamento é considerado importante para avaliar o valor de uma medicação. Os números de 51,93%/37,80% para médicos envolvidos no estudo e 48,51%/40,29% para os pacientes que utilizaram a medicação, com relação à eficácia boa/excelente, indica satisfação com o resultado terapêutico.

Os efeitos adversos foram observados em 5,57% dos pacientes, sendo geralmente ligados a manifestações gastrointestinais. Alguns sintomas para o lado do SNC como angústia, ansiedade, insônia, embora pudessem ser devidos à cafeína da formulação, podem eventualmente estar relacionados à própria crise.

Os resultados deste estudo apontam para a eficácia e segurança do uso de formulação farmacológica contendo 1000 mg de paracetamol e 130 mg de cafeína para o tratamento de ataque de crise de cefaléia tipo tensão, com segurança quanto a efeitos adversos.

Agradecimentos: Aos médicos que realizaram este esrudo em vários pontos do Brasil. A Paula Goldenstein Strassmann e Sandra Regina Malagutti pela avaliação estatística, e à Divisão Médica de Bristol Myers Squibb Brasil S/A.

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Dr. Getúlio Daré Rabello - Rua Dr. Amâncio de Carvalho 479 / 21 - 04012-090 São Paulo SP - Brasil. Fax 11 3663 3875.

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    Mestre em Neurologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e Responsável pelo Ambulatório de Cefaléias da Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas (HC)-FMUSP;
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    Médico Neurocirurgião, Assistente do Grupo de Neurologia e Neurocirurgia da Real e Benemérita Sociedade Portuguesa de Beneficência (Grupo Prof. Dr. Walter Carlos Pereira);
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    Doutor em Neurologia pela FMUSP e Médico Assistente do HC/FMUSP. Aceite: 9-novembro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Abr 2000
    • Data do Fascículo
      Mar 2000
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