Acessibilidade / Reportar erro

Dissecção da artéria basilar: relato de caso

Basilar artery dissection: case report

Resumos

Relato de um caso de dissecção da artéria basilar, documentado com neuroimagem (tomografia computadorizada do crânio, ressonância magnética e angiografia digital com subtração de imagem).

acidente vascular cerebral; jovem; artéria vertebral


We report a case of basilar artery dissection. MRI and angiographic study could ascertain the diagnosis.

stroke; young; vertebral artery


DISSECÇÃO DA ARTÉRIA BASILAR

RELATO DE CASO

WALDIR ANTONIO TOGNOLA* * Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Professor Adjunto, ** Médico radiologista, *** Auxiliar de Ensino. Aceite: 4-dezembro-1999. , CRESCENCIO ANTONIO CENTOLA FILHO** * Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Professor Adjunto, ** Médico radiologista, *** Auxiliar de Ensino. Aceite: 4-dezembro-1999. , REGINA HELENA FORNARI MORGANTI CHUEIRE*** * Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP). Professor Adjunto, ** Médico radiologista, *** Auxiliar de Ensino. Aceite: 4-dezembro-1999.

RESUMO: Relato de um caso de dissecção da artéria basilar, documentado com neuroimagem (tomografia computadorizada do crânio, ressonância magnética e angiografia digital com subtração de imagem).

PALAVRAS-CHAVE: acidente vascular cerebral, jovem, artéria vertebral.

Basilar artery dissection: case report

ABSTRACT: We report a case of basilar artery dissection. MRI and angiographic study could ascertain the diagnosis.

KEY WORDS: stroke, young, vertebral artery.

Os acidentes vasculares cerebrais isquêmicos em indivíduos jovens, entre 15 e 45 anos, têm etiologias variadas, com dificuldades em determinar sua causa.1-8 As dissecções arteriais representam parte das etiologias definidas. Essas dissecções atingem as artérias carótidas e vertebrobasilares, sendo pouco frequentes neste último grupo, o envolvimento isolado da artéria basilar uma exceção. Nos casos em que as dissecções atingem as artérias vertebrais, sua região extracraniana é preferencialmente atingida.

Relatamos um caso de dissecção envolvendo primariamente a artéria basilar, com manifestações isquêmicas, que teve prognóstico favorável.

CASO

JCA, 30 anos, branca, brasileira, procedente da cidade de José Bonifácio (SP), profissão: prendas domésticas. No dia 21-fevereiro-1996 a paciente apresentou cefaléia de início súbito, de moderada intensidade, contínua, associada a "tontura". Após dois dias a sensação de "tontura" se intensificou, com perda da agilidade na parte esquerda do corpo, associada a escurecimento visual e dificuldade de articular as palavras. Foi admitida no hospital. Tabagista de um maço de cigarros em média por dia. Exame físico - PA: 11/7 mm/Hg, sem anormalidades, incluindo avaliação cardiológica. O exame neurológico mostrou paciente consciente, orientada, com distasia e disbasia, nas provas de index-nariz à esquerda, exibiu incoordenação motora (dismetria) força muscular preservada com tônus normal; os reflexos profundos apendiculares mostraram-se normais e simétricos, ausência de nistagmo, a sensibilidade objetiva mostrou-se normal. Exames complementares - hemograma:

4 460 000 hemácias por mm3, Ht 41%, Hb 13,5 g%, leucócitos 10,200 mm3, VHS 12 mm 1ª h, 40 mm 2ª h, colesterol e 134 mg/dl, HDLc 78 mg/dl, VLDLc 29 mg/dl, triglicérides 146 mg/dl, mucoproteína 4,4 mg/dl. O eletrocardiograma e o ecocardiograma transtorácico foram normais, a imunofluorescência para fator antinúcleo mostrou-se não reagente e os anticorpos antifosfolipídeos foram negativos. A tomografia computadorizada do crânio (TC) revelou área hipodensa na face anterior do cerebelo à esquerda, correspondendo ao território de distribuição da artéria cerebelar anterior e inferior (ACAI), que não se modificou após injeção de contraste. A ressonância magnética (RM) mostrou área hiperintensa em T1 na face anterior e superior do hemisfério cerebelar esquerdo, correspondendo ao território da ACAI (Figs 1 e 2). A angiografia digital com subtração de imagem evidenciou imagem linear (duplo lúmen) no terço proximal da artéria basilar (dupla seta), iniciando-se e envolvendo o óstio da ACAI à esquerda (Fig 3). Na angiografia vertebral em perfil não houve enchimento da ACAI (Fig 4). Não foi realizado tratamento específico. A paciente mostrava-se-se bem dois anos após. No exame neurológico observou-se discreto tremor cerebelar no membro superior à esquerda (prova index-nariz) e sensação de queimação no membro superior direito.





DISCUSSÃO

As dissecções arteriais cérvico-cefálicas são analisadas em vários estudos1-8. Atingem comumente as artérias carótidas e são menos frequentes no território vertebrobasilar. Têm preferência pela região subintimal da parede vascular, com extensão longitudinal do hematoma. No processo de dissecção formam-se aneurismas ou ocorre obstrução do vaso9-10, nas regiões intracraninas e extracranianas, respectivamente. Múltiplas etiologias correlacionam-se com as dissecções, entre elas traumas, displasias fibromusculars, síndrome de Marfan, doença de moya-moya, mas em muitos casos não é comprovada .

Clinicamente, além dos sintomas e sinais gerais como, cefaléia, dor no pescoço11 e hipertensão arterial12, há os decorrentes de isquemia da circulação posterior ou por hemorragia subaracnóide. Há predomínio no sexo feminino12.Em certos casos os sintomas são consequentes a efeito de massa. A frequência dessas dissecções, muitas vezes bilaterais, podem ser subestimadas devido a ausência de sintomas4.

O diagnóstico paraclínico é feito por exames de imagem. O ultrassom (eco-doppler colorido)13-15, pelo seu baixo custo e simplicidade de execução, costuma ser incluído na primeira fase de investigação, porém, sua especificidade é baixa. Pode mostrar número significativo de alterações que, apesar de inespecíficas, não deixam de ter valor, frente a um quadro clínico sugestivo. A TC normal na maioria dos casos, mostra eventualmente zona de infarto. A angiografia cerebral é o padrão ouro no diagnóstico. Entre as anormalidades observadas incluem-se o duplo lúmen, o sinal do "barbante", obstrução arterial16-17. A introdução da RM18-22 trouxe consideráveis contribuições, permitindo a visibilização do infarto. A angiorressonância evidencia alterações dos vasos propriamente ditas, mostrando o hematoma intramural e o aneurisma. A combinação dos métodos de investigação permite melhor acurácia diagnóstica.

O tratamento, quando as manifestações são de isquemia, é eminentemente clínico. Nos casos de hemorragia subaracnóide, é indicada a cirurgia, com variações técnicas da abordagem do aneurisma16. Mais recentemente surgiu a angiologia intervencionista23,24.

No presente caso, houve envolvimento primário da artéria basilar. Sinais e sintomas gerais associaram-se no quadro clínico, a manifestações isquêmicas do território vertebrobasilar. O estudo angiográfico, com subtração de imagem foi decisivo para o diagnóstico, mostrando o "duplo lúmen" e o "sinal do barbante", também relatados em outros estudos. A circulação colateral observada explica a evolução favorável. Confrontando o caso, com os poucos relatados na literatura distinguem-se duas fases, na primeira situam-se casos de autópsias25-26, portanto de mau prognóstico, e a mais recente com pacientes que evoluíram favoravelmente27-30. Esta dicotomia deriva das dificuldades de investigação que ocorriam no passado.

A peculariedade do caso reside no envolvimento exclusivo da artéria basilar, no prognóstico benigno e na obstrução em território intracraniano. Neste estudo, o paciente não foi submetido a terapêutica específica, não houve uso de antiagregantes plaquetários e/ou anticoagulantes.

Dr. Waldir Antonio Tognola – Av. Faria Lima 5622 - 15090-000 São José do Rio Preto SP – Brasil. E mail: fmt@westenet.com.br

  • 1. Biller J. Ischemic stroke in the young. In American Academy of Neurology (ed), Annual Courses, Cerebrovascular disorders, critical care & emergency neurology, San Francisco, 1996,III(335):1-36.
  • 2. Mokri B, Houser OW, Sandok BA, Piepgras DG. Spontaneous dissections of vertebral arteries. Neurology 1985;38:880-885.
  • 3. Biller J, Hingten WL, Adams HP Jr., Godersky JC, Toffol GJ. Cervicocephalic arterial dissections: a ten year experience. Arch Neurol 1986;43:1234-1238.
  • 4. Caplan LR, Zarins CK, Hemati M. Spontaneous dissection of the extracranial vertebral arteries. Stroke 1985;16:1030-1038.
  • 5. Chiras J, Marciano S, Vega Molina J, Touboul J, Poirier B, Bories J. Spontaneous dissecting aneurysm of the vertebral artery (20 cases). Neuroradiology 1985;27:327-333.
  • 6. Mas JL, Bousser MG, Hasbourn D, Laplane D. Extracranial vertebral artery dissections: a review of 13 cases. Stroke 1987;18:1037-1047.
  • 7. Hinse P, Thie A, Lachenmayer L. Dissection of the extracranial vertebral artery: report of four cases and review of the literature. J Neurol Neurosurg Psychiatry, 1991, 54:863-869.
  • 8. Pozzatti E, Padovani R, Fabrizi A, Sabattini L, Gaist G. Benign arterial dissections of the posterior circulation. J Neurosurg, 1991;75:69-72.
  • 9. Yonas H. Agamanolis D, Takaoka Y, White RJ. Dissecting intracranial aneurysms. Surg Neurol, 1977;8:407-415.
  • 10. Deck JH. Pathology of spontaneous dissection of intracranial arteries. Can J Neurol Sci, 1987;14:88-91.
  • 11. Sturzeneger M. Headache and neck pain: the warning symptoms of vertebral artery dissection. Headache, 1994;34:187-193.
  • 12. Hart RG. Vertebral artery dissection. Neurology, 1988;38:987-989.
  • 13. Sturzeneger M, Mattle HP, Rivoir A, Rihs F, Schimid C. Ultrasound findings in spontaneous extracranial vertebral artery dissection. Stroke 1993;24:1910-1921.
  • 14. Bartels E. Dissection of the extracranial vertebral artery: color duplex ultrasound findings and follow-up of 20 patients. Ultraschall Med, 1996;17:55-63
  • 15. Trattinig S, Schwaigofer B, Schwarz M, Kainberger F. Color-coded Doppler sonography of vertebral arteries. J Ultrasound Med, 1991;10:221-226.
  • 16. Kitanaka C, Sasaki T, Eguchi T, Teraoka A, Nakane M, Hoya K. Intracranial vertebral artery dissections: clinical, radiological features and surgical considerations. Neurosurgery 1994;34:620-626.
  • 17. Yoshimoto Y, Wakay S. Unruptured intracranial vertebral artery dissection: clinical course and serial radiographic imagings. Stroke 1997;28:370-374.
  • 18. Felber S, Auer A, Schimidauer C, Waldenberger P, Aichner F. Magnetic resonance angiography and magnetic resonance tomography in dissection of the vertebral artery. Radiology 1996;36:872-883.
  • 19. Schwaigofer BW, Klein MW, Lyden PD, Hesselink JR. MR imaging of vertebrobasilar vascular disease. J Comp Assist Tomogr, 1990;14:895-904.
  • 20. Gelbert F, Assoline E, Hodes JE et al. MRI in spontaneous dissection of vertebral and carotid arteries, Neuroradiology 1991;33:111-113.
  • 21. Kitanaka C, Tanaka M, Teraoka A. Magnetic resonance imaging study of intracranial vertebrobasilar artery dissections. Stroke 1994;25:571-575.
  • 22. Röther J, Wentz KU, Rautenberg W, Schwartz A, Hennerici M. Magnetic resonance angiography in vertebrobasilar ischemia. Stroke 1993;24:1310-1315.
  • 23. Lynch JC, Figueira FFA, Jahara F, Andreiuolo PA. Aneurisma dissecante da artéria basilar. Arq Brasil Neurocirurg, 1986;5:117-121.
  • 24. Freitas JMM, Kisilevzky NH, Souza PC. Neurorradiologia intervencionista nas doenças cerebrovasculares obstrutivas năo tromboembólicas. Newsletter, Soc Bras Doenças Cerebrovasculares,1998;5(3).
  • 25 Berkovic SF, Spokes RL, Anderson RM, Bladin PF. Basilar artery dissection. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1983;46:126-129.
  • 26. Escourolle R, Gautier JC, Rosa A, Der Agopian P, Lhermitte F. Aneurysme disséquant vertébrobasilaire. Rev Neurol, 1973;128:95-104.
  • 27. Alexander CB, Burger PC, Goree JA. Dissecting aneurysm of the basilar artery in two patients. Stroke 1979;10:249-299.
  • 28. Sue De, Brant-Zawadzki MN, Chance J. Dissecting of cranial arteries in the neck: correlation of MRI and arteriography. Neuroradiology, 1992;34:273-278.
  • 29. Van De Kelft E, Kunnen J, Truyen L. Heytens L. Postpartum dissecting aneurysm of the basilar artery. Stroke, 1992;23:114-116.
  • 30. Okumura Y, Nikaido Y, Yokoyama K, Sasaki T. A case of basilar artery occlusion caused by vertebrobasilar dissection presenting with mild clinical symptoms. No Shinkei Geka 1995;23:463-467.
  • *
    Departamento de Ciências Neurológicas, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP).
    Professor Adjunto,
    **
    Médico radiologista,
    ***
    Auxiliar de Ensino. Aceite: 4-dezembro-1999.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      04 Dez 1999
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org