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Múltiplos tuberculomas intracerebrais na vigência de terapia específica para tuberculose pulmonar: a propósito de um caso

Intracranial tuberculomas developing during treatment of pulmonary tuberculosis: case report

Resumos

A forma clássica de apresentação da neurotuberculose é a meningite. Os tuberculomas cerebrais são formas raras de neurotuberculose e resultam da disseminação hematogênica de focos distantes de infecção pelo Mycobacterium tuberculosis. Aproximadamente 1% dos pacientes com tuberculose do sistema nervoso central desenvolve tuberculomas intracranianos, poucas semanas ou meses após o início da quimioterapia tuberculostática. A involução das lesões é lenta e não necessariamente significa resistência medicamentosa ou falta de aderência ao tratamento. Descrevemos o caso, diagnosticado e tratado na 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, de um paciente imunocompetente que apresentou meningite e tuberculomas múltiplos do sistema nervoso central, durante o tratamento específico de tuberculose miliar. A literatura é revisada e o diagnóstico, terapêutica e possíveis mecanismos imunológicos são discutidos.

tuberculoma; tuberculose miliar; quimioterapia tuberculostática


The classical presentation of neurotuberculosis is meningitis. Intracranial tuberculomas are a rare manifestation of neurotuberculosis and are due to hematogenous dissemination of distant focuses of Mycobacterium tuberculosis infection. Around 1% of patients with central nervous system tuberculosis develop intracranial tuberculomas some weeks or months after the beginning of the specific treatment with tuberculostatic chemotherapy. The involution of the lesions is slow and does not mean drug resistance nor lack of adequate treatment. We describe the case, diagnosed and treated at the 25th Infirmary of Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, of an immunocompetent male patient who developed meningitis and multiple intracranial tuberculomas during the specific treatment of miliary tuberculosis. The literature is revised and the diagnosis, treatment and possible immunological mechanisms are discussed.

tuberculoma; miliary tuberculosis; tuberculostatic chemotherapy


MÚLTIPLOS TUBERCULOMAS INTRACEREBRAIS NA VIGÊNCIA DE TERAPIA ESPECÍFICA PARA TUBERCULOSE PULMONAR

A PROPÓSITO DE UM CASO

MARIA LÚCIA VELLUTINI PIMENTEL* * 25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ: Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho; ** Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; *** Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; **** Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; ***** Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000. , SILVIA MARIA VIDAL ALVES** * 25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ: Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho; ** Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; *** Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; **** Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; ***** Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000. , SÉRGIO A. PEREIRA NOVIS*** * 25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ: Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho; ** Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; *** Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; **** Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; ***** Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000. , RAFAEL ZANDANI BRANDÃO**** * 25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ: Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho; ** Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; *** Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; **** Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; ***** Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000. , EPAMINONDAS BELO NETO***** * 25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ: Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho; ** Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; *** Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro; **** Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro; ***** Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000.

RESUMO ¾ A forma clássica de apresentação da neurotuberculose é a meningite. Os tuberculomas cerebrais são formas raras de neurotuberculose e resultam da disseminação hematogênica de focos distantes de infecção pelo Mycobacterium tuberculosis. Aproximadamente 1% dos pacientes com tuberculose do sistema nervoso central desenvolve tuberculomas intracranianos, poucas semanas ou meses após o início da quimioterapia tuberculostática. A involução das lesões é lenta e não necessariamente significa resistência medicamentosa ou falta de aderência ao tratamento. Descrevemos o caso, diagnosticado e tratado na 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, de um paciente imunocompetente que apresentou meningite e tuberculomas múltiplos do sistema nervoso central, durante o tratamento específico de tuberculose miliar. A literatura é revisada e o diagnóstico, terapêutica e possíveis mecanismos imunológicos são discutidos.

PALAVRAS-CHAVE: tuberculoma, tuberculose miliar, quimioterapia tuberculostática.

Intracranial tuberculomas developing during treatment of pulmonary tuberculosis: case report

ABSTRACT ¾ The classical presentation of neurotuberculosis is meningitis. Intracranial tuberculomas are a rare manifestation of neurotuberculosis and are due to hematogenous dissemination of distant focuses of Mycobacterium tuberculosis infection. Around 1% of patients with central nervous system tuberculosis develop intracranial tuberculomas some weeks or months after the beginning of the specific treatment with tuberculostatic chemotherapy. The involution of the lesions is slow and does not mean drug resistance nor lack of adequate treatment. We describe the case, diagnosed and treated at the 25th Infirmary of Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, of an immunocompetent male patient who developed meningitis and multiple intracranial tuberculomas during the specific treatment of miliary tuberculosis. The literature is revised and the diagnosis, treatment and possible immunological mechanisms are discussed.

KEY WORDS: tuberculoma, miliary tuberculosis, tuberculostatic chemotherapy.

A tuberculose pulmonar, conhecida como a "peste branca" no século passado, era uma das principais causas de morte em crianças e adultos jovens. Com o advento do tratamento específico houve acentuada redução dessa mortalidade. No entanto, segundo estudos da Organização Mundial de Saúde, observa-se aumento na incidência desta enfermidade no final deste século, da ordem de 36% até o ano 2000 , acometendo principalmente indivíduos entre 20 e 30 anos de idade. O aumento de morbidade e mortalidade devido à tuberculose é observado em países em desenvolvimento e está diretamente relacionado ao advento da síndrome de imunodeficiência adquirida, ao abuso do álcool, ao uso de drogas endovenosas e ao surgimento de formas resistentes às medicações habituais.

O comprometimento do sistema nervoso central (SNC) pela tuberculose é bem conhecido e resulta da disseminação hematogênica de focos infecciosos distantes de Mycobacterium tuberculosis2. O comprometimento do SNC ocorre em 19,6% dos pacientes com tuberculose extrapulmonar3. Os tuberculomas intracranianos são encontrados em 1% dos pacientes com tuberculose e representam, atualmente, 4% das lesões expansivas cerebrais, na Europa e Estados Unidos. Nos países em desenvolvimento, essa porcentagem é mais elevada, representando 15 a 20% de todos os tumores cerebrais4,5.

Jinkins e cols.6 descreveram 30 casos de tuberculomas intracranianos; destes, 77% apresentaram meningite tuberculosa prévia e desenvolveram tuberculomas intracranianos na vigência de tratamento tuberculostático e da melhora do quadro pulmonar. Outros autores corroboram esta afirmação, descrevendo casos semelhantes2,7-10. Os tuberculomas podem ser intraparenquimatosos ou meníngeos. São, frequentemente, lesões solitárias, embora possam ser múltiplos em 15 a 34% dos casos. Os tuberculomas maiores podem produzir sintomas semelhantes aos de um processo expansivo mas muitos não são acompanhados de sinais e sintomas de lesão cerebral focal. O diagnóstico diferencial se faz com toxoplasmose, criptococose, sífilis, linfoma primário do SNC e abcessos piogênicos5,11. A tomografia computadorizada (TC) de crânio tem sensibilidade de 83%, porém, por si só, não permite a diferenciação diagnóstica e pode não demonstrar o tuberculoma12.

O diagnóstico de neurotuberculose implica na instituição imediata do tratamento tuberculostático com pelo menos 4 drogas, pelo período de 12 a 30 meses, mesmo após o desaparecimento dos sintomas1,13,14. O uso de corticosteróides durante 4 a 8 semanas faz parte da terapia coadjuvante, observando-se melhora do quadro clínico naqueles pacientes que desenvolvem hipertensão intracraniana ou cuja lesão apresenta importante efeito de massa. A melhora clínica ocorre mesmo antes do desaparecimento das lesões radiológicas. O aparecimento de novas lesões ou o crescimento daquelas já existentes não significa resistência medicamentosa8.

Descrevemos o caso de um paciente com tuberculose pulmonar, que evoluiu com acometimento do SNC, (sinais de irritação meníngea e sinais focais), na fase de melhora do quadro pulmonar.

CASO

Paciente masculino, de 20 anos de idade, natural do Rio de Janeiro, apresentou, em janeiro de 1997, quadro de febre, tosse e dor torácica, sendo medicado com amoxicilina. Evoluiu com piora do estado geral, febre, náuseas e vômitos. Foi hospitalizado em março do mesmo ano. Realizou TC de tórax que evidenciou derrame pleural encistado à direita e infiltrado retículo-nodular difuso, sugestivo de tuberculose miliar. A TC de crânio foi normal (Fig. 1). O estudo do líquor (LCR) revelou 200 células/mm3(40% linfócitos, 60% neutrófilos), 37mg/dl de proteínas, 36mg/dl de glicose, 120mEq/dl de cloretos, pesquisa de anticorpos anti-HIV negativa. Foi então iniciada quimioterapia tuberculostática com rifampicina 600mg, isoniazida 400mg e pirazinamida 2g VO/dia (esquema RIP). Após uma semana de tratamento, com a melhora do quadro, recebeu alta hospitalar com o esquema RIP.


Duas semanas após a alta hospitalar, apresentou quadro de irritabilidade, insônia, cefaléia e diminuição das acuidades visual e auditiva bilateralmente. Com esta sintomatologia, foi internado na 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. Na admissão, apresentava-se lúcido, orientado, com ataxia de tronco e apendicular à direita, déficit de acuidade visual, contava dedos a 50 cm, assim como da acuidade auditiva, bilateralmente; não apresentava déficit de força, da sensibilidade superficial ou profunda; o fundo de olho era normal. Encontrava-se afebril com ausculta pulmonar revelando diminuição do murmúrio vesicular no terço médio e base à direita. A pesquisa de bacilo álcool-ácido-resistente (BAAR) no escarro foi negativa, assim como de anticorpos anti-HIV 1 e 2. Foi então submetido a ressonância magnética (RM) do crânio que evidenciou múltiplas áreas dispersas nas cisternas basais, aglomeradas e confluentes em regiões perimesencefálicas, no hipotálamo e intrasselares, nas cissuras silvianas e no tentório, onde se observava uma lesão mais proeminente, medindo cerca de 3 cm; observou-se ainda outra área com características idênticas, em topografia subependimária frontal, à esquerda; o IV ventrículo estava parcialmente colabado e desviado para a frente e para a direita; o aqueduto estava obliterado e havia dilatação ventricular supratentorial; nos hemisférios cerebelares eram observados pequenos nódulos impregnados com gadolíneo; o quiasma óptico estava englobado pelas lesões; o aspecto era de processo específico (Fig. 2).


Apesar do esquema RIP, o quadro neurológico não evoluiu favoravelmente. Foi, então, associado etambutol na dose de 1200 mg/dia. Nova RM do crânio, realizada 20 dias após a primeira, revelou redução na intensidade de captação das lesões pelo contraste paramagnético, sem alteração nas dimensões dos ventrículos supratentoriais (Fig. 3). Novo estudo do LCR realizado em julho de 1997, evidenciou 1429 células (74% neutrófilos, 11% linfócitos), 144mg/dl de proteínas e 27mg/dl de glicose. Foi aventada a possibilidade de biópsia das lesões expansivas, sendo, contudo, contra-indicada pela Neurocirurgia, pelo risco de disseminação, no caso de confirmação de tuberculose.|


O paciente apresentou sinais clínicos de hipertensão intracraniana, com boa resposta à introdução de dexametasona, diamox e manitol. Optou-se, então, pela introdução de ciprofloxacina, 1 g ao dia , mantida por 78 dias, diante da possibilidade de resistência medicamentosa ao tratamento da tuberculose. Considerando-se a hepatotoxicidade e a toxicidade ocular decorrentes do uso prolongado da pirazinamida e do etambutol, respectivamente, e tendo em vista o comprometimento importante da acuidade visual do paciente, esses dois medicamentos foram suspensos.

O quadro neurológico apresentou melhora, com o desaparecimento da ataxia cerebelar e melhora dos déficit visual e auditivo. O exame do LCR mostrou acentuada diminuição da celularidade (Tabela 1). Nova RM do crânio , 2 meses depois, mostrou redução da intensidade da impregnação das estruturas adjacentes às cisternas basais pelo contraste paramagnético e aumento do volume da lesão localizada no hemisfério cerebelar e pedúnculo cerebelar esquerdos e redução do volume dos ventrículos supra-tentoriais (Fig. 4).


Após 4 meses de internação, o paciente teve alta hospitalar com rifampicina, isoniazida e acetazolamida. Sete meses após a alta hospitalar, o paciente encontrava-se assintomático do ponto de vista neurológico e realizou nova RM do crânio (maio 1998) (Fig. 5), que mostrou redução importante nas dimensões das lesões cerebelares e de algumas localizadas nas cisternas basais, com maior redução no volume dos ventrículos cerebrais. O esquema de rifampicina e isoniazida foi mantido durante 24 meses.


DISCUSSÃO

Os tuberculomas intracerebrais resultam da disseminação hematogênica de tuberculose miliar3. São formas raras de neurotuberculose e se desenvolvem ou aumentam de tamanho quando a tuberculose sistêmica está sendo tratada com êxito10. Os sintomas produzidos pelo tuberculoma dependem de sua localização. Em crianças há predomínio de lesão infratentorial, enquanto, nos adultos, predominam no compartimento supratentorial, acometendo, principalmente, os lobos frontal e parietal. A análise do LCR esperada em casos de meningite tuberculosa é de hipercelularidade com predomínio monolinfocitário, podendo haver predomínio neutrofílico na fase aguda da doença. A glicorraquia está sempre diminuída.

O diagnóstico diferencial se faz com toxoplasmose, criptococose, sífilis, linfoma primário do SNC e abcessos piogênicos2,11. Quanto ao abcesso piogênico, é bom ressaltar que é manifestação incomum de infecção do SNC por Mycobacterium tuberculosis15, porém, pode ser encontrado em pacientes imunocomprometidos e idosos. O núcleo do abcesso piogênico é composto de pus e numerosos bacilos tuberculosos, em oposição ao tuberculoma que tem caseificação sólida e poucos ou nenhum bacilo. Na TC de crânio, o abcesso piogênico tem paredes delgadas, lisas e é muito regular na sua espessura. Após a administração do contraste, é frequentemente observado realce das paredes da lesão e limitação do edema periférico, que está sempre presente. Se uma lesão fortemente suspeita de ser tuberculoma não responder à quimioterapia apropriada, o diagnóstico de abcesso piogênico pode ser considerado e tratado cirurgicamente.

Com relação ao mecanismo de formação dos tuberculomas intracranianos, ainda há controvérsia7-10. Acredita-se que a expansão dos tuberculomas tenha uma base imunológica. As drogas tuberculostáticas causariam destruição das estruturas das micobactérias e liberação de proteínas do bacilo. Estas provocariam reação de hipersensibilidade. Na área perilesional ocorreria vasculite granulomatosa secundária, associada à proliferação interior e degeneração dos vasos, com oclusão do lúmen do vaso, o que pioraria a penetração das drogas tuberculostáticas nas lesões. Acredita-se, portanto, que o corticosteróide teria eficácia na interrupção deste processo, o que explicaria a melhora clínica2,9,10.

A literatura sugere que os pacientes com suspeita de tuberculose do SNC devem receber um curso prolongado de terapia antituberculosa, com associação de pelo menos 4 drogas (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) durante um período de 12 a 30 meses, mesmo após o desaparecimento dos sintomas6,10,13,16. A terapia tuberculostática precoce, além de eficaz, melhora o prognóstico. A melhora clínica ocorre mesmo antes do desaparecimento das lesões radiológicas. A regressão das lesões é bastante lenta e não significa, necessariamente, resistência medicamentosa ou falta de aderência ao tratamento9.

A intervenção cirúrgica pode ser necessária quando há complicações agudas tais como hidrocefalia. A biópsia estereotáxica pode ser realizada quando não há um diagnóstico seguro, ou não há resposta à terapia dentro de 8 semanas, na suspeita de tuberculoma9,14,16,17. A remoção cirúrgica está indicada quando a localização da lesão for favorável.

Com base na literatura revisada, foi discutido, junto ao Serviço de Pneumologia da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, a manutenção da pirazinamida e do etambutol no paciente relatado. Devido à hepatotoxicidade da pirazinamida e à toxicidade ocular do etambutol, que são reversíveis se o seu uso for interrompido precocemente, decidiu-se suspender as duas drogas acima referidas. A introdução da ciprofloxacina baseou-se na possibilidade de resistência à terapêutica tuberculostática administrada, uma vez que não se observava melhora clínica, liquórica ou radiológica evolutivamente.

O caso apresentado revela a importância diagnóstica e do exame neurológico em pacientes com tuberculose miliar que apresentam manifestações clínicas sugestivas de acometimento do SNC, mesmo em vigência de terapia específica. Gupta e cols.18 chamam a atenção para a presença de tuberculomas intracranianos em pacientes com tuberculose miliar, na ausência de sinais e sintomas neurológicos. Portanto, outro ponto importante a ser analisado é a indicação de exame de imagem, com RM do crânio, mesmo nos pacientes assintomáticos do ponto de vista neurológico, uma vez que o tratamento, nos casos de tuberculomas intracranianos, deve se estender por 12 a 30 meses.

Dra Maria Lúcia Vellutini Pimentel - Rua Custódio Serrão 36/1001 ¾ 22470-230 Rio de Janeiro RJ - Brasil. Fax: 21 539 9685. E-mail: jotapim@centroin.com.br

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  • *
    25ª Enfermaria, Neurologia, Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, RJ:
    Chefe de Clínica da 25ª Enfermaria, Professora Assistente de Neurologia da Universidade Gama Filho;
    **
    Pós-Graduanda de Neurologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro;
    ***
    Chefe do Serviço da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, Professor Titular de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade Gama Filho e da Universidade Federal do Rio de Janeiro;

    ****

    Residente da 25ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro;

    *****

    Professor Assistente de Pneumologia da 7ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro e das Universidades Gama Filho e Souza Marques. Aceite: 11-março-2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000

    Histórico

    • Aceito
      11 Mar 2000
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