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Afasia global sem hemiparesia: relato de caso

Global aphasia without hemiparesis: case report

Resumos

Afasia global geralmente é acompanhada por hemiparesia direita devido à extensão da lesão subjacente. Recentemente têm sido registrados na literatura casos em que tal síndrome ou não se acompanha do déficit motor ou este é apenas transitório, sendo esta condição conhecida como afasia global sem hemiparesia (AGSH). Relatamos caso de AGSH devido a infarto cerebral embólico cardiogênico, corroborando a tese de que esta condição pode ter valor preditivo para o diagnóstico de infartos embólicos.

afasia global; infarto cerebral; embolia


Symptoms and signs of a stroke indicate which areas of the brain are affected and may also suggest the pathophysiology. We report herein a case of global aphasia without hemiparesis due to embolic infarct. Our case suggests that this situation may be an important sign for embolic cerebral infarction, as reported in literature.

global aphasia; cerebral infarction; embolism


AFASIA GLOBAL SEM HEMIPARESIA

RELATO DE CASO

MARCUS TULIUS TEIXEIRA DA SILVA* * Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Residente, ** Professor Adjunto; *** Professora Adjunta de Radiologia - UFRJ e Serviço de Radiologia / Hospital PróCardíaco. Aceite: 2-maio-2000. , JOSÉ LUÍS DE SÁ CAVALCANTI ** * Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Residente, ** Professor Adjunto; *** Professora Adjunta de Radiologia - UFRJ e Serviço de Radiologia / Hospital PróCardíaco. Aceite: 2-maio-2000. , DENISE MADEIRA MOREIRA*** * Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ): Residente, ** Professor Adjunto; *** Professora Adjunta de Radiologia - UFRJ e Serviço de Radiologia / Hospital PróCardíaco. Aceite: 2-maio-2000.

RESUMO - Afasia global geralmente é acompanhada por hemiparesia direita devido à extensão da lesão subjacente. Recentemente têm sido registrados na literatura casos em que tal síndrome ou não se acompanha do déficit motor ou este é apenas transitório, sendo esta condição conhecida como afasia global sem hemiparesia (AGSH). Relatamos caso de AGSH devido a infarto cerebral embólico cardiogênico, corroborando a tese de que esta condição pode ter valor preditivo para o diagnóstico de infartos embólicos.

PALAVRAS-CHAVE: afasia global, infarto cerebral, embolia.

Global aphasia without hemiparesis: case report

ABSTRACT - Symptoms and signs of a stroke indicate which areas of the brain are affected and may also suggest the pathophysiology. We report herein a case of global aphasia without hemiparesis due to embolic infarct. Our case suggests that this situation may be an important sign for embolic cerebral infarction, as reported in literature.

KEY WORDS: global aphasia, cerebral infarction, embolism.

A afasia global, forma mais grave das afasias, apresenta-se habitualmente acompanhada por hemiparesia, geralmente à direita, denotando a extensão da lesão responsável pela ruptura da rede neural envolvida no processamento lingüístico. Clinicamente combina características da afasia de Broca com a de Wernicke, geralmente de prognóstico funcional reservado.

Recentemente foi descrita por Van Horn e Hawes1, e posteriormente confirmada por Tranel et al.2, uma síndrome na qual a afasia global não era acompanhada por hemiparesia (ou se esta estava presente era de rápida resolução), na qual a origem embólica era demonstrada; afasia global sem hemiparesia (AGSH). Discute-se atualmente se esta síndrome guarda especificidade topográfica e etiológica, pois em relatos subsequentes mostrou-se outros casos com etiologias diferentes da embólica e outros em que apenas uma lesão produzia a síndrome.

Neste relato, apresentamos um caso de AGSH secundária a isquemia cerebral embólica e discutimos a literatura revisada.

CASO

Homem de 52 anos, destro, tabagista e hipertenso moderado, hospitalizado por apresentar-se há dois dias com "confusão mental" (diagnóstico inicial do setor de emergência de um hospital público), de início sendo levado a uma instituição psiquiátrica. Estava alerta, ansioso, incapaz de seguir comandos verbais ou escritos, nomear objetos, dizer seu nome ou repetir sentenças simples. Dizia apenas, com alguma dificuldade, SIM e NÃO. Não havia déficit motor, os reflexos osteotendíneos e cutâneos eram normais. Foi impossível interpretar o exame da sensibilidade, assim como a campimetria por confrontação direta. A ressonância magnética (RM) de crânio mostrou áreas de hipersinal em T2 e Flair, comprometendo a substância branca subcortical e o córtex no lobo parietal, partes dos lobos frontal e temporal esquerdos, que realçavam nas seqüências em T1 com contraste paramagnético endovenoso - Magnevistan-Shering ¾ (Figs 1 e 2). Angioressonância (ARM) encefálica mostrou redução do fluxo através da artéria cerebral média esquerda (Fig 3). ARM carotídea não evidenciou lesão ateroesclerótica. O ecocardiograma transtorácico revelou hipocinesia global do ventrículo esquerdo, com trombo mural aderido e parcialmente calcificado. ECG mostrava alterações na repolarização ventricular e a radiografia do tórax era normal. O paciente foi submetido a anticoagulação com heparina e posteriormente com warfarin. Ainda mantém grave distúrbio da linguagem após 8 meses.




DISCUSSÃO

A afasia global é uma das mais dramáticas síndromes neurovasculares, geralmente associada a hemiparesia contralateral (geralmente à direita e de predomínio bráquio-crural) e a hemianopsia homônima 3,4. As lesões associadas a esta síndrome podem variar tanto quanto a extensão como quanto a localização, havendo, no entanto, forte correlação entre o quadro clínico típico e o envolvimento de toda a região peri-silviana no território da cerebral média esquerda. A lesão envolve quase todas as áreas responsáveis pela limguagem, quais sejam o operculum frontal, a metade posterior do giro temporal superior, a porção posterior do giro temporal médio e inferior, o giro angular e supramarginal e estruturas profundas, como os núcleos da base e a ínsula 2,3. Habitualmente resulta da oclusão de troncos arteriais (ou de cerebral média ou de carótida interna), visto que é produzida quando áreas distintas do ponto de vista da vascularização são acometidas.

A instalação aguda de AGSH foi reconhecida há alguns anos e proposta por Van Horn e Hawes1 como uma síndrome de isquemia cerebral embólica, visto haver lesões distintas, pequenas e simultâneas, em áreas do hemisfério dominante que não compartilham da mesma vascularização. Posteriormente à sua descrição observam-se na literatura casos de AGSH em que outras etiologias são demonstradas, colocando em dúvida a especificidade etiológica da embolia. Legatt et al.5, em uma série de 6 casos mostram que em pelo menos dois a etiologia foi outra (hemorragia subaracnoidéia e metástases) sendo que nos outros quatro casos, embora clinicamente de provável origem embólica pelo cortejo clínico que seus pacientes apresentavam, não se pode afirmar tal etiologia. Isto se deve ao fato do ecocardiograma transtorácico (método utilizado pelos autores) quando normal não afastar a possibilbidade de êmbolos e ao fato de que em algumas situações podermos ter formação de apenas poucos trombos, propagados rapidamente, como ocorre na fibrilação atrial aguda não sustentada.

Com relação a localização topográfica alguns autores relataram AGSH resultante de lesão única temporoparietal, pré-rolândica (porções F2 e F3) e frontotemporoparietal, mostrando que não são necessárias lesões isquêmicas simultâneas em duas áreas distintas 6.

Os autores concordam que a especificidade topográfica da AGSH não pode ser sustentada, mas acreditam que é uma síndrome clínica de relevância quanto ao seu valor preditivo etiológico, pois uma vez frente a um quadro agudo em que a tomografia computadorizada exclua hemorragia (prática habitual frente a qualquer acidente vascular encefálico) pode ser um dado positivo para embolia (cardíaca ou não), possibilitando medidas terapêuticas imediatas mesmo que o ecocardiograma transtorácico e o dopler de carótidas e vertebrais (mais disponíveis em nosso meio) sejam negativos.

Interessante notar que o prognóstico da AGSH é diferente da afasia global com hemiparesia, sendo que na primeira habitualmente a recuperação funcional é satisfatória, quando muito resultando em afasia motora leve. Tranel et al. sugerem que isto se deva a lesão circunscrita e pequena na região peri-silviana, ao contrário do que se observa na afasia global clássica 2. Esta recuperação, segundo os relatos de Van Horn e Hawes1 e de Tranel et al.2 geralmente ocorrem ao longo de alguns meses.

Em conclusão, se levarmos em consideração que o diagnóstico de infarto embólico permanece provisório a menos que haja múltiplos infartos cerebrais coincidentes, evidência de trombos sistêmicos, embolias simultâneas de outros órgãos ou visualização do êmbolo por angiografia cerebral, podemos inferir que o achado de AGSH pode ser de grande valor para rápidas tomadas de decisões, qual seja a anticoagulação. O resgate desta observação parece-nos de extrema valia etiológica, tendo em vista que nem sempre podemos dispor de todos os recursos complementares para o esclarecimento diagnóstico etiológico. Este caso soma-se ao Caso 2 de Van Horn e Hawes1 e ao Caso 3 de Tranel et al.2 nos quais não houve déficit motor ou sinal piramidal, mesmo que transitórios.

Dr. Marcus Tulius Teixeira da Silva - Rua Álvares de Azevedo 134 / 901 A ¾ 24220-000 Niterói RJ ¾ Brasil. E-mail: tulius@microlink.com.br

  • 1. Van Horn G, Hawes A. Global aphasia without hemiparesis: A sign of embolic encephalopathy. Neurology 1982;32:403-406.
  • 2. Tranel D, Biller J, Damasio H, Adams HP Jr, Cornell SH.Global aphasia without hemiparesis. Arch Neurol 1987;44:304-308.
  • 3. Damasio AR. Aphasia. N Engl J Med 1992;326:531-539.
  • 4. Geschwind N. Aphasia. N Engl J Med 1971;284:654-656.
  • 5. Legatt AD, Rubin MJ, Kaplan LR, Healton EB, Brust JCM. Global aphasia without hemiparesis: multiple etiologies. Neurology 1987;37:201-205.
  • 6. Deleval J, Leonard A, Mavroudakis N, Rodesch G. Global aphasia without hemiparesis following prerolandic infarction. Neurology 1989;39:1532-1535.
  • *
    Instituto de Neurologia Deolindo Couto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ):
    Residente,
    **
    Professor Adjunto;
    ***
    Professora Adjunta de Radiologia - UFRJ e Serviço de Radiologia / Hospital PróCardíaco. Aceite: 2-maio-2000.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Dez 2000
    • Data do Fascículo
      Set 2000

    Histórico

    • Aceito
      02 Maio 2000
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