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Tuberculose do sistema nervoso central em crianças: 2. Tratamento e evolução

Central nervous system tuberculosis in children: 2. Treatment and outcome

Resumos

Sequelas neurológicas não são raras após o tratamento da tuberculose do sistema nervoso central (SNC), que é longo, trabalhoso e sujeito a complicações. Vários fatores são implicados como determinantes de prognóstico. O objetivo deste estudo foi analisar o tratamento e a evolução de 52 crianças com tuberculose do SNC de um hospital pediátrico terciário. A maioria dos pacientes (41 ou 78,8%) utilizou corticosteróides associados ao esquema tríplice. A ocorrência de hidrocefalia foi comum (28 de 41 testados), porém apenas 8 (15,4%) necessitaram de derivação liquórica. Hiponatremia ocorreu em um terço dos casos testados. Hepatotoxicidade ao esquema tríplice aconteceu em 32 casos (61,5%), porém apenas 3 (9,4%) necessitaram de substituição destas drogas. Ocorreram 8 (15,4%) óbitos e 24 (46,1%) casos desenvolveram sequelas ao fim do tratamento. Houve tendência de pior prognóstico entre os pacientes que não usaram corticosteróides e os que apresentavam doença avançada ao diagnóstico.

tuberculose; meningoencefalite; sistema nervoso central; crianças; tratamento; evolução


Neurologic damage is usual after central nervous system (CSN) tuberculosis recovery. Treatment is long, difficult and prone to complications. Many factors are enrolled as prognostic determinants. This study aimed to describe the treatment and outcome of 52 children with CNS tuberculosis of a tertiary pediatric hospital. All of them received standard triple drug regimen, and 41 (78.8%) received corticosteroids as adjunctive therapy. Hydrocephalus was common (28 of 41 tested), but only 8 (15.4%) patients underwent ventricular shunt surgery. Hepatotoxicity to anti tuberculosis drugs occurred in 32 (61.5%) cases, but in only 3 (9.4%) drug substitution was necessary. There were 8 (15.4%) deaths and 24 (46.1%) cases developed neurologic damage after therapy. Patients who did not receive steroids during treatment and those with advanced neurological involvement at diagnosis showed a tendency to worse prognosis.

tuberculosis; meningoencephalitis; central nervous system; children; treatment; outcome


TUBERCULOSE DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL EM CRIANÇAS

2. Tratamento e evolução

Fernando A. R. de Gusmão Filho11Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; Instituto da Criança (ICr), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; 2Livre-docente em Neurologia pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Neurologia; 3Pós-graduanda (Doutorado) pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Infectologia; 4Doutora em Pediatria pela FMUSP, Médica do Grupo de Epidemiologia Hospitalar. , Maria Joaquina Marques-Dias21Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; Instituto da Criança (ICr), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; 2Livre-docente em Neurologia pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Neurologia; 3Pós-graduanda (Doutorado) pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Infectologia; 4Doutora em Pediatria pela FMUSP, Médica do Grupo de Epidemiologia Hospitalar. , Heloísa H. de S. Marques31Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; Instituto da Criança (ICr), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; 2Livre-docente em Neurologia pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Neurologia; 3Pós-graduanda (Doutorado) pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Infectologia; 4Doutora em Pediatria pela FMUSP, Médica do Grupo de Epidemiologia Hospitalar. , Sônia R. T. da S. Ramos41Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; Instituto da Criança (ICr), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; 2Livre-docente em Neurologia pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Neurologia; 3Pós-graduanda (Doutorado) pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Infectologia; 4Doutora em Pediatria pela FMUSP, Médica do Grupo de Epidemiologia Hospitalar.

RESUMO - Sequelas neurológicas não são raras após o tratamento da tuberculose do sistema nervoso central (SNC), que é longo, trabalhoso e sujeito a complicações. Vários fatores são implicados como determinantes de prognóstico. O objetivo deste estudo foi analisar o tratamento e a evolução de 52 crianças com tuberculose do SNC de um hospital pediátrico terciário. A maioria dos pacientes (41 ou 78,8%) utilizou corticosteróides associados ao esquema tríplice. A ocorrência de hidrocefalia foi comum (28 de 41 testados), porém apenas 8 (15,4%) necessitaram de derivação liquórica. Hiponatremia ocorreu em um terço dos casos testados. Hepatotoxicidade ao esquema tríplice aconteceu em 32 casos (61,5%), porém apenas 3 (9,4%) necessitaram de substituição destas drogas. Ocorreram 8 (15,4%) óbitos e 24 (46,1%) casos desenvolveram sequelas ao fim do tratamento. Houve tendência de pior prognóstico entre os pacientes que não usaram corticosteróides e os que apresentavam doença avançada ao diagnóstico.

PALAVRAS-CHAVE: tuberculose, meningoencefalite, sistema nervoso central, crianças, tratamento, evolução.

Central nervous system tuberculosis in children: 2. Treatment and outcome

ABSTRACT - Neurologic damage is usual after central nervous system (CSN) tuberculosis recovery. Treatment is long, difficult and prone to complications. Many factors are enrolled as prognostic determinants. This study aimed to describe the treatment and outcome of 52 children with CNS tuberculosis of a tertiary pediatric hospital. All of them received standard triple drug regimen, and 41 (78.8%) received corticosteroids as adjunctive therapy. Hydrocephalus was common (28 of 41 tested), but only 8 (15.4%) patients underwent ventricular shunt surgery. Hepatotoxicity to anti tuberculosis drugs occurred in 32 (61.5%) cases, but in only 3 (9.4%) drug substitution was necessary. There were 8 (15.4%) deaths and 24 (46.1%) cases developed neurologic damage after therapy. Patients who did not receive steroids during treatment and those with advanced neurological involvement at diagnosis showed a tendency to worse prognosis.

KEY WORDS: tuberculosis, meningoencephalitis, central nervous system, children, treatment, outcome.

O acometimento do sistema nervoso central (SNC) é uma das formas mais temidas da tuberculose na infância, pela morbi-mortalidade que costuma causar. O comprometimento neurológico, quando não fatal, costuma deixar sequelas de grau variável, que se manifestam como déficits motores, retardo do desenvolvimento ou demência mental, síndromes convulsivas e hidrocefalia1.

O tratamento da criança com tuberculose do SNC baseia-se no uso do esquema tríplice associado a corticosteróides. Complicações, tais como hidrocefalia com hipertensão intracraniana, distúrbios metabólicos e efeitos adversos às próprias drogas do esquema tríplice, podem interferir negativamente no prognóstico quando não corrigidas em tempo. O aumento da pressão intracraniana, além de levar risco à vida do paciente, prejudica o aporte de drogas ao tecido nervoso2,3. Cirurgias de derivação ventricular são por vezes necessárias para o alívio da hidrocefalia. Dentre os distúrbios metabólicos, a hiponatremia é o mais comum e está relacionada a distúrbios hormonais, como a secreção inapropriada de hormônio antidiurético ou de peptídeo atrial natriurético4,5. No tratamento da tuberculose do SNC, é comum a ocorrência de hepatotoxicidade devido às doses mais elevadas da isoniazida e da rifampicina empregadas. Pode ser contornada na maioria das vezes pela redução das doses ou suspensão temporárias desses medicamentos6,7.

É fato que o prognóstico do paciente com tuberculose do SNC é dependente do grau de avanço da doença - quanto mais precoce for o início do tratamento, melhor será a evolução do paciente. Além do estadio evolutivo, outros fatores têm sido implicados como determinantes de prognóstico: idade, presença de tuberculose extra-meníngea, vacinação com BCG, alterações liquóricas, presença de hipertensão intracraniana, alteração do nível de consciência, presença de déficits neurológicos, negativação da reação de Mantoux, tipo de esquema de tratamento utilizado, uso de corticosteróides e associação com outras doenças8,9.

Para a abordagem adequada do paciente, torna-se necessário o reconhecimento oportuno de complicações associadas, além de possíveis fatores determinantes do prognóstico. O objetivo desse estudo é analisar a casuística de tuberculose do SNC do Instituto da Criança (ICr) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC, FMUSP), a fim de descrever: (1) os esquemas terapêuticos utilizados, tanto o uso de drogas anti-tuberculosas e seus efeitos adversos, quanto o emprego de adjuvantes (associação de corticosteróides, cirurgias de derivação ventricular); (2) a ocorrência de complicações, como hiponatremia e hidrocefalia; (3) a situação final dos pacientes, avaliando óbitos e seqüelas neurológicas, e ainda as relacionando com o estadio da doença no início do tratamento e com outras variáveis epidemiológicas, clínicas ou laboratoriais.

MÉTODO

Foi feito um estudo retrospectivo a partir da análise de prontuários de crianças internadas com diagnóstico de tuberculose do SNC no ICr (HC, FMUSP), no período entre 1981 e 1997. O ICr é um hospital pediátrico de nível terciário, que atende predominantemente a população da Grande São Paulo.

A inclusão como caso de tuberculose de SNC exigiu a presença de meningite linfomonocitária e/ou imagem em tomografia computadorizada de crânio (TCC) compatível com tuberculoma, associados a critérios, previamente descritos10.

O estadiamento clínico foi realizado de acordo com o classicamente proposto10,11:

Definiu-se hiponatremia como o nível sérico de sódio abaixo de 135,0 mEq/dL.

A ocorrência de hidrocefalia foi atestada pelo aumento das dimensões do sistema ventricular encefálico à TCC.

Todos os pacientes foram tratados conforme o recomendado pelo Ministério da Saúde 12, de acordo com a época: até 1989, a associação de isoniazida (10 a 20 mg/Kg/dia), rifampicina (10 a 20 mg/Kg/dia) e etambutol (25 mg/Kg/dia), por via oral ou retal; a partir de então, a associação de isoniazida, rifampicina, nas mesmas doses, e pirazinamida (35 mg/Kg/dia), pelas mesmas vias.

Definiu-se hepatotoxicidade como a elevação sérica das enzimas hepáticas (aspartato aminotransferase e alanino aminotransferase) e hepatite quando essa elevação foi maior que cinco vezes o normal, de acordo com o método utilizado.

O uso de corticosteróides baseou-se em discussões caso a caso. Foi considerado correto e completo o uso de prednisona, 1 a 2 mg/Kg/dia, via oral e/ou dexametasona, em doses equivalentes, em quatro doses, por via oral ou intravenosa, por quatro a seis semanas sem interrupção, conforme preconiza o Ministério da Saúde 13.

As sequelas neurológicas, definidas por alterações do exame neurológico após o término do tratamento, foram classificadas de acordo com a intensidade em: Sequelas leves: comprometimento neurológico mínimo, permitindo à criança independência total nas atividades do dia-a-dia; Sequelas moderadas: comprometimento moderado, causando dependência parcial; Sequelas graves: comprometimento intenso, levando à dependência completa.

Os dados foram condensados e analisados com o auxílio do programa EPI-INFO versão 6,04a14. Para a análise estatística, as variáveis foram divididas em duas categorias (Quadro). Quanto à variável Evolução Final, os pacientes foram subdivididos em: (A) aqueles sem sequelas ou com sequelas leves e (B) aqueles com sequelas moderadas, graves ou óbitos A associação da variável evolução final com cada uma das outras variáveis foi verificada por meio dos testes c2 ou Fisher bicaudal. Adotou-se o nível de significância a < 5,0% (p<0,05).


RESULTADOS

Preencheram os critérios de inclusão 52 pacientes. Todos, exceto um, tiveram líquor inicial alterado. Neste, o critério de inclusão foi a alteração na TCC compatível com tuberculoma, associada a resposta favorável à terapêutica. A duração da internação dos pacientes que sobreviveram variou entre 13 e 343 dias, com mediana de 34,5 dias.

Vinte e três pacientes (44,2%) iniciaram o tratamento com o esquema isoniazida, rifampicina e etambutol, enquanto 29 (55,8%) iniciaram com o esquema isoniazida, rifampicina e pirazinamida. Como terapia adjuvante, 41 pacientes (78,8%) usaram corticosteróides, porém em 11 deles (26,8%) foi necessária a sua interrupção por motivos não relacionados à doença.

Constatou-se hidrocefalia em 28 dos 41 (68,3%) casos que foram submetidos à TCC. Oito pacientes (15,4%) necessitaram de derivação liquórica. Quatro (7,7%) submeteram-se à derivação externa e outros 4 (7,7%), à peritoneal.

Hiponatremia ocorreu em 16 dos 48 (33,3%) casos testados.

Hepatotoxicidade foi o principal efeito adverso ao uso do esquema tríplice (32 casos ou 61,5%). Um caso (1,9%) apresentou nefrite intersticial e um (1,9%), neurite periférica. Dos 45 pacientes testados, em 32 (71,1%) houve elevação dos níveis das enzimas hepáticas, sendo que em 16 (35,6% do total) caracterizou-se hepatite. Todos os casos de hepatotoxicidade exceto um ocorreram nas primeiras quatro semanas de uso (Tabela 1). Dos 32 casos de hepatotoxicidade, três (9,4%) necessitaram de substituição de drogas do esquema terapêutico. Em 16 (50,0%) não houve necessidade de intervenção e em outros 13 (40,6%) apenas as doses da isoniazida e da rifampicina foram alteradas (Tabela 2).

Dos 52 pacientes, 8 (15,4%) faleceram durante a internação hospitalar. Em um desses, uma infecção hospitalar no sistema ventricular derivado pode ter contribuído como causa do óbito. O período entre a internação e o óbito variou de 9 a 117 dias, com mediana de 22,5 dias. Ao término do tratamento, 24 casos (46,1%) apresentaram sequelas, sendo 9 (17,3%) leves, 6 (11,5%) moderadas e 9 (17,3%) graves. Quatorze casos (27,0%) não apresentaram sequelas. Em seis casos (11,5%) não foi possível a avaliação por interrupção do seguimento (Figura).


Não houve associação significativa entre a variável evolução final e as outras variáveis testadas (Tabela 3).

DISCUSSÃO

Na tuberculose do SNC, em consequência à disseminação hematogênica a partir do foco primário pulmonar, formam-se granulomas principalmente em áreas submeníngeas. O aumento de volume desses granulomas geralmente culmina com descarga do conteúdo caseoso para as meninges. A aracnoidite que se desenvolve, mais intensa na base do encéfalo, é responsável por (1) obstrução da passagem do líquor pelas cisternas basais, gerando hidrocefalia; (2) comprometimento dos terceiro, sexto e sétimo nervos cranianos, além do quiasma óptico, causando paresias, paralisias e amaurose e (3) envolvimento das artérias carótida interna e cerebral média, comprometendo a irrigação de áreas extensas do parênquima cerebral.

Concomitantemente à meningite, edema tecidual e vasculite se desenvolvem pela reação de hipersensibilidade ao antígeno micobacteriano, contribuindo para a ocorrência de isquemia ou infarto do parênquima cerebral, notadamente do território irrigado pela artéria cerebral média (hipotálamo e os gânglios basais)16,17. As sequelas neurológicas parecem estar mais relacionadas a essas lesões18,19.

Ao contrário da forma pulmonar, são poucos os estudos clínicos a respeito da eficácia comparada entre as diversas associações de drogas dirigidas ao tratamento da tuberculose do SNC20. O esquema correntemente recomendado pelo Ministério da Saúde 13 requer o uso da isoniazida e da rifampicina por tempo mais prolongado que o habitual e com doses mais elevadas durante os primeiros dois meses. No presente estudo, não houve diferença quanto à evolução entre os dois grupos, o que usou o etambutol e o que usou a pirazinamida.

O uso de corticosteróides como terapia adjuvante da tuberculose do SNC agiria atenuando a resposta inflamatória à tuberculoproteína, responsável pelo edema, pela vasculite e pela aracnoidite de base, repercutindo positivamente no prognóstico21.

No nosso estudo, não houve associação estatisticamente significativa entre o uso de corticosteróides e a evolução final dos pacientes (p=0,198), talvez pelo número baixo de casos envolvidos. Houve, todavia, uma tendência a melhor prognostico entre aqueles que os usaram. Estudos prospectivos recentes mostram resultados controversos, indicando porém benefícios relativos, tanto na mortalidade quanto no desenvolvimento de sequelas22-24.

A ocorrência de hidrocefalia como complicação da tuberculose do SNC é plenamente reconhecida e documentada3. O emprego precoce de cirurgias de derivação ventricular tem sido proposto na tentativa de melhorar a perfusão tecidual do tecido nervoso e assim evitar o desenvolvimento de sequela. As pesquisas realizadas com este fim mostraram resultados antagônicos2,3. Não foi possível obter qualquer conclusão no presente estudo pelo número baixo de pacientes submetidos à derivação liquórica.

A hiponatremia é complicação comum em processos patológicos intracranianos, entre eles, a tuberculose do SNC. A ocorrência de hiponatremia não foi determinante do prognóstico dos pacientes desta série. Durante muito tempo foi atribuída à síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético (SIADH), pois os vasos que irrigam o hipotálamo comumente são afetados pela arterite provocadas pelas tuberculoproteínas. Recentemente cogitou-se a hipersecreção do peptídeo atrial natriurético (PAN) como a causa principal da queda dos níveis plasmáticos de sódio4,5. A isquemia hipotalâmica desencadearia uma descarga adrenérgica, que induziria a secreção do PAN a partir dos grânulos atriais.

A maioria das drogas antituberculosas causa dano hepático. A hepatotoxicidade é reconhecida como efeito colateral ao tratamento da tuberculose desde a introdução da isoniazida e da rifampicina6,7. Nesta série, a ocorrência de hepatotoxicidade foi de 71,1% entre os casos (32 em 45 pesquisados), sendo 26,7% (12) de hepatite, resultado semelhante ao de outros autores6.

Como o tratamento adequado da tuberculose do SNC de crianças é fundamental na prevenção de sequelas, achamos prudente a monitorização semanal dos níveis séricos das enzimas hepáticas durante o primeiro mês de tratamento, a fim de prevenir complicações. Nos casos de elevação exagerada (próxima ou maior que cinco vezes o valor máximo normal), na ausência de sintomas de hepatite (náuseas, vômitos, icterícia) recomendamos a diminuição temporária das doses das drogas, até que os valores voltem ao normal. Nos casos de hepatite com sintomatologia, pode ser tentada a suspensão temporária das drogas, com posterior reintrodução cuidadosa e gradual.

As sequelas neurológicas seguidas à tuberculose do SNC costumam manifestar-se por déficits cognitivos, sensitivos (audição e visão) e motores (piramidal e extrapiramidal), por síndromes convulsivas e pela obstrução definitiva da comunicação do líquor pelas cisternas basais. Pela variedade de apresentações clínicas, é comum a classificação das sequelas de acordo com a intensidade.

O estadiamento clínico é reconhecido como o principal determinante do prognóstico desde o início da era quimioterápica do tratamento da tuberculose do SNC11,18,25-30. No presente estudo, houve uma tendência de pior prognóstico entre os pacientes que apresentavam diminuição do nível de consciência no início do tratamento, porém, sem significância estatística (p=0,140).

Alguns autores também indicam a idade como fator de influência no prognóstico26-28,30. Além disso, estudos prospectivos empregando análise multivariada identificaram influência de outros fatores, como presença de sinais neurológicos focais, de hidrocefalia8 e de convulsão9.

Conclui-se que a tuberculose do SNC das crianças desta série, além de ter exigido tratamento trabalhoso e tempo de internação prolongado, gerou morbi-mortalidade elevada. Assim, o papel da prevenção da tuberculose torna-se ainda mais relevante, sobretudo diante do alto custo que essa doença acaba acarretando ao indivíduo e à sociedade.

Recebido 3 Abril 2000, recebido na forma final 31 Agosto 2000. Aceito 4 Setembro 2000.

Dr. Fernando A. R. de Gusmão, filho - Rua José de Holanda 561/303 - 50710-140 Recife PE, Brasil.

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  • 1Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia;
    Instituto da Criança (ICr), Hospital das Clínicas (HC), Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP): Mestre em Pediatria pela FMUSP, Médico Observador da Unidade de Infectologia; 2Livre-docente em Neurologia pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Neurologia; 3Pós-graduanda (Doutorado) pela FMUSP, Médica-chefe da Unidade de Infectologia; 4Doutora em Pediatria pela FMUSP, Médica do Grupo de Epidemiologia Hospitalar.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Abr 2001
    • Data do Fascículo
      Mar 2001

    Histórico

    • Aceito
      04 Set 2000
    • Recebido
      03 Abr 2000
    • Revisado
      31 Ago 2000
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