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Avaliação da isquemia cerebral pela respiração mitocondrial: modelo experimental

Study of brain ischemia by mitochondrial respiration: experimental model

Resumos

A isquemia cerebral acontece em várias doenças. Um dos fatores críticos para a recuperação de um paciente é a duração do processo isquêmico. A atividade cerebral depende do suprimento de energia, isto sugere que o estudo da função mitocondrial pode ser utilizado para a avaliação do dano neuronal. O objetivo deste trabalho foi o de estudar a respiração mitocondrial pela oclusão da artéria cerebral média esquerda pela técnica do fio intraluminal. Ratos da raça Wistar foram subdivididos em 4 grupos: controle e 15, 30 e 60 minutos de oclusão. Os resultados mostraram que não há diferença estatisticamente significativa entre o grupo de 15 minutos e o grupo controle. O grupo de 30 minutos teve diminuição do estado III da respiração mitocondrial comparado com o grupo controle. O grupo de 60 minutos teve diminuição dos estados III e IV comparados com o grupo controle. A respiração mitocondrial permitiu uma avaliação efetiva e precoce do processo isquêmico focal no cérebro do rato.

respiração mitocondrial; isquemia cerebral focal


Brain ischemia occurs in several diseases. One of the critical factors for recovery of patients is the duration of the ischemic process. Brain activity depends on the energetic supply, it suggests that the study of mitochondrial function can be useful for evaluation of neuronal damage. The purpose of the present research was to study the mitochondrial respiration by occlusion of the left middle cerebral artery by intraluminal suture technique. Adults Wistar rats were subdivided in 4 groups: control, 15, 30 and 60 minutes of occlusion. Results showed that there was no significant difference between the group of 15 minutes and the control group. The group of 30 minutes had significant decrease of state III of mitochondrial respiration compared with control group. The group of 60 minutes had significant decrease in state III and IV of mitochondrial respiration compared with control group. Mitochondrial respiration allowed an early and effective evaluation of focal ischemic process of the rat brain.

mitochondrial respiration; focal brain ischemia


AVALIAÇÃO DA ISQUEMIA CEREBRAL PELA RESPIRAÇÃO MITOCONDRIAL

Modelo experimental

Carlos Gilberto Carlotti Junior1 1 Professor Doutor Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade São Paulo (USP) Ribeirão Preto SP, Brasil; 2 Professor Titular FMRP-USP; 3 Médico Assistente do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. , Benedicto Oscar Colli2 1 Professor Doutor Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade São Paulo (USP) Ribeirão Preto SP, Brasil; 2 Professor Titular FMRP-USP; 3 Médico Assistente do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. , João Yano Kazuo3 1 Professor Doutor Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade São Paulo (USP) Ribeirão Preto SP, Brasil; 2 Professor Titular FMRP-USP; 3 Médico Assistente do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP.

RESUMO - A isquemia cerebral acontece em várias doenças. Um dos fatores críticos para a recuperação de um paciente é a duração do processo isquêmico. A atividade cerebral depende do suprimento de energia, isto sugere que o estudo da função mitocondrial pode ser utilizado para a avaliação do dano neuronal. O objetivo deste trabalho foi o de estudar a respiração mitocondrial pela oclusão da artéria cerebral média esquerda pela técnica do fio intraluminal. Ratos da raça Wistar foram subdivididos em 4 grupos: controle e 15, 30 e 60 minutos de oclusão. Os resultados mostraram que não há diferença estatisticamente significativa entre o grupo de 15 minutos e o grupo controle. O grupo de 30 minutos teve diminuição do estado III da respiração mitocondrial comparado com o grupo controle. O grupo de 60 minutos teve diminuição dos estados III e IV comparados com o grupo controle. A respiração mitocondrial permitiu uma avaliação efetiva e precoce do processo isquêmico focal no cérebro do rato.

PALAVRAS-CHAVE: respiração mitocondrial, isquemia cerebral focal.

Study of brain ischemia by mitochondrial respiration: experimental model

ABSTRACT - Brain ischemia occurs in several diseases. One of the critical factors for recovery of patients is the duration of the ischemic process. Brain activity depends on the energetic supply, it suggests that the study of mitochondrial function can be useful for evaluation of neuronal damage. The purpose of the present research was to study the mitochondrial respiration by occlusion of the left middle cerebral artery by intraluminal suture technique. Adults Wistar rats were subdivided in 4 groups: control, 15, 30 and 60 minutes of occlusion. Results showed that there was no significant difference between the group of 15 minutes and the control group. The group of 30 minutes had significant decrease of state III of mitochondrial respiration compared with control group. The group of 60 minutes had significant decrease in state III and IV of mitochondrial respiration compared with control group. Mitochondrial respiration allowed an early and effective evaluation of focal ischemic process of the rat brain.

KEY WORDS: mitochondrial respiration, focal brain ischemia.

A isquemia cerebral é um problema médico ainda de difícil solução e que pode ocorrer em diferentes situações clínicas. O tratamento atual da isquemia cerebral muitas vezes não é eficaz, devido a este fato vários pesquisadores têm procurado maior esclarecimento de sua fisiopatologia com o objetivo de encontrar um tratamento eficaz1, 2.

Vários estudos têm sidos realizados com diversos modelos experimentais de isquemia cerebral, usando diferentes métodos de avaliação da isquemia e testando vários esquemas terapêuticos para obtenção de proteção cerebral efetiva, como o uso do magnésio3, hipotermia4-7, bloqueadores de canal de cálcio8, agentes anestésicos9, hemodiluição 10, manitol11,12 e outros13, porém o campo de pesquisa continua amplo. Para a avaliação da isquemia cerebral experimental vários métodos podem ser utilizados, sendo os mais importantes os métodos clínicos, morfológicos e funcionais. Os testes clínicos consistem em um exame simples e rápido, geralmente com avaliação da simetria motora, que permite classificar os animais em diversos graus de lesão14,15.

A avaliação morfológica da isquemia cerebral é possível quando o fenômeno isquêmico foi de intensidade suficiente para provocar edema e/ou morte celular, ocorrendo nos tempos mais prolongados de isquemia16,17. Corantes supravitais, como o cloreto de 2,3,5-trifeniltetrazolium (tetrazolium), também podem ser usados para melhor delimitar a área de necrose celular14. A avaliação funcional da isquemia cerebral pode ser feita por diferentes métodos tais como: medida do fluxo sangüíneo regional, de imagem e bioquímicos. A medida do fluxo sangüíneo cerebral regional (FSCR) possibilita uma avaliação indireta muito importante da função celular cerebral, permitindo a análise dinâmica do processo de isquemia, porém são metodologias complexas18-20. Os métodos de imagem passaram a ter importância após a introdução da ressonância nuclear magnética. Usando-se a seqüência para estudo da difusão de água pode-se definir dinamicamente os fenômenos que ocorrem na isquemia cerebral21.

A avaliação da função cerebral através de métodos bioquímicos fornece dados mais fiéis com relação ao metabolismo celular e permite avaliação precoce das alterações causadas pelo fenômeno isquêmico. Estes métodos permitem quantificar reações metabólicas que ocorrem normalmente nos tecidos, como por exemplo a atividade de diferentes enzimas22-26, a dosagem e o estudo da cinética da liberação dos neurotransmissores do tecido27 e alterações moleculares das mitocondrias28. A possibilidade de estudo das alterações que ocorrem na área de penumbra é de grande interesse, pois esta é a área a ser preservada no tratamento do infarto cerebral. Considerando a importante utilização de energia pelo cérebro para executar as suas funções, o estudo da organela geradora desta energia durante o processo de isquemia pode permitir uma melhor compreensão do fenômeno isquêmico. O dano que a mitôcondria sofreu durante o período de insulto celular pode ser avaliado através da respiração mitocondrial

A respiração mitocondrial é a medida do consumo de O2, utilizando-se um oxígrafo. A respiração mitocondrial é dividida em duas fases, o estado III e o estado IV. O estado III é a velocidade de consumo de oxigênio quando a mitocôndria é colocada em um meio com substrato oxidável e com ADP, produzindo assim o ATP, e o estado IV é a velocidade do consumo de O2 após a mitocôndria já ter consumido todo o ADP disponível. Estes dois estados também podem ser estudados através da razão de controle respiratório (RCR), que é a divisão do estado 3 pelo estado 4, obtendo-se assim um outro parâmetro também utilizado para a avaliação da função da mitocôndria29. Um conceito importante a ser analisado é o de acoplamento da respiração mitocondrial, que é a capacidade da mitocôndria desencadear seu processo energético quando exposta ao ADP, ou seja, o acoplamento entre os processos oxidativo e o de fosforilação. Quando ocorre o desacoplamento da organela em situações lesivas, significa que suas membranas internas foram afetadas, indicando o comprometimento do tecido29.

Este estudo tem por finalidade avaliar a isquemia cerebral pelo estudo da respiração mitocondrial em modelo experimental, procurando estabelecer a cronologia das alterações provocadas por este processo.

MÉTODO

Foram utilizados no estudo definitivo 32 ratos machos da raça Wistar com peso variando entre 280 e 307 gramas. Os ratos foram mantidos no período pré-operatório com livre acesso à ração balanceada e água.

Técnica de oclusão

Os ratos foram anestesiados pela vaporização de halotano, atropinizados e mantidos com ventilação controlada em ventilador artesanal (pressão endotraqueal de 10 mmHg). A pressão arterial sistêmica foi monitorizada na artéria ventral da cauda pela introdução de um cateter PE 50 e a temperatura monitorizada no reto do animal (Monitor HP - Hewlett Packard Company - USA).

A manutenção da vaporização foi controlada de acordo com a pressão arterial média, com o objetivo de mantê-la entre 80 e 100 mmHg.

Uma fonte de calor radiante, obtida através de uma lâmpada de 220 V, era acesa sobre o animal, quando necessário, para a manutenção da temperatura entre 37oC e 38oC.

Após 15 minutos de ventilação artificial uma amostra de sangue arterial era colhida para dosagem da paCO2, da paO2 e do pH em um gasômetro modelo AGS-21 (Drake), e de glicemia, pelo método enzimático de Trinder.

A tecnica utilizada para a oclusão da ACM foi a do fio intraluminal30. Resumidamente consta da introdução de um fio mononylon 4.0, com a extremidade recoberta com uma camada de silicone de 5 mm de extensão e 0,28 mm de diâmetro, na artéria carótida externa (ACE) com progressão até a oclusão do óstio da artéria cerebral média (ACM) esquerda. A adequação dos fios foi testada previamente em animais com o mesmo peso, verificando-se a sua posição adequada no polígono de Willis após visualização direta do polígono de Willis em animais sacrificados. Os fios que não atendiam a condição de ocluir perfeitamente o óstio da ACM eram desprezados para os experimentos definitivos.

Determinação da área de estudo

Para a determinação da área do cortex a ser estudada quatro animais foram submetidos a isquemia definitiva. Os animais foram sacrificados após 24 horas e os cérebros corados com tetrazolium. Dois animais foram estudados com a retirada de todo o encéfalo e em outros dois somente a camada cortical. Encontrou-se a área de isquemia com limite inferior na veia cerebral inferior e circular em relação a ACM com diâmetro variando de 9,5 a 11 mm. Com este resultado, optou-se pelo estudo da área isquêmica de forma circular com 7 mm de diâmetro, com limite inferior na veia cerebral inferior e com a ACM ocupando posição mediana neste círculo.

Estudo da fosforilação oxidativa

Foram estudados 28 animais, subdividos segundo os diferentes tempos de isquemia: controle, 15, 30 e 60 minutos.

Após a isquemia, o cérebro era retirado e os dois córtex isolados. Com um lâmina circular ("punch") para retirada de córnea de 7 mm de diâmetro, uma amostra da área central pré-determinada era retirada de cada lado, resultando em quatro amostras de cada animal (duas áreas centrais ao redor da ACM e duas áreas periféricas).

As amostras eram fragmentadas, colocadas em meio de homogeneização, com temperatura variando de 0 a 4oC, constituído de: Manitol - 210 mM, Sacarose - 70 mM, Hepes - 10 mM, EGTA - 0,5 mM, EDTA - 0,1 mM e BSA - 2%, com o pH de 7,4, obtido pela adição de KOH.

As amostras corticais fragmentadas eram homogeneizadas e centrifugadas a 750 G durante 5 minutos e o sobrenadante isolado e centrifugado a 12.000 G por 10 minutos. O sobrenadante desprezado e o "pellet" ressuspenso em 0,5 ml de meio de homogeneização, porém sem a Soroalbumina Bovina (BSA). Novamente a solução era centrifugada a 12.000 G por 10 minutos. O sobrenadante era desprezado e o "pellet" ressuspenso em 0,5 ml de meio de homogeneização, também isento de BSA.

Da solução eram retirados 20 µl para realizar a dosagem de proteína pelo método de Murphy (MURPHY & KIES, 1960).

Com a solução final, rica em mitocôndrias, realizou-se a medida da respiração mitocondrial no oxígrafo de Gilson (Medical Eletronics-USA), acoplado a um eletrodo de Clarck, a 30oC. O substrato utilizado foi o Piruvato/Malato a 5 mM e a quantidade de tecido de 0,5 mg. O estado III iniciou-se pelo acréscimo de 400 nM de MgADP, e o estado IV após o consumo do MgADP.

A velocidade da fosforilação oxidativa foi expressa em nanoátomos de O2/minuto/mg de mitocôndria.

Análise estatística

As variáveis de controle dos animais: pressão arterial média (PAM), pH, paO2, paCO2, glicemia, peso e temperatura foram comparadas utilizando-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, adotando-se como nível de significância p< 0,05.

Para a comparação dos resultados em relação aos parâmetros da respiração mitocondrial (estado III, estado IV e RCR) foi utilizado o teste não paramétrico de Wilcoxon para amostras pareadas (amostras do mesmo animal), adotando como nível de significância p < 0,05. Para a comparação das áreas isquêmicas (área central esquerda) nos diferentes grupos, foi utilizado o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis e, ocorrendo diferença significativa, o teste de Duncan para verificar-se quais os grupos que se mostravam diferentes, com nível de significância p < 0,05.

RESULTADOS

Não houve diferença estatisticamente significativa dos parâmetros biológicos analisados entre os animais (Tabela 1).

Os resultados obtidos em relação ao estado III, estado IV e RCR estão mostrados nas Tabelas 2 a 5.

Foram comparados os resultados obtidos nas áreas centrais e periféricas do grupo controle (III,IV e RCR) e os das áreas centrais (isquêmicas e não isquêmicas) do grupo controle e com isquemia (15, 30 e 60 minutos)

Grupo controle

Os valores das áreas centrais direita e esquerda foram semelhantes considerando-se o estado III, IV e RCR (p>0,05). O resultado do estado III das áreas centrais (D e E) foram significativamente menores que os das áreas periféricas com p=0,02 (Fig 1) e semelhantes em relação ao estado IV e RCR.


Grupo com isquemia de 15 minutos

As áreas centrais direita e esquerda foram semelhantes considerando-se os resultados dos estado III, IV e RCR (p>0,05). Os resultados (III, IV e RCR) das áreas centrais (D e E) foram significativamente menores que os das áreas periféricas (p=0,02).

Grupo com isquemia de 30 minutos

Os resultados da área central esquerda foram significativamente menores que os da área central direita no estado III com p=0,02 (Fig 2) e iguais no estado IV e na RCR.


Grupo com isquemia de 60 minutos

Os resultados da área central esquerda foram significativamente menores que os da área central direita no estado III e estado IV (p=0,02) e igual na RCR.

Comparação entre as áreas centrais esquerdas dos diversos grupos

Os resultados do estado III das áreas de 30 e 60 minutos foram significativamente inferiores aos de 15 minutos e aos do grupo controle. (Fig 3). Os resultados do Estado IV e a RCR não mostraram diferenças estatisticamente significativas.


DISCUSSÃO

A falta de terapêutica eficaz para a isquemia cerebral estimula a investigação dos fatores envolvidos neste fenômeno e o desenvolvimento de novas técnicas para a avaliação de novas modalidades experimentais de tratamento 31.

O cérebro é um órgão que utiliza muita energia em relação aos outros órgãos no corpo humano e suporta isquemia apenas por curto período de tempo32. Como a produção celular de energia está concentrada na mitocôndria, a avaliação da integridade desta organela pode ser importante na avaliação do dano que a isquemia causa na célula, pois se a mitocôndria mantiver a sua função, haveria condições de recuperação da função celular. Outro dado interessante é o fato da lesão mitocondrial ocorrer tardiamente dentre os fenômenos envolvidos na lesão celular após a isquemia 32, de maneira que a integridade da mitocôndria seria um bom parâmetro para avaliar uma nova proposta de tratamento para a isquemia. Outra vantagem de haver vários fenômenos lesivos a nível celular antes da lesão mitocondrial durante a isquemia é que esquemas terapêuticos utilizando a combinação de vários fatores protetores poderiam ser testados através da avaliação da função mitocondrial.

No trabalho apresentado, a escolha da área isquêmica a ser estudada foi baseada nas observações efetuadas com a coloração do cérebro com o tetrazolium, que delimita a área comprometida pela isquemia14. O local definido foi ao redor da artéria cerebral média, com limite inferior na veia cerebral inferior e com diâmetro de 7 mm. Com estas dimensões podemos ter uma amostra da parte central da área isquêmica e com uma quantidade de córtex que contém mitocôndrias suficientes para serem estudadas pelo método que foi empregado.

Para a análise dos resultados estudamos quatro amostras do cérebro de cada animal, sendo a área central esquerda a que sofreu isquemia nos grupos de 15, 30 e 60 minutos, e as restantes são áreas controles no mesmo animal. A principal comparação deve ser feita entre a área central esquerda (com isquemia) e a área central direita (sem isquemia).

Em relação aos resultados da respiração mitocondrial inicialmente devemos interpretar quais foram os achados nos animais controles em relação aos três parâmetros analisados (estado III, estado IV e RCR). Nestes animais foram encontrados em relação ao estado III, valores menores nas áreas centrais em relação às periféricas. Em relação ao estado IV não foi encontrada diferença significativa entre as regiões analisadas. O mesmo aconteceu em relação ao RCR, apesar de parecer haver uma tendência para um comportamento semelhante ao estado III nestes parâmetros, porém sem significado estatístico.

Neste grupo, as áreas centrais apresentaram valores menores de consumo de O2 em relação as áreas periféricas. Especulamos que isto se deva ao maior número de fibras nervosas em relação ao número de corpos celulares na área central resultando consequentemente numa quantidade menor de mitocôndrias para a mesma massa de proteínas estudadas.

No grupo de isquemia de 15 minutos, em relação aos estado III, IV e RCR, os resultados das áreas centrais D e E foram inferiores aos das áreas periféricas, porém não houve diferença entre as duas áreas centrais.

No grupo de 30 minutos houve diferença em relação ao estado III, pois a área central esquerda teve um valor significativamente inferior à área central contralateral. Em relação ao estado IV e à RCR houve semelhança no consumo de O2.

No grupo de 60 minutos houve diferença em relação ao estado III e estado IV quando comparados os valores das áreas centrais esquerdas e direitas e ausência de diferença em relação ao RCR.

Foram comparadas também todos os valores das áreas centrais esquerdas dos diferentes grupos. Em relação ao estado III, aqueles dos grupos de isquemia de 30 e 60 minutos foram inferiores aos de isquemia de 15 minutos e do grupo controle. Quando analisados o estado IV e o RCR não houve diferenças significativas.

A interpretação destes dados nos mostra que a isquemia, quando analisada pelo método da avaliação da respiração mitocondrial, pode ser detectada a partir de 30 minutos, quando ocorre diminuição dos valores do estado III. Quando realizada por 60 minutos, a alteração também pode ser detectada no estado IV. Portanto, ocorre inicialmente prejuízo no mecanismo de acoplamento da respiração mitocondrial e posteriormente da respiração mesmo em condições de repouso.

Comparando-se o método empregado em relação aos previamente descritos na literatura, a análise da respiração mitocondrial tem vantagem de ser um método mensurável com precisão, sendo portanto superior ao método de avaliação clínica14,15, pode ser realizado com controle rigoroso dos parâmetros de homeostase do animal, sendo isto uma vantagem em relação aos métodos morfológicos14,16,17. O método empregado apresenta resultados semelhantes em relação a outros que utilizam parâmetros bioquímicos, apesar destes últimos serem superiores em relação à contribuição ao conhecimento da fisiopatologia da isquemia22-28, assim como os métodos de fluxo sangüíneo cerebral que nos trazem informações da dinâmica do processo isquêmico.

A análise da respiração mitocondrial mostrou ser um bom parâmetro para a análise precoce da isquemia cerebral, permitindo uma melhor compreensão do fenômeno isquêmico e pode ser utilizada na avaliação de medidas terapêuticas que poderão contribuir para a solução deste problema clínico.

Nossos estudos mostraram que existe um tempo (entre 15 a 30 minutos de isquemia) em que as mitocondrias permanecem funcionando adequadamente, o que pode ser considerado uma janela terapêutica para futuros estudos.

Agradecimentos - Agradecemos o Prof. Joaquim Coutinho Netto pelas valiosas sugestões durante a execução do projeto e aos técnicos José Carlos Vanni, Sebastião Assis Mazzetto, Paulo Alves Junior e biólogas Maria Eliza Jordani de Souza, Clarice Fleury Fina Franco e Maria Aparecida Neves Cardoso Piccinato pela ajuda nos experimentos.

Recebido 1 Novembro 2000, recebido na forma final 5 Janeiro 2001. Aceito 19 Janeiro 2001.

Dr. Carlos Gilberto Carlotti Junior - Departamento de Cirurgia FMRP-USP - Campus Universitário - 14048-900 Ribeirão Preto SP - Brasil. Fax 16 602 2498. E-mail: carlotti@fmrp.usp.br

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  • 1
    Professor Doutor Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade São Paulo (USP) Ribeirão Preto SP, Brasil;
    2
    Professor Titular FMRP-USP;
    3
    Médico Assistente do Serviço de Anestesiologia do Hospital das Clínicas da FMRP-USP.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jul 2001
    • Data do Fascículo
      Jun 2001

    Histórico

    • Aceito
      19 Jan 2001
    • Revisado
      05 Jan 2001
    • Recebido
      01 Nov 2000
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