Acessibilidade / Reportar erro

Distonia segmentar como manifestação de angioma cavernoso: relato de caso

Segmental dystonia as manifestation of cavernous angioma: case report

Resumos

A distonia é uma síndrome neurológica cuja etiologia costuma não ser bem definida. Relatamos caso de uma paciente que apresentou aos 16 anos de idade dificuldade para tocar piano, havendo um comprometimento progressivo da mão, antebraço e braço esquerdo que posteriormente evoluiu com crises de "ausência" e cefaléia. Realizou exames de imagem que evidenciaram angioma cavernoso na região temporal profunda direita (ínsula). É rara a associação entre essas duas enfermidades, não havendo na literatura relato de distonia segmentar associada a crises de pseudoausência e cefaléia com características migranosas secundária ao angioma cavernoso. Vinte e cinco por cento das distonias são secundárias, o que nos faz sugerir uma investigação mínima em neuroimagem.

distonia segmentar; angioma cavernoso; mal formação arteriovenosa


Dystonia is a neurologic syndrome whose ethiology is not well recognized. We report a sixteen year old patient with difficulty in playing piano, with disability of the left hand, forearm and arm. Short after, she underwent "absence" crises and headache. Neuroradiological exams showed a deep temporal lobe cavernous angioma. It is a rare association between both diseases and there are no reports about segmental dystonia associated to pseudoabsence epilepsy and sporadic migrane secondary to cavernous angioma. Twenty five per cent of dystonias have a secondary cause and we suggest a neuroradiologic investigation.

segmental dystonia; cavernous angioma; arteriovenous malformation


DISTONIA SEGMENTAR COMO MANIFESTAÇÃO DE ANGIOMA CAVERNOSO

Relato de caso

Marlos Fábio Alves de Azevedo1 1 Estudo realizado no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital São Vicente de Paula (HSVP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO): Médico residente do INDC/UFRJ; 2 Médico Neurorradiologista do HSVP; 3 Mestre e Doutora em Neurologia pela UFF e Médica Neurologista do INDC/UFRJ; 4 Professor Adjunto de Neurocirurgia e Coordenador da Residência Médica do INDC/UFRJ. , Luiz Alberto M. de Souza2 1 Estudo realizado no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital São Vicente de Paula (HSVP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO): Médico residente do INDC/UFRJ; 2 Médico Neurorradiologista do HSVP; 3 Mestre e Doutora em Neurologia pela UFF e Médica Neurologista do INDC/UFRJ; 4 Professor Adjunto de Neurocirurgia e Coordenador da Residência Médica do INDC/UFRJ. , Ana Claudia Leite3 1 Estudo realizado no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital São Vicente de Paula (HSVP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO): Médico residente do INDC/UFRJ; 2 Médico Neurorradiologista do HSVP; 3 Mestre e Doutora em Neurologia pela UFF e Médica Neurologista do INDC/UFRJ; 4 Professor Adjunto de Neurocirurgia e Coordenador da Residência Médica do INDC/UFRJ. , Flavio Frienkel Rodrigues4 1 Estudo realizado no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital São Vicente de Paula (HSVP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO): Médico residente do INDC/UFRJ; 2 Médico Neurorradiologista do HSVP; 3 Mestre e Doutora em Neurologia pela UFF e Médica Neurologista do INDC/UFRJ; 4 Professor Adjunto de Neurocirurgia e Coordenador da Residência Médica do INDC/UFRJ.

RESUMO - A distonia é uma síndrome neurológica cuja etiologia costuma não ser bem definida. Relatamos caso de uma paciente que apresentou aos 16 anos de idade dificuldade para tocar piano, havendo um comprometimento progressivo da mão, antebraço e braço esquerdo que posteriormente evoluiu com crises de "ausência" e cefaléia. Realizou exames de imagem que evidenciaram angioma cavernoso na região temporal profunda direita (ínsula). É rara a associação entre essas duas enfermidades, não havendo na literatura relato de distonia segmentar associada a crises de pseudoausência e cefaléia com características migranosas secundária ao angioma cavernoso. Vinte e cinco por cento das distonias são secundárias, o que nos faz sugerir uma investigação mínima em neuroimagem.

PALAVRAS-CHAVE: distonia segmentar, angioma cavernoso, mal formação arteriovenosa.

Segmental dystonia as manifestation of cavernous angioma: case report

ABSTRACT - Dystonia is a neurologic syndrome whose ethiology is not well recognized. We report a sixteen year old patient with difficulty in playing piano, with disability of the left hand, forearm and arm. Short after, she underwent "absence" crises and headache. Neuroradiological exams showed a deep temporal lobe cavernous angioma. It is a rare association between both diseases and there are no reports about segmental dystonia associated to pseudoabsence epilepsy and sporadic migrane secondary to cavernous angioma. Twenty five per cent of dystonias have a secondary cause and we suggest a neuroradiologic investigation.

KEY WORDS: segmental dystonia, cavernous angioma, arteriovenous malformation.

A distonia é uma síndrome neurológica caracterizada por contrações involuntárias, sustentadas, padronizadas e em sua maioria, repetitivas, com antagonismo muscular causando torção, movimentos esporádicos ou posturas anormais. Pode ser classificada de acordo com a intensidade, características clínicas, distribuição, idade de início e etiologia. Quanto à classificação por distribuição, existem as distonias focal, segmentar, multifocal, generalizada e hemidistonia. Em setenta e cinco por cento dos casos não possui um substrato anatomopatológico e etiológico bem definidos. Por conta disso, é considerada muitas vezes como manifestação primária do sistema nervoso central. Inúmeras causas têm sido atribuídas às distonias, entre elas: lesão perinatal, lesões cerebrais focais (tumor, vascular, infecciosa), processos neurodegenerativos, distúrbios metabólicos, drogas e outros agentes químicos1-2. Considerando-se as causas vasculares, existem poucos trabalhos sobre a mal-formação arteriovenosa e os distúrbios do movimento. Não há relato na literatura da associação entre distonia segmentar e angioma cavernoso como aqui descrevemos.

CASO

Paciente feminina, 27 anos, negra, natural do Estado do Rio de Janeiro, professora. Trata-se de paciente destra que referia dificuldade para tocar partituras de piano. O quadro foi de instalação progressiva, iniciado aos 16 anos de idade, tendo acometido a mão e posteriormente antebraço e braço esquerdo. Aos 24 anos iniciou crises de "ausência" além de episódios de cefaléia esporádica, sendo estes os sintomas que motivaram a paciente a procurar o nosso serviço. Não há relato de doença prévia. Ao exame, a paciente apresentava grande dificuldade para usar sua mão, devido à extensão do antebraço e abdução involuntária dos dedos, induzida por flexão distônica do punho e extensão das articulações metacarpofalangeanas, além de discreto desvio da comissura labial e reflexos vivos à esquerda.

A tomografia computadorizada de crânio (TCC) revelou uma lesão expansiva temporal direita, bem delimitada e de formato arredondado, medindo cerca de 3cm de diâmetro com sinais de calcificação, corroborada pela ressonância magnética nuclear que evidenciou um halo de hemossiderina perilesional (o que sugere múltiplos episódios de hemorragias microscópicas prévias) com realce irregular após contraste (Fig 1). A arteriografia digital dos 4 vasos da base não evidenciou aneurisma ou mal-formação arteriovenosa (Fig 2).



DISCUSSÃO

O mecanismo etiopatogênico das distonias não é muito bem esclarecido. Entretanto, esses movimentos podem ocorrer em decorrência de qualquer lesão que isole o estriado dos núcleos talâmicos ou de fibras de conexão do córtex cerebral. Esta lesão pode ser tanto de caráter anatômico quanto metabólico ou por alteração de fluxo. Um possível mecanismo envolvido, principalmente entre as doenças vasculares (MAV/AC) seria o "fenômeno de roubo", levando à isquemia do circuito estriatal3-4.

Cefaléia e crise convulsiva são manifestações clínicas bastante freqüentes em fenômenos vasculares5-6. A distonia e outros distúrbios do movimento associadas à MAV, apesar de raros, têm sido descritos. Lobo-Antunes et al.7 descreveram quatro pacientes com distonia associada à MAV, tendo as seguintes distribuições: braço (1 caso), pescoço (2 casos) e mão esquerda (1 caso). Shaw et al.8 citaram um paciente com acometimento do pescoço. Marsden et al.9 relataram quatro pacientes com acometimento do pescoço/tronco (1 caso), pescoço (1 caso), mão/braço/perna direita (2 casos). Friedman et al.3 notificaram dois pacientes com acometimento do braço/perna esquerda (1 caso) e braço/ perna direita (1 caso). Kurita et al.10-11 descreveram um paciente com hemibalismo à direita. Tanto o segundo paciente de Lobo-Antunes et al. com distonia no pescoço quanto o segundo paciente de Friedman et al. com distonia de braço/perna direita tinham lesões localizadas fora dos núcleos da base, respectivamente, no lobo parietal direito e lobo temporo-parietal esquerdo. Este aspecto topográfico, além de ser semelhante ao presente relato, faz correlação com a teoria descrita anteriormente. Em relação ao angioma cavernoso, Lorenzana et al.12 e Akbostanci et al.13 relataram cada qual um caso; entretanto, em nenhum havia comprometimento segmentar (braço, antebraço e mão) (Tabela 1). Após a análise do quadro clínico, chegou-se ao diagnóstico de distonia segmentar em membro superior esquerdo associada a crises de pseudoausência e cefaléia esporádica com características migranosas secundárias ao angioma cavernoso.

Em conclusão, 25% dos casos de distonia são secundários, o que nos faz sugerir a necessidade de uma avaliação em termos de neuroimagem para os pacientes portadores de distonias.

Agradecimentos - Agradecemos aos médicos Maria Cristina Barcelos da Costa, Andreia Rotmeister Lamberti, Luiz Felipe Rocha Vasconcelos, Walter Oliveira Jr (Médicos residentes do INDC/UFRJ) pelo fornecimento de dados clínicos pertinentes ao presente estudo.

Recebido 18 Dezembro 2000, recebido na forma final 8 Março 2001. Aceito 22 Março 2001.

Dr. Marlos Fábio Alves de Azevedo - Rua Martins Pena 69 BL02/1204 ¾ 20270-270 Rio de Janeiro RJ ¾ Brasil. E-mail: mfaa@openlink.com.br

  • 1. Fabiani G, Teive HAG, Germiniani F, Sá D, Werneck LC. Aspectos clínicos e terapęuticos em 135 pacientes com distonia. Arq Neuropsiquiatr 1999;57:610-614.
  • 2. Vargas AP, Carod-Artal FV, Del Negro MC, Rodrigues MPC. Distonia Psicogęnica. Relato de dois casos. Arq Neuropsiquiatr 2000;58:523-530.
  • 3. Friedman DI, Jankovic J, Rolak LA. Arteriovenous malformation presenting as hemidystonia. Neurology 1986;36:1590-1593.
  • 4. Kase CS, Maulsby GO, deJuan E, Mohr JP. Hemichorea-hemiballism and lacunar infarction in the basal ganglia. Neurology 1981;31:452-455.
  • 5. Mohr JP. Current Concepts: Arteriovenous Malformations of the Brain in Adults. New Engl J Med 1999;340:1812-1818.
  • 6. Requena I, Arias M, López-Ibor L, Pereiro I, Barba A, Alonso A, Montón E. Cavernomas of the central nervous system: clinical and neuroimaging manifestations in 47 patients. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1991;54:590-594.
  • 7. Lobo-Antunes J, Yahr MD, Hilal SK. Extrapyramidal dysfunction with cerebral arteriovenous malformations. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1974;37:259-268.
  • 8. Shaw KM, Hunter KR, Stern GM. Medical treatment of spasmodic torticollis. Lancet 1972;1:1399.
  • 9. Marsden CD, Obeso JA, Zarranz JJ, Lang AE. The anatomical basis of symptomatic hemidystonia. Brain 1985;108:463-483.
  • 10. Kurita H, Kawamoto S, Sasaki T, Shin M, Ueki K, Momose T, Terahara A, Kirino T. Basal ganglia arteriovenous malformation presenting as "writers's cramp". Childs Nerv Syst 1998;14:285-287.
  • 11. Kurita H, Kawamoto S, Sasaki T, Shin M, Ueki K, Momose T, Terahara A, Kirino T. Relief of hemiballism from a basal ganglia arteriovenous malformation after radiosusrgery. Neurology 1999;52:188-190.
  • 12. Lorenzana L, Cabezudo JM, Porras LF, Polaina M, Rodriguez-Sanchez JÁ, Garcia-Yagüe LM. Focal dystonia secondary to cavernous angioma of the basal ganglia: Case report and review of the literature. Neurosurgery 1992;31:1108-1112.
  • 13. Akbostanci MC, Yigit A, Ulkatan S. Cavernous angioma presenting with hemidystonia. Clin Neurol Neurosurg 1998;100:234-237.
  • 1
    Estudo realizado no Instituto de Neurologia Deolindo Couto (INDC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Hospital São Vicente de Paula (HSVP), Universidade Federal Fluminense (UFF), Instituto Estadual de Hematologia Arthur de Siqueira Cavalcanti (HEMORIO):
    Médico residente do INDC/UFRJ;
    2
    Médico Neurorradiologista do HSVP;
    3
    Mestre e Doutora em Neurologia pela UFF e Médica Neurologista do INDC/UFRJ;
    4
    Professor Adjunto de Neurocirurgia e Coordenador da Residência Médica do INDC/UFRJ.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      03 Out 2001
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      22 Mar 2001
    • Revisado
      08 Mar 2001
    • Recebido
      18 Dez 2000
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org