Acessibilidade / Reportar erro

Acidente vascular cerebral em pacientes jovens: análise de 164 casos

Stroke in young adults: analysis of 164 patients

Resumos

Realizamos análise epidemiológica de 164 pacientes com AVC, cujo primeiro episódio ocorreu entre 15 e 49 anos de idade através de um estudo retrospectivo de pacientes ambulatoriais. O principal tipo de apresentação foi AVC isquêmico (AVCI) em 141 pacientes, ocorrendo AVC hemorrágico (AVCH) em16 casos e 7 pacientes com trombose venosa. A presença de fatores de risco aterotrombóticos foi prevalente, em 48,22% dos pacientes com AVCI sendo que a hipertensão arterial sistêmica (HAS), nos casos de AVCH, foi a etiologia mais frequente. Em 32% dos casos não se pode determinar a sua causa. Embora a população jovem possua determinantes diferentes e geralmente deva ter uma investigação etiológica mais abrangente, no grupo estudado foram prevalentes os fatores de risco conhecidos e potencialmente controláveis, sugerindo que campanhas de prevenção e detecção precoce devam ser incentivados.

acidente vascular cerebral; fatores de riscos; epidemiologia


We retrospectively analyzed the epidemiological features of 164 out-clinic patients with a first-onset stroke between 15 and 49 years old. Ischemic stroke occurred in 141 patients, hemorrhagic stroke in 16 patients, and venous thrombosis in 7 patients. Forty-eight percent of ischemic strokes were atherothrombotic, but no etiology was found in 32% of patients with ischemic stroke. Systemic arterial hypertension was the most frequent etiology in the hemorrhagic stroke group. The most frequent risk factors were systemic arterial hypertension, smoking, hypercholesterolemia, alcoholism and diabetes mellitus. Although stroke in young adults deserves some specific etiological investigation, we found that ordinary risk factors such as hypertension, tabacco use, hypercolesteremia and diabetes were prevalent in our population. It seems that prevention campaigns should be the target of our work.

stroke; risk factors; epidemiology


ACIDENTE VASCULAR CEREBRAL EM PACIENTES JOVENS

Análise de 164 casos

Viviane H. Flumignan Zétola1 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Edison Matos Nóvak2 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Carlos Henrique Ferreira Camargo3 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Hipólito Carraro Júnior1 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Patrícia Coral3 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Juliano André Muzzio4 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Fábio Massaiti Iwamoto3 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Marcos Vinícius Della Coleta3 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular. , Lineu Cesar Werneck5 1 Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil: Neurologista; 2 Professor Adjunto; 3 Residente; 4 Aluno de Graduação; 5 Professor Titular.

RESUMO - Realizamos análise epidemiológica de 164 pacientes com AVC, cujo primeiro episódio ocorreu entre 15 e 49 anos de idade através de um estudo retrospectivo de pacientes ambulatoriais. O principal tipo de apresentação foi AVC isquêmico (AVCI) em 141 pacientes, ocorrendo AVC hemorrágico (AVCH) em16 casos e 7 pacientes com trombose venosa. A presença de fatores de risco aterotrombóticos foi prevalente, em 48,22% dos pacientes com AVCI sendo que a hipertensão arterial sistêmica (HAS), nos casos de AVCH, foi a etiologia mais frequente. Em 32% dos casos não se pode determinar a sua causa. Embora a população jovem possua determinantes diferentes e geralmente deva ter uma investigação etiológica mais abrangente, no grupo estudado foram prevalentes os fatores de risco conhecidos e potencialmente controláveis, sugerindo que campanhas de prevenção e detecção precoce devam ser incentivados.

PALAVRAS-CHAVE: acidente vascular cerebral, fatores de riscos, epidemiologia.

Stroke in young adults: analysis of 164 patients

ABSTRACT - We retrospectively analyzed the epidemiological features of 164 out-clinic patients with a first-onset stroke between 15 and 49 years old. Ischemic stroke occurred in 141 patients, hemorrhagic stroke in 16 patients, and venous thrombosis in 7 patients. Forty-eight percent of ischemic strokes were atherothrombotic, but no etiology was found in 32% of patients with ischemic stroke. Systemic arterial hypertension was the most frequent etiology in the hemorrhagic stroke group. The most frequent risk factors were systemic arterial hypertension, smoking, hypercholesterolemia, alcoholism and diabetes mellitus. Although stroke in young adults deserves some specific etiological investigation, we found that ordinary risk factors such as hypertension, tabacco use, hypercolesteremia and diabetes were prevalent in our population. It seems that prevention campaigns should be the target of our work.

KEY WORDS: stroke, risk factors, epidemiology.

Os acidentes vasculares cerebrais (AVC) têm pico de incidência entre a 7ª e 8ª décadas de vida quando se somam com as alterações cardiovasculares e metabólicas relacionadas à idade1,2. Entretanto, o AVC pode ocorrer mais precocemente e ser relacionado a outros fatores de riscos, como os distúrbios da coagulação, as doenças inflamatórias e imunológicas3, bem como ao uso de drogas4. Estudos prévios demonstram incidência de 10% em pacientes com idade inferior a 55 anos5 e de 3,9% em pacientes com idade inferior a 45 anos6.

O estudo de AVC em pacientes jovens tem sido objeto de muitas pesquisas epidemiológicas2,6-11, motivadas principalmente pelo considerável impacto individual e sócio-econômico causado pela elevada taxa de morbi-mortalidade que pode causar nessa população economicamente ativa. Sabe-se também que o espectro de etiologia do AVC em jovens é maior que o observado em pacientes idosos, sugerindo que novos conhecimentos sobre a fisiopatogenia do AVC podem emergir desse material12.

O presente estudo tem como objetivo analisar epidemiologicamente o AVC no nosso meio, caracterizando os principais tipos e fatores de risco visando a organização de nosso serviço de atendimento.

MÉTODOS

Selecionaram-se 164 pacientes com idade inferior a 50 anos entre os 500 pacientes atendidos no Ambulatório de Doenças Cerebrovasculares do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná entre janeiro de 1998 e abril de 2000. Excluiram-se os pacientes com história de traumatismo cranioencefálico recente. Os pacientes foram cadastrados em um banco de dados com quesitos de identificação, história clínica pregressa, história familiar, tratamentos e comorbidades prévios e prospectivamente avaliados com exames complementares laboratoriais, cardiológicos e de neuroimagem disponíveis para classificação do subtipo de AVC. Utilizamos uma adaptação dos critérios descritos no estudo TOAST para os episódios isquêmicos13.

O diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica (HAS) baseou-se em pressão arterial sistólica (PAS) maior que 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica (PAD) maior que 90 mmHg em no mínimo duas medidas diferentes14. A presença de diabetes mellitus (DM) foi considerada quando havia glicemia em jejum maior que 126 mg/dl ou maior que 200 mg/dl em qualquer hora do dia15. A hipercolesterolemia foi considerada quando os níveis séricos de colesterol total superaram 200 mg/dl ou os níveis de LDL foram maiores que 130 mg/dl. A hipertrigliceridemia foi definida quando os níveis séricos ultrapassaram 200 mg/dl16 .O abuso de álcool e uso de drogas ilícitas foram classificados segundo critérios do DSM-IV17. O tabagismo foi considerado quando havia consumo maior que dois cigarros ao dia, por pelo menos dois anos, nos cinco anos anteriores ao evento. Todos os pacientes realizaram hemograma completo, dosagens de creatinina, eletrólitos, ácido úrico, glicemia, colesterol, frações do colesterol (HDL e LDL) , triglicerídeos, VDRL, provas de atividade inflamatória e coagulograma completo. Em casos selecionados foram requisitados fator antinuclear (FAN), pesquisa de células LE, anticoagulante lúpico, anticorpo anticardiolipina, dosagem de proteína C ativada e S e antitrombina III.

O eletrocardiograma (ECG) foi realizado em todos os pacientes. O ecocardiograma transtorácico (ETT) foi solicitado aos pacientes que apresentaram alterações de ECG (fibrilação atrial, flutter atrial e isquemia), doença de Chagas, HAS e sopro carotídeo. O ecocardiograma transesofágico (ETE) foi solicitado para confirmação de achados sugestivos de cardioembolismo pelo ETT (contraste espontâneo, trombo intracardíaco) ou em casos de ETT normal com forte evidência clínica de cardioembolismo. O ecoDoppler de artérias carótidas e vertebrais foi solicitado a todos os pacientes com sopro carotídeo, ataque isquêmico transitório (AIT) de repetição, história de ou doença coronariana grave. Os resultados alterados (estenose hemodinamicamente significativa, de moderada a severa pelos critérios de NASCET18 e placas ulceradas) foram encaminhados para realização de arteriografia cerebral dos 4 vasos. A tomografia computadorizada (TC) de crânio foi o exame de triagem em quase todos os pacientes (96,9%). A ressonância nuclear magnética (RNM) encefálica foi solicitada excepcionalmente.

Provável AVC aterotrombótico foi considerado em todo paciente sem evidências de embolismo e que apresentavam mais do que dois dos seguintes fatores de risco: HAS, DM, hipercolesterolemia, tabagismo, etilismo e hipertrofia de ventrículo esquerdo, com clínica compatível de comprometimento cortical. Provável AVC cardioembólico foi considerado nos pacientes com alterações cardíacas determinadas: fibrilação ou flutter atrial, doença de Chagas (miocardiopatia), prótese valvar, ou hipocinesia regional em ventrículo esquerdo, presença de trombo atrial ou ventricular esquerdo, infarto do miocárdio recente (menos que 4 semanas), mixoma atrial e endocardite infecciosa. Provável embolismo artério-arterial foi determinado quando o ecoDoppler ou a arteriografia de carótidas e vertebrais demonstravam estenose significativa com placas instáveis ou ulceradas. A presença de pequenas artérias ocluídas (< 1,5 cm de diâmetro) visíveis na tomografia sem preenchimento das categorias acima citadas foram incluídas na categoria de indeterminada.

Nos pacientes com AVC hemorrágico, considerou-se a HAS como fator etiológico em pacientes hipertensos com área de hemorragia intraparenquimatosa em profundidade. As malformações artério-venosas (MAV) e os aneurismas foram definidos em exames de neuroimagem.

Outras causas de AVC incluíram o uso de anticoncepcionais orais (ACO), a doença hipertensiva específica da gestação (DHEG) e as relacionadas ao período puerperal. Infarto migranoso foi definido segundo critérios da IHS19. A deficiência de anticoagulantes naturais foi determinada laboratorialmente. O diagnóstico de possível trombose venosa e possível vasculite foi realizado por arteriografia ou por fortes indícios clínico-laboratoriais como associação com doença reumatológica ativa, provas de atividade inflamatória positiva, alterações de coagulação e outros

Na ausência dos critérios para um dos diagnósticos etiológicos listados considerou-se o AVC como de etiologia indeterminada.

RESULTADOS

AVC isquêmico foi diagnosticado em 141 (86%) dos pacientes com maior incidência naqueles com idade acima de 36 anos. Cento e vinte pacientes (85,1%) tiveram infarto cortical, 6 (4,25%) com transformação hemorrágica, 5 (4,16%) com infarto lacunar, 4 (3,34%) com déficit neurológico isquêmico reversível (RIND) e 6 (4,25%) apresentaram AIT. AVC hemorrágico foi o diagnóstico de 16 (9,75%) pacientes sendo hemorragia intraparenquimatosa em 12 (75%) e hemorragia subaracnoídea (HSA) em 4 (25%) pacientes. Trombose de seio venoso foi diagnosticada em 6 (3,65%) pacientes e trombose venosa em 1 paciente (0,61%) (Tabela 1).

A TC de crânio demonstrou alterações compatíveis com o quadro clínico em 140 (85%) dos pacientes. O diagnóstico e tipo de AVC foi confirmado por RNM em 3 (1,83%) e por arteriografia em 2 (1,22%) pacientes que tiveram TC de crânio normal. Em dezenove pacientes (11,58%) considerou-se o diagnóstico clínico com TC de crânio normal.

Trombose foi diagnosticada como provável causa de AVC isquêmico em 68 (48%) pacientes (Fig 1). A HAS foi o fator de risco mais prevalente estando presente em 91 (63,8%) dos pacientes com AVC isquêmico. O tabagismo foi observado em 85 (60,3%) pacientes, o abuso de álcool foi presente em 28 (19,85%) pacientes e 19 (13,58%) mulheres eram usuárias de ACO. Entre as doenças do metabolismo destacou-se dislipidemia mista em 33 (23,47%), hipercolesterolemia isolada em 12 (8,57%), hipertrigliceridemia isolada em 3 (2,14%) e DM em 19 (13,58%) pacientes. História familiar de AVC esteve presente em 59 (41,85%) pacientes. Presença isolada de anticorpos antifosfolípides foi detectada em 3 (2,14%) pacientes.


Determinou-se o foco de embolia em 17 (12%) pacientes (Fig 1). Trombo intracavitário foi localizado em 2 (1,43%) pacientes e hipocontratilidade ventricular em 6 (43,28%). Através do ECG encontrou-se fibrilação atrial em 3 (2,14%) pacientes. Dois (1,43%) pacientes tinham prótese valvar biológica e 2 (1,43%) prótese metálica. O diagnóstico de doença de Chagas com miocardiopatia foi presente em 4 (2,86%) pacientes. EcoDoppler de artérias carótidas e vertebrais evidenciou estenose significativa em 7 artérias carótidas e uma artéria vertebral. Não houve diagnóstico de placas ulceradas.

A etiologia de AVC isquêmico foi atribuída a DHEG, abuso de cocaína, deficiência de Antitrombina III, deficiência de proteína S e infarto migranoso em um (0,74%) paciente, respectivamente. Diagnóstico de vasculite foi obtido em 3 (2,14%) dos pacientes. Nenhum tinha fatores de risco para trombose ou fonte de embolismo determinado (Fig 1).

Entre os 7 (4,26%) casos de trombose venosa, houve um (14,3%) caso de trombose venosa no período puerperal. A etiologia dos outros 6 (85,71%) casos não pode ser determinada.

A HAS foi a etiologia em 6 (37,5%) pacientes com AVC hemorrágico. MAV foi detectada em um (6,25%) paciente com hemorragia intraparenquimatosa. Dois pacientes (12,5%) com HSA apresentaram aneurismas na circulação anterior. Um (6,25%) paciente apresentou quadro secundário a vasculite e DHEG foi a causa atribuída a um (6,25%) paciente com AVC hemorrágico (Fig 2).


A etiologia não pode ser determinada em 45 (32%) pacientes com AVC isquêmico e em 5 (31,25%) dos pacientes com AVC hemorrágico (Fig 1 e 2).

DISCUSSÃO

A população analisada neste estudo foi composta por pacientes encaminhados a uma instituição universitária de nível de atendimento terciário, com ambulatório especializado em acompanhamento e investigação etiológica de doenças cerebrovasculares o que provavelmente justifica a grande percentagem de pacientes jovens, em relação ao número total de pacientes. A maioria das séries revisadas apresentam valores de até 10% do total de pacientes atendidos5.A definição da idade-limite para se considerar AVC em adultos jovens não está estabelecida, entretanto a nossa média acompanhou o desvio-padrão esperado. Enquanto estudos demonstraram predomínio do sexo masculino2,20 ou feminino10, encontramos uma igualdade entre os sexos que também foi observada por Hart et al.7

Cento e quarenta pacientes (85,5%) tiveram diagnóstico confirmado por TC de crânio e 19 (11,56%) pacientes tiveram o diagnóstico baseado em dados clínicos com TC normal. Esses números são condizentes com os relatados por Razenthul-Sorokin et al.11 que encontraram 71% de corroboração diagnóstica por esse exame. Nosso serviço não tem fácil acesso a RMN e a angioressonância, sendo que questionou-se a realização de arteriografia cerebral em fase tardia (ambulatorial) para todos os pacientes por motivos óbvios. Infelizmente no quesito de investigação também dispunhamos de número limitado de exames para a realização de ecoDoppler nos pacientes e tivemos que selecioná-los.

Em relação à etiologia e aos fatores de risco os números são concordantes com a literatura. A maior incidência foi aterotrombótica, tendo a HAS e o tabagismo como os fatores mais prevalentes9,21,22, seguidos da dislipidemia, do diabetes mellitus e do álcool10,20-24. A associação entre álcool e cocaína é descrita na literatura como fatores somatórios para a ocorrência de AVC, através de possíveis mecanismos como indução de vasculite, ativação plaquetária e embolismo cardíaco25,26. Descrevemos somente um caso de AVC isquêmico que pôde ser atribuído ao abuso de cocaína. Bogousslavsky et al.8 relataram que 2/3 das pacientes de sua série usavam ACO na vigência de AVC, mas concluiu que somente em um caso houve possível relação causal devido a presença trombose venosa prévia. Carolei et al.10 foram mais taxativos ao afirmar que 8,1% de sua série tiveram AVC devido ao uso de ACO, embora estudos discordantes como o de Schwartz et al.25 negam associação de ACO de baixas doses hormonais. No presente estudo 23,17% das mulheres tiveram eventos isquêmicos sob uso de anticoncepcionais orais, mas devido a concomitância de outros fatores para aterotrombose ou embolismo, não consideramos relação causal.

A migrânea, outro fator de controvérsia na literatura, parece ter seu lugar como fator de risco, mas poucos casos de AVC podem ser atribuídos definitivamente a ela, variando entre 1,2 e 25%6,8. Em estudo de Kristensen et al.6 35% pacientes tinham migrânea, apenas 1 caso de infarto migranoso. Também consideramos em nossa casuística somente um caso em que o paciente apresentou migrânea com aura persistente por mais de 24 horas sem controle da dor com analgésicos comuns, tendo o exame de TC revelado área de isquemia temporal profunda após 48 horas do início da dor.

Consideramos etiologia embólica em apenas 12% dos pacientes estudados. Este valor contrasta com os 21% observados no estudo de You et al.22, 23% relatados por Adams et al.12 e 35% do estudo de Bevan et al.9. Acreditamos que podemos ter subestimado essa etiologia bem como a dissecção arterial, também prevalente nessa faixa etária, devido ao fato de nossa casuística ser ambulatorial.

Numa série de 6 casos de complicações cerebrovasculares na gravidez e puerpério Fukujima et al.28 descreveram três casos de AVC isquêmico, um caso de AVC hemorrágico e dois casos de trombose venosa. Hart et al.7 relataram 5 casos de AVC ocorrendo em 2 semanas pós-parto e sugeriram como possíveis mecanismos de oclusão arterial o vasoespasmo, alteração da coagulação ou o embolismo. Acompanhamos uma paciente com AVC isquêmico e outra com trombose venosa no período puerperal. Trombose venosa frequentemente relaciona-se ao período puerperal e na maioria dos casos é explicada por perda súbita de volemia e/ou estado pré-trombótico. Ainda assim quadros infecciosos, síndromes de hiperviscosidade (anemia falciforme, leucemia e policitemia vera), neoplasia oculta, MAV e anticoagulante lúpico devem ser investigados nesses pacientes28. Os três casos em que encontramos presença de anticoagulante lúpico foram correspondentes a AVC isquêmico concomitantes a outros fatores de risco para aterotrombose e fora do período gestacional. Kittner et al.29 demonstraram a importância da valorização da hipertensão durante o período gestacional como fator de risco para AVC. Na presente série observamos um caso de AVC isquêmico e outro de AVC hemorrágico devido a DHEG.

A HAS também foi o maior fator de risco para AVC hemorrágico. Obtivemos poucos casos de MAV e aneurismas. Embora estes dados estejam corroborados com Rozenthul-Sorokin et al.11, Toffol et al.30 demonstraram que 29,1% dos casos de AVC hemorrágico foram devido a MAV e apenas 15,3% puderam ser imputados a etiologia hipertensiva. Novamente justificamos nossos números com o caráter ambulatorial dessa casuística e consideramos que os casos que tiveram tratamento cirúrgico mantenham acompanhamento em outros ambulatórios.

O número de pacientes onde a etiologia não foi determinada correlaciona-se com a literatura15, mas acreditamos que possa estar superestimado pelo desenho retrospectivo deste estudo e dificuldades na realização de alguns exames complementares durante a investigação diagnóstica.

CONCLUSÕES

Com o objetivo de conhecer epidemiologicamente a população a quem prestamos assistência e para avaliar as necessidades do Serviço, nosso levantamento de dados indicou que fatores de risco reconhecidos e modificáveis são os verdadeiros vilões de nosso meio. Mesmo considerando essa faixa etária de pacientes jovens ficou claro que a melhor justificativa de gastos deveria ser direcionado para campanhas e mutirões de detecção precoce de doenças potencialmente controláveis. Esta ação, ainda que isolada, provavelmente reduziria a incidência de AVC evitando extensos programas de investigação diagnóstica. Outros estudos deveriam ser realizados visando conhecer o impacto socio-economico que esta população causa em uma sociedade em desenvolvimento e suas implicações práticas.

Acreditamos que um estudo populacional na vigência de um programa de controle dos fatores de risco comprovaria nossas conclusões pela diminuição da incidência de AVC em pacientes jovens.

Recebido 14 Dezembro 2000, recebido na forma final 15 Maio 2001. Aceito 21 Maio 2001.

Dra. Viviane H. Flumignan Zétola - Serviço de Neurologia, Hospital de Clínicas UFPR - Rua General Carneiro 181 / 12º andar - 80060-900 Curitiba PR, Brasil. FAX 41 264 3606. E-mail: viviane@avalon.sul.com.br

  • 1. Sacco RL, Hauser WA, Mohr JP. Hospitalized stroke in Blacks and Hispanics in Northern Manhattan. Stroke 1991;22:1491-1496.
  • 2. Leno C, Berciano J, Combarros O, et al. A prospective study of stroke in young adults in Cantabria, Spain. Stroke 1993; 24:792-795.
  • 3. Siqueira JI Neto, Santos AC, Fábio SR, Sakamoto AC. Vasculopatia cerebral na síndrome do anticorpo antifosfolípede primária. Arq Neuropsiquiatr 1996;54:661-664.
  • 4. Kaku DA, Lowenstein DH. Emergence of recreational drug abuse as a major risk factor for stroke in young adults. Ann Intern Med 1990; 113:821-827.
  • 5. Nencini P, Inzitari D, Baruffi MC, et al. Incidence of stroke in young adults in Florence, Italy. Stroke 1988;19:977-981.
  • 6. Kristensen B, Malm J, Carlberg B, et al. Epidemiology and etiology aged 18 to44 years in Northern Sweden. Stroke 1997;28:1702-1709.
  • 7. Hart RG, Miller VT. Cerebral infarction in young adults: a practical approach. Stroke 1983;14:110-114.
  • 8. Bogousslavsky J, Regli F. Ischemic stroke in adults younger than 30 years of age. Arch Neurol 1987;44:479-482.
  • 9. Bevan H, Sharma K, Bradley W. Stroke in young adults. Stroke 1990;21:382-386.
  • 10. Carolei A, Marini C, Ferranti E, et al. A prospective study of cerebral ischemia in the young: analysis of pathogenic determinants. Stroke 1993;24:362-367.
  • 11. Rozenthul-Sorokin N, Ronen R, Tamir A, Geva H, Eldar R. Stroke in the young in Israel. Stroke 1996;27:838-841.
  • 12. Adams HP Jr, Butler J, Biller J, Toffol GJ. Nonhemorrhagic cerebral infarction in young adults. Arch Neurol 1986;43:793-796.
  • 13. Adams HP Jr, Bendixen BH, Kappelle LJ, et al. Classification of subtype of acute ischemic stroke: definitions for use in a multicenter clinical trial. Stroke 1993;24:35-41.
  • 14. 1999 World Health Organization-International Society of Hypertension. Guidelines for the management of hypertension. J Hypertens 1999;17:151-158.
  • 15. Mayfield J. Diagnosis and classification of diabetes mellitus: new criteria. Am Fam Physician 1998;58:1355-1362.
  • 16. Ahmed SM, Clasen ME, Donnely JF. Management of dyslipidemia in adults. Am Fam Physician 1998;57:2192-2204.
  • 17. American Psychiatry Association. DSM-IV-Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 4.Ed. Porto Alegre: Artmed:177-178.
  • 18. North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial Collaborators. Beneficial Effect of Carotid endarterectomy in symptomatic patients with high-grade carotid stenosis. N Engl J Med 1991; 325:445-453.
  • 19. Headache Classification Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988;8:1-96.
  • 20. Chancellor AM, Glasgow GL, Ockelford PA, Johns A, Smith J. Etiology, prognosis and hemostatic function after cerebral infarction in young adults. Stroke 1989;20:477-482.
  • 21. Matias-Guiu J, Alvarez J, Insa R, et al. Ischemic stroke in young adults: II. Analysis of risk factors in the etiological subgroups. Acta Neurol Scand 1990;81:314-317.
  • 22. You RX, McNeil JJ, O'Malley HM, Davis SM, Thrift AG, Donnan GA. Risk factors for stroke due to cerebral infarction in young adults. Stroke 1997;28:1913-1918.
  • 23. Rohr J, Kittner S, Feeser B, et al. Traditional risk factors and ischemic stroke in young adults: the Baltimore-Washington Cooperative Young Stroke Study. Arch Neurol 1996;53:603-607.
  • 24. Hillbom M, Haapaniemi H, Juvela S, Palomäki H, Numminen H, Kaste M. Recent alcohol consumption, cigarette smoking, and cerebral infarction in young adults. Stroke 1995;26:40-45.
  • 25. Daras M, Tuchman AJ, Koppel BS, Samkoff LM, Weitzner I, Marc J. Neurovascular complications of cocaine. Acta Neurol Scand 1994;90: 124-129.
  • 26. Qureshi AI, Akbar MS, Czander E, Safdar K, Janssen RS, Frankel MR. Crack cocaine use and stroke in young patients. Neurology 1997;48:341-345.
  • 27. Shwartz SM, Siscovick DS, Longstreth WT Jr, et al. Use of low-dose oral contraceptives and stroke in young women. Ann Intern Med 1997;127:596-603.
  • 28. Fukujima MM, Oliveira RM, Shimazaki JC, Lima JG. Gravidez, puerpério e doença vascular cerebral. Arq Neuropsiquiatr 1996;54: 212-215.
  • 29. Kittner SJ, Stern BJ, Feeser BR, et al. Pregnancy and the risk of stroke. N Engl J Med 1996;335:768-774.
  • 30. Toffol GJ, Biller J, Adams HP Jr. Nontraumatic intracerebral hemorrhage in young adults. Arch Neurol 1987;44:483-485.
  • 1
    Grupo de Doenças Cerebrovasculares, Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba PR, Brasil:
    Neurologista;
    2
    Professor Adjunto;
    3
    Residente;
    4
    Aluno de Graduação;
    5
    Professor Titular.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2001
    • Data do Fascículo
      Set 2001

    Histórico

    • Aceito
      21 Maio 2000
    • Recebido
      14 Dez 2000
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org