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Considerações clínicas e etiológicas das síndromes epilépticas sintomáticas com paroxismos occipitais bloqueados à abertura dos olhos

Clinical and ethiological considerations about the symptomatic epileptic syndromes with occipital paroxism bloqued when the eyes open

Resumos

A síndrome da epilepsia parcial com paroxismos occipitais no eletrencefalograma (EEG) mostra características clínicas heterogêneas. Visando descrever esta rara forma de epilepsia, investigamos a significância dos achados eletrofisiológicos e clínicos em oito pacientes com paroxismos occipitais bloqueados pela abertura dos olhos. Os pacientes foram submetidos a exames radiológicos de RNM do encéfalo e/ou TC de crânio. Houve concordância entre as alterações do EEG e do tipo de crise em 5 pacientes, e entre as anormalidades anatômicas na TC ou RNM com anormalidades focais no EEG em 7 casos. Nossos resultados confirmam que este padrão inusitado origina-se de uma expressão eletrográfica multifatorial.

paroxismo occipital; crises occipitais; síndromes epilépticas occipitais


The syndrome of idiophatic partial epilepsy with occipital paroxysms in the EEG shows a considerable clinical heterogeneity. The present paper investigated the signficance of electrophysiologic and clinical characteristics in eigth patients with occipital paroxysms blocked by the eye opening. All patients were submitted to radiological exams including brain MRI and/or CT. There was agreement between EEG findings and type of seizures in 5 patients and between anatomical abnormalities in the MRI or CT and EEG focal abnormalities in 7 patients. Our results confirm that the unusual pattern comes from eletrographic multifactors origins.

occipital paroxysms; occipital seizures; occipital epileptic syndromes


CONSIDERAÇÕES CLÍNICAS E ETIOLÓGICAS DAS SÍNDROMES EPILÉPTICAS SINTOMÁTICAS COM PAROXISMOS OCCIPITAIS BLOQUEADOS À ABERTURA DOS OLHOS

Gilson Edmar Gonçalves e Silva1 1 Programa de Pós-Graduação (PG) em Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Centro de Ciências da Saúde (CCS), Recife PE, Brasil. Professor Adjunto Doutor de Neurologia, Diretor do CCS/UFPE; 2 Professora Adjunta de Neurologia Infantil, UFPE; 3 Mestranda do Programa de PG em Neuropsiquiatria. , Maria Eunice de Vasconcelos Xavier Coelho2 1 Programa de Pós-Graduação (PG) em Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Centro de Ciências da Saúde (CCS), Recife PE, Brasil. Professor Adjunto Doutor de Neurologia, Diretor do CCS/UFPE; 2 Professora Adjunta de Neurologia Infantil, UFPE; 3 Mestranda do Programa de PG em Neuropsiquiatria. , Silvia Gomes Laurentino3 1 Programa de Pós-Graduação (PG) em Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Centro de Ciências da Saúde (CCS), Recife PE, Brasil. Professor Adjunto Doutor de Neurologia, Diretor do CCS/UFPE; 2 Professora Adjunta de Neurologia Infantil, UFPE; 3 Mestranda do Programa de PG em Neuropsiquiatria.

RESUMO - A síndrome da epilepsia parcial com paroxismos occipitais no eletrencefalograma (EEG) mostra características clínicas heterogêneas. Visando descrever esta rara forma de epilepsia, investigamos a significância dos achados eletrofisiológicos e clínicos em oito pacientes com paroxismos occipitais bloqueados pela abertura dos olhos. Os pacientes foram submetidos a exames radiológicos de RNM do encéfalo e/ou TC de crânio. Houve concordância entre as alterações do EEG e do tipo de crise em 5 pacientes, e entre as anormalidades anatômicas na TC ou RNM com anormalidades focais no EEG em 7 casos. Nossos resultados confirmam que este padrão inusitado origina-se de uma expressão eletrográfica multifatorial.

PALAVRAS-CHAVE: paroxismo occipital, crises occipitais, síndromes epilépticas occipitais.

Clinical and ethiological considerations about the symptomatic epileptic syndromes with occipital paroxism bloqued when the eyes open

ABSTRACT - The syndrome of idiophatic partial epilepsy with occipital paroxysms in the EEG shows a considerable clinical heterogeneity. The present paper investigated the signficance of electrophysiologic and clinical characteristics in eigth patients with occipital paroxysms blocked by the eye opening. All patients were submitted to radiological exams including brain MRI and/or CT. There was agreement between EEG findings and type of seizures in 5 patients and between anatomical abnormalities in the MRI or CT and EEG focal abnormalities in 7 patients. Our results confirm that the unusual pattern comes from eletrographic multifactors origins.

KEY WORDS: occipital paroxysms, occipital seizures, occipital epileptic syndromes.

Os primeiros casos de paroxismos epilépticos occipitais, bloqueados à abertura dos olhos foram definitivamente descritos, em 1982, por Gastaut1 ao relatar uma síndrome epiléptica benigna, que ocorre em crianças e é caracterizada, clinicamente, por crises visuais e episódios de "enxaqueca-like".Ainda na década de 80, e começo dos anos 90, foram descritos alguns raros casos, inicialmente confundidos com uma forma atípica da síndrome de Sturge-Weber2,3, porém com características próprias: uma associação peculiar de paroxismos no eletroencefalograma (EEG) interictal (descargas contínuas de ponta-onda na região occipital, uni ou bilateralmente, bloqueadas à abertura dos olhos), de crises epilépticas (visuais, tipo enxaqueca, parciais simples e complexas, seguida ou não de generalização secundária), calcificações occipitais bilaterais e doença celíaca4-6 . Entretanto, essa nova e rara síndrome epiléptica foi melhor caracterizada por autores italianos (Magoudda et al.) que estudaram 12 pacientes, constituindo a maior casuística sobre o tema7. Posteriormente, outras publicações surgiram, porém com um número pequeno de casos8,9. Até o final da década de 90 eram menos de 70 casos descritos, num levantamento feito por um de nós10. Na maioria dos casos descritos haveria a associação com a doença celíaca, porém, mais raros eram os pacientes que não tinham esta patologia11, inclusive na nossa publicação, que se caracterizou como o primeiro caso publicado na literatura nacional.

Entretanto, ao continuarmos as nossas pesquisas sobre o assunto, encontramos pacientes com as características clínicas e eletrencefalográficas descritas nestas síndromes epiléticas, porém com várias outras causas etiológicas, diferentes das calcificações da doença celíaca. O objetivo deste artigo é contribuirmos para uma melhor elucidação desta peculiar expressão eletrencefalográfica.

MÉTODO

Foram estudados 8 pacientes oriundos do Ambulatório de Epilepsia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco, de um dos Ambulatórios do SUS e da Clínica Privada. Os pacientes selecionados para o presente estudo eram 5 do sexo masculino e 3 do feminino. A idade, na ocasião da primeira consulta, variou de 2 a 30 anos (média 16,3 anos).

Foi estabelecido, como critério de inclusão dos pacientes, o registro no EEG, em vigília, de pontas occipitais, uni ou bilateralmente, bloqueadas à abertura dos olhos, além da história clínica de crises epilépticas visuais e de outros tipos, e de estudo anatômico, através da neuroimagem.

A Tabela 1 contém a identificação dos pacientes. Consta da Tabela 2 o tipo de crises epilépticas relatadas pelos pacientes ou seus familiares, a droga antiepiléptica em uso (DAE) e os resultados dos EEG.

RESULTADOS

Todos os nossos pacientes apresentavam, como queixa, crises epilépticas do tipo visual, cujos relatos mais frequentes eram: ora a visão de manchas, ora a de formas geométricas (círculos ou quadrados), sempre coloridos. Apenas um dos 8, não tinha queixa de crise visual, explicável pela idade muito precoce do aparecimento dos sintomas (2 anos); porém, apresentava, ao exame neurológico, baixa visual enistagmo óptico.

As crises visuais eram associadas a crises parciais complexas, com generalização secundária em 2 pacientes, a apenas crises parciais motoras em 3 deles, a crises parciais motoras, com generalização secundária em 1 e apenas a generalização secundária em 1 caso. O paciente de 2 anos de idade (Caso 5), que não tinha queixa de crise visual, apresentava crise de desvio conjugado dos olhos para a direita, seguida de perda da consciência.

Houve concordância entre a lateralidade na descrição da crise focal e o resultado do EEG em 5 pacientes (Casos 1, 3, 4, 6, 8). Em 2 (Casos 2 e 7) não haviam dados clínicos de lateralidade e em apenas 1 paciente (Caso 5) não havia concordância entre a lateralidade da crise e o EEG.

Constam da Tabela 3 os resultados do EEG e dos exames de neuroimagem (TC/RM) dos nossos pacientes.

Dos nossos 8 pacientes selecionados, 7 deles apresentavam alterações nos exames de imagem em concordância com os achados do EEG, e em apenas 1 o exame de neuroimagem foi normal.

DISCUSSÃO

O lobo occipital pode ser sede de descargas epileptiformes (pontas ou complexos ponta-onda), bloqueadas ou não à abertura dos olhos. Estas descargas, em sua maioria, constituem um dos elementos das síndromes epilépticas do lobo occipital. Porém, podem ser de baixa epileptogenicidade, surgindo em crianças sem crises, mas relacionadas à cegueira congênita e sugerindo um processo de deaferentação12.

As síndromes epilépticas do lobo occipital podem ser classificadas em idiopáticas e sintomáticas. Entre as síndromes epilépticas idiopáticas, estão as epilepsias parciais benignas da infância, com paroxismos occipitais (EPBI-O)13. Foi Gastaut1 quem primeiro descreveu este quadro clínico, em 1982, constituído de crises visuais, acompanhadas de crises hemiclônicas, parciais complexas ou tônico-clônicas generalizadas; como manifestação pós-ictal havia cefaléia e vômitos; os paroxismos occipitais são de elevada amplitude, bilaterais, quase rítmicos, bloqueados à abertura dos olhos, sendo o ritmo de base normal; o diagnóstico diferencial se faz com as epilepsias sintomáticas do lobo occipital (mais raras na infância), com as epilepsias occipitais fotossensíveis e com as enxaquecas basilares13,14. Uma variante desta síndrome foi descrita por Panayotopoulus (in Costa et al.13), caracterizada por vômitos ictais, desvio óculo-cefálico, início em idade mais precoce, predomina durante o sono e o EEG evidencia pontas occipitais, não reativas à abertura dos olhos, quando realizado em vigília5.

Já as síndromes epilépticas occipitais sintomáticas são mais raras e caracterizadas por crises visuais elementares (luzes, cores) ou como manifestações alucinatórias mais elaboradas13. O EEG é frequentemente anormal, ocorrendo descargas epileptiformes com projeção occipital, mas também têmporo-occipital ou parieto-occipital15; esses paroxismos, em geral, não são bloqueados à abertura dos olhos14. Entretanto, o bloqueio desses paroxismos não está necessariamente associado a uma forma benigna de epilepsia, podendo estar associado a várias condições clínicas, com paroxismos não bloqueados à abertura dos olhos16.

Todos os nossos pacientes apresentaram, no EEG, os paroxismos occipitais (pontas ou complexos ponta-onda), uni ou bilateralmente, bloqueados à abertura dos olhos (critério de inclusão). Do ponto de vista clínico, os pacientes apresentavam crises do tipo visual, associadas a crises parciais motoras simples, mais frequentes, ou a parciais complexas, com ou sem generalização secundária. A única criança do grupo não tinha referências, na história clinica, a crises visuais, pois a sua baixa idade impede a descrição destes sintomas. Em 5 dos nossos casos havia concordância entre o tipo de crise e o resultado do EEG.

Outro dado que merece destaque é que, dos 8 casos selecionados, 7 deles apresentaram anormalidade no exame de neuroimagem: calcificações occipitais em 2 casos (Fig 1), lesão atrófica occipital em 2 casos (Fig 2), área hipodensa occipital em 2 casos (Fig 3) e anomalia vascular occipital em 1 caso. Um paciente apresentou TC e RM normais, mesmo tendo o EEG com paroxismo lateralizado. Todos os 7 casos, nos quais foram encontrados anormalidades estruturais nos exames de neuroimagem, apresentavam concordância topográfica com as anormalidades encontradas no EEG.




Em conclusão, o presente estudo não permite tirar conclusões definitivas, pelo pequeno número de casos. Porém, justifica a sua análise o fato desta situação eletroclínica ser bastante rara. Algumas reflexões, entretanto, devem ser feitas com base nos nossos resultados: 1 - O achado eletrográfico dos paroxismos occipitais bloqueados à abertura dos olhos não é só característico das epilepsias occipitais benignas; 2 - Esta anormalidade eletrográfica surge também nas epilepsias occipitais sintomáticas. Enfim, este peculiar paroxismo nos parece uma expressão eletrográfica, de origem multifatorial.

Recebido 25 Setembro 2001, recebido na forma final 12 Novembro 2001. Aceito 21 Novembro 2001.

Dr. Gilson Edmar Gonçalves e Silva - Rua Muniz Tavares 147/601 - 52050-170 Recife PE - Brasil.

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  • 1
    Programa de Pós-Graduação (PG) em Neuropsiquiatria, Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) - Centro de Ciências da Saúde (CCS), Recife PE, Brasil.
    Professor Adjunto Doutor de Neurologia, Diretor do CCS/UFPE;
    2
    Professora Adjunta de Neurologia Infantil, UFPE;
    3
    Mestranda do Programa de PG em Neuropsiquiatria.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Jul 2002
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      21 Nov 2001
    • Recebido
      25 Set 2001
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