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Dor central devida a compressão do cortex parietal por tumor cerebral: relato de dois casos

Central pain from cerebral cortical parietal tumors: report of two cases

Resumos

Dor central produzida por tumores cerebrais é considerada rara pela maioria dos autores. Os poucos casos descritos na literatura fazem referência à dor central provocada pela presença de lesões expansivas acometendo o córtex parietal contralateral. Nem mesmo os tumores talâmicos costumam produzir dor central. Apresentamos dois casos de dor central associada a lesões expansivas que acometeram o córtex parietal, 1 astrocitoma low grade e 1 meningioma. Em ambos houve alívio da dor após a remoção cirúrgica das lesões.

dor central encefálica; tumor parietal; córtex parietal


Central pain derived from cerebral tumors is considered rare by most authors. The few cases described in literature refer to central pain caused by expansive lesions in the contralatral parietal cortex. Usually, not even thalamic tumors cause central pain. We describe two cases of central pain related to expansive lesions in the parietal cortical region -- a low grade astrocytoma and a meningioma. Both patients reported pain relief after lesions were removed by surgery.

central encephalic pain; parietal tumor; parietal cortex


DOR CENTRAL DEVIDA A COMPRESSÃO DO CORTEX PARIETAL POR TUMOR CEREBRAL

Relato de dois casos

Edson José Amâncio1 1 Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil: Coordenador do Serviço; 2 Assistente; 3 Acadêmico de Medicina. , Cássio Morano Peluso2 1 Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil: Coordenador do Serviço; 2 Assistente; 3 Acadêmico de Medicina. , Antônio Carlos Grela Santos2 1 Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil: Coordenador do Serviço; 2 Assistente; 3 Acadêmico de Medicina. , Ana Paula Pena-Dias3 1 Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil: Coordenador do Serviço; 2 Assistente; 3 Acadêmico de Medicina. , Fernando Antonio Alvarez Debs3 1 Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil: Coordenador do Serviço; 2 Assistente; 3 Acadêmico de Medicina. .

RESUMO - Dor central produzida por tumores cerebrais é considerada rara pela maioria dos autores. Os poucos casos descritos na literatura fazem referência à dor central provocada pela presença de lesões expansivas acometendo o córtex parietal contralateral. Nem mesmo os tumores talâmicos costumam produzir dor central. Apresentamos dois casos de dor central associada a lesões expansivas que acometeram o córtex parietal, 1 astrocitoma low grade e 1 meningioma. Em ambos houve alívio da dor após a remoção cirúrgica das lesões.

PALAVRAS-CHAVE: dor central encefálica, tumor parietal, córtex parietal.

Central pain from cerebral cortical parietal tumors: report of two cases

ABSTRACT ¾ Central pain derived from cerebral tumors is considered rare by most authors. The few cases described in literature refer to central pain caused by expansive lesions in the contralatral parietal cortex. Usually, not even thalamic tumors cause central pain. We describe two cases of central pain related to expansive lesions in the parietal cortical region ¾ a low grade astrocytoma and a meningioma. Both patients reported pain relief after lesions were removed by surgery.

KEY WORDS: central encephalic pain, parietal tumor, parietal cortex.

As patologias encefálicas mais frequentemente associadas à dor central são os acidentes vasculares cerebrais isquêmicos (AVCI) e hemorrágicos (AVCH)1. Outras causas têm sido referidas como responsáveis por dor central: traumatismos crânio-encefálico (TCE)1,2, abcessos cerebrais1,3, hemorragia envolvendo o córtex parietal4 e malformações arterio-venosas5,6. Os poucos casos de tumores descritos como causadores dessa condição em geral são neoplasias que acometem o córtex parietal.

O objetivo do presente relato é apresentar dois casos de dor central associada a lesões expansivas que acometeram o córtex parietal, 1 astrocitoma low grade e 1 meningioma. Ambos foram submetidos a remoção cirúrgica com alívio dos sintomas dolorosos.

CASOS

Caso 1. Mulher de 72 anos. A paciente veio à consulta por apresentar cefaléia e dificuldade progressiva para andar nos últimos 6 meses. Segundo os familiares, nos últimos 6 meses a paciente tornou-se progressivamente lenta para raciocinar, com lapsos grosseiros de memória, lentidão para executar movimentos com as mãos e dificuldade para andar. Durante avaliação, a paciente mostrou-se pouco comunicativa, referia cefaléia permanente do tipo holocrânica e ainda sensação de queimação em todo o hemicorpo esquerdo, incluindo a face (a intensidade dolorosa foi classificada como 5 na escala analógica verbal de 0 a 10). O exame neurológico mostrou ataxia, marcha com base alargada, insegura, procurando apoio para se sustentar. Os reflexos profundos apresentavam-se universalmente vivos, porém não havia reflexos patológicos, reflexo cutâneo plantar em flexão bilateral. Apresentava astenia generalizada que a impedia de realizar manobras deficitárias por período superior a 30 segundos. Nítida hipoestesia tátil, térmica e dolorosa em todo o hemicorpo esquerdo. Tomografia computadorizada (TC) de crânio revelou extensa lesão envolvendo os córtices parietais, maior à direita com extensão para a substância branca de ambos os hemisférios (Fig 1). Foi realizada craniotomia extensa, envolvendo ambos os lobos parietais para exérese da lesão. O exame anatomopatológico revelou tratar-se de meningioma psamomatoso.


Caso 2. Homem de 17 anos, referindo que por volta dos 13 anos de idade começou a sentir sensação de formigamento e dormência na mão esquerda em episódios críticos de curta duração (no máximo 10 segundos), que se repetiam a intervalos variáveis de dias ou até 2-3 meses, não relacionados a exercícios do membro afetado ou posição. Aos 13 anos teve crise convulsiva durante o sono, quando então passou a ser medicado com clonazepan 0,5 mg/dia e carbamazepina 200 mg/dia. A medicação não teve qualquer interferência nas crises sensitivas no membro superior esquerdo (MSE). Dessa época em diante as sensações na mão esquerda se estenderam para todo o antebraço do mesmo lado acompanhadas de sensação de queimor intermitente bastante desagradável, sempre ocorrendo durante períodos de curta duração. A intensidade da dor era referida como de média intensidade (5 a 8 na escala analógica de avaliação de intensidade dolorosa de 1 a 10). Concomitantemente ao aparecimento da dor a frequência desses episódios aumentou, apresentando crises até 8 vezes no mesmo dia. Há 1 ano teve nova convulsão noturna quando então foi internado e realizado exame de ressonância nuclear magnética (RNM) do crânio a qual evidenciou extensa lesão expansiva envolvendo o córtex parietal direito (Fig 2).


O exame neurológico revelou défict motor discreto no MSE à manobra dos braços estendidos e hipoestesia tátil, térmica e dolorosa em todo o MSE. Foi proposta abordagem cirúrgica da lesão e realizada pequena craniotoma estereotáxica com exérese subtotal. O exame anatomopatológico mostrou tratar-se de astrocitoma low grade.

DISCUSSÃO

Os tumores cerebrais são causas raras de dor central. Alguns pacientes portadores de meningioma como causadores de dor central foram descritos na literatura1. Surprendentemente, nem mesmo os tumores talâmicos têm tendência a causar dor central. Na casuística de Tovi et al.7 apenas 1 de 49 pacientes com tumor talâmico apresentou dor central. Gonzalez et al3 observaram 2 casos de abscesso cerebral talâmico e de cápsula interna associados a dor central. A causa dos abscessos foi toxoplasmose. Ambos os pacientes eram portadores de síndrome da imunodeficiência adquirida. Michel et al.8 ,em estudo retrospectivo de 12 casos com dor central de origem cortical, não referem nenhum caso de tumor. Em nossa casuística de 123 pacientes com dor central encefálica, analisados durante um período de dois anos (1994 e 1995)1, registramos apenas dois casos de tumor cerebral. Um desses casos (Caso1, Fig.1) está descrito também no presente trabalho. Trata-se de menigioma cortical, envolvendo o córtex parietal bilateral, estendendo-se para estruturas profundas principalmente à direita onde era mais volumoso e abrangia uma extensão maior do córtex parietal desse lado. Nesse paciente a dor atingia o hemicorpo contralateral e era de intensidade moderada (5 na escala analógica de dor). Após a remoção cirúrgica do tumor houve nítida piora imediata da intensidade dolorosa, principalmente no membro superior e aparecimento de dor em queimor de grande intensidade (10 na escala analógica verbal) na língua, durante os primeiros dias do período pós-operatório. Foi iniciado esquema terapêutico com 50 mg de amitriptilina e 20 mg de clorpromazina, ocorrendo melhora progressiva e remissão completa da dor ainda durante período de internação hospitalar. Dois meses depois da cirurgia, foi suspensa a medicação e o paciente permaneceu sem dor. O segundo caso aqui descrito (Caso 2, Fig. 2) é de um paciente com astrocitoma low grade localizado no córtex parietal também com progressão profunda atingindo a periferia da parede do ventrículo lateral. O paciente referia dor em queimor intermitente de intensidade variável (5-8 na escala analógica verbal) em todo o membro superior contralateral com pouca ou nenhuma melhora com o uso de amitriptilina e clorpromazina. Após a remoção cirúrgica os sintomas permaneceram, embora houvesse nítida redução da frequência das crises álgicas, da duração e da intensidade (3 a 4 na escala analógica de dor). Em nenhum deles, a lesão restringiu-se exclusivamente ao córtex parietal, expandido-se para a profundidade do encéfalo, produzindo grande deformação do parênquima.

MacNamara et al.9, estudaram 13 pacientes com dor persistente após infarto cerebral incluindo o córtex parietal demonstrado por TC ou RNM e concluíram que a cronicidade e severidade da dor estavam diretamente relacionadas com a extensão da lesão.

Humby10 considera que a dor central é incomum em associação com tumores cerebrais. Riddoch11 faz menção à casuística de Imber, constituída de 45 casos de tumor talâmico, em que ocorreram raros casos de síndrome talâmica. Na casuística de Ajuriaguerra12 havia apenas 3 casos de dor central encefálica dentre grande número de doentes. Tovi et al.7 também realizaram levantamento sobre talamotomia e observaram que havia apenas 45 casos de tumor talâmico associado à dor central. Hamby10 descreveu um caso de dor central por TCE e fez menção à monografia de Cushing & Eisenhardt, de 1928,sobre meningiomas, na qual há descrição de 12 casos de lesão de convexidade parietal e não há menção ao quadro da dor central. Michelsen13 relatou 4 casos de meningiomas comprimindo o córtex parietal produzindo dor e alterações da sensibilidade nas extremidades dos membros. Em apenas 1 destes casos, a dor foi totalmente abolida após a exérese do meningioma e, em 1, foi aliviada imediatamente após a cirurgia, mas reapareceu depois de 4 anos. Horrax14 descreveu 2 casos de gliomas do lobo parietal nos quais a dor ocorreu na extremidade parética contralateral. Nos dois casos, a dor era intermitente e não estava associada com hiperpatia. Em um paciente, a remoção da lesão localizada no córtex parietal direito aliviou a dor no pé e perna, mas não no braço. Em outro paciente, a remoção do tumor aliviou a dor no braço e mão, mas não na perna e pé com a mesma magnitude. Bender & Jaffe15 descreveram vários pacientes com meningioma e dor central. Para Boivie16 os tumores hemisféricos raramente produzem dor central.

Duas questões permanecem em aberto: 1) como se explica que apenas alguns pacientes com lesão parietal apresentam dor? Segundo Garcin17 isto se deve ao fato de que as características anatômicas das lesões variam de um paciente a outro; 2) qual é o mecanismo pelo qual as lesões do córtex parietal podem produzir dor central? Os argumentos são os mesmos para explicar a dor central oriunda de lesões talâmicas. Há duas hipóteses que devem ser consideradas: irritação ou desinibição. O fenômeno irritativo pode ser causado pela própria lesão18. Para a hipótese da desinibição Head & Holmes19 propõem a seguinte explicação: sob condições normais a atividade dos centros talâmicos é inibida pelo córtex, de modo que lesões corticais ou lesões nas fibras córtico-talâmicas produzem liberação dos centros talâmicos, dessa forma, ocorrem respostas exageradas quando os centros talâmicos ficam livres de controle. Essa hiperatividade talâmica em pacientes com dor central encefálica foi demonstrada através de SPECT (tomografia por emissão de fóton único) em pacientes com hiperpatia após acidente vascular central20

Em conclusão, podemos admitir que embora os tumores sejam causas raras de dor central encefálica, quando comprimem ou infiltram o córtex parietal esta possibilidade pode ocorrer e que a remoção cirúrgica dessas lesões pode possibilitar alívio dos sintomas.

Recebido 3 Setembro 2001, recebido na forma final 17 Dezembro 2001. Aceito 17 Janeiro 2002.

Dr. Edson José Amâncio ¾ Rua Nascimento 27/71 ¾ 11040-170 Santos SP - Brasil. E-mail: edson-amancio@uol.com.br.

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  • 1
    Serviço de Neurocirugia, Faculdade de Medicina, Centro Universitário Lusíada (UNILUS), Santos, SP, Brasil:
    Coordenador do Serviço;
    2
    Assistente;
    3
    Acadêmico de Medicina.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2002
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      17 Jan 2002
    • Recebido
      03 Set 2001
    • Revisado
      17 Dez 2001
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