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Tratamento endovascular de fístula arteriovenosa vertebral espontânea em criança: relato de caso

Endovascular treatment of spontaneous vertebral arteriovenous fistula in children: case report

Resumos

Fístulas espontâneas da artéria vertebral são raras malformações arteriovenosas entre a artéria vertebral e um vaso circunvizinho. Relatamos um caso de fístula arteriovenosa, não traumática, em uma criança de 9 anos de idade, submetida a tratamento por via endovascular. Sob anestesia geral e controle fluoroscópico, empregou-se a técnica endovascular para posicionar um balão destacável de látex, dessa forma ocluindo totalmente o trajeto fistuloso. Resolução clínica e angiográfica foi obtida, e não houve complicações relacionadas com o procedimento de embolização. O resultado observado comprova que a embolização especialmente oclusão com balões descartáveis, tornou-se o tratamento padrão para esta enfermidade.

embolização endovascular com balão; fístula arteriovenosa; artéria vertebral; oclusão endoarterial


Spontaneous cervical artery fistulas are rare arteriovenous malformations between the artery and veins of the neighborhood. We report a case of non traumatic vertebral arteriovenous fistula in a girl, aged 9 years, treated by endovascular approach. Under general anesteshia and with fluoroscopic guidance, using a endovascular technique, latex detachable balloons were used to successfully occlude the fistula. Complete clinical and angiographic recovery was achieved and no complications related to the embolization procedure occurred. The result obtained in this case corroborates that endovascular techniques, especially balloon occlusion embolization, has become the standard treatment for this vascular disorder.

endovascular; balloon embolization; arteriovenous fistula; vertebral artery; endoarterial occlusion


TRATAMENTO ENDOVASCULAR DE FÍSTULA ARTERIOVENOSA VERTEBRAL ESPONTÂNEA EM CRIANÇA

Relato de caso

Paulo Eloy Passos Filho1 1 Centro de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Del Mese, Caxias do Sul RS, Brasil: Médico Neurorradiologista Intervencionista; 2 Médico Neurocirurgião, Professor da Disciplina de Neurologia da Universidade de Caxias do Sul; 3 Médico Neurocirurgião; 4 Acadêmico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul. , Paulo Ricardo Mattana2 1 Centro de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Del Mese, Caxias do Sul RS, Brasil: Médico Neurorradiologista Intervencionista; 2 Médico Neurocirurgião, Professor da Disciplina de Neurologia da Universidade de Caxias do Sul; 3 Médico Neurocirurgião; 4 Acadêmico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul. , João Luís Pontalti3 1 Centro de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Del Mese, Caxias do Sul RS, Brasil: Médico Neurorradiologista Intervencionista; 2 Médico Neurocirurgião, Professor da Disciplina de Neurologia da Universidade de Caxias do Sul; 3 Médico Neurocirurgião; 4 Acadêmico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul. ,Fabrício Molon da Silva4 1 Centro de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Del Mese, Caxias do Sul RS, Brasil: Médico Neurorradiologista Intervencionista; 2 Médico Neurocirurgião, Professor da Disciplina de Neurologia da Universidade de Caxias do Sul; 3 Médico Neurocirurgião; 4 Acadêmico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul.

RESUMO - Fístulas espontâneas da artéria vertebral são raras malformações arteriovenosas entre a artéria vertebral e um vaso circunvizinho. Relatamos um caso de fístula arteriovenosa, não traumática, em uma criança de 9 anos de idade, submetida a tratamento por via endovascular. Sob anestesia geral e controle fluoroscópico, empregou-se a técnica endovascular para posicionar um balão destacável de látex, dessa forma ocluindo totalmente o trajeto fistuloso. Resolução clínica e angiográfica foi obtida, e não houve complicações relacionadas com o procedimento de embolização. O resultado observado comprova que a embolização especialmente oclusão com balões descartáveis, tornou-se o tratamento padrão para esta enfermidade.

PALAVRAS-CHAVE: embolização endovascular com balão, fístula arteriovenosa, artéria vertebral, oclusão endoarterial.

Endovascular treatment of spontaneous vertebral arteriovenous fistula in children: case report

ABSTRACT - Spontaneous cervical artery fistulas are rare arteriovenous malformations between the artery and veins of the neighborhood. We report a case of non traumatic vertebral arteriovenous fistula in a girl, aged 9 years, treated by endovascular approach. Under general anesteshia and with fluoroscopic guidance, using a endovascular technique, latex detachable balloons were used to successfully occlude the fistula. Complete clinical and angiographic recovery was achieved and no complications related to the embolization procedure occurred. The result obtained in this case corroborates that endovascular techniques, especially balloon occlusion embolization, has become the standard treatment for this vascular disorder.

KEY WORDS: endovascular, balloon embolization, arteriovenous fistula, vertebral artery, endoarterial occlusion.

Fístulas arteriovenosas envolvendo a artéria vertebral são lesões raras 1,2, definidas pela presença de uma comunicação anormal entre a artéria vertebral extracraniana ou um de seus ramos e um vaso circunvizinho3. Quanto à etiologia, as fístulas arteriovenosas vertebrais dividem-se em traumáticas e espontâneas1-3. Fístulas espontâneas são congênitas, mesmo não tendo comprovação de sua existência ao nascimento2. Associam-se, muitas vezes, a displasia fibromuscular2, neurofibromatose4,5, ou síndrome de Ehlers-Danlos, e requerem um mínimo evento para se manifestar, como um pequeno trauma ou mesmo um espirro6. Fístulas traumáticas são associadas a lesões traumáticas do pescoço, usualmente por faca ou projétil7,8. Causas iatrogênicas incluem inadvertida punção vertebral, após punção da veia jugular para acesso venoso9, ou após punção direta da artéria carótida para realização de angiografia. Outras causas incomuns incluem cirurgia de pescoço, trauma moderado com fratura de coluna cervical10,11.

A porção da artéria vertebral envolvida é variável, estando de acordo com a etiologia. A parte proximal da segunda porção da artéria é usualmente envolvida nas fístulas traumáticas, enquanto que a fístula espontânea ocorre, comumente, na terceira porção da artéria1,7,12. A drenagem venosa é variável, mas usualmente envolve o sistema jugular, embora possa ocorrer em outros sistemas venosos3. O plexo venoso epidural é envolvido em um quarto dos casos, com possibilidade de desenvolvimento de hipertensão no cone medular3. Muitos casos de fístula vertebral têm sido relatados em adultos, mas poucos na infância1,3. As fístulas vertebrais são comumente uma condição benigna, sendo descobertas na auscultação de rotina1. Quando apresentam sintomas, devem-se ao aumento do fluxo, cronicidade da lesão e características da drenagem venosa. Um fluxo turbulento, ruídos na região cervical e vertigens ocorrem em 60% dos casos1. Sintomas neurológicos são raros, comumente relacionam-se a mecanismos de compressão, roubo arterial ou hipertensão venosa1,13. Sintomas e sinais de compressão incluem radiculopatia cervical1 ou síndrome de Brown-Séquard14, ocasionada por plexos venosos dilatados12. Fístulas assintomáticas podem gradualmente tornar-se sintomáticas devido ao roubo sanguíneo intracraniano, dessa forma resultando insuficiência vertebrobasilar3. Hipertensão venosa pode afetar a drenagem sanguínea da medula espinhal, gerando paraparesia e tetraparesia15. Insuficiência cardíaca é uma apresentação rara na criança3.

A faixa etária pediátrica constitui um grupo especial de pacientes, em virtude do maior risco de complicações, sendo a abordagem endovascular com oclusão da fístula, por balão destacável, o método de escolha no tratamento desta enfermidade. Relatamos um caso de fístula vertebro jugular (FVJ) espontânea, em criança, tratada com balão destacável, obtendo-se oclusão total da fístula, sem danos ao sistema vertebrobasilar.

CASO

Menina de 9 anos, conduzida a avaliação de um neurologista devido a zumbido no ouvido direito, de característica pulsátil e que aumentava em decúbito lateral direito. Início há aproximadamente três anos, com piora progressiva nos últimos meses. Ao exame físico apresentava-se em bom estado geral, afebril e eupneica. A ausculta cervical posterior evidenciava sopro de ++ e a palpação, presença de frêmito. Ao exame neurológico apresentava Glasgow 15; ausência de déficit de nervos cranianos.Ultra-som Doppler colorido mostrou aumento de calibre da artéria vertebral esquerda, identificando-se estruturas vasculares tortuosas e ectópicas com fluxo extremamente turbulento.

A suspeita diagnóstica de FVJ foi confirmada por angiografia digital de vasos cervicais, a qual demonstrou a presença de um trajeto fistuloso entre a artéria vertebral esquerda e a veia jugular esquerda, ao nível da segunda vértebra cervical (Figs 1 e 2).



Realizada abordagem endovascular da fístula através de cateterização seletiva da artéria cervical esquerda via punção femoral, com embolização por balão de látex destacável (Nycomed IngenorR) preenchido por mistura de contraste e solução fisiológica. Foram utilizados dois balões de látex, permitindo oclusão total da fístula sem complicações cirúrgicas.

A evolução favorável da paciente permitiu sua alta hospitalar em três dias após a intervenção neurovascular. A angiografia digital de vasos cervicais, realizada após seis meses, demonstrou balão de embolização vazio e fechamento total da fístula vertebral. (Fig 3)


DISCUSSÃO

No caso descrito, a presença da FVJ, com importante refluxo cortical evidenciado pela angiografia digital, justificou o tratamento empregado. O esvaziamento de balões destacáveis acontece progressivamente entre três a quatro semanas após a embolização, permitindo neste intervalo a trombose e a resolução adequada da fístula16 .

Sabe-se que as alterações de volume de um balão de látex independem de gradientes osmóticos entre o conteúdo do balão e o plasma, uma vez que o látex não apresenta propriedades de membrana semipermeável17. Falhas no mecanismo valvular dos balões e alterações na permeabilidade do látex, em virtude do vencimento do prazo de validade ou esterilizações sucessivas do material, são causas prováveis de esvaziamento precoce17.O esvaziamento precoce leva a recidiva da fístula, porém o esvaziamento tardio com repermeabilização da fístula é raramente relatado. A oclusão endovascular é satisfatória, com bons resultados anatômicos e funcionais18,19, com nenhuma mortalidade descrita na literatura2.

Complicações da terapia empregada são raras quando utilizada adequadamente a técnica endovascular. Potenciais complicações incluem reações ao contraste, embolizações, dissecção e espasmo vascular1,18-20. A migração do balão pode ocontecer, porém o posicionamento adequado e a hipotensão pós-procedimento diminuem o risco2.Além disso, após a oclusão da fístula pode ocorrer um falso aneurisma na porção proximal do trajeto fistuloso1.

Recebido 13 Setembro 2001, recebido na forma final 9 Janeiro 2002. Aceito 22 Janeiro 2002.

João Luís Pontalti - Rua Graciema Formolo 4226/201 - 95054-150 Caxias do Sul RS - Brasil.

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  • 1
    Centro de Neurorradiologia Intervencionista do Hospital Del Mese, Caxias do Sul RS, Brasil:
    Médico Neurorradiologista Intervencionista;
    2
    Médico Neurocirurgião, Professor da Disciplina de Neurologia da Universidade de Caxias do Sul;
    3
    Médico Neurocirurgião;
    4
    Acadêmico do Curso de Graduação em Medicina da Universidade de Caxias do Sul.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jul 2002
    • Data do Fascículo
      Jun 2002

    Histórico

    • Aceito
      22 Jan 2002
    • Revisado
      09 Jan 2002
    • Recebido
      13 Set 2001
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