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Adenocarcinoma do saco endolinfático: relato de caso

Endolymphatic sac adenocarcinoma: case report

Resumos

Apresenta-se um caso de adenocarcinoma do saco endolinfático e revê-se a literatura. O quadro clínico manifestou-se por tonteira e perda progressiva da audição consequentes a tumor do saco endolinfático. A remoção cirúrgica foi completa e realizada por abordagem retro e translabiríntica. Os tumores do saco endolinfático são raros, localmente invasivos e comprometem a mastóide e parte petrosa do osso temporal e o ângulo pontocerebelar. A remoção cirúrgica completa apresenta bom prognóstico.

adenocarcinoma; saco endolinfático; ângulo pontocerebelar; osso temporal


A case of endolymphatic sac adenocarcinoma is reported and the literature is reviewed. The clinical picture was presented by vertigo and progressive hearing loss caused by a tumor of the endolymphatic sac. The surgical removal was complete, via a retro and translabyrinthine approach. Endolymphatic sac tumors are locally invasive, involve the petrous bone and the mastoid. The radical surgery presents good outcome.

adenocarcinoma; endolymphatic sac; cerebellopontine angle; temporal bone


ADENOCARCINOMA DO SACO ENDOLINFÁTICO

Relato de caso

Roberto Leal Silveira, Sebastião Silva Gusmão, José Eymard H. Pittella, Sinval Pereira Santos

RESUMO - Apresenta-se um caso de adenocarcinoma do saco endolinfático e revê-se a literatura. O quadro clínico manifestou-se por tonteira e perda progressiva da audição consequentes a tumor do saco endolinfático. A remoção cirúrgica foi completa e realizada por abordagem retro e translabiríntica. Os tumores do saco endolinfático são raros, localmente invasivos e comprometem a mastóide e parte petrosa do osso temporal e o ângulo pontocerebelar. A remoção cirúrgica completa apresenta bom prognóstico.

PALAVRAS-CHAVE: adenocarcinoma, saco endolinfático, ângulo pontocerebelar, osso temporal.

Endolymphatic sac adenocarcinoma: case report

ABSTRACT - A case of endolymphatic sac adenocarcinoma is reported and the literature is reviewed. The clinical picture was presented by vertigo and progressive hearing loss caused by a tumor of the endolymphatic sac. The surgical removal was complete, via a retro and translabyrinthine approach. Endolymphatic sac tumors are locally invasive, involve the petrous bone and the mastoid. The radical surgery presents good outcome.

KEY WORDS: adenocarcinoma, endolymphatic sac, cerebellopontine angle, temporal bone.

O adenocarcinoma do saco endolinfático (ASE) constitui entidade nosológica rara, mal conhecida e de descrição recente (1984). Trata-se de tumor de crescimento lento, caracterizado por destruição do osso temporal, podendo estender-se para o ápice petroso, e frequentemente acomete as fossas média e/ou posterior. Manifesta-se geralmente por diminuição da acuidade auditiva, zumbido e vertigem. Nos exames de imagem, o tumor acomete o osso temporal e encontra-se geralmente centrado entre o conduto auditivo interno e o seio sigmóideo, na região do saco endolinfático e do aqueduto vestibular. O exame histopatológico permite o diagnóstico da lesão.

Até o início da década passada, o ASE era relatado apenas na literatura otológica e desconhecido pelos neurocirurgiões, pelo fato de ser confundido com outros tumores da porção petrosa do osso temporal e do ângulo pontocerebelar. Poucos casos são descritos na literatura neurocirúrgica e este tumor quase não é citado nos compêndios da especialidade. O objetivo do presente estudo é relatar um caso de ASE e rever a literatura.

CASO

Trata-se de homem, de 36 anos de idade, que há um ano passou a apresentar episódios fugazes de tonteiras após esforço físico e sensação de pressão no ouvido esquerdo de caráter progressivo. O exame de admissão evidenciou discreta paresia facial periférica (grau I na escala de House e Brackman), hipoacusia acentuada à esquerda, com teste de Rinne negativo à esquerda e positivo à direita e teste de Weber lateralizado à direita. Sinal de Romberg ausente. Os demais nervos cranianos não evidenciaram alterações ao exame. A motricidade, sensibilidade e coordenação motora encontravam-se normais.

O BERA não evidenciou alterações. A audiometria tonal mostrou perda neurossensorial de 60 dB, sem discriminação auditiva, à esquerda, nas frequências de 3000 a 8000 Hz. Na ressonância magnética a lesão apresentava-se como massa hiperintensa localizada na mastóide e com crescimento para o interior da parede posterior da pirâmide petrosa (Fig 1). A tomografia computadorizada com janela óssea evidenciou osteólise da mastóide e da parede posterior da pirâmide petrosa, posteriormente ao poro acústico interno esquerdo (Fig 2).



Realizou-se ressecção completa do tumor através de abordagem retro e translabiríntica parcial, dificultada por sangramento de intensidade moderada. Foi ressecada pequena implantação dural. O exame histopatológico evidenciou adenocarcinoma papilífero do saco endolinfático (Fig 3). Ocorreu boa evolução pós-operatória, permanecendo o déficit auditivo inalterado e com melhora da paresia do nervo facial. Não ocorreram novos déficits. Não foi realizada nenhuma terapia adicional. A tomografia e a ressonância magnética de controle não evidenciaram sinais de restos tumorais (Fig 4).



DISCUSSÃO

Na face póstero-superior ou cerebelar da pirâmide petrosa, a aproximadamente 10 mm por fora do poro acústico interno, encontra-se uma fissura, dirigida obliquamente de cima para baixo e de fora para dentro, denominada abertura externa do aqueduto vestibular. A partir desta fenda, o aqueduto vestibular dirige-se obliquamente para cima e para dentro, estreitando-se, progressivamente, até atingir o vestíbulo. Este aqueduto contém um prolongamento do labirinto membranoso, o ducto endolinfático,uma estrutura tubular que dá passagem à endolinfa, o líquido que preenche o labirinto membranoso. Este ducto inicia-se da união de dois pequenos canais, originados do utrículo e do sáculo. A partir dessa origem no vestíbulo, segue no aqueduto vestibular até terminar na abertura externa do ducto endolinfático, na face posterior da pirâmide petrosa (parede anterior do ângulo pontocerebelar), onde alarga-se para formar no interior da dura-máter uma expansão em forma de fundo-de-saco, o saco endolinfático (Fig 5). Sua localização é marcada pelo pregueamento dural jugular (jugular dural fold), rugosidades da dura-máter na face posterior da porção petrosa do osso temporal, logo acima e lateralmente ao forame jugular1,2.


O saco endolinfático origina-se do neuroectoderma. Está contido no interior da dura-máter que cobre a face súpero-posterior (cerebelar) da pirâmide petrosa, entre o seio sigmóide, póstero-inferiormente, o canal semicircular posterior, anteriormente, e o seio petroso superior, superiormente. A porção proximal do saco endolinfático é contígua ao ducto endolinfático e é parcialmente coberta por uma escama óssea, o operculum do saco endolinfático3. Sua porção distal é extra-óssea e localiza-se em uma duplicação da dura-máter, com a extremidade inferior atingindo o seio sigmóide ou mesmo estendendo-se sobre ele4. Admite-se que o saco endolinfático seja responsável pela reabsorção da endolinfa, regulando assim seu volume e pressão5,6. A alteração desta função pode determinar a doença de Ménière7, motivo pelo qual Portmann8 preconizou a incisão do saco endolinfático para controle desta doença.

O primeiro caso de ASE foi relatado por Hassard et al.9 , em 1984. Tratava-se de um tumor extradural descoberto durante procedimento cirúrgico para tratamento de síndrome de Ménière e que foi inicialmente diagnosticado pelo patologista como papiloma do plexo coróide. Heffner10 foi o primeiro a sugerir que este adenocarcinoma de baixo grau origina-se no saco endolinfático. Segundo revisão recente, foram relatados 56 casos de ASE11. Benecke et al. 12 e Roche et al. 11 relataram, respectivamente, 5 e 3 ASE em 2300 e 900 cirurgias para schwannomas vestibulares. Na maioria dos casos relatados, os sintomas iniciais foram diminuição da acuidade auditiva e zumbido.

Em nossa série de 122 schwannomas vestibulares, este é o primeiro caso de ASE encontrado. Os pacientes com doença de von Hippel-Lindau apresentam predisposição para desenvolver ASE, sendo 15% destes tumores relatados em pacientes com aquela doença13. O ASE foi detectado por meio da ressonância magnética em 11% de 121 pacientes com doença de von Hippel-Lindau; por outro lado, este tumor não ocorreu em 253 pacientes sem a referida doença14. Foi demonstrado que o ASE contém uma mutação na região do exon 1 do gene von Hippel-Lindau13.

O ASE pode estender-se lateralmente para o ouvido médio através da mastóide ou medialmente para o ângulo pontocerebelar, após romper a dura-máter; o quadro clínico vai depender desta extensão. A forma otológica, que é a mais frequente, manifesta-se por hipoacusia. Episódios de tinnitus e vertigem são também frequentes. Nos casos de extensão para a fossa posterior (forma neurocirúrgica), o quadro clínico manifesta-se por síndrome do ângulo pontocerebelar. O tratamento cirúrgico é realizado através de abordagem suboccipital lateral retro e/ou translabiríntica10-12 (Fig 6).


O ASE não apresenta características específicas aos exames de imagem. Localiza-se entre o seio sigmóide, o labirinto e o poro acústico interno e destroi a porção petrosa do osso temporal. Na tomografia computadorizada, o tumor geralmente capta contraste, mas pode também apresentar regiões necróticas e císticas não captantes. Na ressonância magnética, as áreas císticas são hiperintensas nas sequências T1 e T211.

Ao exame macroscópico, o ASE apresenta-se como tecido poliposo, friável, muito vascularizado e avermelhado. Microscopicamente, mostra as características de adenocarcinoma papilar-cístico, com arquitetura papilar, com células de forma cuboidal e colunar. Apesar das características benignas (ausência de atividade mitótica e leve polimorfismo celular), este tumor é classificado como adenocarcinoma de baixo grau de malignidade em virtude da evolução clínica.

É possível que casos diagnosticados como papiloma do plexo coróide, adenocarcinoma de glândula serosa e metástase no ângulo pontocerebelar sejam ASE, o que explicaria a raridade deste tumor na literatura neurocirúrgica10. O diagnóstico anatomopatológico diferencial das lesões do ângulo pontocerebelar que apresentam padrão papilar incluem o meningeoma papilar, o ependimoma papilar, o papiloma do plexo coróide, o adenocacimoma papilar metastático e o ASE.

O ASE apresenta comportamento agressivo local, tendo sido relatados casos de metástase. Por tal motivo, recomenda-se a remoção total o mais precocemente possível. Heffner10 relata que em 90% dos casos a cura foi obtida com a remoção cirúrgica total, sem radioterapia. O pequeno número de casos relatados torna difícil a análise da evolução a longo prazo e deixa dúvida quanto à necessidade da radioterapia pós-operatória.

O ASE, embora tenha histogênese única e característica, é descrito sob duas formas clínicas e radiológicas. A extensão para o interior da porção petrosa do osso temporal determina sinais otológicos precoces. Por outro lado, a extensão para o ângulo pontocerebelar associa-se a grande volume tumoral na época do diagnóstico. Manifesta-se por hipoacusia e a remoção cirúrgica completa pode determinar a cura10.

Agradecimento - Agradecemos à Dra. Adriane Casadei Alvarenga Junqueira pelo encaminhamento do paciente.

Serviço de Neurocirurgia Professor Guilherme Cabral, Hospital Madre Teresa, Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte MG, Brasil.

Recebido 2 Janeiro 2002, recebido na forma final 24 Abril 2002. Aceito 8 Maio 2002.

Dr. Roberto Leal Silveira - Rua Otoni, 909 / 408 - 30150-270 Belo Horizonte MG - Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Set 2002
  • Data do Fascículo
    Set 2002

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2002
  • Revisado
    24 Abr 2002
  • Aceito
    08 Maio 2002
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