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Análise de 52 pacientes com traumatismo de crânio atendidos em UTI pediátrica: considerações sobre o uso da monitorização da pressão intracraniana

Analysis of 52 patients with head trauma assisted at pediatric Intensive Care Unit: considerations about intracranial pressure monitoring

Resumos

OBJETIVO:Análise de 52 pacientes pediátricos com trauma de crânio (TCE) assistidos em Unidade de Terapia Intensiva, considerando fatores epidemiológicos do trauma, manifestações clínicas, aspectos tomográficos, variações hemodinâmicas e opções de tratamento da hipertensão intracraniana; avaliar a utilização da monitorização da pressão intracraniana (PIC). MÉTODO:Estudoretrospectivo de 52 pacientes com TCE e 17 destes submetidos a monitorização da PIC. RESULTADO:Houve predominância masculina e a média de idade foi 7,75 anos. Atropelamento foi a principal causa (38,5% dos casos). Encontramos 21,2% dos pacientes com hipotensão arterial. Foram classificados como TCE grave 67,3% dos pacientes. Tivemos graduação tomográfica de Marshall tipo I em 19,2%, II em 65,4%, III em 3,8%, IV em 3,8% e V em 7,7%. Apresentaram crise convulsiva 25%. Foram submetidos a monitorização da PIC 32,7%. A taxa de mortalidade foi 11,5%. O maior valor pressórico ocorreu no segundo dia em 58,8%. CONCLUSÃO: O prognóstico se relacionou com a severidade do trauma, hipotensão arterial, graduação tomográfica de Marshall tipo III e IV e altos valores de PIC. A monitorização da PIC permite facilidades no diagnóstico e tratamento da hipertensão intracraniana.

trauma de crânio; criança; pressão intaracraniana; monitorização


OBJECTIVES: Analysis of 52 pediatric patients with head trauma assisted at Intensive Care Unit; to present considerations about epidemiologic factors of trauma, clinical presentation, tomografic aspects, hemodynamic changes and treatment options of intracranial hypertension; to present considerations about the intracranial pressure (ICP) monitoring. METHOD: Retrospective study involving 52 patients with head trauma and 17 patients submitted to a ICP monitoring. RESULTS: We found a male predominance, mean age 7.75 years-old, main cause was run over (38.5%); 21.2% patients presentd arterial hypotension; 67.3% were considered severe head trauma. According to Marshall tomografic grading we had 19.2% type I, 65.4% type II, 3.8% type III, 3.8% type IV and 7.7% type V. Seizures occurred in 25% children ICP monitoring was made in 32.7% of all patients. Mortality rate was 11.5%. In 58% the maximum ICP level occured at the second day of trauma. CONCLUSION: Prognosis was related to severity of trauma, arterial hypotension, Marshall's tomografic gradind III and IV and ICP high values. The ICP monitoring was considered useful to allow the identification and treatment of intracranial hypertension.

head trauma; children; intracranial pressure monitoring


ANÁLISE DE 52 PACIENTES COM TRAUMATISMO DE CRÂNIO ATENDIDOS EM UTI PEDIÁTRICA

Considerações sobre o uso da monitorização da pressão intracraniana

Marcos V. C. Maldaun1 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Helder J. L. Zambelli2 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Venâncio P. Dantas2 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Renata M. Fabiani3 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. ,

Aline M. Martins3 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Marcelo B. Brandão4 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Carlos E. Lopes5 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia. , Donizete C. Honorato6 1 Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil: Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC); 2 Professor Médico Assistente da DNC; 3 Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP; 4 Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP; 5 Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP; 6 Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia.

RESUMO - OBJETIVO:Análise de 52 pacientes pediátricos com trauma de crânio (TCE) assistidos em Unidade de Terapia Intensiva, considerando fatores epidemiológicos do trauma, manifestações clínicas, aspectos tomográficos, variações hemodinâmicas e opções de tratamento da hipertensão intracraniana; avaliar a utilização da monitorização da pressão intracraniana (PIC). MÉTODO:Estudoretrospectivo de 52 pacientes com TCE e 17 destes submetidos a monitorização da PIC. RESULTADO:Houve predominância masculina e a média de idade foi 7,75 anos. Atropelamento foi a principal causa (38,5% dos casos). Encontramos 21,2% dos pacientes com hipotensão arterial. Foram classificados como TCE grave 67,3% dos pacientes. Tivemos graduação tomográfica de Marshall tipo I em 19,2%, II em 65,4%, III em 3,8%, IV em 3,8% e V em 7,7%. Apresentaram crise convulsiva 25%. Foram submetidos a monitorização da PIC 32,7%. A taxa de mortalidade foi 11,5%. O maior valor pressórico ocorreu no segundo dia em 58,8%. CONCLUSÃO: O prognóstico se relacionou com a severidade do trauma, hipotensão arterial, graduação tomográfica de Marshall tipo III e IV e altos valores de PIC. A monitorização da PIC permite facilidades no diagnóstico e tratamento da hipertensão intracraniana.

PALAVRAS-CHAVE: trauma de crânio, criança, pressão intaracraniana, monitorização.

Analysis of 52 patients with head trauma assisted at pediatric intensive care unit: considerations about intracranial pressure monitoring

ABSTRACT - OBJECTIVES: Analysis of 52 pediatric patients with head trauma assisted at Intensive Care Unit; to present considerations about epidemiologic factors of trauma, clinical presentation, tomografic aspects, hemodynamic changes and treatment options of intracranial hypertension; to present considerations about the intracranial pressure (ICP) monitoring. METHOD: Retrospective study involving 52 patients with head trauma and 17 patients submitted to a ICP monitoring. RESULTS: We found a male predominance, mean age 7.75 years-old, main cause was run over (38.5%); 21.2% patients presentd arterial hypotension; 67.3% were considered severe head trauma. According to Marshall tomografic grading we had 19.2% type I, 65.4% type II, 3.8% type III, 3.8% type IV and 7.7% type V. Seizures occurred in 25% children ICP monitoring was made in 32.7% of all patients. Mortality rate was 11.5%. In 58% the maximum ICP level occured at the second day of trauma. CONCLUSION: Prognosis was related to severity of trauma, arterial hypotension, Marshall's tomografic gradind III and IV and ICP high values. The ICP monitoring was considered useful to allow the identification and treatment of intracranial hypertension.

KEY WORDS: head trauma, children, intracranial pressure monitoring.

Atualmente, o traumatismo é, em geral, a quarta causa de mortalidade, considerando-se todas as idades, e a primeira causa de morte em indivíduos com idade inferior a 40 anos. Além das altas taxas de mortalidade encontradas nos traumatismo crâniano-encefalicos (TCEs), graves, devemos considerar a possibilidade do desenvolvimento de sequelas motoras, psicológicas, comportamentais e cognitivas, com importantes gastos reabilitacionais e maior dificuldade de reintrodução psicossocial e familiar1-3. Nas crianças com TCE grave a hipertensão intracraniana é diagnosticada em até 75% dos casos. O aumento da pressão intracraniana (PIC), resulta em diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e consequente isquemia e morte neuronal4,5. O tratamento de fatores sistêmicos como hipóxia, hipercapnia, hipotensão, coagulopatias e distúrbios hidroeletrolíticos torna-se fundamental na evolução do paciente6-8. Neste contexto, o tratamento precoce e agressivo em unidade de terapia intensiva (UTI) especializada torna-se imperativo, visando minimizar os danos cerebrais e criar condições fisiológicas adequadas nas quais a plasticidade neuronal auxiliará na recuperação funcional.

Em alguns casos, além do inchaço cerebral causado logo após o trauma, secundário a perda do mecanismo vascular de autorregulação, o edema citotóxico e o vasogênico podem também ocorrer. Esta complicação, que geralmente está presente do segundo ao quarto dia após o trauma, pode ocasionar piora clínica do paciente neste período. Assim, torna-se importante o uso da monitorização da PIC visando seu adequado controle9-12.

Analisamos fatores epidemiológicos do trauma, apresentação clínica, considerações hemodinâmicas, aspectos tomográficos, tratamento e evolução de 52 pacientes assistidos na UTI de Pediatra do HC-UNICAMP e analisamos a utilização da monitorização da PIC em 17 destes pacientes.

MÉTODO

Foi realizado estudo retrospectivo de janeiro/1999 a dezembro/2000 de 52 pacientes vítimas de TCE. Para avaliação e classificação dos pacientes foi utilizada a Escala de Coma de Glasgow (ECG) e a escala de Marshall13 que classifica os pacientes de acordo com os achados radiológicos da tomografia computodorizada (TC): I: sem alterações tomográficas; II: alterações tomográficas sem desvio de linha, ou este é menor que 5mm, compressão cisternal, sem lesão focal ou, se presente, menor que 25 ml; III: alterações tomográficas sem desvio de linha média ou se presente menor que 5 mm, com compressão de cisternas da base, sem lesão focal ou se presente menor que 25 ml; IV: alterações tomográficas com ou sem compressão cisternal e desvio de linha média maior que 5 mm, sem lesão focal ou se presente menor que 25 ml; V: lesão focal maior que 25 ml podendo ser dividida em operadas ou não operadas.

Todos os pacientes foram submetidos a tratamento intensivo visando a estabilização de todos parâmetros fisiológicos, principalmente respiratórios e hemodinâmicos. Assim, focalizou-se suporte volêmico e oxigenação adequada, manutenção da normotermia, sedação e analgesia, hiperventilação, uso de diuréticos e barbitúricos, com o objetivo de se manter a pressão de perfusão cerebral maior que 50 mmHg.

Não foi realizada profilaxia de crises convulsivas, apenas os pacientes que tiveram crise durante a internação receberam medicação anticonvulsiva.

Nos casos com monitorização da PIC, o ajuste medicamentoso e terapêutico com diuréticos e sedação foi realizado de acordo com os valores da PIC. A monitorização foi realizada pelo método subaracnóideo segundo metodologia padronizada9,10.

Foi realizada a análise descritiva e analítica utilizando teste do qui-quadrado (c2 ) e teste exato de Fisher conforme o indicado. Foi adotado nível de significância de 5% para todas as análises realizadas.

RESULTADOS

Nesta casuística, 36 crianças pertenciam ao sexo masculino (69,2%) e 16 ao sexo feminino (30,8%). A média de idade foi 7,75 anos, sendo a mínima 3 meses e a máxima 14 anos. Foram transferidos de outros serviços 40 pacientes (76,9%).

Como causas do TCE identificamos 20 atropelamentos (38,5%), 16 acidentes automobilísticos (30,8%), 12 quedas (23,1%), 3 acidentes ciclísticos (5,8%) e 1 acidente de motocicleta (1,9%). O TCE isolado ocorreu em 67,3% dos casos. Apresentaram lesões abdominais associadas 3,8% dos pacientes, em membros 15,4% e no tórax, abdome e membros 13,5%. Em 13,4% dos pacientes o TCE foi diagnosticado como leve, em 19,1% moderado e em 67,5% grave utilizando a ECG. Pupilas isocóricas foram observadas em 90,4% dos casos e anisocóricas em 9,6%. Hipotensão arterial sistêmica foi diagnosticada em 21,2% dos pacientes.

As lesões intracranianas, avaliadas por TC distribuíram-se, segundo a classificação de Marshall13, em: tipo I em 19,2%, tipo II em 65,4%, tipo III em 3,8%, tipo IV em 3,8% e tipo V em 7,7%.

Foram submetidos a neurocirurgia 7 pacientes (13,5%). Destes, 6 para correção de afundamento craniano aberto e 1 para drenagem de hematoma extra-dural. Crises convulsivas ocorreram em 13 pacientes (25%), geralmente nas primeiras horas após o trauma.

A monitorização da PIC foi realizada em 17 pacientes (32,7%), todos com ECG menor ou igual a 8.

Todos os casos monitorizados apresentavam lesões intracranianas tipo II, III ou IV segundo a classificação de Marshall (ou seja, apresentavam algum tipo de alteração tomográfica traumática). A idade dos pacientes monitorizados variou de 4 meses a 13 anos. O tempo máximo de permanência do sistema foi 6 dias. O valor máximo da PIC ocorreu em 29,4% no 1o dia, 58,8% no 2o, 5,9% no 3o e 5,9% no 4o dia.Observamos 1 caso de infecção do sistema com meningite associada tratado com sucesso com antibioticoterapia apropriada.

Dos 52 pacientes, falaceram 5 com TCE grave e 1 com TCE moderado (p=0,002). Dos 6 óbitos, 4 apresentaram hipotensão arterial (p=0,014). Dos pacientes monitorizados tivemos 3 casos de óbito (Fig 1). Todos estes com Marshall III ou IV (p=0,001), ou seja, compressão cisternal ou importante desvio da linha média na TC. Destes 3 casos, 2 apresentavam PIC maior que 46 (p=0,05).


DISCUSSÃO

A lesão encefálica representa cerca de 40% das mortes por traumatismos, sendo a principal causa de óbito em crianças vítimas de trauma. Corresponde também a 60% das internações hospitalares. Lesão traumática cerebral contribui para a ocorrência de crises convulsivas e de epilepsia14. Portanto, prevenção e reabilitação tornam-se fundamentais neste contexto; contudo, as mais importantes mudanças neste quadro relacionam-se com os progressos e o entendimento da fisiopatogenia do TCE, além de abordagem precoce e adequada ao paciente, pois 60% das mortes ocorrem nas primeiras 24h após o trauma1,3,12,15. Dos pacientes avaliados em pronto atendimento, 5% são crianças com TCE grave, com taxa de mortalidade que atinge até 20%.

Aassistência do paciente vítima de TCE grave deve ser realizada desde o atendimento primário, com suporte e transporte adequados até o serviço especializado. O princípio do tratamento baseia-se na manutenção das condições fisiológicas do indivíduo e tratamento da hipertensão intracraniana, e preservando o fluxo sanguíneo cerebral. Há indícios de que a resposta ao trauma, mantido o mecanismo de auto-regulação, é similar entre adultos e crianças16.

A assistência inicial deve ser agressiva, tentando evitar hipóxia e hipotensão. Estes pacientes apresentam-se no limite da complacência cerebral, ou já com lesão cerebral instalada; portanto, é fundamental termos níveis de pressão arterial adequados para a manutenção do fluxo sanguíneo cerebral, pois geralmente há aumento da PIC. Em nossa casuística, a hipotensão foi determinante na evolução dos pacientes.

O aumento do risco de crises convulsivas depois de lesão traumática cerebral varia conforme a severidade da lesão e seu tempo de instalação17. Em nosso estudo, 25% dos pacientes apresentaram crise convulsiva como manifestação clínica decorrente do trauma; a maioria ocorreu nas primeiras horas após o evento traumático e não durante a internação. Na literatura, não há substrato para o uso profilático de anticonvulsivantes, pois o indivíduo pode apresentar crise mesmo na vigência de níveis terapêuticos. Além disso, devemos relevar a baixa aderência ao tratamento crônico, que frequentemente ocorre em nossa população, possibilitando também o desenvolvimento de crises. Alguns autores defendem seu uso tentando evitar os efeitos danosos ao cérebro causados pela crise (aumento das necessidades metabólicas, hipóxia cerebral, excessiva liberação de neurotransmissores e aumento da PIC)18 e também pelo possível efeito neuroprotetor que se obtém com a medicação anticonvulsivante.

Grandes mudanças ocorreram a partir da introdução da complementação diagnóstica com TC. Além de permitir afastar lesões focais eventualmente cirúrgicas como hematomas e contusões, este exame pode evidenciar sinais radiólogicos de hipertensão intracraniana como apagamento de sulcos, desvios de linha média e compressão das cisternas da base. A classificação de Marshall13 permite quantificar estes sinais, além de ser um fator prognóstico do trauma. Pacientes cujos exames são classificados como Marshall III ou IV, considerados de mau prognostico, devem ser submetidos a monitorização para melhor manipulação da PIC.

A monitorização da PIC é um método de controle de fácil instalação, que pode ser realizado à beira do leito e fornecer dados objetivos dos valores da PIC, bem como sua variação temporal. Assim, facilita-se o manuseio destes pacientes e a adequação do tratamento de acordo com os valores da PIC, com controle da sedação, hiperventilação ou realização de outras estratégias9,10,16. Dos 17 casos monitorizados neste estudo, 1 apresentou infecção tratada com boa evolução. Nos casos com PIC maior que 40 mmHg foi identificada alta porcentagem de óbito (2 de 3 pacientes) mas um paciente se beneficiou com o tratamento clínico para hipertensão intracraniana. Outro dado interessante é que, dos casos com ECG menor que 8 e com Marshall III, 3 apresentaram valores normais de PIC, e assim não demonstrando uma associação radiológica e mensurável da PIC. Outro dado importante foi a diversidade do dia do valor máximo da PIC, que variou do 1º ao 4º dia, com predominância no 2º dia. Isto ocorre em virtude das alterações metabólicas secundárias bem como do desenvolvimento do edema cerebral citotóxico e vasogênico. A monitorização contínua permite o diagnóstico desta hipertensão intracraniana não imediata ao trauma, bem como a identificação dos fatores associados que podem estar relacionadas a sua origem, além do tratamento imediato prevenindo novas lesões cerebrais.

Na nossa casuística foram significantes como fatores prognósticos relacionados a evolução para óbito os casos com trauma graves ( ECG menor ou igual a 8 ), PIC maior que 46 mmHg, hipotensão e achados tomográficos graduados como Marshall III ou IV.

CONCLUSÕES

Ressaltamos a importância das ações preventivas em relação ao trauma pediátrico e o aprimoramento no atendimento primário, visando evitar hipóxia e hipotensão que são fatores determinantes evolutivos.

TCs com classificação de Marshall tipo III ou IV são indicadoras de mau prognóstico e indicam a necessidade de uma conduta terapêutica agressiva ao paciente.

A monitorização da PIC é a opção de tratamento mais adequado em casos seletivos. Seu uso deve ser ampliado a todos os serviços de terapia intensiva pediátrica que atendem TCEs.

Recebido 28 Novembro 2001, recebido na forma final 17 Julho 2002. Aceito 20 Julho 2002.

Dr. Marcos V. C. Maldaun - Rua Conselheiro Torres Homens 233 - 01323-001 São Paulo SP - Brasil.

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  • 1
    Estudo realizado pelo Departamento de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas SP, Brasil:
    Médico Residente da Disciplina de Neurocirurgia (DNC);
    2
    Professor Médico Assistente da DNC;
    3
    Graduanda em Medicina FCM - UNICAMP;
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    Médico Assistente da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Pediátrica do Hospital das Clínicas (HC) – UNICAMP;
    5
    Professor Doutor Chefe da UTI Pediátrica do HC – UNICAMP;
    6
    Professor Doutor Chefe da Disciplina de Neurocirurgia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2003
    • Data do Fascículo
      Dez 2002

    Histórico

    • Aceito
      20 Jul 2002
    • Revisado
      17 Jul 2002
    • Recebido
      28 Nov 2001
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