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O uso da estimulação magnética transcraniana de baixa frequência no tratamento da depressão no Hospital Universitário de Brasília: achados preliminares

The use of slow-frequency transcranial magnetic stimulation in the treatment of depression at Brasília University Hospital: preliminary findings

Resumos

O presente estudo relata o uso da estimulação magnética transcraniana de baixa frequência sobre o córtex pré-frontal direito em três pacientes com diagnóstico de episódio depressivo maior, de acordo com o DSM - IV. Houve melhora significativa em dois pacientes, com diminuição de mais de 50% na pontuação da escala de Hamilton - 17 itens. São feitas considerações acerca de possíveis indicações e limitações do seu uso clínico, bem como sugestões ao protocolo de uso desta técnica. Também são discutidos fatores socioeconômicos relacionados a esta terapia.

estimulação magnética transcraniana; baixa frequência; depressão


This paper reports the use of slow frequency transcranial magnetic stimulation of the right pre-frontal cortex in three patients with a diagnosis of major depressive episode according to the DSM-IV classification. There was a significant improvement in two patients, with a decrease of over 50% in the Hamilton Scale scores- 17 items. Possible indications and limitations of this therapeutic tool are discussed, as well as socio-economic aspects of this new treatment.

transcranial magnetic stimulation; slow frequency; depression


O uso da estimulação magnética transcraniana de baixa frequência no tratamento da depressão no Hospital Universitário de Brasília

Achados preliminares

The use of slow-frequency transcranial magnetic stimulation in the treatment of depression at Brasília University Hospital:

Preliminary findings

Joaquim P. Brasil-NetoI; Raphael Boechat-BarrosII; Doralúcia A. da Mota-SilveiraIII

Laboratório de Neurobiologia, Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade de Brasília (UNB), Brasília, DF, Brasil

INeurologista, Doutor em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Coordenador da Disciplina Neurofisiologia Médica da UNB

IIPsiquiatra, mestrando da Faculdade de Ciências da Saúde da UNB

IIIFisioterapeuta, mestranda da Faculdade de Ciências da Saúde da UNB

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Joaquim P. Brasil-Neto Laboratorio de Neurologia, Departamento de Ciências Fisiológicas ICC Sul, Módulo 8, UNP, Asa Norte 70910-900 Brasília DF, Brasil

RESUMO

O presente estudo relata o uso da estimulação magnética transcraniana de baixa frequência sobre o córtex pré-frontal direito em três pacientes com diagnóstico de episódio depressivo maior, de acordo com o DSM - IV. Houve melhora significativa em dois pacientes, com diminuição de mais de 50% na pontuação da escala de Hamilton - 17 itens. São feitas considerações acerca de possíveis indicações e limitações do seu uso clínico, bem como sugestões ao protocolo de uso desta técnica. Também são discutidos fatores socioeconômicos relacionados a esta terapia.

Palavras-chave: estimulação magnética transcraniana, baixa frequência, depressão.

ABSTRACT

This paper reports the use of slow frequency transcranial magnetic stimulation of the right pre-frontal cortex in three patients with a diagnosis of major depressive episode according to the DSM-IV classification. There was a significant improvement in two patients, with a decrease of over 50% in the Hamilton Scale scores- 17 items. Possible indications and limitations of this therapeutic tool are discussed, as well as socio-economic aspects of this new treatment.

Keywords: transcranial magnetic stimulation, slow frequency, depression.

A estimulação magnética transcraniana (EMT) foi introduzida por Barker et al. em 19851, mostrando-se útil para o estudo das vias motoras e o mapeamento topográfico não-invasivo do córtex motor humano2-4. A técnica utiliza um aparelho capaz de produzir um campo eletromagnético, usualmente da ordem de 2 tesla (40 000 vezes o campo magnético da terra e aproximadamente da mesma intensidade do campo magnético estático produzido por um aparelho de ressonância magnética), o qual é conduzido através de uma bobina que entra em contato com o couro cabeludo do indivíduo. Este campo eletromagnético atravessa o crânio estimulando uma área cortical próxima, através da indução de cargas elétricas no parênquima cerebral (indução eletro magnética – lei de Faraday). A princípio trata-se de uma forma de estimulação elétrica sem eletrodos, não havendo necessidade de craniotomia. Utilizando-se bobina em forma de oito obtêm-se resultados que se relacionam bem com aqueles produzidos pela estimulação cortical elétrica direta.

Inicialmente utilizada na propedêutica com intuito de pesquisar alterações das vias motoras, a EMT passou a ser utilizada também como forma terapêutica em patologias como doença de Parkinson5 e epilepsia6 e, há cerca de 6 anos, foram iniciadas pesquisas no tratamento da depressão7, com grande variedade de resultados8.

Em relação ao número de pulsos por unidade de tempo, existem dois tipos de EMT: baixa frequência =1Hz e alta frequência > 1Hz, com efeitos diversos. O uso da estimulação magnética de alta frequência aumenta o fluxo sanguíneo cerebral na área, medido através de PET (positron emissiom tomography), com consequente aumento da atividade cerebral. A estimulação de baixa frequência, por outro lado, diminui a atividade cerebral9. Menkes et al.10 sugeriram que a depressão maior deve ser o resultado de uma diminuição da função do lobo frontal esquerdo em relação ao direito. Baseados nesta hipótese, propuseram o tratamento com a estimulação magnética transcraniana de baixa frequência sobre o córtex frontal direito, com intuito de diminuir a atividade naquela área. Atualmente, o córtex pré-frontal dorsolateral é o principal alvo dos estudos envolvendo a EMT no tratamento da depressão, que estaria ligada à regulação de conexão de regiões cerebrais (incluindo as regiões corticais pré-frontal, parietal, temporal e cíngulo, bem como partes do estriado, tálamo e hipotálamo)8.

O presente estudo descreve os resultados preliminares obtidos durante o projeto de implantação do uso da estimulação magnética transcraniana de baixa frequência como tratamento para depressão no Hospital Universitário de Brasília.

MÉTODO

Neste estudo utilizamos um aparelho Dantec® Maglite, o qual teve o seu uso aprovado pela agência de saúde norte americana FDA (Food and Drug Administration), em 1993, sob o registro – K931923. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa - CEP/FS – da Faculdade de Ciências da Saúde da UNB, seguindo as diretrizes da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde /Ministério da Saúde. Os pacientes, antes de participarem do estudo, assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, em que estava descrito o mecanismo de ação da EMT, bem como os possíveis efeitos colaterais e contra-indicações.

Foram estudados três pacientes com diagnóstico de episódio depressivo maior segundo o DSM – IV (Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Americana de Psiquiatria)11, considerados de difícil tratamento por seus psiquiatras clínicos, seja devido à não resposta ou à intolerância medicamentosa. As Pacientes 1 e 2 apresentavam sintomas psicóticos associados (Tabela 1) mas, por diferentes motivos, não estavam em uso de neurolépticos durante a pesquisa: a primeira, por estar em investigação clínica dos sintomas motores que apresentava, sendo posteriormente diagnosticada discinesia tardia devido ao uso prévio desta medicação: a segunda, por ter diagnóstico muito recente de sintomas psicóticos, não tendo ainda iniciado o uso de medicação específica. Nestas pacientes foi aplicada a escala Hamilton de 17 itens12 em três momentos: T1 - antes da primeira aplicação, T2 - na metade do estudo e T3 - no final do mesmo, com o objetivo de quantificar uma possível melhora.

As medicações foram mantidas nas mesmas dosagens de antes do início do tratamento durante todo o protocolo da pesquisa, com o intuito de evitar viés de melhora ou piora clínica (Tabela 1).

Em cada paciente foram aplicadas 8 sessões de estimulação magnética transcraniana de baixa frequência – 0,5 Hz – sendo 2 por semana, cada uma com 5 séries de 20 estímulos com intervalo de 1 minuto entre cada série, aplicados sobre o córtex pré-frontal dorsolateral direito, 5 cm à frente do ponto ótimo para estimular o primeiro interósseo dorsal13.

Para se calcular a intensidade do estímulo usamos como referência o limiar motor, que é a intensidade mínima de estímulo capaz de produzir movimentos visíveis da musculatura da mão contralateral em pelo menos 3 de 5 pulsos simples aplicados sobre o córtex motor. Este método de quantificação do limiar motor foi escolhido em vez da eletromiografia porque, na maioria dos serviços de psiquiatria, não existe eletroneuromiógrafo e a sua aquisição geraria custo igual ou superior ao do aparelho de EMT, além de aumentar a complexidade do procedimento. Não se pode excluir que exista alguma discrepância quanto ao local exato de estimulação dos nossos pacientes se comparados aos de Pascual-Leone et al.13, em virtude da utilização de critérios diferentes para a determinação do ponto ótimo da estimulação do primeiro interósseo dorsal e consequente limiar motor (critério clínico versus eletromiógráfico). Entretanto, pequenos deslocamentos da bobina não afetam significativamente as características da estimulação magnética dado o caráter pouco focal da mesma, quando comparada à estimulação elétrica14. Como também relatado por Pascual-Leone et al.13, a estimulação na área descrita por sua técnica não estimula apenas a área 46 de Brodmann, mas também a área 9, indicando relativa falta de precisão. Neste estudo foram usados estímulos a 100% do limiar motor.

RESULTADOS

O limiar motor médio das Pacientes 1 e 2 foi 33,12% da potência máxima do aparelho, e da Paciente 3, 40%.

A Paciente 1 apresentava quadro de depressão psicótica grave (38 pontos), não se observando melhora significativa.

A Paciente 2 também apresentava sintomas psicóticos, igualmente classificada como grave (34 pontos). Se, por um lado, esta paciente teve melhora clínica que pode ser considerada significativa (diminuição de mais de 50% na pontuação de HAM-D), por outro lado sua pontuação ao final da pesquisa ainda configurava depressão leve.

A Paciente 3 não apresentava sintomas psicóticos e sua depressão era classificada como moderada (22 pontos). Apresentou grande melhora com o tratamento, terminando com 2 pontos.

DISCUSSÃO

Neste estudo observamos perfis de resposta diferentes ao mesmo tratamento. A paciente que teve a maior melhora foi a que apresentava a menor pontuação na escala e sem sintomas psicóticos. Chamou a atenção o fato de não haver melhora em nenhum dos sintomas psicóticos, inclusive alucinações auditivas, presentes em um dos pacientes, ao contrário do que demonstraram alguns estudos envolvendo pacientes com este sintoma15,16. A diminuição contínua da pontuação de todos os pacientes ao longo do estudo pode sugerir que maior número de sessões, com o prolongamento do tratamento (mais do que quatro semanas) leve a melhora mais significativa do respectivo quadro clínico.

A estimulação magnética transcraniana de baixa frequência apresenta pelo menos duas grandes vantagens em relação à de alta frequência. A primeira é o fato de não haver nenhuma crise convulsiva relatada em decorrência do seu uso. Ao contrário, este tipo de estimulação tem sido estudado como forma de tratamento da epilepsia17. Com a estimulação de alta frequência, por outro lado, sabemos que existe potencial para desencadeamento de crises convulsivas, com alguns relatos publicados18.

A outra vantagem é o custo. A depressão é doença de alta prevalência, atingindo todas as classes sociais. Segundo previsões, é possível que em 2020 seja a segunda doença que mais causará perda de anos de vida produtiva, com incidência apenas menor que as doenças isquêmicas do coração19. Neste contexto, a estimulação magnética transcraniana surge como instrumento neuropsiquiátrico de grande utilidade para este século20.

Sabemos da carência de recursos para os hospitais universitários e públicos no nosso país, com uma grande dificuldade para a aquisição de novos equipamentos. Sob esta ótica, é importante observar que o valor de um aparelho de estimulação magnética transcraniana de baixa frequência é bem menor do que o de alta, pois tal equipamento não necessita de sistema de refrigeração para a bobina.

Há, atualmente, grande variedade de protocolos utilizados nos trabalhos com estimulação magnética para o tratamento da depressão, em relação, principalmente, à frequência, porcentagem do limiar motor utilizado, número de sessões e número de pulsos. Este fato sugere que mais estudos são necessários para se chegar a um consenso quanto à metodologia ideal de aplicação deste tratamento.

O estudo atual sugere que, para o presente protocolo de EMT de baixa frequência, o número de sessões deve ser superior a oito, na maioria dos casos. Também levanta a questão de possível correlação entre depressão com sintomas psicóticos e falta de resposta significativa à EMT, o que deve ser objeto de estudos posteriores.

BIBLIOGRAFIA

Recebido 2 Maio 2002, recebido na forma final 17 Julho 2002.

Aceito 7 Agosto 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Dr. Joaquim P. Brasil-Neto
    Laboratorio de Neurologia, Departamento de Ciências Fisiológicas
    ICC Sul, Módulo 8, UNP, Asa Norte
    70910-900 Brasília DF, Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Recebido
      02 Maio 2002
    • Aceito
      07 Ago 2002
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