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Espasmo hemifacial bilateral: relato de caso

Bilateral hemifacial spasm: case report

Resumos

Espasmo hemifacial bilateral é um distúrbio de movimento raro geralmente associado à compressão vascular dos nervos faciais. Caracteriza-se clinicamente por contrações assimétricas e assíncronas da musculatura facial e por longa latência entre a instalação dos movimentos em cada hemiface. Deve ser diferenciado de outras condições como blefaroespasmo, miocimia facial, tiques faciais, distonia oromandibular e espasmo hemimastigatório. O tratamento sintomático mais eficaz e menos invasivo consiste em aplicações de toxina botulínica mas abordagem cirúrgica de descompressão microvascular é outra alternativa terapêutica. Relatamos o caso de homem de 70 anos com espasmo hemifacial bilateral e fazemos uma breve revisão da literatura.

espasmo hemifacial bilateral; toxina botulínica; descompressão microvascular


Bilateral hemifacial spasm (BHS) is a rare focal movement disorder often associated with vascular compression of both facial nerves. The contractions are usually asymmetric and asynchronous. Typically, one side is affected first and there is a long but variable interval for the symptoms on the other side to occur. BHS must be differentiated from other conditions including blefarospasm, facial myokymia, facial tics, oromandibular dystonia, and hemimasticatory spasm. The most successful and non-invasive symtomatic treatment is botulinum toxin injections but microvascular decompression surgery is another therapeutic option. We report the case of a 70 years old man with bilateral hemifacial spasms and present a brief review of the literature.

bilateral hemifacial spasm; botulinum toxin; microvascular decompression


Espasmo hemifacial bilateral

Relato de caso

Bilateral hemifacial spasm:

Case report

Flavia Costa Nunes MachadoI; Felipe FregniI; Cynthia Resende CamposII; João Carlos Papaterra LimongiIII

Departamento de Neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil (FMUSP)

IResidente de Neurologia

IIPreceptora dos Residentes

IIIDoutor em Neurologia e Professor-colaborador

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Flavia Costa Nunes Machado Avenida Conselheiro Rodrigues Alves 127/24 A 04014-010 São Paulo SP, Brasil E-mail: flavikka@hotmail.com

RESUMO

Espasmo hemifacial bilateral é um distúrbio de movimento raro geralmente associado à compressão vascular dos nervos faciais. Caracteriza-se clinicamente por contrações assimétricas e assíncronas da musculatura facial e por longa latência entre a instalação dos movimentos em cada hemiface. Deve ser diferenciado de outras condições como blefaroespasmo, miocimia facial, tiques faciais, distonia oromandibular e espasmo hemimastigatório. O tratamento sintomático mais eficaz e menos invasivo consiste em aplicações de toxina botulínica mas abordagem cirúrgica de descompressão microvascular é outra alternativa terapêutica. Relatamos o caso de homem de 70 anos com espasmo hemifacial bilateral e fazemos uma breve revisão da literatura.

Palavras-chave: espasmo hemifacial bilateral, toxina botulínica, descompressão microvascular.

ABSTRACT

Bilateral hemifacial spasm (BHS) is a rare focal movement disorder often associated with vascular compression of both facial nerves. The contractions are usually asymmetric and asynchronous. Typically, one side is affected first and there is a long but variable interval for the symptoms on the other side to occur. BHS must be differentiated from other conditions including blefarospasm, facial myokymia, facial tics, oromandibular dystonia, and hemimasticatory spasm. The most successful and non-invasive symtomatic treatment is botulinum toxin injections but microvascular decompression surgery is another therapeutic option. We report the case of a 70 years old man with bilateral hemifacial spasms and present a brief review of the literature.

Keywords: bilateral hemifacial spasm, botulinum toxin, microvascular decompression.

Espasmo hemifacial é um distúrbio do movimento focal caracterizado por contrações involuntárias clônicas ou tônicas, intermitentes, nos músculos inervados pelo nervo facial. Na maioria das vezes, inicia-se gradualmente no músculo orbicular dos olhos, seguindo-se acometimento do andar inferior da face ipsilateralmente. O movimento é agravado por estresse e fadiga e não pode ser suprimido voluntariamente. Na maioria das vezes, inicia-se na vida adulta e, ocasionalmente, existem antecedentes de paralisia de Bell ou de lesão traumática do VII nervo1,2.

Casos de acometimento bilateral são raros. Quando ocorrem, os tempos de instalação em cada lado não são coincidentes e as contrações são independentes2-8. Relatamos um caso de espasmo hemifacial bilateral e fazemos uma breve revisão da literatura.

CASO

Homem de 70 anos, pardo, há 15 anos notou contrações clônicas involuntárias, intermitentes, ao redor do olho e boca do lado direito. Com o decorrer do tempo, essas contrações aumentaram em frequência e intensidade e acometeram a hemiface direita. Há um ano iniciou movimentos de padrão semelhante no olho esquerdo, seguido de envolvimento no andar inferior da hemiface esquerda. Esses movimentos interferiam funcionalmente em atividades como dirigir, ler, falar e assistir televisão, e pioram com agitação e estresse. Nega antecedentes de hipertensão arterial, traumatismo craniano, uso de neurolépticos, dor facial, paralisia do VII nervo ou história familiar de distúrbios do movimento. O exame clínico revelou contrações clônicas e tônicas intermitentes, involuntárias da musculatura da hemiface direita, especialmente nos músculos orbicular dos olhos, zigomático, risório e mento. Tais movimentos também foram evidenciados na hemiface esquerda, porém com menor intensidade no território superior. As contrações bilaterais eram assimétricas, assíncronas e não eram suprimidas voluntariamente. O exame de ressonância magnética de encéfalo foi normal e a angiorressonância mostrou tortuosidade no trajeto das artérias vertebrais e basilar, porém sem contacto aparente com a emergência dos nervos faciais (Figs 1 e 2). O paciente melhorou parcialmente com carbamazepina 600 mg/dia, mas não obteve resposta com clonazepam. A aplicação de toxina botulínica, bilateralmente, resultou em melhora sintomática significativa.



DISCUSSÃO

O espasmo hemifacial bilateral é uma condição rara que pode resultar em comprometimento funcional importante. Poucos casos de espasmo hemifacial bilateral foram descritos com detalhes na literatura. Em revisão de 106 casos de espasmo hemifacial, Ehni e col. encontraram 6 casos de acometimento bilateral (5%)2. Recentemente, Tan e Jankovic relataram frequência de 3% (5 de 158 casos)8. Outros estudos relataram frequência menor: 0,6% (1 de 143 casos)9 e 1,2% (8 de 648)7. Outros 5 casos de espasmo hemifacial bilateral foram relatados isoladamente3-6,10.

Compressão vascular do nervo facial é a etiologia mais provável do espasmo hemifacial4,7,11. Em uma série de 45 pacientes com espasmo hemifacial unilateral submetidos a cirurgia, observou-se que em 100% dos casos existia compressão vascular do nervo facial na zona de emergência da sua raiz11. Da mesma forma, na maioria dos casos descritos de espasmo hemifacial bilateral a etiologia de compressão vascular foi demonstrada através de ressonância magnética ou de abordagem cirúrgica4-9. Outras etiologias para casos de acometimento bilateral, como doença de Paget3 e esclerose múltipla10, também foram descritas. No presente caso, a angioressonância evidenciou tortuosidade no trajeto da artéria basilar, porém sem sinais de compressão da raiz do nervo facial em nenhum dos lados.

Embora o mecanismo fisiopatológico mais provável do espasmo hemifacial esteja relacionado à irritação mecânica do nervo facial e consequente transmissão efática, é possível que a hiperatividade de células do núcleo do nervo facial possa estar envolvida neste mecanismo12,13.

O diagnóstico de espasmo hemifacial bilateral é clínico. A eletroneuromiografia (ENMG) confirma o padrão assimétrico e assíncrono das contrações faciais8,12. Em alguns casos, no início do acometimento bilateral, a ENMG pode detectar contrações bilaterais quando os sintomas ainda são clinicamente evidentes em apenas um dos lados12. No presente caso a ENMG não foi realizada devido à típica manifestação clínica.

As características clínicas relatadas nos casos de espasmo hemifacial bilateral, também presentes no nosso caso, são: contrações clônicas ou tônicas dos músculos da face, de início geralmente no andar superior da face seguido de envolvimento do andar inferior e, após um período de latência iniciam-se contrações na hemiface contralateral, assimétricas e assíncronas. No caso atual, a latência entre o início dos espasmos em cada lado foi de 14 anos. Em outras casuísticas, a latência variou em média de 0,2 a 15 anos2,8. Hipertensão arterial frequentemente precede ou segue-se à instalação do espasmo hemifacial, conforme demonstrado em estudo de caso controle multicêntrico14.

O diagnóstico diferencial de espasmo hemifacial deve incluir condições como: blefaroespasmo, miocimia facial, tiques, distonia oromandibular e espasmo hemimastigatório. O blefaroespasmo consiste em contrações simétricas e síncronas do músculo orbicular dos olhos, frequentemente associado a contrações do músculo frontal e corrugador. No blefaroespasmo, não existe latência entre a instalação das contrações no olho direito e esquerdo, como no espasmo hemifacial. No decorrer da doença, essas contrações tendem a progredir com o componente tônico mais evidente que o clônico15. Na miocimia facial, os movimentos assumem característica mais ondulante e contínua16. Os tiques faciais são caracterizados por movimentos abruptos, quase sempre multifocais e habitualmente estão associados a tiques motores, fônicos, gestuais ou outros sinais e sintomas da síndrome de Tourette. Ao contrário do espasmo hemifacial, a maioria dos pacientes refere sensações premonitórias imediatamente antes do movimento e alívio após a realização deste. No tique, a contração pode ser suprimida voluntariamente17. Na distonia oromandibular, ocorre acometimento de outros músculos que não são inervados pelo nervo facial, como os músculos da mandíbula, língua, boca e faringe15,18. Nos casos de distonia tardia por exposição prolongada a neurolépticos, soma-se a presença de movimentos estereotipados nos membros e acatisia18. No espasmo hemimastigatório, a musculatura envolvida corresponde àquela inervada pelo nervo trigêmeo, resultando em fechamento doloroso da mandíbula e espasmos dos músculos masséter e temporal19.

O tratamento sintomático não invasivo mais eficaz do espasmo hemifacial consiste em injeções de toxina botulínica tipo A em intervalos de três a quatro meses conforme a resposta clínica1,8,20,21. A melhora sintomática dura em média 12 semanas20,21. Efeitos colaterais como ptose, lagoftalmo e inversão do lábio superior são transitórios e estão relacionados com maior difusão da droga para áreas próximas e com a dose utilizada. Pequenos ajustes do local da injeção e da dose da toxina botulínica costumam ser suficientes para evitar tais efeitos em futuras aplicações. Outra alternativa terapêutica é a cirurgia de descompressão microvascular7,9,11,22. Na maioria dos casos, a melhora sintomática ocorre imediatamente após a cirurgia, mas, algumas vezes, esta resposta é gradual. Pode haver recorrência dos espasmos nos primeiros dois anos após a cirurgia mas, passado este período, a chance de recorrência é estimada em 1%22. Para os raros casos de espasmo hemifacial associado à doença de Paget, o tratamento com alendronato pode ser eficaz23. A gabapentina tem sido utilizada para o tratamento do espasmo hemifacial em estudos não controlados com eficácia variável e sem efeitos colaterais relevantes24,25.

Recebido 4 Junho 2002, recebido na forma final 30 Julho 2002.

Aceito 19 Agosto 2002.

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Flavia Costa Nunes Machado
    Avenida Conselheiro Rodrigues Alves 127/24 A
    04014-010 São Paulo SP, Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Abr 2003
    • Data do Fascículo
      Mar 2003

    Histórico

    • Aceito
      19 Ago 2002
    • Recebido
      04 Jun 2002
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