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Meningioma com transformação rabdóide: relato de caso

Meningioma with rhabdoid transformation: case report

Resumos

Meningiomas correspondem a cerca de 20% dos tumores intracranianos, com incidência aproximada em 2,3 por 100000. Considerando-se os achados em autópsia, estes tumores representam 30% dos tumores intracranianos. A maioria destas lesões é benigna, sendo o prognóstico do paciente diretamente relacionado à facilidade de ressecção cirúrgica da lesão. A incidência de meningiomas malignos é baixa, cerca de 0,17 por 100000, representando cerca de 1 a 11% dos meningiomas . Tal variação na incidência entre as séries ocorre devido a diferenças nos critérios de definição de malignidade para estes tumores. Só recentemente têm sido relatados casos de meningiomas com morfologia rabdóide, descritos como tumores de comportamento extremamente agressivo. Relatamos o caso de um meningioma rabdóide, em mulher de 56 anos, tratado cirurgicamente em duas ocasiões num período de 6 meses, com êxito letal devido à recidiva local da lesão, apesar de radioterapia e quimioterapia.

meningioma maligno; meningioma atípico; tumor rabdóide


Meningiomas represent aproximatelly 30% of all intracranial tumors in autopsy studies. With an incidence of 2.3 per 100000, they are considered commom tumors in clinical practice. Twenty percent of the all intracranial tumors diagnosed in vivo are meningiomas. Most of these lesions are benign and the prognosis is intimatelly related to acessibility and ressectability of the lesion. Malignant meningiomas are rare lesions, representing between 1 to 11% of all meningiomas, varying with the definition of pathological criteria for malignancy used, and are categorized in atypical or malignant. Only recently rhabdoid transformation of meningiomas have been reported. We present a case of an extremelly aggressive rhabdoid meningioma in a 56 year-old woman. The tumor was surgically removed twice, with a lethal outcome due to local recurrence, despite maximum radiation and quimiotherapy, six months after the initial presentation.

malignant meningioma; meningioma; rhabdoid tumor


Meningioma com transformação rabdóide

Relato de caso

Meningioma with rhabdoid transformation: case report

Leodante Batista da Costa JrI; Josaphat Vilela de MoraisII; Sérgio LemosIII

Fundação Benjamin Guimarães – Hospital da Baleia , Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HEBH), Belo Horizonte MG, Brasil

INeurocirurgião Assistente, Fundação Benjamin Guimarães e HEBH

Fundação Benjamin Guimarães – Hospital da Baleia , Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HEBH), Belo Horizonte MG, Brasil

IIChefe do Serviço de Neurocirurgia do HEBH

Fundação Benjamin Guimarães – Hospital da Baleia , Hospital Evangélico de Belo Horizonte (HEBH), Belo Horizonte MG, Brasil

IIIChefe do Serviço de Neurocirurgia, Fundação Benjamin Guimarães

RESUMO

Meningiomas correspondem a cerca de 20% dos tumores intracranianos, com incidência aproximada em 2,3 por 100000. Considerando-se os achados em autópsia, estes tumores representam 30% dos tumores intracranianos. A maioria destas lesões é benigna, sendo o prognóstico do paciente diretamente relacionado à facilidade de ressecção cirúrgica da lesão. A incidência de meningiomas malignos é baixa, cerca de 0,17 por 100000, representando cerca de 1 a 11% dos meningiomas . Tal variação na incidência entre as séries ocorre devido a diferenças nos critérios de definição de malignidade para estes tumores. Só recentemente têm sido relatados casos de meningiomas com morfologia rabdóide, descritos como tumores de comportamento extremamente agressivo. Relatamos o caso de um meningioma rabdóide, em mulher de 56 anos, tratado cirurgicamente em duas ocasiões num período de 6 meses, com êxito letal devido à recidiva local da lesão, apesar de radioterapia e quimioterapia.

Palavras-chave: meningioma maligno, meningioma atípico, tumor rabdóide.

ABSTRACT

Meningiomas represent aproximatelly 30% of all intracranial tumors in autopsy studies. With an incidence of 2.3 per 100000, they are considered commom tumors in clinical practice. Twenty percent of the all intracranial tumors diagnosed in vivo are meningiomas. Most of these lesions are benign and the prognosis is intimatelly related to acessibility and ressectability of the lesion. Malignant meningiomas are rare lesions, representing between 1 to 11% of all meningiomas, varying with the definition of pathological criteria for malignancy used, and are categorized in atypical or malignant. Only recently rhabdoid transformation of meningiomas have been reported. We present a case of an extremelly aggressive rhabdoid meningioma in a 56 year-old woman. The tumor was surgically removed twice, with a lethal outcome due to local recurrence, despite maximum radiation and quimiotherapy, six months after the initial presentation.

Key words: malignant meningioma, meningioma. rhabdoid tumor.

Meningiomas intracranianos são tumores relativamente frequentes, correspondendo a cerca de 20% dos tumores intracranianos, sendo o segundo tumor intracraniano primário, após os gliomas. Ocorrem mais comumente em mulheres (2:1), na quarta e quinta décadas de vida, embora a ocorrência em crianças também seja relatada. As lesões se originam de células meningoteliais da aracnóide, e na imensa maioria dos casos, são histologicamente benignas, sendo o prognóstico do paciente diretamente relacionado à acessibilidade e ressecabilidade do tumor1,2. A ocorrência de variantes malignas é incomum, e o relato de tumores com morfologia atípica, definida histopatologicamente como "rabdóide" só foi descrito recentemente, sendo a hipótese mais aceita que tais lesões sejam uma transformação "rabdóide" dos meningiomas3.

Descrevemos o caso de uma paciente de 56 anos, operada por duas vezes num período de seis meses, para ressecção de meningioma rabdóide, de comportamento altamente maligno.

CASO

Mulher de 56 anos, apresentando cefaléia persistente há um mês, foi encaminhada ao serviço após realizar tomografia computadorizada de crânio (TC) que mostrou lesão expansiva localizada na fossa temporal direita, captante, arredondada, com base dural, sugestiva de meningioma (Fig 1). A paciente tinha exame neurológico normal. Foi submetida a ressecção via subtemporal da lesão, com aspecto cirúrgico de menigioma, considerada grau II de Simpson. Evoluiu sem intercorrências no pós-operatório e recebeu alta para controle ambulatorial com seu médico original, com diagnóstico histopatológico de "meningioma rabdóide".


A paciente retornou dois meses após com cefaléia persistente há cerca de 15 dias e discreta hemiparesia esquerda, sendo submetida a nova TC que mostrou volumosa lesão na fossa temporal direita estendendo-se à fossa posterior, com contornos irregulares e edema perilesional importante. Foi submetida a nova craniotomia com ressecção de tumor muito vascularizado, novamente com impressão do cirurgião de ressecção Simpson II (Fig 2). A paciente apresentou discreta piora da hemiparesia no pós-operatório, sendo encaminhada para avaliação oncológica após confirmação histopatológica do diagnóstico de meningioma rabdóide (Fig 4). Após avaliação oncológica, a paciente foi encaminhada para radioterapia que seria seguida de quimioterapia, mas evoluiu com piora progressiva do quadro neurológico, sendo reinternada cerca de 30 dias após a segunda cirurgia, torporosa e hemiplégica à esquerda. Foi submetida a nova TC, que mostrou recidiva da lesão, com maior extensão para fossa posterior (Fig 3). Após discussão com a Oncologia e familiares, a paciente foi considerada fora de possibilidade de tratamento cirúrgico, sendo mantido tratamento suportivo, corticóide e radioterapia, e iniciada a quimioterapia. A paciente evoluiu com piora progressiva do quadro neurológico e faleceu uma semana após a internação.




DISCUSSÃO

Em adultos, cerca de 90% dos meningiomas são supratentoriais, sendo as localizações mais comuns a parassagital, na foice, a convexidade e a asa do esfenóide. Vários fatores estão provavelmente implicados na origem e/ou crescimento destes tumores, entre os quais trauma, irradiação prévia, fatores hormonais. O paciente pode apresentar sinais de hipertensão intracraniana, déficit focal, crise convulsiva ou déficit visual, dependendo da localização da lesão. Do ponto de vista radiológico, meningiomas apresentam características bem definidas, sendo na maioria dos casos lesões arredondadas, bem vascularizadas, captantes, com base dural, podendo apresentar calcificações, erosão óssea ou hiperostose. Alguns tumores são associados a edema perilesional significativo1.

Classicamente, estes tumores são classificados do ponto de vista anatomo-patológico em meningotelial, transicional ou fibroblástico, com variantes psamomatoso, hemangioblástica, papilar, entre outras. A ocorrência de variantes malignas entre os meningiomas é rara, sendo sua incidência de 0,17 por 100.000, representado cerca de 1 a 11% dos meningiomas. A porcentagem varia devido à grande divergência nos critérios utilizados para definir o grau de malignidade da lesão, sendo comum a discordância entre os achados histopatológicos e o comportamento clínico da lesão. Deve-se levar em consideração que lesões com invasão óssea na convexidade podem ser totalmente ressecadas e curadas, enquando que na base do crânio este achado é obviamente um indicativo de irressecabilidade total do tumor, e portanto da possibilidade aumentada de recidiva. Nestes casos, apesar de não haver características histopatológicas de malignidade, estes tumores não são passíveis de cura cirúrgica. Tumores com características histológicas de malignidade, como anaplasia, se acessíveis e completamente ressecados, podem não ter comportamento clínico de lesões malignas. Tais fatores contribuem para a dificuldade de definição de critérios de malignidade destes tumores. Lesões que apresentam características histológicas próximas de anaplasia, como hipercelularidade, necrose focal, taxa núcleo-citoplasma aumentada e nucléolos proeminentes, mas sem invasão do parênquima cerebral adjacente são caracterizadas como atípicas. Meningiomas malignos, por definição, apresentam invasão do parênquima adjacente, além das características inequívocas de anaplasia. Ocorrem mais tardiamente, geralmente na sexta década e, ao contrário das lesões benignas, são mais comuns em homens do que em mulheres. São lesões com base dural ampla, associadas frequentemente a grande edema do parênquima adjacente. Na maioria das vezes, o aspecto radiológico é muito semelhante ao dos meningiomas benignos, porém o edema significativo e a falta de definição clara entre o contorno tumoral e o parênquima cerebral são indicativos de malignidade1,4.

O termo "rabdóide" foi introduzido em 1978 por Beckwith e Palmer3, em referência a um subgrupo de tumores renais pediátricos, da classe dos tumores de Wilms; o nome é devido ao fato de que as células de alguns destes tumores apresentavam semelhanças, à microscopia óptica, com rabdomioblastos. A ocorrência de tumores rabdóides extrarrenais no sistema nervoso central (SNC) não é incomum, e muitos destes tumores têm aspecto parecido com os que ocorrem no rim. Embora a ocorrência destes tumores rabdóides "puros" não seja rara no SNC, a ocorrência de características morfológicas semelhantes em tumores primários "convencionais"do SNC é infrequente. Kepes & Moral3 mencionaram pela primeira vez, na forma de poster, gliomas e meningiomas cujas células originais aparentemente estavam sendo substituídas por células com características de células rabdóides e, num artigo mais recente, Kepes et al.3 descrevem quatro casos semelhantes3,5-7.

Tumores com morfologia rabdóide apresentam, à microscopia, camadas de células com núcleos excêntricos, citoplasma eosinofílico, de abundância variável e inclusões paranucleares hialinas. Há elevado índice mitótico na maioria dos casos; no entanto, as lesões apresentam áreas com diferenciação meningotelial do ponto de vista microscópico, ultraestrutural e imuno-histoquímico. Apesar de existirem critérios diagnósticos para os tumores rabdóides renais, não há ainda definição dos critérios para estes tumores nos sítios extrarrenais, possivelmente em decorrência da raridade destas lesões. A literatura sugere que a presença desta morfologia rabdóide é indicativa de comportamento extremamente agressivo destas lesões, o que está de acordo com nosso relato2,8,9.

Diante de lesões tão infrequentes, não existem na literatura protocolos estabelecidos para tratamento neurocirúrgico, oncológico ou radioterápico para tais tumores. Nossa impressão é que tais tumores devem ser tratados de maneira agressiva e precoce, com ressecção cirúrgica a mais completa possível e radioterapia. Avaliação oncológica deve ser considerada para indicação de quimioterapia. Tal agressividade no tratamento inicial justifica-se diante do comportamento extremamente maligno destas lesões nos relatos disponíveis.

Em conclusão, menigiomas intracranianos são tumores relativamente comuns na prática neurocirúrgica, e são, na sua maioria, tumores benignos, passíveis de cura na dependência de sua localização e relação com as estruturas vitais do sistema SNC. O comportamento maligno destes tumores é exceção, com implicações importantes no tratamento e prognóstico destas lesões. A descrição de tumores de origem meningotelial com transformação rabdóide é recente e o número de casos ainda é pequeno, mas é de grande importância o reconhecimento deste "fenótipo". Tais tumores têm geralmente comportamento muito agressivo, merecendo, a nosso ver, tratamento precoce e radical, na tentativa de melhorar o prognóstico dos pacientes portadores destas raras lesões.

Recebido 24 Abril 2002, recebido na forma final 17 Setembro 2002

Aceito 22 Outubro 2002

Dr. Leodante Batista da Costa Jr. - Rua Três Corações 13/302 - 30480-110 Belo Horizonte MG - Brasil. E-mail: leodante@terra.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Set 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2003

Histórico

  • Revisado
    17 Set 2002
  • Recebido
    24 Abr 2002
  • Aceito
    22 Out 2002
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