Acessibilidade / Reportar erro

Deficiência de hormônio do crescimento após radioterapia por meduloblastoma na infância: relato de caso

Growth hormone deficiency after treatment of medulloblastoma with radiotherapy in childhood: case report

Resumos

A radiação do crânio para tratamento das neoplasias do sistema nervoso central na infância pode evoluir com sequelas neuroendócrinas, sendo a deficiência de hormônio do crescimento (GH) com retardo do crescimento linear, uma das mais frequentes. Relatamos o caso de menino de 10 anos com cefaléia occipital associada a vertigem, náuseas e vômitos. A tomografia do crânio demonstrou processo expansivo no hemisfério cerebelar esquerdo, que foi retirado cirurgicamente. O exame histopatológico revelou meduloblastoma e o paciente foi submetido a radioterapia crânio-espinhal. Evoluiu sem recidiva da neoplasia e sem déficits neurológicos durante 4 anos. Apresentou retardo do crescimento estatural, sendo confirmada a hipótese de deficiência de GH. Atualmente, encontra-se em uso de GH 0,1 U/kg/dia, tendo apresentado incremento de 4cm na estatura em 6 meses. O presente caso destaca a importância do acompanhamento criterioso de pacientes submetidos à radiação do crânio para tratamento oncológico na infância, visto que podem evoluir com deficiências neuroendócrinas e serem beneficiados com reposição hormonal.

deficiência de hormônio do crescimento; meduloblastoma; radioterapia


Craniospinal radiation therapy for treatment of brain tumors may result in growth hormone (GH) insufficiency with resultant linear growth retardation, one of the most common complications. We report the case of a 10-year-old boy presenting headache associated to vertigo, nausea and vomiting. A CT scan showed an homogeneous mass in the left cerebelar hemisphere, that was surgically removed. The histopathological examination revealed medulloblastoma and the patient was submitted to craniospinal radiation. He did not present tumor recurrence nor neurological or cognitive deficits during 4 years, but evolved to short stature due to GH deficiency. Nowadays, he is being receiving GH 0,1 U/kg/day and has presented 4cm stature increment after 6 months. The present case highlights the importance in carefully monitoring of children after cranial radiation for oncologic treatment, because they may develop hormonal deficiencies, that can be successfully replaced.

growth hormone deficiency; medulloblastoma; radiotherapy


Deficiência de hormônio do crescimento após radioterapia por meduloblastoma na infância: relato de caso

Growth hormone deficiency after treatment of medulloblastoma with radiotherapy in childhood: case report

Tamara B.L. GoldbergI; Maria A.M. RodriguesII; Raquel T. TakataIII; Célia R. NogueiraIV; Antonio T.S. FaleirosV

Faculdade de Medicina Botucatu Universidade Estadual de São Paulo, Botucatu, SP, Brasil (UNESP)

IProfessora Doutora em Pediatria

IIProfessora Livre Docente em Patologia

IIIResidente em Pediatria

IVProfessora Doutora em Endocrinologia

VProfessor Assistente em Neurocirurgia

RESUMO

A radiação do crânio para tratamento das neoplasias do sistema nervoso central na infância pode evoluir com sequelas neuroendócrinas, sendo a deficiência de hormônio do crescimento (GH) com retardo do crescimento linear, uma das mais frequentes. Relatamos o caso de menino de 10 anos com cefaléia occipital associada a vertigem, náuseas e vômitos. A tomografia do crânio demonstrou processo expansivo no hemisfério cerebelar esquerdo, que foi retirado cirurgicamente. O exame histopatológico revelou meduloblastoma e o paciente foi submetido a radioterapia crânio-espinhal. Evoluiu sem recidiva da neoplasia e sem déficits neurológicos durante 4 anos. Apresentou retardo do crescimento estatural, sendo confirmada a hipótese de deficiência de GH. Atualmente, encontra-se em uso de GH 0,1 U/kg/dia, tendo apresentado incremento de 4cm na estatura em 6 meses. O presente caso destaca a importância do acompanhamento criterioso de pacientes submetidos à radiação do crânio para tratamento oncológico na infância, visto que podem evoluir com deficiências neuroendócrinas e serem beneficiados com reposição hormonal.

Palavras-chave: deficiência de hormônio do crescimento, meduloblastoma, radioterapia.

ABSTRACT

Craniospinal radiation therapy for treatment of brain tumors may result in growth hormone (GH) insufficiency with resultant linear growth retardation, one of the most common complications. We report the case of a 10-year-old boy presenting headache associated to vertigo, nausea and vomiting. A CT scan showed an homogeneous mass in the left cerebelar hemisphere, that was surgically removed. The histopathological examination revealed medulloblastoma and the patient was submitted to craniospinal radiation. He did not present tumor recurrence nor neurological or cognitive deficits during 4 years, but evolved to short stature due to GH deficiency. Nowadays, he is being receiving GH 0,1 U/kg/day and has presented 4cm stature increment after 6 months. The present case highlights the importance in carefully monitoring of children after cranial radiation for oncologic treatment, because they may develop hormonal deficiencies, that can be successfully replaced.

Keywords: growth hormone deficiency, medulloblastoma, radiotherapy.

O meduloblastoma é a neoplasia maligna primária do sistema nervoso central mais comum da infâncial. Acomete predominantemente o gênero masculino na proporção de (2:1). Cerca de 70% dos casos são diagnosticados antes dos 20 anos, com pico de incidência entre 5 e 9 anosl . O vérmix cerebelar é acometido em 75% dos casos, podendo invadir o quarto ventrículo, os hemisférios cerebelares e emitir metástases para medula óssea, linfonodos, figado e pulmões2,3. Morfologicamente, expressa-se como neoplasia neuroepitelial embrionária, extremamente celular, constituída por células anaplásicas, sendo também designado tumor neuroectodérmico primitivo (PNET) da fossa posterior1,3. Os sinais e sintomas são relacionados ao aumento da pressão intracraniana, mas dependem da faixa etária3. O prognóstico depende da idade da criança, do tamanho do tumor e de sua disseminação no momento do diagnóstico4. Apesar de sua agressividade biológica, obtém-se sucesso em 60 a 80% dos casos tratados com ressecção cirúrgica completa1. Entretanto, os pacientes que sobrevivem podem desenvolver sequelas neuroendócrinas significativas, sendo uma das mais frequentes4,6 a deficiência de hormônio do crescimento (GH), com retardo do crescimento linear.

O presente estudo tem como objetivo relatar o caso de um adolescente que apresentou baixa estatura consequente a deficiência de GH após radioterapia por meduloblastoma e destacar que pacientes submetidos à radiação do crânio para tratamento oncológico na infância podem evoluir com deficiências neuroendócrinas múltiplas e serem beneficiados com reposição hormonal.

CASO

Menino, branco de 10 anos, natural e procedente de Botucatu, Estado de São Paulo, foi admitido no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu, Setor de Pediatria, por apresentar cefaléia occipital de forte intensidade, em peso, há 17 dias, sem melhora com analgésicos e com melhora parcial em repouso. Associadamente, apresentava vertigem, náuseas e vômitos, principalmente, no período matinal, que foram se intensificando. Negava febre. Na admissão, apresentava- se em regular estado geral, acianótico, anictérico, afebril, hipoativo. Ao exame neurológico, verificou-se disbasia, desvio da marcha para a direita e déficit da força em demídio direito. A tomografia computadorizada do crânio demonstrou processo expansivo no hemisfério cerebelar esquerdo, de contornos regulares, homogêneo, com edema peri-ependimário e discreta dilatação ventricular.

O paciente foi submetido à ressecção cirúrgica total da neoplasia, sendo o material enviado para exame anátomopatológico. A peça cirúrgica consistiu de tecido tumoral brancacento, friável medindo 4,0 x 2,5 x 1,5 cm. O exame histológico revelou meduloblastoma, caracterizado por neoplasia de pequenas células, com núcleos hipercromáticos e citoplasma escasso dispostas em arranjos lobulares (Fig 1). A arquitetura nodular e a ausência de necrose são atributos morfológicos preditivos de comportamento biológico menos agressivo. Após a cirurgia, o paciente foi submetido a sessões de radioterapia com 40 Gy no sistema nervoso central, 30 Gy em todo neuroeixo e aplicações de 55 Gy na fossa posterior. Permaneceu em acompanhamento clínico ambulatorial semestral pela neurocirurgia, realizando periodicamente exames tomográficos de crânio e ressonância nuclear magnética. Evoluiu sem recidiva da neoplasia, durante 4 anos, sem déficits neurológicos e sem comprometimento da função intelectual, frequentando a 1a série do curso médio com excelente aproveitamento, com desenvolvimento da autonomia própria à faixa etária e inserido no grupo de amigos. Foi encaminhado ao ambulatório de adolescentes, com 14 anos e 10 meses, por apresentar baixa estatura, sendo consatado que estava no estadio G4P4 de caracteres sexuais secundários proposto por Marshall & Tanner(1970), com 57,6kg e altura de 1,49 cm.


A curva de crescimento demonstrou inflexão dos valores, estando abaixo do percentil 2,5 para uma altura alvo calculada de 1,67 cm ± 5. Após a cirurgia, os valores referentes à sua altura localizavam-se no percentil 10, tendo se afastado deste canal de crescimento gradativamente, colocando-se abaixo do percentil 2,5 por volta de 18 meses após o tratamento cirúrgico. O exame de idade óssea foi compatível com a idade cronológica de 15 anos e as dosagens hormonais revelaram valores normais: T4 livre (0,928 ng/dl), TSH (4 mlU/l), FSH (4,32 mUI/ml), LH (3,09 mUI/rnl), testosterona livre (11,91 pgiml) e cortisol basal (9,6 µg/dl). O lipidograma demonstrou colesterol total (147 mg%), triglicerídeos (120 mg%), colesterol HDL (45 mg/dl) e colesterol LDL (78 mg%). O teste de clonidina demonstrou deficiência de hormônio de crescimento (GH). O teste de hipoglicemia com insulina confirmou a deficiência de GH e revelou resposta normal de cortisol, o que mostra que o eixo hipófise-adrenal está preservado. O teste de estímulo da secreção de GH induzido pela clonidina revelou os seguintes valores: (0'= 0,69 ng/ml, 30'= 0,55 ng/ml, 60'= 2,40 ng/ml, 90'= 2,40 ng/ml e 120'= 1,70 ng/ml). O teste de tolerância à insulina para avaliar a secreção de GH demonstrou os seguintes valores: (0'= 1 ng/ml, 30'= 0,3 ng/ml, 60'= 2,10 ng/ml, 90'= 3,10 ng/ml e 120'= 2,70 ng/ml). Frente a estes resultados, optou-se pela prescrição de GH 0,1U/kg em doses diárias, por via subcutânea. O paciente apresentou incremento de 4cm na estatura em 6 meses. Encontra-se em excelente estado geral, sem sinais de recidiva da neoplasia, desempenhando atividades próprias de sua faixa etária.

DISCUSSÃO

A radiação do crânio para tratamento oncológico na infância pode comprometer a área hipotálamo-hipofisária levando ao hipopituitarismo, geralmente 6 a 18 meses após o inicio do tratamento7. O espectro das alterações endócrinas inclui hipotireoidismo, hiperprolactinemia, déficit de GH e de gonadotrofinas4,6. Das sequelas neuroendócrinas, o déficit de GH é o mais frequente, ocorrendo em 45% dos pacientes sem outras deficiências hormonais hipofisárias e em 100% dos que evoluem com deficiências múltiplas6. Pode ocorrer com doses de radiação de apenas 18Gy, sendo seu aparecimento dependente da dose7 . Altas doses de radiação na medula espinhal cervical podem ocasionar custo adicional aos órgãos adjacentes ocasionando hipotireiodismo, hipoplasia da mandíbula e o desenvolvimento de neoplasias malignas secundárias8. Desta forma, os pacientes submetidos a radiação do crânio devem ser monitorizados com dosagens hormonais de FSH, LH, estradiol, testosterona, TSH, T4 livre, cortisol plasmático, prolactina e quando necessário submetidos a testes para comprovar déficit de GH, como ocorreu no presente caso. Martinelli et al.9 propuseram que dois testes provocativos de GH com respostas subnormais são suficientes para definir o diagnóstico de deficiência de GH e que a dosagem de IGF 1 pode ser considerada como um exame laboratorial inicial, a ser solicitado frente à suspeita clínica de deficiência de IGF 1 por alteração do eixo GH-IGF. Darendeliler et al.10, em estudo de pacientes submetidos a radioterapia crânio-espinhal para tratamento de tumores do sistema nervoso central, verificaram que 96,7% dos pacientes evoluíram com deficiência de GH e nos submetidos somente a radiação do crânio 67,9% apresentaram déficit de GH10. O comprometimento estatural foi maior nos pacientes que receberam radiação crânio-espinhal, visto que também apresentaram decréscimo do crescimento do tronco, cujo efeito dependeu da idade no momento da radioterapia10.

Há controvérsias na literatura quanto à indicação da reposição de GH em pacientes que desenvolveram déficit deste hormônio após radiação do crânio para tratamento oncológico na infâncial11,12. O GH possui ação mitogênica, podendo estimular células neoplásicas residuais e promover a recorrência do tumor11.

Recomendações preliminares propuseram que o tratamento com GH somente deveria ser iniciado quando houvesse menor possibilidade de recorrência do tumor e na vigência de comprometimento apreciável da estatura do paciente11. Foram estas as diretrizes que nos orientaram na indicação da terapia de reposição do GH no presente caso, visto que não encontramos informações referentes a casos similares em nosso meio.

Os questionamentos quanto aos efeitos do tratamento com GH no controle do tumor a longo prazo foram contestados recentemente por Packer et al.12 em análise retrospectiva de 545 crianças tratadas com GH após radioterapia por meduloblastoma. Estes autores verificaram que o tratamento com GH não teve efeito sobre a evolução do tumor e ponderaram que a reposição do GH tem sido pouco utilizada e indicada relativamente tarde na evolução do déficit deste hormônio12. No presente caso, apesar da indicação do tratamento com GH ter sido relativamente tardia, o paciente vem apresentando incremento na estatura. Encontra-se em excelente estado geral, sem sinais de recidiva da neoplasia. Desempenha atividades próprias de sua faixa etária, apresentando possibilidade de realizar sua trajetória da adolescência para uma vida adulta com qualidade.

7. Greempan FS, Strewler GJ. Endocrinologia básica e clínica. 5.Ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997;131.

8. Narayana A, Jeswani S, Paulino AC. The cranial-spinal junction in medulloblastoma: does it matter? Int J Radiation Oncol Biol Phys 1999;44:81-84.

9. Martinelli CE Jr, Oliveira CRP, Brito AVO, et al. Diagnóstico da deficiência de hormônio de crescimento a rigor de IGF-1. Arq Bras Endocrinol Metab 2002;46:27-33.

10. Darendeliler F, Livesey EA, Hindmarsh PC, Brook CGD. Growth and growth hormone secretion in children following treatment of brain tumours with radiotherapy. Acta Paediat Scand 1990;79:950-956.

11. Stuart ALO, Shalet SM. Growth Hormone and tumour recurrence. Br Med J 1992; 304:1601-1605.

12. Packer RJ, Boyelt JM, Janss AJ, et al. Growth hormone replacement therapy in children with Medulloblastoma: use and effect on tumor control. J Clin Oncol 2001;19:480-487.

Recebido 8 Agosto 2002, recebido na forma final 18 Dezembro 2002

Aceito 10 Janeiro 2003

Dra. Tamara B.L. Goldberg - Departamento de Pediatria - Faculdade de Medicina Botucatu-UNESP - 18618-970 Botucatu SP - Brasil. E-mail: tamara@fmb.unesp.br

  • 1. Packer RJ, Cogen P, Vezina G, Rorke LB. Medulloblastoma: clinical and biologic aspects. Neuro-oncology 1999;1:232-250.
  • 2. Reis Filho JS, Gasparetto EL, Faoro LN, Araújo JC, Torres LF. Medulloblastomas: clinical, epidemiological and pathological findings in 28 cases. Arq Neuropsiquiatr 2000;58:76-80.
  • 3. Silva NS. Tumors of the central nervous system. Pediatria Moderna 1999;35:635-639.
  • 4. Broadbent VA, Barnes ND, Wheeler TK. Medulloblastoma in childhood: long - term results of treatment. Cancer 1981;48:26-30
  • 5. Heikens J, Michiel EM, Behrendt, et al. Long-term neuro-endocrine sequelae after treatment for childhood medulloblastoma. Eur J Cancer 1998;34:1592.
  • 6. Consensus guidelines for the diagnosis and treatment of adults with growth hormone deficiency: summary statement ofthe Growth Hormone Research Society Workshop on Adult Growth Hormone Deficiency. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:379.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org