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Tumor epidermóide intramedular: relato de caso

Intramedullary epidermoid tumor: case report

Resumos

É relatado um caso raro de tumor epidermóide intramedular, estendendo-se entre os níveis da segunda e quarta vértebras torácicas, em uma paciente de 15 anos do sexo feminino, tratado cirurgicamente com sucesso. São discutidos o quadro clínico e a etiopatogenia e é feita breve revisão da literatura.

tumor intramedular; tumor epidermóide; tumor dermóide


A rare case of an epidermoid intramedullary spinal cord tumor, extending from the second to the fourth thoracic vertebra is reported, in a 15 years old girl, surgically treated successfully. The clinical feature, the ethiopatogeny and a literature review will be discussed.

intramedullary tumor spinal cord; epidermoid tumor; dermoid tumor


Tumor epidermóide intramedular: relato de caso

Intramedullary epidermoid tumor: case report

Marco Antônio Rocha JúniorI; Gervásio Teles C. de CarvalhoII; Marcelo Penholate FariaIII; Wilson Faglioni Jr.III; Atos Alves de SouzaII

Departamento de Neurocirurgia e Neurologia do Hospital da Santa Casa de Belo Horizonte (SCBH), Belo Horizonte MG, Brasil

IResidente de Neurocirurgia da SCBH, Professor da Disciplina de Neuroanatomia da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais (FCMMG)

IINeurocirurgião da SCBH, Professor da Disciplina de Neurocirurgia da FCMMG

IIIResidente de Neurocirurgia da SCBH

RESUMO

É relatado um caso raro de tumor epidermóide intramedular, estendendo-se entre os níveis da segunda e quarta vértebras torácicas, em uma paciente de 15 anos do sexo feminino, tratado cirurgicamente com sucesso. São discutidos o quadro clínico e a etiopatogenia e é feita breve revisão da literatura.

Palavras-chave: tumor intramedular, tumor epidermóide, tumor dermóide.

ABSTRACT

A rare case of an epidermoid intramedullary spinal cord tumor, extending from the second to the fourth thoracic vertebra is reported, in a 15 years old girl, surgically treated successfully. The clinical feature, the ethiopatogeny and a literature review will be discussed.

Key words: intramedullary tumor spinal cord, epidermoid tumor, dermoid tumor.

Os cistos epidermóides são a mais frequente das malformações1. No entanto, raramente ocorrem no sistema nervoso central. Sua incidência entre as maiores séries de tumores intracranianos primários é estimada entre 0,2 e 1,0 % 1,2. Muitos desses tumores têm sido encontrados na cavidade craniana, diversos têm sido descritos comprimindo a medula ou a cauda eqüina, e poucos verdadeiramente dentro da substância da medula espinhal. Raros casos são descritos na literatura.

Relatamos um caso de tumor epidermóide intramedular.

CASO

Uma adolescente de 15 anos foi admitida na Santa Casa de Belo Horizonte em junho de 2002 desde há oito meses foi notada pelos familiares hipotrofia no membro inferior esquerdo, Passou por avaliações médicas que foram inconclusivas. O quadro evoluiu de forma lenta e progressiva, chegando à hipotrofia dos membros inferiores e paraparesia predominantemente à esquerda, limitando a deambulação. No exame neurológico identificaram-se paraparesia espástica grau III (mais acentuada à esquerda), hiper-reflexia patelar com clônus inesgotável à esquerda, Babinski bilateral e hipotrofia de membros inferiores. Não havia distúrbios sensitivos ou esfincterianos.

A ressonância magnética da coluna torácica revelou lesão expansiva intramedular, estendendo-se da segunda à quarta vértebra torácica, ovalar, bem delimitada, com sinal hipointenso em T1 e predominantemente hiperintenso em T2, com características de sinal semelhante às do líquor ( Fig.1). A paciente foi submetida a laminotomia da primeira à quinta vértebra torácica, com abertura longitudinal da dura-máter, que permitiu visualizar a lesão intraparenquimatosa perolada, após abertura do sulco mediano posterior. Foi realizada ressecção do tumor de aspecto céreo, amarelo esbranquiçado, bem diferenciado (Fig.2).



O exame anatomopatológico mostrou tratar-se de cisto composto de epitélio escamoso, cubóide, estratificado simples, cujo centro continha restos de queratina e colesterol cristalino sólido, confirmando o diagnóstico de tumor epidermóide (Fig 3).


No pós-operatório, a paciente evoluiu com sinais precoces de melhora do déficit motor, retornando à deambulação sem apoio, já nos primeiros dias. Apresentou, entretanto, drenagem liquórica pela ferida cirúrgica associada a processo infeccioso da mesma. Foi submetida a reexploração, com retirada da placa óssea da laminotomia e revisão da sutura da dura- máter. Recebeu tratamento com Ciprofloxacin, seguido por Vancomicina. A fístula liquórica resolveu nos seis primeiros dias, em uso de drenagem lombar contínua.

DISCUSSÃO

As primeiras descrições de tumores epidermóides intramedulares foram feitas a partir de 1932 por Bouchot3, tendo sido encontrado um paciente de 71 anos de idade, com tumor epidermóide do cone medular. Bradford3, em l938, descreveu um paciente de três anos com um cisto no cone medular, que representava um tumor dermóide. Em l939, Verbiert3 reportou caso de uma paciente de 65 anos, com história de doença medular desde os 12 anos de idade, que correspondia a um tumor epidermóide intramedular na décima segunda vértebra torácica. Em 1940, Falconer4 encontrou apenas nove casos dessas lesões, sendo seis tumores epidermóides e os demais dermóides. Manno5, em 1962, numa revisão da literatura, encontrou 90 casos de tumores epidermóides intra-raquianos, sendo apenas 16 deles realmente intramedulares6.

A terminologia que vem sendo utilizada para esse grupo de lesões é confusa4. Vêm sendo descritas como "tumores perolados"6, devido à sua aparência externa (Fig 2), ou como colesteatomas, devido ao seu conteúdo de colesterol4,5. A maioria dos patologistas, entretanto, prefere a terminologia de Bostroem4 (1897) que os divide em cistos epidermóides, compostos exclusivamente por células epidérmicas e cistos dermóides, contendo, em adição, estruturas dermóides e seus derivados como cabelo, folículos pilosos e glândulas sebáceas3,4,5,6.

É citado ainda um terceiro tipo de cisto de inclusão, o teratoma, representado por elementos heterotópicos das três camadas germinativas, podendo ser distinguido dos dermóides pela presença de cartilagem, músculos e tecidos mesodérmicos3,5.

Os cistos ou tumores epidermóides intrarraquianos ocorrem na região média da coluna torácica ou lombar, tendo como sua origem a migração anormal de células epiteliais durante a embriogênese5,7. Bostroem4 acreditava que, durante a formação do tubo neural, inclusões de células epidérmicas pudessem surgir na divisão do neuroectoderma do ectoderma, que forma a pele; essas inclusões posteriormente se desenvolveriam formando tumores dermóides e epidermóides4.

Existem ainda evidências de que traumatismos e até mesmo a introdução de células da pele no espaço subaracnóideo através de punções lombares possam induzir à formação desses tipos de lesões5,7,8. Manno5, numa revisão de literatura em 90 casos de tumores epidermóides intrar-raquianos, encontrou 37 casos (41%) de tumores relacionados com mecanismo de implante5. (Punções lombares para retirada de líqüor ou punções para injeção de antibiótico intratecal para tratamento de meningite tuberculosa).

A média de idade encontrada nos pacientes com tumor epidermóide varia conforme a etiologia5. Manno5 encontrou, nos casos congênitos, média de 23,5 anos; essas lesões têm crescimento lento e tornam-se clinicamente reconhecíveis somente durante a segunda década de vida. Já os tumores decorrentes de punções lombares manifestaram-se mais precocemente, entre 5,1 e 6,9 anos, em média, após a realização desses procedimentos.

São descritas malformações associadas com tumores epidermóides. Manno5,em sua série, encontrou 11 casos com espina bífida, espondilolistese, diastematomielia, entre outras.

Em conclusão, os tumores epidermóides intramedulares são lesões raras que levam a comprometimento medular grave e que geralmente respondem satisfatoriamente ao tratamento cirúrgico4. Relatamos mais um caso raro dessa patologia no parênquima medular em nível torácico, numa paciente na 2ª década de vida, sem histórias de punções lombares prévias e sem malformações associadas, como ocorre na maior parte dos casos relatados na literatura. O tratamento cirúrgico se mostrou útil não só na interrupção da progressão da doença, mas mesmo na recuperação de déficits motores já instalados.

Recebido 11 Novembro 2002

Recebido na forma final 7 Maio 2003

Aceito 23 Maio 2003

Dr. Marco Antonio Rocha Jr. - Rua Eugenio Senna Freire 230 - 30350-400 - Belo Horizonte MG - Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2003
  • Data do Fascículo
    Set 2003

Histórico

  • Recebido
    11 Nov 2002
  • Aceito
    23 Maio 2003
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