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Transtornos cognitivos e demências na clínica privada do especialista: estudo piloto de um inquérito de auto-avaliação

Cognitive disorders and dementias in the private practice of specialists: pilot study of a self-assessment survey

Resumos

OBJETIVO: Conhecer sobre as características de transtornos cognitivos e demências na clínica privada de especialistas e o preparo desses médicos nessa área. MÉTODO: Nesse estudo piloto, foram entregues questionários de auto-avaliação aos neurologistas do Estado de São Paulo, obtendo-se 196 (22,8%) respondentes. RESULTADOS: Muitos neurologistas estão envolvidos, concomitantemente com a clínica privada, com atividade de ensino (61,5%) e/ou pesquisa (59,5%). A maioria não teve boa formação em transtornos cognitivos e demências durante graduação (77,3%) ou residência/especialização (63,1%), entretanto 60,8% consideram satisfatório seu conhecimento na área e 83,0% declaram seu interesse igual ou maior que por outras. As queixas cognitivas mais freqüentes como razão primária da consulta são perda de memória (73,0%) e dificuldade de atenção/concentração (48,0%). As demências mais freqüentes no consultório neurológico são do tipo Alzheimer (54,9%) e vascular (23,0%). CONCLUSÃO: Transtornos cognitivos e demências representam uma proporção significativa na clínica privada do neurologista. Embora não tenham recebido boa formação em transtornos cognitivos e demências, os neurologistas respondentes demonstraram grande interesse pela área.

transtorno cognitivo; demência; clínica privada


OBJECTIVES: To know about the features of cognitive disorders and dementias in the private practice of specialists and these doctor's skills on that area. METHOD: In this pilot study, self-assessment questionnaries were delivered to neurologists of São Paulo State and 196 (22,8%) were respondents. RESULTS: Many neurologists are involved, besides the private practice, with teaching (61.5%) and/or research (59.5%) activities. Most of them assessed as not good the training on cognitive disorders and dementias they had had during both the graduate (77.3%) and residence (63.1%) courses; nevertheless 60.8% self rated their knowledge on that subject as satisfactory and 83.0% declared their interest on it as at least equal to other areas. The most frequent cognitive complaints occurring as primary reason for appointment are memory loss (73.0%) and attention/concentration deficits (48.0%). Dementia of Alzheimer type (54.9%) and vascular dementia (23.0%) are the most frequent ones in the neurologist private practice. CONCLUSION: Cognitive disorders and dementias represent a significant proportion in the neurological private practice. Although they had not had a good training on the area of cognitive disorders and dementias, the respondent neurologists demonstrated great interest on it.

cognitive disorder; dementia; private practice


Transtornos cognitivos e demências na clínica privada do especialista: estudo piloto de um inquérito de auto-avaliação

Cognitive disorders and dementias in the private practice of specialists: pilot study of a self-assessment survey

Francisco de Assis Carvalho do Vale

Neurologista, coordenador do Grupo de Neurologia Comportamental do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto SP, Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Conhecer sobre as características de transtornos cognitivos e demências na clínica privada de especialistas e o preparo desses médicos nessa área.

MÉTODO: Nesse estudo piloto, foram entregues questionários de auto-avaliação aos neurologistas do Estado de São Paulo, obtendo-se 196 (22,8%) respondentes.

RESULTADOS: Muitos neurologistas estão envolvidos, concomitantemente com a clínica privada, com atividade de ensino (61,5%) e/ou pesquisa (59,5%). A maioria não teve boa formação em transtornos cognitivos e demências durante graduação (77,3%) ou residência/especialização (63,1%), entretanto 60,8% consideram satisfatório seu conhecimento na área e 83,0% declaram seu interesse igual ou maior que por outras. As queixas cognitivas mais freqüentes como razão primária da consulta são perda de memória (73,0%) e dificuldade de atenção/concentração (48,0%). As demências mais freqüentes no consultório neurológico são do tipo Alzheimer (54,9%) e vascular (23,0%).

CONCLUSÃO: Transtornos cognitivos e demências representam uma proporção significativa na clínica privada do neurologista. Embora não tenham recebido boa formação em transtornos cognitivos e demências, os neurologistas respondentes demonstraram grande interesse pela área.

Palavras-chave: transtorno cognitivo, demência, clínica privada.

ABSTRAC

OBJECTIVES: To know about the features of cognitive disorders and dementias in the private practice of specialists and these doctor's skills on that area.

METHOD: In this pilot study, self-assessment questionnaries were delivered to neurologists of São Paulo State and 196 (22,8%) were respondents.

RESULTS: Many neurologists are involved, besides the private practice, with teaching (61.5%) and/or research (59.5%) activities. Most of them assessed as not good the training on cognitive disorders and dementias they had had during both the graduate (77.3%) and residence (63.1%) courses; nevertheless 60.8% self rated their knowledge on that subject as satisfactory and 83.0% declared their interest on it as at least equal to other areas. The most frequent cognitive complaints occurring as primary reason for appointment are memory loss (73.0%) and attention/concentration deficits (48.0%). Dementia of Alzheimer type (54.9%) and vascular dementia (23.0%) are the most frequent ones in the neurologist private practice.

CONCLUSION: Cognitive disorders and dementias represent a significant proportion in the neurological private practice. Although they had not had a good training on the area of cognitive disorders and dementias, the respondent neurologists demonstrated great interest on it.

Key words: cognitive disorder, dementia, private practice.

Os avanços no conhecimento dos transtornos cognitivos e demências, a possibilidade de diagnóstico precoce e de tratamento dos quadros demenciais potencialmente reversíveis e/ou evitáveis e a perspectiva de tratamento para as demências degenerativas, exigem que o médico se informe e se prepare para o atendimento de pessoas com aqueles distúrbios; tal demanda reforça-se pelo crescente interesse das pessoas leigas, cada vez melhor informadas no assunto. Ambulatórios multidisciplinares especializados para o atendimento desses pacientes podem ser encontrados em ambientes universitários1-4. Distúrbios cognitivos e comportamentais podem ocorrer como parte do envelhecimento fisiológico, como sintomas de diversas doenças neurológicas e sistêmicas ou como sintomas de síndromes demenciais5-7. Perdas cognitivas e demências são transtornos neurológicos freqüentes na senescência. Como conseqüência do envelhecimento populacional nos países desenvolvidos e nos em desenvolvimento, incluso o nosso, é previsto o aumento progressivo da prevalência desses transtornos8,9. Entretanto, muitas pessoas com distúrbios cognitivos podem não consultar o médico por não se aperceberem de suas perdas ou por acharem, e também seus familiares, que elas são apenas conseqüência do seu envelhecimento normal. Mesmo quando as pessoas relatam sintomas cognitivos e apresentam perdas observáveis, sua demência pode não ser diagnosticada10,11. Em virtude da dificuldade e do custo elevado da investigação diagnóstica e do tratamento dos distúrbios cognitivos/ comportamentais e dos quadros demenciais, países desenvolvidos têm estabelecido diretrizes, a partir de estudos da prática clínica e do exame das pesquisas realizadas12-15.

Os objetivos desta pesquisa incluem: conhecer a freqüência dos transtornos cognitivos e demências na clínica privada do neurologista e outros especialistas que atendem mais freqüentemente esses distúrbios; conhecer as características desses distúrbios dentro de cada especialidade, nas diferentes regiões do país; obter informação sobre o nível de conhecimento e o interesse desses especialistas em relação à área de transtornos cognitivos e demências.

MÉTODO

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

A pesquisa consiste na aplicação de um questionário a ser respondido por neurologistas, psiquiatras, geriatras e clínicos gerais. No corpo do questionário, precedendo as perguntas, consta uma apresentação da natureza e objetivos da pesquisa. Os questionários não têm qualquer identificação pessoal do respondedor e por essa razão não é necessária nem possível a obtenção de consentimento assinado. O instrumento contém três tipos de informações: (1) dados 'demográficos', incluindo idade, sexo, tempo de profissão, especialidade e carga horária de trabalho; (2) auto-avaliação sobre formação, conhecimento e interesse na área de transtornos cognitivos e demências; (3) características das queixas e transtornos cognitivos e das demências, atendidas na clínica privada do especialista.

O estudo será realizado em quatro etapas: (I) neurologistas no Estado de São Paulo; (II) não neurologistas (psiquiatras, geriatras e clínicos gerais) no Estado de São Paulo; (III) neurologistas em outros Estados; (IV) não neurologistas (psiquiatras, geriatras e clínicos gerais) em outros Estados.

Será consultado o maior número possível de médicos, considerando que muitos poderão não ser alcançados ou poderão recusar-se a responder. Objetivando facilidade operacional, o questionário será entregue e recolhido, após a resposta, por um representante de laboratório farmacêutico; será estabelecido um prazo máximo de 1 mês para a resposta. Não será veiculada qualquer mensagem referente a qualquer produto comercial juntamente com o questionário; não haverá qualquer mensagem impressa referente a produto comercial, ou nome de produto comercial, ou o nome do laboratório farmacêutico, ou qualquer texto que possa implicar em propaganda.

Foi realizado um estudo piloto com os neurologistas do Estado de São Paulo, seguindo-se o método especificado anteriormente, entre novembro de 2001 e janeiro de 2002. Os resultados são apresentados adiante. O questionário utilizado consta de 28 perguntas, além de dados pessoais e demográficos, porém sem qualquer identificação pessoal do respondedor. Os questionários foram entregues para os neurologistas em seus consultórios, e recolhidos, após a resposta, pelo representante farmacêutico; este recebera orientação específica prévia pelo pesquisador. Também puderam participar neurocirurgiões e neurologistas infantis com especialidade em Neurologia, que declararam atender regularmente clínica de adultos e idosos. No total, foram entregues 860 questionários.

RESULTADOS

Do total de questionários entregues (860), obtiveram-se 196 (22,8%) respondidos no prazo solicitado (um mês). Dos especialistas respondentes, 53,2% eram da capital do Estado. Dos respondentes do interior do Estado, 2,1% eram de cidades pequenas (até 100 mil habitantes), 36,0% de cidades médias (entre 100 e 500 mil habitantes), 6,3% de cidades grandes (entre 500 mil e 1 milhão de habitantes) e 4,5% de cidades com mais de 1 milhão de habitantes. A média de idade dos respondentes foi de 44,6±0,7 anos e tinham em média 18,6±0,6 anos de formados; 70,5% eram do sexo masculino. A distribuição da carga horária de trabalho dos respondentes pode ser vista na Fig 1.


A auto-avaliação dos neurologistas em relação à sua formação na área de funções cognitivas e demências pode ser vista na Tabela 1. Na auto-avaliação do nível de conhecimentos na área, 13,4% consideram-se muito bem informados, 47,4% consideram-se bem informados, 36,1% consideram-se apenas suficientemente informados, e 3,1% consideram-se insuficientemente informados. Questionados sobre o Mini-Exame do Estado Mental - MEEM (Folstein et al.,1975), 60,8% referem que o utilizam rotineiramente, 28,9% utilizam esporadicamente, 9,3% conhecem mas não utilizam e 1,0% refere não conhecer. A Tabela 2 mostra a auto-avaliação do nível de conhecimento e do interesse na área das funções cognitivas e demências, comparando-se a outras áreas da neurologia.

Para 41,9% dos neurologistas respondentes, até 10% dos seus pacientes os procuram primariamente por alguma queixa cognitiva; para 33,7%, o percentual de seus pacientes que os procuram primariamente por alguma queixa cognitiva está entre 11 e 20%; para 14,8%, o percentual desses pacientes está entre 21 e 30%; e para 9,2% o percentual está acima de 30,0%. Pela estimativa dos neurologistas, há um leve predomínio do sexo feminino (54,0%). A distribuição por faixa etária pode ser vista no Figura 2. O tipo de encaminhamento preferencial desses pacientes à consulta pode ser visto na Tabela 3. A Tabela 4 mostra as queixas primárias mais freqüentes, na estimativa dos neurologistas.


Para 56,2% dos neurologistas, até 10% dos seus pacientes apresentam alguma queixa cognitiva que não é o motivo primário de sua consulta; para 17,9%, o percentual desses pacientes está entre 11% e 20%; para outros 17,9%, o percentual está entre 21% e 30%; e para 8,7%, o percentual é superior a 30%. Novamente, há predomínio do sexo feminino (55,2%). A distribuição por faixa etária pode ser vista na Fig 2. A Tabela 4 mostra as queixas cognitivas 'secundárias' mais freqüentes, na estimativa dos neurologistas. Essas queixas cognitivas 'secundárias' são apresentadas, na maioria das vezes, espontaneamente pelo paciente (para 49,7% dos neurologistas) e/ou familiares (para 45,1%), pelo paciente quando inquirido (para 18,5%) e/ou por familiares quando inquiridos (para 7,2%).

A maioria dos neurologistas (70,1%) atende até 5 pessoas com demência por semana; 14,9% atendem 6 a 10, 12,9% atendem 11 a 15, e apenas 2,1% atendem mais de 20. Para 46,1% dos neurologistas, o número de pacientes com demências representam até 5% do total de seus atendimentos; para 26,4% dos neurologistas, 6-10% dos atendimentos; para 10,4% dos neurologistas, 11-15% dos atendimentos; para 9,3% dos neurologistas, 16-20%; e mais de 20%, para 7,8% dos neurologistas. Mais uma vez há predomínio do sexo feminino (51,7%). A distribuição por faixa etária pode ser vista na Fig 2. O tipo de encaminhamento preferencial desses pacientes à consulta pode ser visto na Tabela 3. Os principais motivos da consulta são perda de memória (para 77,4% dos neurologistas), alteração de personalidade/comportamento (para 29,2%), dificuldade de atenção e concentração (para 23,6%), alentecimento ou dificuldade de raciocínio (para 13,8%), dificuldade de linguagem (para 5,1%). Na estimativa dos neurologistas, doença de Alzheimer é a mais freqüente entre os quadros demenciais que atendem (54,9±1,6% dos casos), seguida de demência vascular (23,0±1,2%); 7,4±0,7% dos casos são outros tipos de demência e em 4,7±0,9% dos casos os neurologistas não conseguem identificar o tipo ou causa da demência.

DISCUSSÃO

O número de questionários entregues (860) é satisfatório, tomando-se em conta o número total no Estado de São Paulo de neurologistas (467), além de neurologistas infantis (64) e neurocirurgiões (315), muitos dos quais exercem a especialidade de Neurologia em suas clínicas privadas (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, comunicação pessoal datada de 5/2/2003). Também pode ser considerada significativa a proporção de respondentes (22,8%) para este estudo piloto, tratando-se de inquérito de auto-avaliação para especialistas, o que não é habitual em nosso país.

A vasta maioria (96,4%) dos neurologistas consultados nessa pesquisa exerce clínica privada, na maior parte como atividade principal ou única; um terço dos neurologistas fazem ambulatório na rede SUS como atividade principal, porém um número igual não tem essa atividade; mais da metade dos neurologistas exercem atividade de ensino, porém apenas um terço numa proporção significativa de sua carga de trabalho; também mais da metade realizam atividade de pesquisa, porém menos de um quinto numa proporção significativa da carga horária. Pouco mais de um terço dos neurologistas, apenas, referem ter tido uma boa formação na área de funções cognitivas e demências durante a especialização ou residência; e pouco mais de um quinto deles, apenas, consideram boa a formação que tiveram na área durante a graduação. Não obstante, mais da metade deles consideram-se bem informados na área de funções cognitivas e demências e referem utilizar rotineiramente o MEEM, principal instrumento de rastreamento de demências; e mais de dois terços consideram-se tão ou melhor informados nesta área da Neurologia quanto em outras. Ademais, a maioria afirma que seu interesse na área de funções cognitivas e demências é igual ou maior que em outras da Neurologia. São animadores os números em relação às auto-avaliações para conhecimento e interesse em uma área da Neurologia que anos atrás sequer merecia atenção na graduação ou especialização, a julgar pela auto-avaliação dos neurologistas; considerando o tempo de formado, pode-se inferir que eles têm-se informado na área mais recentemente, no exercício da prática médica.

Cerca de metade dos neurologistas estima que 11 a 30% de seus pacientes os procuram primariamente por uma queixa cognitiva, e mais de um terço estima que igual percentual de seus pacientes apresenta queixas cognitivas embora não tenham sido elas o motivo primário da consulta. Essas pessoas com queixa cognitiva, seja como motivo primário da consulta ou como queixa secundária, distribuem-se de forma semelhante nas diversas faixas etárias, com um pico na faixa de 60 a 74 anos. Sendo o motivo primário da consulta ou uma queixa secundária, a queixa cognitiva mais freqüente é perda de memória, seguida de dificuldade de atenção/concentração; alentecimento/dificuldade de raciocínio ocorre numa proporção significativa apenas como queixa cognitiva secundária. As pessoas que procuram o neurologista por uma queixa cognitiva, fazem-no mais freqüentemente de forma espontânea e/ou por iniciativa de familiares/ amigos e menos freqüentemente por encaminhamento médico. As queixas cognitivas 'secundárias' são apresentadas, na maioria das vezes, espontaneamente pelo paciente e/ou familiares.

Quadros demenciais são freqüentes nos consultórios neurológicos, cerca de metade dos neurologistas estimando que representam 11 a 20% do total de seus atendimentos. Esses pacientes parecem distribuir-se em faixas etárias mais elevadas que aqueles com queixas cognitivas, o pico ocorrendo na faixa de 65 a 79 anos. Os pacientes com demência vão à consulta, na grande maioria das vezes, por iniciativa de familiares e amigos e/ou encaminhamento médico, e menos freqüentemente por iniciativa própria, comparado às pessoas que procuram o neurologista por queixa cognitiva. Como entre estes, perda de memória é o principal motivo da consulta; entretanto, comparativamente, entre os pacientes com demência, dificuldade de atenção/ concentração é menos freqüentemente o motivo principal, e alentecimento/dificuldade de raciocínio, mais freqüentemente. Também chama atenção a proporção considerável em que alteração de personalidade/comportamento é apontada como principal motivo da consulta. Os quadros demenciais mais freqüentemente atendidos são doença de Alzheimer e demência vascular, da mesma forma que em ambulatórios especializados3,4.

No nosso conhecimento, não há estudos prévios sobre freqüência e características de transtornos cognitivos e demências nas clínicas privadas, nem sobre o preparo dos médicos especialistas para o atendimento de pessoas com aqueles distúrbios, no nosso país. Nas clínicas privadas de Medicina Interna, as demências freqüentemente não são diagnosticadas ou documentadas10. A detecção de distúrbios cognitivos pelos clínicos é baixa, tanto na população ambulatorial como em idosos hospitalizados16. Embora o clínico seja capaz de referenciar pacientes para os serviços especializados, na maioria das vezes não é capaz de diagnosticar a síndrome demencial10,11. Até 75% dos pacientes com demência moderada a acentuada não são identificados pelo clínico como tendo deficiência cognitiva, e 97% dos pacientes com distúrbios cognitivos leves não são identificados como tendo uma demência incipiente17.

Em se tratando de um estudo piloto, as críticas ao método devem incluir: (1) Ao atenderem desinteressadamente ao inquérito, os respondentes, pelo menos em parte, demonstram interesse no assunto, o que talvez possa trazer um viés em algumas das informações apresentadas. (2) O questionário utilizado apresenta imperfeições que serão corrigidas para as etapas subseqüentes, a citarem-se: diversas questões de múltipla escolha serão transformadas em questões de opção única, para melhor trabalho estatístico; outras serão excluídas por não oferecerem informações relevantes e ainda outras, acrescentadas. (3) Nas etapas subseqüentes, como neurologistas, deverão ser consultados apenas os inscritos na especialidade de Neurologia nos Conselhos Regionais de Medicina, supondo que, mesmo atendendo Neurologia clínica de adultos e idosos nos seus consultórios, neurologistas infantis e neurocirurgiões devem ter casuísticas diferentes daqueles.

CONCLUSÕES

Considerando suas limitações, este estudo piloto pôde oferecer um primeiro perfil dos neurologistas de um Estado do nosso País, em relação à area de transtornos cognitivos e demências nas suas clínicas privadas. Também proporcionou informações que irão direcionar as próximas etapas da pesquisa.

Os neurologistas participantes desse estudo, na sua grande maioria, exercem atividade de consultório particular e uma proporção significativa também está envolvida com atividades de ensino e/ou pesquisa. A maioria avalia que não teve uma boa formação em transtornos cognitivos e demências durante a graduação ou a especialização, não obstante muitos consideram satisfatório seu nível de conhecimento nessa área, seu interesse sendo igual ou maior que por outras.

É significativo para a clínica privada do neurologista, o número de pessoas que procuram consulta primariamente por uma queixa cognitiva, como também o número de pessoas que apresentam alguma queixa cognitiva que não tenha sido o motivo primário da consulta. Em ambos os casos, na maioria são idosos mais jovens e procuram o médico espontaneamente ou por iniciativa de familiares e amigos. Perda de memória e dificuldade de atenção/concentração são as queixas cognitivas mais freqüentemente apresentadas por esses pacientes e/ou seus familiares.

É também significativa para a clínica privada do neurologista a proporção de pacientes com demência, as mais freqüentes sendo a demência tipo Alzheimer e a demência vascular. Preferencialmente, esses pacientes foram à consulta por iniciativa de familiares e amigos ou por encaminhamento médico, porém infreqüentemente por iniciativa própria. Perda de memória fora o principal motivo da consulta, entretanto, numa proporção significativa, a razão da consulta fora alterações de comportamento e personalidade.

Espera-se que os resultados dessa pesquisa possam ser úteis às instituições médicas e universitárias, para a avaliação do impacto dos transtornos cognitivos e demências nas diversas regiões do país, como também para a formação de medidas para o melhoramento do preparo do médico especialista para o atendimento daqueles quadros clínicos.

Recebido 27 Março 2003, recebido na forma final 22 Julho 2003

Aceito 4 Setembro 2003

Apoio: Janssen-Cilag Farmacêutica; Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HCFMRP (FAEPA).

Dr. Francisco A.C. Vale - Hospital das Clínicas FMRP-USP - Departamento de Neurologia - 14048-900 Ribeirão Preto SP - Brasil. E-mail: facvale@rnp.fmrp.usp.br.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Aceito
    04 Set 2003
  • Revisado
    22 Jul 2003
  • Recebido
    27 Mar 2003
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