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Schwanoma de plexo braquial: relato de dois casos

Schwannoma of brachial plexus: report of two cases

Resumos

Schwanomas, neurinomas ou neurilemomas são tumores benignos de nervos periféricos. Podem ocorrer em associação com a neurofibromatose tipo 2. Relatamos dois casos de tumor cervical originado em plexo braquial sem associação com neurofibromatose. Uma mulher, de 31 anos apresentando uma tumefação em região supraclavicular direita, dor irradiada para o membro ipsilateral e sinal de Tinel à percussão da região. Outra mulher, 52 anos, com cervicobraquialgia persistente à direita há um ano. Ambas foram submetidas a microcirurgia, com ressecção total da lesão. O estudo histopatológico foi compatível com schwanoma. As duas pacientes tiveram boa evolução neurológica, com desaparecimento dos sinais e sintomas.

schwanoma; neurinoma; neurilemoma; plexo braquial


Schwannomas, neurinomas or neurilemmomas are benign peripheral nerve tumors. The literature report some cases associated with neurofibromatosis 2. We report two cases of cervical schwannoma originating from the brachial plexus unassociated with neurofibromatosis. A 31-year-old woman presented with a mass in the right supraclavicular region, irradiating pain and distal tingling to percussion (Tinel's sign) for 6 months. And a 52-year-old woman presented with pain in the cervical region and right arm for one year. Both the patients underwent to a microsurgery with total resection of the lesion. Histology of the surgical specimen confirmed the diagnosis of schwannoma. Postoperatively, the patients had a good recovery.

schwannoma; neurinoma; neurilemmoma; brachial plexus


Schwanoma de plexo braquial: relato de dois casos

Schwannoma of brachial plexus: report of two cases

Manoel Baldoíno Leal FilhoI; Aline de Almeida Xavier AguiarII; Bruno Ribeiro de AlmeidaII; Karoline da Silva DantasII; Marcelo Adriano da Cunha e Silva VieiraII; Ricardo Keyson Paiva de MoraisII; Raimundo Gerônimo da Silva JúniorIII

INeurocirurgião Teresina PI, Brasil

IIEstudante de Medicina da Universidade Federal do Piauí Teresina PI, Brasil (UFPI)

IIIProfessor de Patologia da UFPI, Patologista do Hospital Getúlio Vargas, Teresina PI, Brasil

RESUMO

Schwanomas, neurinomas ou neurilemomas são tumores benignos de nervos periféricos. Podem ocorrer em associação com a neurofibromatose tipo 2. Relatamos dois casos de tumor cervical originado em plexo braquial sem associação com neurofibromatose. Uma mulher, de 31 anos apresentando uma tumefação em região supraclavicular direita, dor irradiada para o membro ipsilateral e sinal de Tinel à percussão da região. Outra mulher, 52 anos, com cervicobraquialgia persistente à direita há um ano. Ambas foram submetidas a microcirurgia, com ressecção total da lesão. O estudo histopatológico foi compatível com schwanoma. As duas pacientes tiveram boa evolução neurológica, com desaparecimento dos sinais e sintomas.

Palavras-chave: schwanoma, neurinoma, neurilemoma, plexo braquial.

ABSTRACT

Schwannomas, neurinomas or neurilemmomas are benign peripheral nerve tumors. The literature report some cases associated with neurofibromatosis 2. We report two cases of cervical schwannoma originating from the brachial plexus unassociated with neurofibromatosis. A 31-year-old woman presented with a mass in the right supraclavicular region, irradiating pain and distal tingling to percussion (Tinel's sign) for 6 months. And a 52-year-old woman presented with pain in the cervical region and right arm for one year. Both the patients underwent to a microsurgery with total resection of the lesion. Histology of the surgical specimen confirmed the diagnosis of schwannoma. Postoperatively, the patients had a good recovery.

Key words: schwannoma, neurinoma, neurilemmoma, brachial plexus.

Schwanomas, neurinomas, ou neurilemomas são tumores benignos do sistema nervoso periférico, que se originam da proliferação da célula de Schwann1-5. Estas células circundam os neurônios e são responsáveis pela bainha de mielina e pelo neurilema1. A neurofibromatose tipo 2 é doença autossômica dominante caracterizada por lesões neoplásicas e displásicas das células de Schwann (schwanomas e schwanosis), células meníngeas (meningiomas e meningioangiomatosis) e células gliais (gliomas e microhamartomas gliais)6. Em geral, os schwanomas são tipicamente solitários, ovóides ou fusiformes, bem encapsulados e localizados ao longo dos nervos periféricos ou cercados por eles, cranianos ou simpáticos4,5,7. Além disso, têm crescimento lento, geralmente não são invasivos, não malignizam e são passíveis de cura por abordagem cirúrgica1,4. Podem estar associados à neurofibromatose8. Raramente os schwanomas podem se apresentar como tumores malignos; quando desta natureza, se localizam preferencialmente na região da cabeça e pescoço, sem invasão intracraniana9.

Schwanomas de plexo braquial são raros2-12, principalmente quando primários, únicos, benignos e sem associação com a neurofibromatose tipo 222,11,12. A clínica mais comumente observada é tumefação na região supraclavicular2-5,7-12, podendo existir ou não sinal de Tinel ou outras evidências de lesão nervosa no membro afetado, como dor, fraqueza, dormência e parestesias3,4,8-12. Em alguns casos, percebe-se história de trauma anterior à manifestação dos sintomas de lesão nervosa10. O tratamento para schwanoma é microcirúrgico, com resolução satisfatória1-5,8-12. O diagnóstico pré-operatório é difícil, pois geralmente pode ser confundido com outro tipo de tumefação cervical5, como linfadenopatias, lipomas, angiomas e outras anormalidades2,7. Há relatos de realização de biópsias no pré-operatório para o diagnóstico histopatológico12. Os principais métodos diagnósticos são a ressonância magnética e tomografia computadorizada contrastada no pré-operatório e o exame histopatológico no transoperatório ou no pós-operatório, para diagnóstico de certeza3-5. Déficits motores ou sensoriais no pós-operatório não são raros, mas alguns regridem depois de certo período de tempo, enquanto outros persistem3,8,10.

O presente estudo tem como objetivo relatar dois casos de schwanoma de plexo braquial, não associado à neurofibromatose tipo 2, ressaltando seus quadros clínicos, a fim de que, apesar de ser entidade rara, possa incluir-se entre os diagnósticos diferenciais das lesões palpáveis na região supra-clavicular ou das quadros dolorosos persistentes da região cervibraquial.

CASOS

Caso 1. Mulher de 31 anos, admitida com história de dor em região supraclavicular direita, irradiando para o membro superior ipsilateral, com 6 meses de evolução. Apresentava abaulamento na região supraclavicular e sinal de Tinel à percussão desta área. A ressonância magnética (RM) revelou a presença de tumoração de partes moles medindo 3,0 x 2,0 x 2,0 cm com hiposinal em T1 e predomínio de hiper-sinal em T2 na topografia do plexo braquial em situação supra-clavicular, de limites precisos e com importante impregnação pós-Gadolínio, sugestiva de Schwanoma (Fig 1). A paciente foi então submetida a microcirurgia do plexo braquial, com exérese do tumor da bainha do tronco médio (Figs 1, 2). O exame macroscópico da peça cirúrgica revelou fragmentos teciduais esbranquiçados, translucentes, firmes, sem áreas de necrose ou hemorragia. Pela microscopia, observou-se proliferação de células fusiformes alongadas dispostas em feixes entrelaçados, alternando áreas hipercelulares com poucas fibras colágenas (Antoni A) e áreas hipocelulares, mixóides (Antoni B), além de hialinização de vasos sangüíneos e áreas com núcleos em paliçada com eixo central eosinofílico, fibrilar (corpos de Verocay). O histopatológico foi compatível com schwanoma. (Fig 2). A paciente teve boa evolução e retornou às atividades sem déficits no pós-operatório.



Caso 2. Mulher de 52 anos, admitida com história de cervicobraquialgia persistente à direita há um ano. A tomografia computadorizada (TC) de coluna cervical mostrou imagem de processo expansivo ocupando o forame da raiz de C6 à direita, com invasão de canal. A ressonância magnética revelou lesão medindo 3,6 x 2,5 x 1,6 cm com hiposinal em T1 e hiper-sinal em T2, que ocupava o forame da raiz de C6, invadia o espaço paravertebral à direita e o canal raquidiano deslocando a medula. (Fig 3). A paciente foi submetida a microcirurgia do plexo braquial, com exérese do tumor da raiz de C6. A abordagem cirúrgica foi realizada por via posterolateral à direita, com hemilaminectomia a nível de C6, foraminotomia e abordagem paravertebral, de modo que a lesão pôde ser abordada tanto na região intra como extra-raquidiana. O histopatológico foi compatível com schwanoma. A paciente teve boa evolução e retornou às suas atividades.


DISCUSSÃO

Schwanomas são os tumores de nervos periféricos mais freqüentemente encontrados5. Achados comuns nesse tipo de tumor são estrutura fibrilar, ausência de malignidade, arranjo em paliçada e excelente linha de demarcação10. São geralmente encontrados em nervos cranianos, em particular o acústico5, nervo ulnar, mediano, radial, músculo-cutâneo, nervo ciático, plexo cervical e cadeia simpática3,5.

As pacientes descritas eram do gênero feminino e estavam na terceira e quinta décadas de vida. Apesar de schwanomas em geral serem mais prevalentes no sexo feminino entre a segunda e quinta décadas de vida5, não há na literatura dados conclusivos sobre isso em relação a schwanomas de plexo braquial.

No primeiro caso relatado, a paciente apresentava dor irradiada, abaulamento supraclavicular, sinal de Tinel à percussão desta área, com uma evolução de 6 meses, enquanto que a segunda paciente apresentava apenas cervicobraquialgia persistente há 12 meses. Alguns autores defendem que o achado clínico mais comum entre os pacientes com schwanoma de plexo braquial é uma tumefação em região supraclavicular, localizada, indolor, e que sintomas nervosos não são comumente encontrados2,8,11, enquanto outros relatam que sintomas de lesão nervosa como dormência e parestesias em membro ipsilateral, sinal de Tinel e dor lancinante à palpação associada com paresia são característicos em pacientes com schwanoma de plexo braquial4,12. Os casos apresentados mostram a variação de sinais e sintomas que podem ser encontrados em um paciente com schwanoma de plexo braquial. A primeira paciente apresentava tumefação bem localizada em região supraclavicular, mas também tinha dor e sinais nervosos como a presença de sinal de Tinel à percussão da tumoração, enquanto a segunda paciente apresentava apenas sinais de compressão nervosa, sem massas palpáveis.

O diagnóstico pré-operatório de schwanoma de plexo braquial é difícil devido aos numerosos diagnósticos diferenciais possíveis, principalmente quando o achado clínico principal é uma massa palpável em fossa supraclavicular5. Anamnese e exame físico bem feitos podem ajudar no diagnóstico2. A literatura ainda relata a possibilidade de se fazer biópsia pré-operatória12.

A TC contrastada e a RM são úteis no diagnóstico pré-operatório de schwanoma3. A TC é sensível à mudança cística que freqüentemente acompanha esses tumores3. Uma imagem bem marcada, hiperintensa na borda e hipointensa no centro devido a degeneração cística ou necrótica é freqüentemente vista na RM contrastada em T1SE quando há schwanoma ou neurofibroma12. Além disso, a RM é altamente específica e permite investigação diferencial pré-operatória, principalmente em relação a tumores pulmonares que normalmente não são bem diferenciados do schwanoma de plexo braquial quando localizado em raízes mais baixas, pelo exame físico, radiografia simples e TC11.

O tratamento realizado em ambos os casos foi microcirúrgico, sendo feita abordagem do plexo braquial em região supraclavicular no primeiro e da coluna cervical pela via posterior e paravertebral à direita no segundo. A excisão cirúrgica é indicada para prevenir ou minimizar danos ao plexo braquial11. A tentativa para separar o tumor do seu nervo adjacente é freqüentemente bem sucedida, o que leva a uma preservação da função neural4. Alguns autores defendem que a presença de cápsula e a ausência de axônios atravessando o tumor são característicos do schwanoma e ajudam a diferenciá-lo do neurofibroma4 que é um tipo de tumor neural periférico não encapsulado, infiltrativo12 e com poder maior de malignidade. No entanto, outros defendem que apesar da caracterização extrafascicular do tumor, quase sempre é possível encontrar um pequeno fascículo entrando e saindo pelos pólos do tumor3, ou sobre o mesmo, que podem ser afastados ou mesmo cortados permitindo a enucleação11, o que não foi visto nos nossos casos. Deve haver cautelosa dissecção cirúrgica do tumor, com retirada extracapsular ou mesmo enucleação do mesmo, num esforço para preservar a função neural3. Mas se, durante a cirurgia, não for possível preservar o nervo de onde cresceu o tumor, é necessário fazer um enxerto neural de imediato3 podendo inclusive ser feita mensuração intraoperatória da função neural para identificar os fascículos nervosos funcionais, que podem ser sacrificados se necessário, e se puder ser feito um reparo imediato11.

As pacientes descritas evoluíram com melhora significativa do quadro pré-operatório. Déficits neurológicos pós-operatórios são ocasionalmente encontrados3,12, podendo ser temporários ou permanentes12, embora não haja grandes estudos a respeito do status neurológico após as cirurgias de enucleação3. O déficits transitórios podem ser devidos a neuropraxia causada pela manipulação do nervo durante a cirurgia3.

Concluiu-se que, apesar de raro, o schwanoma do plexo braquial deve ser diagnóstico diferencial nas lesões palpáveis supraclaviculares e nos casos de cervicobraquialgia persistente.

Recebido 16 Junho 2003, recebido na forma final 15 Agosto 2003

Aceito 23 Setembro 2003

Dr. Manoel Baldoíno Leal Filho - Rua Thomaz Tajra 1222 / Edifício Excalibur, 300 - 64048-380 Teresina PI - Brasil. E-mail: manoelbaldoino@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2004
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2003
  • Revisado
    15 Ago 2003
  • Aceito
    23 Set 2003
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