Acessibilidade / Reportar erro

Cefaléias em salvas: estudo das alterações autonômicas e outras manifestações associadas em 28 casos

Cluster headache: study of autonomic alterations and other associated manifestations in 28 cases

Resumos

As cefaléias de curta duração dividem-se entre aquelas com pouca ativação; autonômica e aquelas com importante ativação, este grupo inclui a cefaléia em salvas. Este trabalho tem por objetivo discutir a fisiopatologia da cefaléia em salvas, com maior enfoque nos fenômenos autonômicos, como injeção conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, rinorréia, semiptose e edema palpebral, mostrando o nítido envolvimento do núcleo salivatório superior com a propagação do estímulo doloroso, originado no nervo trigêmeo. As alterações autonômicas foram estudadas em 28 pacientes com cefaléia em salvas e as prevalentes foram o lacrimejamento e a hiperemia conjuntival.

cefaléia em salvas; alterações autonômicas


The short lasting primary headaches are classified as those without autonomic activation and those with important activation, which includes the cluster headache. This study focuses on the pathophysiology of cluster headache mainly in its autonomic phenomenon (conjuntival injection, lacrimation, nasal congestion, rhinorrhoea, parcial ptosis and eyelid oedema) showing the involvement of superior salivatory nucleus with the pain stimulus propagation, which begins in the trigeminal nerve. The autonomic alterations were studied in 28 patients being lacrimation and conjuntival injection, the main features.

cluster headache; autonomics alterations


Cefaléias em salvas: estudo das alterações autonômicas e outras manifestações associadas em 28 casos

Cluster headache: study of autonomic alterations and other associated manifestations in 28 cases

Fabiano da Cunha TanuriI; Wilson Luiz SanvitoII

Ambulatório de Cefaléia, Disciplina de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (FCMSCMSP) São Paulo SP, Brasil

IMédico Neurologista

IIProfessor Titular da Disciplina de Neurologia da FCMSCMSP

RESUMO

As cefaléias de curta duração dividem-se entre aquelas com pouca ativação; autonômica e aquelas com importante ativação, este grupo inclui a cefaléia em salvas. Este trabalho tem por objetivo discutir a fisiopatologia da cefaléia em salvas, com maior enfoque nos fenômenos autonômicos, como injeção conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, rinorréia, semiptose e edema palpebral, mostrando o nítido envolvimento do núcleo salivatório superior com a propagação do estímulo doloroso, originado no nervo trigêmeo. As alterações autonômicas foram estudadas em 28 pacientes com cefaléia em salvas e as prevalentes foram o lacrimejamento e a hiperemia conjuntival.

Palavras-chave: cefaléia em salvas, alterações autonômicas.

ABSTRACT

The short lasting primary headaches are classified as those without autonomic activation and those with important activation, which includes the cluster headache. This study focuses on the pathophysiology of cluster headache mainly in its autonomic phenomenon (conjuntival injection, lacrimation, nasal congestion, rhinorrhoea, parcial ptosis and eyelid oedema) showing the involvement of superior salivatory nucleus with the pain stimulus propagation, which begins in the trigeminal nerve. The autonomic alterations were studied in 28 patients being lacrimation and conjuntival injection, the main features.

Key words: cluster headache, autonomics alterations.

As cefaléias primárias de curta duração podem se manifestar com importante ativação autonômica, como a cefaléia em salvas (CS), hemicrânia paroxística crônica, hemicrânia paroxística episódica e SUNCT (short-lasting unilateral neuralgiform with conjuntival injection and tearing)1-4. Goadsby e Lipton2, em 1997, classificaram a hemicrânia contínua e a cefaléia hípnica como cefaléias de curta duração e com pouca ativação autonômica. Goadsby e Lipton2 sustentam a hipótese de que as cefaléias de curta duração, com fenômenos autonômicos, caracterizam-se pela relação entre aferência trigeminal (responsável pelo estímulo doloroso) e eferência parassimpática (responsável pelos fenômenos autonômicos), havendo portanto ativação trigêmino-autonômica. Os autores referidos argumentam que, devido à similaridade clínica entre a hemicrânia paroxística crônica e a CS, estas deveriam ser classificadas juntas. Segundo a "International Headache Society Classification Committee'' (1988)5, os critérios diagnósticos para a CS, são: pelo menos cinco crises de curta duração de dor unilateral, geralmente em região orbital ou temporal que duram 15 a 180 minutos e freqüência de um episódio em dias alternados até oito episódios ao dia. A dor deve ser associada a pelo menos um dos sintomas autonômicos relacionados: injeção conjuntival, lacrimejamento, congestão nasal, rinorréia, semiptose, edema palpebral, miose ou sudorese da fronte5.

A CS pode apresentar-se na forma episódica, caracterizada por período crítico de sete dias a um ano e intervalo livre das salvas maior que quatorze dias; forma crônica, caracterizada pelo intervalo livre das salvas menor que quatorze dias. Existe uma forma de periodicidade indeterminada, cedo ainda para classificá-la como forma crônica ou episódica5. A hemicrânia paroxística crônica é distinta da CS por apresentar até 50 crises diárias com duração de dois a 45 minutos e freqüência de episódios maior ou igual a cinco por dia2, ser mais freqüente no gênero feminino e apresentar resposta seletiva a indometacina2,5,6. A CS é mais frequente em homens do que em mulheres7,8. Manzoni e col.9, em 1983, demonstraram relação de 7,2:1(87,9% homens e 12,1% mulheres). A prevalência é de 0,09% a 0,4% das cefaléias. A CS apresenta prevalência de 0,006% na China, 0,07% na República de San Marino e de 0,24% nos Estados Unidos, segundo Dousset e col.10

O nosso estudo relata a prevalência das alterações autonômicas e outras manifestações associadas às crises de CS em 28 pacientes. Assim, o objetivo desta análise é estudar a prevalência dos fenômenos disautonômicos e de outras alterações associadas às crises nos pacientes com CS no Ambulatório de Cefaléia da Disciplina de Neurologia da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

MÉTODO

Foram revisados 1103 prontuários do Ambulatório de Cefaléia da Santa Casa de São Paulo, sendo encontrados 28 casos de CS; destes, 22 (78,57%) pertenciam ao sexo masculino e seis (21,42%) ao feminino. Foram excluídos do estudo aqueles pacientes que não estavam em concordância com os critérios diagnósticos para CS, segundo a classificação da Sociedade Internacional de Cefaléia.

RESULTADOS

Dos 1103 prontuários analisados, em 28 (2,53%) pacientes havia diagnóstico de CS. Dos 22 homens, em um (4,54%), a CS teve início na segunda década; em nove (40,9%), na terceira década; em nove (40,9%), na quarta década; e em três (13,63%) na quinta década da vida. Das seis mulheres, uma (16,66%) teve CS na segunda década, duas (33,33%) na terceira década, uma (16,66%) na quinta década e duas (33,33%) na sexta década da vida. Os homens apresentaram média de idade de 30,2 anos e as mulheres 36,1 anos.

As alterações autonômicas observadas são mostradas na Tabela 1.

O lado de aparecimento das alterações autonômicas foi analisado em 21 pacientes; em 20 (95,24%), estas alterações eram ipsolaterais à dor e em um (4,76%) era bilateral. Outros fatores acompanhantes foram observados em 21 (75%) dos 28 pacientes (Tabela 2)

DISCUSSÃO

As alterações autonômicas presentes na CS ocorrem através da ativação do núcleo salivatório superior, no tronco cerebral, tendo a via trigeminal como aferência e fibras parassimpáticas do nervo facial como via eferente do estímulo doloroso, comportando-se como um reflexo trigêmino-autonômico. O excesso na liberação de certas substâncias, como CGRP(calcitonin-gene related peptide) e VIP(vasoactive intestinal polypeptyide) no final da via dolorosa, promove vasodilatação craniana e extracraniana e está intimamente relacionado com o aparecimento das crises de CS1,11.

May e col.12, realizaram estudo em 17 pacientes com CS, utilizando "spray" de nitroglicerina para indução das crises e PET (positron emission tomography) para avaliação da ativação cerebral em todos os pacientes e constataram que somente aqueles que estavam nos períodos críticos apresentaram crise de CS, e ativação hipotalâmica no PET, apesar de ocorrer vasodilatação em todos os pacientes. Com isso acredita-se que o hipotálamo tenha papel fundamental na fisiopatologia da CS, podendo justificar porque a maioria dos ataques ocorre no período noturno, sendo o ritmo circadiano um desencadeante das crises.

Rozen e col.13, estudaram 32 mulheres e 69 homens com CS sendo a média de idade de 29,4 anos nas mulheres e 31,3 anos nos homens. O pico de idade para início nas mulheres foi na segunda e quinta décadas e nos homens na terceira década. A média de crises foi de três por dia tanto em homens como em mulheres, mas a duração foi menor nas mulheres, com média de 67,2 minutos enquanto nos homens foi 88,2 minutos. A duração do período crítico e período de remissão foi similar em homens e mulheres. Miose ocorreu em 13,3%das mulheres e em 24,6% dos homens, semiptose ocorreu em 41,9% das mulheres e 58,1% dos homens, enquanto lacrimejamento, congestão nasal e rinorréia tiveram quase a mesma prevalência em homens e mulheres. Os autores constataram náuseas em 62,5% das mulheres e 43,5% dos homens, vômitos em 46,9% das mulheres e 17,4% dos homens, fotofobia em 75% das mulheres e em 81,2% dos homens e fonofobia em 50% das mulheres e 47,8% dos homens.

Muitos autores, como Sjaastad14, têm demonstrado, que os sintomas autonômicos podem aparecer também no lado contralateral à cefaléia, comprovando o envolvimento de estruturas centro - medianas cerebrais na fisiopatologia da CS.

A CS no Ambulatório de Cefaléia da Santa Casa de São Paulo apresenta prevalência de 2,53% em relação às outras cefaléias, enquanto a literatura mostra uma variação de 0,09% a 0,4%9,10 .É possível que esta diferença estatística deva-se ao fato de nosso ambulatório estar reservado para casos de cefaléia de difícil controle, ocorrendo triagem prévia. Neste estudo observou-se predominância da CS no sexo masculino, encontrando-se uma proporção de 3,6: 1 (78,57% homens e 21,42% mulheres). Manzoni9, mostrou relação de 7,2 homens: 1 mulher. Foi demonstrado, neste estudo, que os homens apresentaram pico de idade de início de CS na terceira e quarta décadas e as mulheres na terceira e sexta décadas, enquanto Rozen e col.3 observaram que os homens iniciaram predominantemente na terceira década e as mulheres na segunda e quinta décadas. Já Swanson e col.15 constataram que o pico de incidência para o gênero masculino foi na quarta década e nas mulheres na sexta década.

As alterações autonômicas mais freqüentemente observadas neste estudo são o lacrimejamento e a hiperemia conjuntival. É observado também que as alterações autonômicas predominam no mesmo lado da dor.

O período de aparecimento das crises de CS durante o ciclo diurno, foi observado em 23 pacientes. Destes, dez (43,47%) apresentaram dor predominantemente no período noturno, três (13,04%) no período vespertino, um (4,34%) pela manhã, e em nove (39,13%) pacientes as crises não apresentavam predominância de período. Em cinco pacientes não foram encontradas informações no prontuário. As crises de CS apresentaram nítido predomínio de aparecimento no período noturno, o que está de acordo com os dados da literatura9,16,20.

A fonofobia foi o fenômeno acompanhante das crises de CS mais observado neste estudo, seguido pela fotofobia e embaçamento visual. Rozen e col.13 constataram maior prevalência de fotofobia, seguido pela fonofobia e náuseas. Estes sintomas não estão incluídos nos critérios diagnósticos de CS, segundo a International Headache Society, o que demonstra a necessidade da realização de um estudo prospectivo dos fenômenos acompanhantes da CS.

CONCLUSÃO

Em conclusão, as alterações autonômicas mais encontradas neste estudo foram o lacrimejamento, seguido pela hiperemia conjuntival. Os outros fenômenos acompanhantes nas crises de CS mais observados foram a fonofobia seguida pela fotofobia e embaçamento visual.

Recebido 8 Julho 2003, recebido na forma final 1 Outubro 2003.

Aceito 17 Novembro 2003.

Dr. Fabiano C. Tanuri - Rua Lacedemônia 253/121 - 04634-020 São Paulo SP - Brasil. E-mail:ftanuri@ig.com.br.

  • 1. Monzillo PH, Sanvito WL, Costa AR. Cluster-tic Syndrome. Arq Neuropsiquiatr 2000;58:518-521.
  • 2. Goadsby PJ, Lipton RB. A review of paroxysmal hemicranias, SUNCT Sydrome and other short-lasting headaches with autonomic feature, including new cases. Brain 1997;120:193-209.
  • 3. Sjaastad O, Zhao JM, Kruszewski P, Stovner LJ. Short-lasting unilateral neuralgiform headache attacks with conjuntival injection, tearing, etc. (SUNCT): III. Another Norwegian case. Headache 1991;31:175-177.
  • 4. Mendizabal JE, Umaña E, Zweifler RM. Cluster headache: Horton's cephalalgia revisited. South Med J 1998;91:606-615.
  • 5. Headache Classification Committee of the International Headache Society. Classification and diagnostic criteria for headache disorders, cranial neuralgias and facial pain. Cephalalgia 1988;8(Suppl 7):1-96.
  • 6. Silberstein SD, Lipton RB, Goadsby PJ. Headache in clinical pratice. Oxford: Isis Medical Media, 1998:125-134.
  • 7. Macneal PS. Control of the cluster headache . Headache 1961;17-19.
  • 8. Kudrow L. Cluster headache: diagnosis and management. Headache 1979;141-149.
  • 9. Manzoni GC, Terzano MG, BonoG, Micieli G, Martucci N, Nappi G. Cluster headache: clinical findings in 180 patients. Cephalalgia 1983;3:21-30.
  • 10. Dousset V, Henry P, Michel P. Epidemiology of headache. Rev Neurol(Paris) 2000;156:4S24-29.
  • 11. Leone M, Bussone G. A review of hormonal findings in cluster headache: evidence for hypothalamic involvement. Cephalalgia 1993;13:309-317.
  • 12. May A, Bahra A, Buchel C, Frackowiak RS, Goadsby PJ. PET and MRA findings in cluster headache and MRA in experimental pain. Neurology 2000;55:1328-1335.
  • 13. Rozen TD, Niknam RM, Shechter AL, Young WB, Silberstein SD. Cluster headache in women: clinical characteristics and comparison with cluster he adache in men. J Neurosurg Psychiatry 2001;70:613-617.
  • 14. Sjaastad O. Cluster headache: the possible significance of midline structures. Cephalalgia 1988;8:229-236.
  • 15. Swanson JW, Yanagihara T, Stang PE, et al, Incidence of cluster headaches: a population - based study in Olmsted Conty, Minnesota. Neurology 1994;4:433-437.
  • 16. Biber MR. Nocturnal neck movements and sleep apnea in headache. Headache 1998;28:673-674.
  • 17. Dexter JD. Sleep abnormalities in the chronic cluster headache patient Headache 1984;32:170.
  • 18. Pfaffenrath V, Pöllmann W, Rüther E, Lund R, Hajak G. Onset of nocturnal attacks of chronic cluster headache in relation to sleep stages. Acta Neurol Scand 1986;73:403-407.
  • 19. Sahota PK, Dexter JD. Sleep and headache syndromes: a clinical review. Headache 1990;30:80-84.
  • 20. Drake ME, Pakalnis A, Andrews JM, Bogner JE. Nocturnal sleep recording with cassette EEG in chronic headaches. Headache 1990;30:600-603.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Recebido
    08 Jul 2003
  • Revisado
    01 Out 2003
  • Aceito
    17 Nov 2003
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org