Acessibilidade / Reportar erro

Desenvolvimento da versão brasileira da Multiple Sclerosis Funcional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS): estudo piloto

Development of the Brazilian version of the Multiple Sclerosis Functional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS): pilot study

Resumos

São relatados os esforços inicias para desenvolver e validar uma versão brasileira da Multiple Sclerosis Funcional Composite Measure (MFSC-BCTRIMS), uma medida de êxito em esclerose múltipla (EM) que avalia a função motora dos membros inferiores, dos membros superiores e cognitiva. A MSFC foi introduzida com o intuito de se constituir em uma medida sensível aos benefícios terapêuticos de novos fármacos modificadores do curso da doença e com características psicométricas aperfeiçoadas em relação a medidas tradicionais. Os resultados do estudo-piloto indicam que a MSFC-BCTRIMS discrimina entre portadores de EM e um grupo controle. Quanto à validade de construto, as intercorrelações com outras medidas sugerem que a velocidade de processamento é uma importante componente para a avaliação da função motora das mãos e da função cogntiva.

esclerose múltipla; MSFC; aliação cognitiva


Initial efforts are reported to develop and validate a Brazilian version of the Multiple Sclerosis Functional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS). MSFC is an outcome measure in multiple sclerosis (MS) which assesses motor functions of legs and arms/hands besides cognitive function. MSFC was designed to have better sensitivity and sounder psychometric foundations than traditional measures in detecting therapeutic benefits of disease-modifying agents. Results from the pilot study indicate that the MSFC-BCTRIMS discriminates between MS individuals and a control group. An initial approach to construct validation, intercorrelating the MSFC-BCTRIMS scores with several other measures, suggests speed of information processing is important for both arm/hand and cognitive function.

multiple sclerosis; MSFC; cognitive assessment


Desenvolvimento da versão brasileira da Multiple Sclerosis Funcional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS): estudo piloto

Development of the Brazilian version of the Multiple Sclerosis Functional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS): pilot study

Vitor Geraldi HaaseI; Eduardo de Paula LimaII; Shirley Silva LacerdaIII; Marco Aurélio Lana-PeixotoIV

LND - Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento, Departamento de Psicologia, FAFICH Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte MG, Brasil (UFMG); CIEM Minas-UFMG - Centro de Investigação em Esclerose Múltipla, Hospital das Clínicas da UFMG

IMédico Neurologista, Professor Adjunto no Departamento de Psicologia de UFMG, Coordenador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG, Mestre em Lingüística pela PUCRS e Doutor em Biologia Humana pela Universidade de Munique, Alemanha

IIPsicólogo pela UFMG, Mestrando em Psicologia pela UFMG

IIIPsicólogo pela UFMG, Neuropsicólogo do Departamento de Saúde Mental do Hospital Israelita Albert Einstein, São Paulo SP, Colaborador do Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG e do CIEM Minas - UFMG

IVMédico Neurologista, Professor Adjunto nos Departamentos de Psiquiatria e Neurologia e de Oftalmologia da UFMG, Coordenador do CIEM Minas - UFMG), Doutor em Oftalmologia pela UFMG

RESUMO

São relatados os esforços inicias para desenvolver e validar uma versão brasileira da Multiple Sclerosis Funcional Composite Measure (MFSC-BCTRIMS), uma medida de êxito em esclerose múltipla (EM) que avalia a função motora dos membros inferiores, dos membros superiores e cognitiva. A MSFC foi introduzida com o intuito de se constituir em uma medida sensível aos benefícios terapêuticos de novos fármacos modificadores do curso da doença e com características psicométricas aperfeiçoadas em relação a medidas tradicionais. Os resultados do estudo-piloto indicam que a MSFC-BCTRIMS discrimina entre portadores de EM e um grupo controle. Quanto à validade de construto, as intercorrelações com outras medidas sugerem que a velocidade de processamento é uma importante componente para a avaliação da função motora das mãos e da função cogntiva.

Palavras-chave: esclerose múltipla, MSFC, avaliação cognitiva.

ABSTRACT

Initial efforts are reported to develop and validate a Brazilian version of the Multiple Sclerosis Functional Composite Measure (MSFC-BCTRIMS). MSFC is an outcome measure in multiple sclerosis (MS) which assesses motor functions of legs and arms/hands besides cognitive function. MSFC was designed to have better sensitivity and sounder psychometric foundations than traditional measures in detecting therapeutic benefits of disease-modifying agents. Results from the pilot study indicate that the MSFC-BCTRIMS discriminates between MS individuals and a control group. An initial approach to construct validation, intercorrelating the MSFC-BCTRIMS scores with several other measures, suggests speed of information processing is important for both arm/hand and cognitive function.

Key words: multiple sclerosis, MSFC, cognitive assessment.

Neste trabalho nós relatamos os resultados de um estudo-piloto para o desenvolvimento de uma versão brasileira da Medida Funcional Composta para A Esclerose Múltipla (Multiple Sclerosis Functional Composite Measure ou MSFC-BCTRIMS). A MSFC foi desenvolvida pela National Multiple Sclerosis Society (NMSS) dos EUA, com o intuito de se constituir em medida-padrão de êxito para ensaios clínicos em esclerose múltipla (EM)1. A disponibilidade de fármacos com eficácia terapêutica demonstrada na modificação do curso clínico da EM tornou eticamente inaceitável o emprego de grupos placebo em ensaios clínicos, exigindo o desenvolvimento de medidas mais precisas e sensíveis para avaliar os resultados de futuros ensaios clínicos. Apesar da grande difusão quanto ao seu uso, a Escala Expandida do Status de Incapacidade (EDSS), desenvolvida por Kurtzke2, apresenta diversas inadequações metodológicas3 (Quadro 1). As suas inadequações metodológicas se tornaram evidentes a partir do amplo emprego da EDSS em diversos ensaios terapêuticos. A utilização da EDSS em ensaios comparativos da eficácia de novas drogas em relação àquelas atualmente disponíveis requereria o emprego de grupos e de períodos de observação clínica cada vez maiores1. Rudick e col.4 relatam que um grupo de trabalho para a avaliação das medidas de êxito em EM (MEEM), nomeado pela NMSS, fez inicialmente uma série de recomendações quanto às propriedades desejáveis para uma MEEM (Quadro 2).



A partir das recomendações quanto às características desejáveis em uma medida de êxito na EM foi então desenvolvida a MSFC1 (Quadro 3). O grupo de trabalho encarregado não conseguiu obter dados para desenvolver uma medida da função visual. A MSFC ficou então restrita a três medidas: a) a Caminhada Cronometrada de 25 Pés (7.62 metros) para avaliar a marcha e as funções dos membros inferiores, que é semelhante ao procedimento empregado no Índice Ambulatorial5; b) o Teste dos 9 Pinos nos Buracos (9-HPT) para avaliar a função motora das mãos, o qual é semelhante a outros testes tradicionais em neuropsicologia, como o Purdue Pegboard Test6, o Teste Auditivo Compassado de Adição Seriada (Paced Auditory Serial Addition Task - PASAT7), O PASAT é um teste muito difícil e cuja complexidade é tamanha, a ponto de colocar em dúvida sua validade de construto8. Independentemente do debate sobre quais funções cognitivas o PASAT mede na realidade, a descoberta de que ele é um marcador prático e sensível do comprometimento cognitivo na EM contribuiu para consolidar seu uso9. Diversas investigações posteriores se ocuparam de precisar as características psicométricas da MSFC (Quadro 4). Os resultados destas pesquisas são promissores, indicando que a MSFC é uma medida de êxito adequada para uso em ensaios clínicos na área de esclerose múltipla, dos quais muitos já estão sendo conduzidos10,11.



A partir do interesse renovado pela pesquisa em EM no Brasil, impulsionado pela fundação do BCTRIMS (Brazilian Committee for Treatment and Research Multiple Sclerosis) em 2000, consideramos que seria oportuno desenvolver uma versão brasileira da MSFC.

MÉTODO

Amostra - Foram investigados 15 portadores de EM e 15 participantes normais de controle. Os controles foram recrutados na rede social dos pesquisadores, fora do ambiente hospitalar. Os pacientes foram recrutados entre os clientes cadastrados no CIEM Minas-UFMG, tendo sido diagnosticados conforme os critérios de Poser e col.18. A forma clínica da doença foi estabelecida conforme os critérios de Lublin Reingold19. A participação foi voluntária e condicionada à leitura e assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido. O estudo se realizou no âmbito de um projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG. Os dados demográficos dos participantes e os parâmetros da doença para a amostra de EM são exibidos na Tabela 1.

Instrumentos de coleta de dados - A duração da doença foi estabelecida pelo relato subjetivo dos pacientes sobre o início dos seus sintomas. Como medidas de comparação para a determinação do grau de deficiência física foram utilizados o Índice Ambulatorial5 e a EDSS2.

Como medida de comparação para a determinação do nível de funcionamento cognitivo dos participantes foi utilizada a Bateria de Avaliação da Memória de Trabalho (BAMT-UFMG). A BAMT-UFMG foi validada para a população brasileira por Wood e col.20, tendo sido desenvolvida a partir de modelo tripartite da memória de trabalho21. A memória de trabalho é concebida como uma função complexa, envolvendo a resolução rápida de operações mentais simples (velocidade de processamento), o armazenamento temporário de informação (armazenamento temporário) e a coordenação entre os dois processos anteriores (coordenação de operações). A BAMT-UFMG é aplicada em duas modalidades homologamente estruturadas envolvendo estímulos verbais e numéricos. A componente velocidade é medida pelo número de problemas aritméticos simples ou questões relativas à compreensão de frases que o participante responde corretamente em 20 segundos. O armazenamento é operacionalizado sob a forma de tarefas de apreensão de dígitos e de palavras. A coordenação de operações é medida solicitando ao participante que execute as duas tarefas anteriores simultaneamente. Medidas adicionais de velocidade de processamento são também realizadas envolvendo tarefas simples de decisão perceptiva, nas quais o participante deve decidir se séries de 3, 6 ou 9 letra/símbolos são iguais ou diferentes. Os procedimentos de aplicação foram descritos com detalhes por Wood e col.20. A BAMT-UFMG foi escolhida por ser um teste que, de modo similar ao PASAT9, privilegia a velocidade de processamento como uma componente essencial da memória de trabalho.

Além da BAMT-UFMG foram utilizadas três outras medidas neuropsicológicas correlacionadas à integridade funcional dos lobos pré-frontais, testadas conforme instruções fornecidas por Spreen e Strauss6: o teste de Stroop Victoria que mede a capacidade de inibição de respostas prepotentes, o teste de fluência de desenhos dos cinco pontos de Regard, uma medida da geratividade e flexibilidade cognitiva e o teste dos trigramas consonantais, um indicador da capacidade de armazenamento e resistência à interferência na memória de curto-prazo.

Elaboração da MSFC-BCTRIMS - Para a realização da caminhada cronometrada foi pintada uma faixa branca no pátio do CIEM Minas-UFMG, em local arborizado e longe do tráfego de pessoas, sobre chão de alvenaria, anti-derrapante, plano e sem inclinações. A faixa mediu 7,62 metros e possui marcações para o início e o fim do trajeto. O kit para a realização do 9-HPT foi adquirido junto à firma S & S Worldwide nos Estados Unidos. A elaboração da versão brasileira do PASAT foi realizada por gravação em sistema digital a partir da locução dos estímulos por uma cantora lírica. Os estímulos foram gravados em CD com o intuito de evitar distorções nos intervalos entre os estímulos após utilização repetida, como soe ocorrer com fita magnética. Os estímulos foram ordenados conforme as recomendações de Fischer e col.12 em duas versões com intervalos inter-estímulos de 2 e 3 segundos, respectivamente. A versão final do PASAT foi montada pelo Prof. Stephen M. Rao PhD (Medical College of Wisconsin, Milwaukee).

Procedimentos de aplicação da MSFC-BCTRIMS - A realização da caminhada cronometrada foi realizada ao ar livre e apenas sob situações meteorológicas favoráveis. Os participantes eram instruídos da seguinte maneira: " Você deve ficar parado aí sobre o ponto de partida, com os dois pés alinhados. Eu vou contar até três e dizer 'já!'. Quando eu falar 'já!" , você sai caminhando como se estivesse com pressa de chegar até o final. Caminhe com pressa, o mais rápido possível, mas não corra! Evite o risco de cair" . O uso de muletas foi permitido, conforme a necessidade. A caminhada cronometrada era realizada duas vezes, sendo computada a média dos dois escores.

Para a realização do 9-HPT o participante senta-se à frente de uma escrivaninha, sobre a qual o teste está fixado com fita adesiva. A plataforma de teste fica ao alcance das mãos do participante, a uma distância confortável, escolhida pelo mesmo. A plataforma-estojo é confeccionada de madeira e consiste de um espaço para guardar os pinos de madeira e de uma plataforma com os buracos. O local onde os pinos são guardados sempre fica voltado para a mão que vai ser testada, com a fileira de buracos voltada para o lado da mão que não está sendo testada. O examinador zerava o cronômetro e instruía o participante da seguinte forma: " Nós vamos medir agora a função das suas mãos e braços. Você usa preferencialmente a mão direita ou esquerda?" São realizadas inicialmente dois ensaios com a mão dominante, seguidos de dois ensaios com a mão não-dominante. O início dos ensaios obedeceu às seguintes instruções: Neste teste eu quero que você pegue todos os pinos, um por um, usando apenas a sua mão direita (ou esquerda). Você deve pegar os pinos e colocá-los um por um nos buracos apropriados. A ordem não importa. Após isto e sem fazer qualquer pausa, você deve remover os pinos um por um dos buracos e colocá-los de volta no estojo, onde estavam antes. Se um dos pinos cair na mesa, por favor pegue-o e continue trabalhando. Se um dos pinos cair no chão, continue trabalhando com outro, enquanto eu apanho o que caiu. Vamos ver o quão rápido você consegue colocar os pinos nos buracos e removê-los. Você está pronto? Então comece!" . O examinador registra o número de tentativas que o participante precisa para realizar cada ensaio completo. São também registradas as eventuais razões de fracasso. Somente são considerados os tempos dos ensaios realizados de modo completo. O escore parcial no 9-HPT corresponde às médias das 4 tentativas.

O PASAT é uma tarefa apresentada em duas versões, com intervalos entre os estímulos de 3 e de 2 segundos, respectivamente. Primeiro é aplicada a versão de 3 segundos e depois a de 2. Somente os resultados da versão de 3 segundos são utilizados no cômputo do escore total MSFC. Os estímulos são algarismos de 1 a 9 apresentados em seqüência pseudo-aleatorizada. A tarefa do participante é adicionar os algarismos dois a dois. Por exemplo, se a série de estímulos for " 2, 7, 5, 8, 2 etc." , então as respostas corretas serão " 9, 12, 13, 10 etc." Inicialmente é apresentada uma versão com 10 itens de prática. A apresentação dos itens de prática é repetida até três vezes para garantir que o participante tenha compreendido a tarefa. Caso necessário, pode ser feita também uma demonstração por escrito com a série de algarismos. A apresentação dos itens de prática serve também para que o participante determine o volume de som que lhe é mais agradável. As versões de teste consistem de 60 itens cada. A instruções utilizadas para a aplicação do PASAT foram: " Neste CD você vai ouvir uma série de algarismos, que serão apresentados um por um a cada 3 segundos. Ouça os dois primeiros algarismos, some-os e diga a resposta. Quando você ouvir o próximo algarismo, o terceiro, some-o com aquele que você ouviu imediatamente antes, o segundo. Continue somando os algarismos sempre dois a dois. Lembre-se, eu não quero que você me diga a soma total de todos os algarismos, mas apenas sempre o resultado da soma dos dois últimos algarismos apresentados. Por exemplo, se os dois primeiros números fossem '5' e '7' a resposta correta seria '12'. Se o próximo número fosse '3' então a resposta seria '10' e se o próximo número fosse '2' a resposta seria '5'. Esta é uma tarefa muito difícil. Não é esperado que você acerte todos os itens. Caso você se perder, não se preocupe, simplesmente escute os próximos dois números e some um com o outro. E assim por diante. Nós vamos começar com alguns itens de prática, para ver se você conseguiu compreender bem a tarefa. Lembre-se, caso você se perda, simplesmente preste atenção nos próximos números. Após iniciado o teste não é possível interrompê-lo" . O PASAT só pode ser administrado uma vez e não é permitida uma pausa entre as versões de 3 e de 2 segundos. Os escores correspondem ao número de acertos em cada uma das versões. A administração do PASAT deve ser interrompida se o participante der como resposta a soma total, somar os item atual com o penúltimo ou não emitir qualquer resposta após a apresentação consecutiva de 5 algarismos.

Cálculo do escore composto MSFC - O cálculo do escore composto foi realizado em duas operações, de acordo com as instruções fornecidas por Fischer, e col.22. Em primeiro lugar, os escores brutos de cada subteste (caminhada, 9-HPT e PASAT) foram transformados em escores z, com base nos dados normativos fornecidos por Fischer e cols22, utilizando a fórmula: z = (escore do paciente no teste - média da amostra original) / desvio padrão. Os resultados da base internacional de dados que serviu para a criação da MSFC foram utilizados em função da inexistência de uma base equivalente brasileira. Em segundo lugar, o escore composto MSFC foi calculado utilizando a fórmula: MSFC = {(1/média dos tempos das 4 tentativas no 9-HPT) - 0.0439) / 0.0101 - (média dos tempos das duas tentativas na caminhada cronometrada - 9.5353) / 11.4058 + (Total de respostas corretas no PASAT 3" - 45.0311) / 12.0771} / 3.0.

Fischer e col.22 recomendam alguns procedimentos para lidar com situações especiais, como, por exemplo, quando o paciente não é capaz de realizar alguns subtestes. No nosso estudo não houve necessidade de utilizar estas recomendações, que são as seguintes:

1. Quando a pontuação está incompleta por outros motivos que não a incapacidade do paciente, só é possível obter um escore se o participante chegou a realizar pelo menos uma tentativa na caminhada ou no 9-HPT. Assim, ao invés de se calcular a média dos tempos do 9-HPT com as 4 tentativas prescritas, utiliza-se as tentativas que o participante realizou (1, 2 ou 3). Em relação ao PASAT não há normas em casos de dados ausentes; 2. Quando o paciente não é capaz de realizar a tarefa, o escore na caminhada é codificado arbitrariamente como -13.7, o escore no 9-HPT é codificado como 777 e o escore no PASAT é igualado a zero.

RESULTADOS

Uma série de testes de Mann-Whitney indicou que grupo de controle e a amostra de participantes com EM (Tabela 1) não diferiram quanto às características sócio-demográficas gênero (U=105.0, p<0.775), idade (U=105.5, p<0.806) e escolarização formal (U=77.5, p<0.148). Os escores brutos nos três subtestes da MSFC são exibidos na Tabela 2. Testes de Mann-Whitney foram realizados a partir dos escores padronizados na MSFC, mostrando que o grupo com EM teve pior desempenho em todos os subtestes, bem como no escore total: Caminhada (U=51.0, p<0.01); 9-HPT (U=46.0, p<0.07), PASAT (U=59.0, p<0.03) e MSFC (U=37.0, p<0.001).

Com o intuito de realizar uma aproximação inicial ao estudo da validade de construto da versão brasileira da MSFC foi realizada uma análise com correlações não-paramétricas, dado o pequeno tamanho da amostra. Os resultados indicaram a existência de correlações significativas entre o IA e a EDSS (rho=0.685, p<0.001) e entre estes dois escores e a MSFC (rho=0.801, p<0.001 para a EDSS e rho=0.908, p<0.076 para o IA). A EDSS se correlacionou bem com os diversos subescores da MSFC, enquanto o IA ambulatorial se correlacionou significativamente apenas com a caminhada cronometrada: Caminhada (rho=0.569, p<0.042 para a EDSS e rho=0.517, p<0.07 para o IA); 9-HPT (rho=0.715, p<0.006 para a EDSS e rho=0.44, p<0.13 para o IA); PASAT (rho=0.647, p<0.017 para a EDSS e rho=0.358, p<0.230 para o IA).

Na amostra de portadores de EM, a correlação entre os dois testes de coordenação de operações da BAMT-UFMG atingiu níveis próximos da significância estatística (rho=0.683, p<0.091). As correlações entre os diversos subtestes da MSFC e da BAMT-UFMG não atingiram níveis de significância estatística. As correlações entre os testes de velocidade de discriminação perceptiva e o subteste Caminhada não foram significativas. As correlações entre os testes de velocidade perceptiva e os escores padronizadas no 9-HPT (rho=0.819, p<0.07 para a discriminação de letras e rho=0.729, p<0.026 para a discriminação de símbolos) e PASAT (rho=0.869, p<0.002 para a discriminação de letras e rho=0.898, p<0.001 para a discriminação de símbolos) atingiram, entretanto, níveis de significância estatística.

As correlações entre os subtestes da MSFC e os escores no teste de Stroop Victoria não foram significativos. O desempenho no teste de fluência de desenhos não se correlacionou com os escores na Caminhada ou 9-HPT, mas se correlacionou significativamente com o escore no PASAT (rho=0.620, p<0.042) e aproximou-se dos níveis de significância estatística no que se refere às correlações com as tarefas de discriminação perceptiva (rho=0.658, p<0.054 para letras e rho=0.627, p<0.071 para símbolos). As correlações para o escore com retardo de 18 segundos foram significativas apenas no que se refere ao PASAT (rho=0.824, p<0.006), fluência de desenhos (rho=0.815, p<0.007) e velocidade de processamento perceptivo (rho=0.689, p<0.040 para letras e rho=0.692, p<0.039 para símbolos) mas não quanto aos outros subtestes da MSFC e tarefas de coordenação da BAMT-UFMG. É digno de nota também, que nenhum dos escores na MSFC se correlacionou com os escores de armazenamento da BAMT-UFMG.

DISCUSSÃO

Inicialmente, é preciso enfatizar a natureza preliminar dos resultados apresentados. A amostra é pequena, mas está sendo ampliada. Os resultados indicam, entretanto, que os procedimentos adotados foram aceitáveis e que são capazes de discriminar entre portadores de EM e um grupo de participantes-controle. Os níveis de correlação entre o escore MSFC e as medidas tradicionais de déficit na EM, tais como o IA ou EDSS são altos e significativos, de acordo com o que é relatado na literatura15. O tamanho reduzido da amostra ainda não permite investigar os coeficientes de fidedignidade desta versão da MSFC.

Os resultados quanto à validade de construto são também apenas tentativos. Um exemplo disto é a ausência de correlações entre os dois escores, numérico e verbal, de coordenação de operações na memória de trabalho. Este resultado pode ser atribuído ao tamanho reduzido da amostra, uma vez que na validação da BAMT-UFMG, com mais de 900 participantes, as correlações eram da ordem de 0.9, indicando que as duas versões do teste são virtualmente equivalentes20. Discrepâncias como esta nos obrigam a ter muito cuidado na interpretação de dados de correlação em amostras pequenas.

A análise dos padrões de correlação permite, entretanto, que façamos algumas especulações. A ausência de correlações com o teste de Stroop Victoria e com os testes de armazenamento sugere que o construto medido pelo PASAT difere da habilidade de inibir respostas prepotentes ou armazenar informação temporariamente na memória de curto-prazo. Da inexistência de correlações entre o PASAT e os dois escores de coordenação de operações na memória de trabalho também é possível depreender que ambas tarefas podem medir construtos diferentes. Uma análise do conteúdo das tarefas sugere que a BAMT-UFMG enfatiza mais o armazenamento e a estratégia de solução de problemas20, enquanto um componente de vigilância ou atenção sustentada no tempo pode ser essencial à resolução do PASAT.

Utilizando-se de procedimentos psicofísicos, Demaree e cols.9 demonstraram que a velocidade de processamento é uma componente essencial à resolução do PASAT. Os nossos dados de correlação significativa com as tarefas cronometradas, tais como a velocidade de discriminação perceptiva e a fluência de desenhos, estão de acordo com a hipótese de que a velocidade de processamento é uma das funções envolvidas no PASAT e que são comprometidas na esclerose múltipla. A ampliação da amostra permitirá análises estratificadas, examinando as relações entre as componentes motora (mais evidente no 9-HPT e nos testes de discrimi-nação perceptiva) e central (mais importantes no PASAT e na fluência de desenhos) envolvidas na lentificação do processamento informacional observada na EM. O padrão de intercorrelações para o teste dos trigramas consonantais sugere que a velocidade de processamento também está implicada na resolução desta tarefa. Os resultados descritos são mais indicativos de futuras questões de pesquisa do que propriamente definitivos. É importante ressaltar, entretanto, que a comunidade brasileira de EM dispõe agora de uma versão da MSFC em vias de ser validada.

Recebido 15 Maio 2002, recebido na forma final 10 Novembro 2003.

Aceito 8 Dezembro 2003.

Dr. Vitor Geraldi Haase - Departamento de Psicologia, UFMG - Avenida Antonio Carlos 6627, Fafich-sala F4060 - 3270-901 Belo Horizonte MG - Brasil. E-mail: haase@fafich.ufmg.br

  • 1.Cutter G R, Baier M L, Rudick R A., et al. Development of a multiple sclerosis functional composite as a clinical trial outcome measure. Brain 1999;122:871-882.
  • 2. Kurtzke J F. Rating neurologic impairment in multiple sclerosis: an expanded disability status scale (EDSS). Neurology 1983;33:1444-1452.
  • 3. Amato M P, Ponziani G. Quantification of impairment in MS: discussion of scales in use. Multiple Sclerosis 1998;5:216-219.
  • 4. Rudick R A, Antel J, Confavreux C, et al. Recommendations from the National Multiple Sclerosis Society Clinical Outcome Assessment Task Force. Ann Neurol 1997;42:379-382.
  • 5. Hauser SL, Dawson DM, Lehrich JR, et al. Intensive immunosuppression in progressive multiple sclerosis: a randomized, three-arm study of high-dose intravenous cyclophosphamide, plasma exchange and ACTD. N Engl J Med 1983;308:173-180.
  • 6. Spreen O, Strauss E. A compendium of neuropsychological test. Administration, norms and commentary, 2 ed. New York: Oxford Univ Press, 1998.
  • 7. Gronwall D M A. Paced auditory serial addition task: a measure of recovery from concussion. Percep Motor Skills 1977;44:367-373.
  • 8. Lezak, M. D. Neuropsychological assessment. (3ed.). New York: Oxford Univ Press, 1995.
  • 9. Demaree H A, DeLuca J, Gaudino E A, Diamond B J. Speed of information processing as a key deficit in multiple sclerosis: implications for rehabilitation. J Neurol Neurosurg Psychiatry 1999;67:661-663.
  • 10. Cohen J A, Cutter G A, Simonia N A, et al. Utilization of the Multiple Sclerosis Functional Composite as an outcome measure in the phase 3 trial of Interferon Beta-1a (Avonex) in secondary progressive multiple sclerosis (IMPACT). Neurology 1999;53(Supl 2),A548-A549.
  • 11. Rudick R A, Cutter G, Baier M., et al. Use of the Multiple Sclerosis Functional Composite to predict disability in relapsing MS. Neurology 2001;56:1324-1330.
  • 12. Fischer J S, Cohen J A., Cutter G R, et al. Intra- and inter-rater reliability of the Multiple Sclerosis Functional Composite. Neurology 1999;52:(Supl 2), A 548.
  • 13. Kalkers N F, Bergers E, Castelijns J A, et al.Optimizing the association between disability and biological markers in MS. Neurology 2001;57:1253-1258.
  • 14. Kalkers N F, Bergers E, de Groot V, et al. Concurrent validity of the MS Functional Composite using MRI as a biological disease marker. Neurology 2001; 56: 215-219.
  • 15. Kalkers N F, de Groot V, Lazeron R H C, et al. MS Functional Composite: relation to disease phenotype and disability strata. Neurology 2000;54:1233-1239.
  • 16. Hoogervorst E L J, van Winssen L M L, Eikenboom M J, Kalkers N F, Uitdehaag B M J, Polman C H. Comparison of patient self-report, neurologic examination, and functional impairment in MS. Neurology 2001;56:934-937.
  • 17. Schwid S R, Goodman A D, Apatoff B R, et al. Are quantitative functional meansures more sensitive to worsening MS than traditional meansures? Neurology 2000; 56:1901-1903.
  • 18. Poser C M, Pety D W, Scheinberg L, et al. New diagnostic criteria for multiple sclerosis: guidelines for research. Ann Neurol 1983;13:227-231.
  • 19. Lublin F, Reingold S C,. National Multiple Sclerosis Society (USA) Advisory Committee on Clinical Trials of New Angents in Multiple Sclerosis. Defining the clinical course of multiple sclerosis: results of an international survey. Neurology 1996;44:907-911.
  • 20. Wood G M O, Carvalho M R S, Rothe-Neves R, Haase V G. Validação da Bateria de Avaliação da Memória de Trabalho (BAMT-UFMG). Psicol Refl e Crít 2001;14:325-342.
  • 21. Salthouse T A, Babcock R L. Decomposing adult age differences in working memory. Dev Psychol 1991;27:763-776.
  • 22. Fischer J S, Jak A J, Kniker J E, Rudick R A, Cutter G. Administration and scoring manual for the Multiple Sclerosis Functional Composite Measure (MSFC). New York: Demos/National Multiple Sclerosis Society, 1999.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    08 Dez 2003
  • Revisado
    10 Nov 2003
  • Recebido
    15 Maio 2002
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org