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Monitorização vídeo-EEG prolongada em crises não epilépticas: semiologia clínica

Prolonged vídeo-EEG monitoring in nonepileptic seizures: clinical semiology

Resumos

O objetivo deste estudo foi mostrar a contribuição da monitorização vídeo-EEG prolongada (MVEP) no diagnóstico de crises não epilépticas (CNE) e estimar sua prevalência em um centro terciário de atendimento à Epilepsia (EP). Foram observados 47 pacientes com diagnóstico de CNE com crises espontâneas ou provocadas. Foram instituídos protocolos direcionados à história clínica e à semiologia das crises. A análise estatística baseou-se no teste de Fisher e na análise de cluster. Os resultados evidenciaram prevalência de 10% de CNE. Houve predominância do sexo feminino (63,8%); em 57% dos pacientes as crises foram espontâneas. A média de idade foi 32,5 ± 11anos. O sinal semiológico mais freqüente foi o sono aparente (87,2%). Em 9% dos pacientes observaram-se tanto EP como CNE. Três agrupamentos resultaram da análise de cluster: CNE hipermotora das extremidades com alteração de tônus; CNE com automatismos e CNE axial com movimentos oculares. Em conclusão, o estudo da semiologia clínica das CNE durante a MVEP contribui para o diagnóstico desta entidade nosológica e para o diagnóstico diferencial com EP; o teste provocativo auxilia na obtenção das crises.

semiologia; vídeo-EEG; crises não epilépticas


The purpose of this study was to point out the effectiveness of prolonged video EEG monitoring (PVEM) in the diagnosis of nonepileptic seizures (NES) as well as to estimate its prevalence in a reference center of epilepsy (EP). A sample of 47 patients with the diagnosis of NES with spontaneous or provoked seizures was observed. A protocol with the clinical history and semiology of seizures was analyzed; Fisher's exact test and cluster analysis were used for statistical observation. The results showed a prevalence of 10% of NES; more prevalence in females (63.8%); the crises were spontaneous in 57% of the patients. The mean age was 32.5 ± 11 years and the most frequent semiological sign was apparent sleep (82.2%). Either EP or NES was observed in 9% of the patients. There were three groups according to the cluster analysis: hypermotor NES of the extremities with tonus alteration; NES with automatism; and axial NES with eye movements. In conclusion, the study of clinical semiology of NES during the PVEM provides both this nosological entity and the differential EP diagnoses while the provocative test helps to obtain the seizures.

semiology; video EEG; nonepileptic seizures


Monitorização vídeo-EEG prolongada em crises não epilépticas: semiologia clínica

Prolonged vídeo-EEG monitoring in nonepileptic seizures: clinical semiology

Lúcia Helena Neves MarquesI; Sérgio José Alves de AlmeidaII; Adriana Barbosa SantosIII

Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Rio Preto, SP, Brasil (FAMERP) e Universidade Estadual de São Paulo, São José do Rio Preto SP, Brasil (UNESP)

IDepartamento de Ciências Neurológicas da FAMERP; neurofisiologista pós-graduando

IIProfessor Assistente Doutor do Departamento de Psiquiatria e Psicologia Médica da FAMERP

IIIDocente do Departamento de Ciências de Computação e Estatística da UNESP

RESUMO

O objetivo deste estudo foi mostrar a contribuição da monitorização vídeo-EEG prolongada (MVEP) no diagnóstico de crises não epilépticas (CNE) e estimar sua prevalência em um centro terciário de atendimento à Epilepsia (EP). Foram observados 47 pacientes com diagnóstico de CNE com crises espontâneas ou provocadas. Foram instituídos protocolos direcionados à história clínica e à semiologia das crises. A análise estatística baseou-se no teste de Fisher e na análise de cluster. Os resultados evidenciaram prevalência de 10% de CNE. Houve predominância do sexo feminino (63,8%); em 57% dos pacientes as crises foram espontâneas. A média de idade foi 32,5 ± 11anos. O sinal semiológico mais freqüente foi o sono aparente (87,2%). Em 9% dos pacientes observaram-se tanto EP como CNE. Três agrupamentos resultaram da análise de cluster: CNE hipermotora das extremidades com alteração de tônus; CNE com automatismos e CNE axial com movimentos oculares. Em conclusão, o estudo da semiologia clínica das CNE durante a MVEP contribui para o diagnóstico desta entidade nosológica e para o diagnóstico diferencial com EP; o teste provocativo auxilia na obtenção das crises.

Palavras-chave: semiologia, vídeo-EEG, crises não epilépticas.

ABSTRACT

The purpose of this study was to point out the effectiveness of prolonged video EEG monitoring (PVEM) in the diagnosis of nonepileptic seizures (NES) as well as to estimate its prevalence in a reference center of epilepsy (EP). A sample of 47 patients with the diagnosis of NES with spontaneous or provoked seizures was observed. A protocol with the clinical history and semiology of seizures was analyzed; Fisher's exact test and cluster analysis were used for statistical observation. The results showed a prevalence of 10% of NES; more prevalence in females (63.8%); the crises were spontaneous in 57% of the patients. The mean age was 32.5 ± 11 years and the most frequent semiological sign was apparent sleep (82.2%). Either EP or NES was observed in 9% of the patients. There were three groups according to the cluster analysis: hypermotor NES of the extremities with tonus alteration; NES with automatism; and axial NES with eye movements. In conclusion, the study of clinical semiology of NES during the PVEM provides both this nosological entity and the differential EP diagnoses while the provocative test helps to obtain the seizures.

Key words: semiology, video EEG, nonepileptic seizures.

Crises não epilépticas (CNE) são crises que, aparentemente, se assemelham às crises epilépticas e apresentam traçado eletrencefalográfico normal no momento do evento. Nas últimas décadas, a monitorização vídeo eletroencefalográfica prolongada (MVEP) trouxe um grande avanço na investigação clínico-neurofisiológica, pois permite o registro de crises de qualquer natureza (epiléptica ou não epiléptica), que ocorrem de maneira intermitente e imprevisível. Efetua um registro prolongado de horas ou até dias, mostrando o comportamento dos diferentes tipos de crises epilépticas, sua caracterização, classificação e freqüência, bem como o diagnóstico diferencial das crises provocadas por mecanismos não epilépticos, possibilitando o diagnóstico das CNE.

Em conseqüência das dificuldades do diagnóstico, as CNE sempre foram diagnosticadas baseadas em suas manifestações clínicas e na sua associação causal com algum distúrbio emocional, embora suas causas possam ser psicogênicas ou fisiológicas. Dentre as causas fisiológicas, em nosso meio, a mais freqüente é a síncope. As causas psicogênicas são variáveis e do ponto de vista funcional1 podem decorrer de vários mecanismos psicopatogênicos1. As CNE podem também ser confundidas com distúrbios do sono, como as dissônias e parassônias, além dos distúrbios comportamentais do sono REM. Nas epilepsias, particularmente as crises epilépticas primárias e secundariamente generalizadas, ocorrem freqüentemente durante o sono2,3, As CNE ocorrem durante a vigília ou sono aparente (situação em que o paciente permanece como se estivesse dormindo, mas o EEG mostra atividade elétrica cerebral de vigília)3-5.

A prevalência de CNE varia de 5% a 20% na população geral e de 10% a 40% nos centros de tratamento de epilepsia6,7. A associação entre CNE e epilepsia em um mesmo paciente, variou entre 10% e 58%, em diferentes centros de epilepsia8-11. A história clínica (HDA) tem papel importante no decorrer da avaliação das crises epilépticas e não epilépticas descrevendo o modo de instalação, a associação causal com algum fenômeno físico e/ou psicológico, os antecedentes pessoais e hereditários12.

As características semiológicas das crises não são específicas nas CNE, apresentando-se de diversas formas, podendo ser subdivididas em tipos mais freqüentes5,12,13-17. As CNE podem ainda ser espontâneas ou decorrentes de testes provocativos, sendo estes positivos em 70% dos pacientes18-21. O traçado eletrencefalográfico normal durante a crise analisado concomitante com a HDA, semiologia clínica e o modo de obtenção da crise permite o diagnóstico de CNE, embora exista algumas EP, como por exemplo as crises parciais simples com elaboração psicogênica, cujo o eletrencefalograma crítico, apenas é alterado com o uso de eletrodos profundos intracranianos22.

Este estudo tem como objetivo verificar a prevalência de CNE em um centro de atendimento terciário para pacientes com hipótese diagnóstica de epilepsia refratária (ER); identificar os achados semiológicos clínicos mais freqüentes em CNE durante a MVEP, agrupando-os em tipos de crises e mostrar a contribuição da MVEP no diagnóstico diferencial de CNE e epilepsia.

MÉTODO

Para realização deste estudo foram instituídos dois protocolos: um direcionado à avaliação semiológica da crise e o outro direcionado à história clínica dos pacientes. Estes dois protocolos foram preenchidos e aplicados pelo pesquisador nos 47 pacientes com de CNE, dentre os 466 pacientes consecutivos cujas MVEP foram realizadas no período de abril de 1997 a dezembro de 1999 no Hospital de Base de São José do Rio Preto. O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, contando com o consentimento informado dos pacientes.

O protocolo 1 constou da HDA com identificação do início das crises, presença ou ausência de algum fato relacionado ao início, freqüência, tipo e modo de instalação da crise. Posteriormente observou-se o período pós-crise, bem como a data da última crise, drogas usadas anteriormente e as atuais, envolvidas no tratamento. Na história pregressa, investigou-se a presença de convulsão febril, traumatismo crânio encefálico (TCE), problemas de parto, quadros psiquiátricos, história de abusos físico ou sexual, história de epilepsia e outros achados espontaneamente relatados pelo paciente.

O protocolo 2 foi dividido em duas partes: a primeira parte constou da avaliação do início da crise, acordado ou em sono aparente, e a segunda parte avaliou-se a crise propriamente dita. Na avaliação da crise dividiu-se a abordagem em manifestações motoras (A) e manifestações não motoras (B). As manifestações motoras são as observadas nos membros superiores (MMSS), nos membros inferiores (MMII), na pélvis, no tronco, na cabeça, nos olhos, bem como a presença de automatismos, de mudanças do tônus muscular e de vocalização. Nas manifestações não motoras, descreve-se o estado de consciência através de respostas a estímulos verbais, nociceptivos e a possibilidade de mudanças do padrão da crise, através da sugestão verbal solicitando ao paciente a realização de um movimento ou ação em um dos segmentos corpóreos ou com a realização de um estímulo tátil. A função respiratória é também analisada, dando ênfase à presença de bradipnéia ou taquipnéia. As manifestações autonômicas são descritas quanto à presença ou ausência, observando palidez, cianose, hiperemia, sudorose, liberação esfincteriana anal ou vesical, sialorréia e diâmetro das pupilas. Outras análises, quanto a duração, quantidade e fatores desencadeantes das crises, também foram avaliadas neste protocolo.

As variáveis qualitativas envolvidas no estudo foram: início da crise, movimentos dos membros superiores (MOV-MMSS), movimentos dos membros inferiores (MOV-MMII), movimentos cefálicos (MC), movimentos pélvicos (MP), tônus, posição do tronco (TC), movimentos oculares (MO), automatismos (AUT), vocalização (VOC), função respiratória, manifestações autonômicas, mudança no padrão da crise, resposta aos estímulos verbais, resposta aos estímulos nociceptivos e fator desencadeante da crise. Estas variáveis foram analisadas quanto à associação entre elas e quanto aos agrupamentos para definição de "clusters". As variáveis quantitativas foram idade e duração da crise.

Os eventos foram registrados em MVEP em equipamento de filmagem com câmera de vídeo acoplada simultânea e sincronicamente a um computador Pentium e um programa da marca ATI-Nautilus, de 26 canais e os exames tiveram a duração de no mínimo oito horas.

As crises epilépticas ou não foram primeiramente aguardadas para que ocorressem espontaneamente, caso contrário, se a história clínica evidenciasse alguma suspeita de que as crises fossem de origem não epiléptica, usaram-se métodos de indução ou testes provocativos. Para a indução os métodos escolhidos foram: sugestão verbal concomitante à hiperventilação e sugestão verbal associada à colocação de chumaços de algodão embebidos em álcool na região cervical anterior, bilateralmente, como desencadeadoras de crises. Antes da sua realização foi feito esclarecimento do procedimento, para o paciente e o acompanhante, respeitando a ética e a sua dignidade.

Os eletrodos usados foram de escalpo, colocados obedecendo-se ao Sistema Internacional 10-2023 ou às vezes modificado para o Sistema 10-10. A interpretação foi feita pelo próprio pesquisador, médico neurofisiologista. Para o diagnóstico de CNE, o traçado eletrencefalográfico durante a crise, estava necessariamente normal.

A análise estatística univariada baseou-se em cálculos de estatísticas e na aplicação do teste de Fisher. A análise multivariada (análise de cluster) foi empregada para identificar agrupamentos relacionados aos achados semiológicos clínicos, considerando-se duas situações fundamentais: (1) tomando-se os 47 pacientes estudados num primeiro momento e (2) tomando-se as 30 pacientes do sexo feminino.

RESULTADOS

Do total de 466 pacientes avaliados consecutivamente através da MVEP, encontramos 47 portadores de CNE, sendo a prevalência estimada de 10%. Quatro pacientes (9%) apresentaram associação de CNE e epilepsia. Trinta pacientes eram do sexo feminino (63,8%) e 17 (36,2%) do masculino. Os pacientes selecionados tinham idade variando entre 11 e 60 anos, com média de 32,5 anos e desvio padrão de 11,0 anos. A maioria dos pacientes encontrava-se na faixa etária entre 31 e 40 anos (20 pacientes), seguida em ordem decrescente nas faixas de 21 a 30 anos (14 pacientes), 11 a 20 anos (6 pacientes), 41 a 50 anos (4 pacientes) e de 51 a 60 anos (3 pacientes).

As crises foram obtidas espontaneamente em 27 pacientes (57%) e foram induzidas através de teste provocativo em 20 pacientes (43%). A Tabela 1 traz resultados relativos à freqüência e percentual de sintomas individuais, seguindo ordem decrescente. Observa-se que, na avaliação semiológica das CNE, o início em sono aparente foi o sinal semiológico mais freqüente. No caso específico de movimento pélvico observou-se maior incidência entre as mulheres, com sete entre nove casos (77,8%).

Quanto à duração da crise, em 37 pacientes (78%), as crises tiveram duração de 1 a 5 minutos; em 4 pacientes (9%), duraram entre 5 e 10 minutos e em 6 pacientes (13%) a duração foi menor do que 1 minuto.

Nas Tabelas 2, 3 e 4 são apresentados resultados de freqüências e percentuais relativos à associação entre duas variáveis qualitativas, bem como os valores da probabilidade de significância (valores p) provenientes da aplicação do teste de Fisher para tabelas 2x2. Conforme destacado nas Tabelas 2 a 4, as variáveis apresentaram associação estatisticamente significativa (p<0,05).

A análise multivariada dos dados da amostra completa (situação 1) resultou em três agrupamentos que podem auxiliar na definição do diagnóstico. O primeiro cluster identificado foi composto pelas seguintes manifestações motoras: movimentos dos membros superiores, movimentos dos membros inferiores, alteração do tônus muscular e movimentação cefálica. Esse conjunto de manifestações foi denominado crise não epiléptica hipermotora das extremidades com alteração do tônus.

O segundo cluster foi composto por: manifestações motoras decorrentes de automatismo e vocalização, os quais, quando combinados, receberam a denominação crise não epiléptica com automatismos. As manifestações motoras envolvidas no terceiro cluster incluíram movimento ocular, movimento pélvico e mudança na posição do tronco, o qual foi denominado crise não epiléptica axial com movimentos oculares.

Quando analisada a amostra com sexo feminino (situação 2), os agrupamentos obtidos foram idênticos aos encontrados para a amostra completa (situação 1). As Figuras 1 e 2 trazem os dendogramas construídos para as variáveis envolvidas nas análises de cluster com a amostra completa (situação 1) e com o subgrupo constituído pelo sexo feminino (situação 2).



DISCUSSÃO

Saber diferenciar a epilepsia das crises não epilépticas é essencial, tanto para o médico como para outros profissionais da saúde envolvidos no bem estar do paciente, alertando-os para a necessidade de seriedade e critérios metodológicos frente aos diversos tipos de eventos paroxísticos. Os pacientes portadores de CNE têm por vezes o diagnóstico de epilepsia refratária, com quadros clínicos graves, incapacitantes para o trabalho e muitas vezes são submetidos a altas doses de anticonvulsivantes, por longos períodos de tempo. Estas drogas, além de efeitos colaterais indesejáveis, apresentam alto custo/benefício e a sua suspensão ou diminuição é relevante. Os eventos paroxísticos, epilépticos ou não, apresentavam seu diagnóstico, baseado na maioria das vezes na história clínica e em exames de EEG realizados fora do evento e por curto período de tempo, o que poderia levar a diagnósticos incorretos. Com a evolução dos registros eletrencefalográficos prolongados digitais, simultâneos à gravação em vídeo, a semiologia das crises passou a ser mais bem estudada em correlação com o traçado eletrencefalográfico.

Assim como em outros trabalhos da literatura6,7,24 a prevalência estimada neste estudo foi de 10%, com predomínio no sexo feminino e na faixa etária de 21 a 40 anos. A associação entre CNE e EP também está em consonância com os achados de diversos centros especializados em epilepsia8-11. Quanto ao fator desencadeante da crise, as CNE espontâneas foram observadas na maioria dos pacientes durante a sua realização e com a participação do acompanhante, confirmando o tipo de crise obtida como sendo a mesma crise apresentada no seu cotidiano18,20,21. Apesar de relatos de obtenção de crises epilépticas durante testes provocativos, não as constatamos em nenhum dos pacientes21,24.

Dentre os vários tipos de CNE que, semiologicamente, se assemelham às crises epilépticas ou distúrbios do sono, as crises epilépticas são as que mais se assemelham com CNE, em particular as crises epilépticas que se originam no Lobo Frontal, na área motora suplementar23-25, as quais predominam durante o sono, confundindo-se com as CNE que se iniciam em sono aparente3-5,26. As CNE que ocorrem exclusivamente durante o sono provavelmente não são de origem psicogênica4,5. Entre os distúrbios do sono, o traçado eletrencefalográfico durante a MVEP define o diagnóstico, identificando se há estado de vigília, de sono aparente ou de sono. O sono aparente foi o sinal clínico semiológico mais freqüente dentre os pacientes estudados neste estudo (Tabela 1), seguido dos movimentos dos membros inferiores (em fase ou fora de fase)27. Os movimentos pélvicos, embora tenham ocorrido em apenas 9 pacientes (19,1%), predominaram no sexo feminino (77,8%) 6,15,19. Esta predominância foi evidenciada nos estudos realizados em portadores de epilepsias de lobo frontal, seguido das CNE28.

A duração das CNE foi entre 1 e 5 minutos, ou seja, de 60 a 300 segundos. A duração maior das CNE do que as crises epilépticas foi analisada em outros estudos, encontrando-se a média de 1,15 minutos em crises epilépticas tônico-clônicas generalizadas (variando de 0,83 a 1,53 minutos), enquanto que nas CNE a média encontrada foi 2,23 minutos (variando de 0,33 a 14,16 minutos)11,15,16,19. Desta maneira, a duração das crises deve ser pesquisada na HDA e depois durante a MVEP, sendo este um dado semiológico relevante no diagnóstico diferencial.

A aplicação do teste de Fisher trouxe evidências estatisticamente significantes sobre as associações entre as variáveis: mudanças da função respiratória e modificação do padrão da crise; respostas a estímulos nociceptivos e respostas a estímulos verbais; e respostas a estímulos verbais e modificações do padrão da crise. Tais evidências revelam que os pacientes que responderam aos estímulos verbais ou nociceptivos foram susceptíveis às mudanças do padrão da crise, o que indicou estado de consciência preservada. Quando analisados em associação com a mudança da função respiratória, observou-se que ocorriam, em sua maioria, em pacientes que apresentavam taquipnéia durante a crise.

As denominações de crises motoras psicogênicas com predomínio das manifestações motoras mais acentuadas das extremidades (MMSS e MMII), cefálica e pélvica, de crises motoras menores psicogênicas, com predomínio de tremores nas extremidades e de crises atônicas psicogênicas, com ausência de manifestações motoras e constituídas por quedas foram usadas por Groppel et al.17, mostrando sua utilidade numa possível classificação destas crises, ou mesmo seqüências mais freqüentes, que poderiam facilitar a sua identificação, durante uma crise. Nas epilepsias estão claros os agrupamentos destes sinais, os quais definem o tipo de crise e sua classificação sindrômica. Nas CNE a variedade de sinais semiológicos clínicos é grande, porém não específica, dificultando estes agrupamentos. Neste estudo, os resultados da análise de clusters realizada com os 47 pacientes, assim como a análise feita com as 30 pacientes do sexo feminino, possibilitaram identificar três tipos de agrupamentos, os quais receberam denominações também conforme predomínio dos sinais semiológicos clínicos seqüenciados, a saber, crise não epiléptica hipermotora das extremidades com alteração do tônus, crise não epiléptica com automatismos e crise não epiléptica axial com movimentos oculares. Os agrupamentos obtidos foram os mesmos nas duas situações analisadas, mostrando que o sexo não é uma variável de influência na determinação do agrupamento. Este fato sugere que estas denominações sejam usadas independentemente do sexo, quando do diagnóstico da CNE.

Os resultados aqui apresentados contribuem para o desenvolvimento de uma classificação das CNE e fornecem subsídios para melhor diagnóstico clínico da CNE, na ausência da MVEP. O teste provocativo mostrou ser procedimento eficaz na obtenção da CNE e o conhecimento dos inter-relacionamentos existentes entre os sinais semiológicos clínicos contribui para aprimorar o diagnóstico de CNE em setores de emergências hospitalares. Nos atendimentos ambulatoriais, a MVEP é o método diagnóstico que fornece maior confiabilidade para determinação do diagnóstico de CNE, além de permitir diferenciá-las das epilepsias.

Recebido 28 Julho 2003, recebido na forma final 9 Dezembro 2003. Aceito 4 Fevereiro 2003.

Dra. Lúcia Helena Neves Marques - Avenida Brigadeiro Faria Lima 5544 - 15090-000 São José do Rio Preto SP - Brasil. E-mail: marqueslh@aol.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Jul 2004
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    04 Fev 2003
  • Recebido
    28 Jul 2003
  • Revisado
    09 Dez 2003
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