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Como as crianças de 7 a 11 anos explicam sua cefaléia

How children aged 7 to 11 explain their headache

Resumos

O objetivo deste estudo foi observar a capacidade de crianças de 7 a 11 anos de idade em descrever sua cefaléia na anamnese. Para tanto, foram feitas duas avaliações de 94 crianças em entrevistas individuais pela mesma pediatra, com intervalo de seis a oito semanas, sem a presença de adultos. As características da dor de cabeça destas crianças puderam ser avaliadas nestas entrevistas, não havendo dados significativamente conflitantes entre as duas sessões. Embora habitualmente descrita e valorizada pelo adulto que acompanha a consulta, a cefaléia da infância deveria ser informada pelo próprio paciente. Neste grupo de crianças de 7 a 11 anos as informações foram obtidas sem dificuldade quando se permitiu à criança que usasse suas próprias palavras, no tempo que fosse necessário.

cefaléia; enxaqueca; infância


The aim of the present study was to observe the ability of children aged 7 to 11 in describing their headache during anamnesis. For this purpose, two evaluations of 94 children were performed in individual assessments, done by the same Pediatrician, within a six to eight week interval, without the presence of adults. The characteristics of headache in these children could be properly evaluated during the interviews. There were no remarkable conflicting information between the two interviews. Although the headache of the child is usually described by the accompanying adult during the consultation, childhood headache should really be informed by the patient. In this group of young children (7 to 11 years old), information could be obtained without difficulty since we allowed the child enough time and the use of his (her) own words.

headache; migraine; childhood


Como as crianças de 7 a 11 anos explicam sua cefaléia

How children aged 7 to 11 explain their headache

Rosana M.R. MendonçaI; Yára D. FragosoII; Ricardo DinizIII

Faculdade de Medicina da UNIMES, Santos SP, Brasil

IPediatra responsável pelas avaliações das crianças

IIProfessora Titular de Neurologia Clínica da Faculdade de Medicina da UNIMES

IIIProfessor Titular de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UNIMES

RESUMO

O objetivo deste estudo foi observar a capacidade de crianças de 7 a 11 anos de idade em descrever sua cefaléia na anamnese. Para tanto, foram feitas duas avaliações de 94 crianças em entrevistas individuais pela mesma pediatra, com intervalo de seis a oito semanas, sem a presença de adultos. As características da dor de cabeça destas crianças puderam ser avaliadas nestas entrevistas, não havendo dados significativamente conflitantes entre as duas sessões. Embora habitualmente descrita e valorizada pelo adulto que acompanha a consulta, a cefaléia da infância deveria ser informada pelo próprio paciente. Neste grupo de crianças de 7 a 11 anos as informações foram obtidas sem dificuldade quando se permitiu à criança que usasse suas próprias palavras, no tempo que fosse necessário.

Palavras-chave: cefaléia, enxaqueca, infância.

ABSTRACT

The aim of the present study was to observe the ability of children aged 7 to 11 in describing their headache during anamnesis. For this purpose, two evaluations of 94 children were performed in individual assessments, done by the same Pediatrician, within a six to eight week interval, without the presence of adults. The characteristics of headache in these children could be properly evaluated during the interviews. There were no remarkable conflicting information between the two interviews. Although the headache of the child is usually described by the accompanying adult during the consultation, childhood headache should really be informed by the patient. In this group of young children (7 to 11 years old), information could be obtained without difficulty since we allowed the child enough time and the use of his (her) own words.

Key words: headache, migraine, childhood.

Estima-se que até 40% das crianças brasileiras sofram de cefaléia1. Os estudos de cefaléia na infância são raros2, muitos deles com falhas metodológicas, tendendo a supervalorizar a informação do adulto acompanhante em detrimento da informação da criança3. Os autores acreditam que as crianças são capazes de explicar os detalhes de suas crises de dor e que os achados de tais avaliações são confiáveis.

Crianças com cefaléia costumam ser consultadas pelo pediatra e não pelo neurologista3. Os autores consideram que os pediatras devem conhecer bem as nuances do diagnóstico das cefaléias, uma vez que farão o atendimento primário destes pacientes.

O presente estudo foi proposto com a finalidade de determinar como crianças de 7 a 11 anos podem descrever características da própria cefaléia durante a anamnese.

MÉTODO

O protocolo deste estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da UNIMES. Todas as crianças participantes deste estudo tiveram autorização escrita dos pais ou responsável, estando estes cientes do caráter investigativo deste projeto. Não foram realizados exames médicos ou laboratoriais. As crianças foram encorajadas a conversar com pais ou responsável sobre as entrevistas e sobre os resultados das avaliações.

Duas escolas particulares da cidade de Santos, SP, concordaram em participar deste estudo. Em visitas às classes de alunos da 1ª à 6ª série do ensino fundamental, foi solicitado às crianças que apresentassem cefaléia que se identificassem. A estas crianças foi dado um formulário explicando o objetivo e métodos do estudo, para que discutissem com os pais ou responsável. Estando estes de acordo, os formulários eram retornados preenchidos e assinados. A criança era então entrevistada individualmente pela pediatra, visando a caracterização da cefaléia sem a influência de acompanhantes adultos. As entrevistas foram feitas em local calmo, sendo permitido que a criança escrevesse, desenhasse e usasse suas próprias palavras para descrever a cefaléia. Não havia limite de tempo para responder ao questionário durante a entrevista, sendo permitida a livre expressão da criança. Opções de respostas às características da dor somente foram apresentadas à criança quando exemplos eram solicitados por ela, e ainda assim sempre com duas ou três possibilidades.

Na primeira consulta os seguintes dados foram obtidos: tempo de duração da cefaléia; freqüência de crises; localização da dor; caráter da dor; duração da dor; intensidade da dor, fatores de melhora; fatores de piora; sintomas acompanhantes da dor; antecedentes familiares de cefaléia; médicos consultados.

Após a primeira avaliação, foi solicitado à criança que prestasse atenção em todos os dados acima relacionados, pois este questionário seria respondido novamente depois de algumas semanas. Havendo alguma crise de cefaléia no intervalo das duas avaliações, a criança deveria observar com cuidado os detalhes e características desta crise. Não houve registro em diário detalhado, porém foi encorajado o registro e anotações pela criança entre as duas entrevistas.

Após seis a oito semanas, as crianças foram todas reavaliadas pela mesma pediatra, sob as mesmas condições, com o mesmo questionário.

RESULTADOS

Um grupo de 94 crianças, uniformemente distribuído para sexo e idade, foi entrevistado em duas ocasiões pela mesma pediatra (R.M.). A Tabela 1 mostra um resumo dos dados demográficos deste grupo.

A Tabela 2 mostra os resultados da caracterização da cefaléia de acordo com a idade e também no grupo todo. Sessenta e cinco crianças (69,1%) apresentavam cefaléia há mais de um ano; quatro diziam mesmo ter dor "desde que nasceram". A localização da dor foi predominantemente frontal; 52% das crianças a referiam como "na testa", espalmando a mão sobre a região. Em 22 crianças (23,4%) observou-se tendência a unilateralidade da dor nas crises. O caráter latejante da dor predominou entre os entrevistados, sendo referida por 42 crianças (44,7%). Dor em peso (26,6%) e aperto (23,4%) também foram freqüentes.

A duração da dor foi menor ou igual a 4 horas em 88,9% das crianças, havendo predomínio de dor moderada (58,5%) ou forte (29,8%). Repouso e sono foram freqüentemente citados como fatores de melhora (93,2%), embora seja preocupante o número de crianças que fazem uso de medicação analgésica (47,9%). Entre os fatores de piora da dor, destacaram-se luz (48,9%), som (38,3%) e odores (26,6%). Estes dados estão detalhados na Tabela 3.

É necessário observar que 46,8% das crianças relataram algum tipo de alteração visual durante a crise, descrevendo estrelinhas, luzes, escurecimento da visão, visão embaçada, dificuldade para ler ou pontos escuros no campo visual. Tais descrições não puderam ser caracterizadas como auras visuais das crises.

A convivência com dores de cabeça era observada em 83% das crianças que referiam cefaléia em pelo menos um parente em primeiro grau.

Deste grupo de 94 crianças, 39 (41,5%) já haviam sido consultadas por médico devido à cefaléia. Apenas duas crianças haviam sido avaliadas por neurologistas, tendo as demais sido consultadas por pediatras, otorrinolaringologistas, homeopatas e oftalmologistas.

As informações obtidas na segunda entrevista não trouxeram dados significativamente diferentes, exceto pela freqüência de crises, fato observado também em adultos na prática clínica diária.

DISCUSSÃO

A cuidadosa e detalhada história da cefaléia é fundamental para o diagnóstico tanto em adultos quanto em crianças4. Apenas com o diagnóstico correto será possível instituir o tratamento adequado5, inclusive evitando o uso abusivo de analgésicos que poderá mudar a evolução natural da cefaléia primária6. No presente estudo, as crianças entrevistadas foram capazes de detalhar as características de sua cefaléia de forma bastante satisfatória, assertiva, e com segurança. As crianças responderam sem dificuldade as questões formuladas e deram exemplos, fizeram comparações, se esforçando para tornar tudo muito claro. Por exemplo, quando solicitadas a descrever o caráter da dor, as crianças explicavam que "era como um coração batendo", ou "era como uma coisa muito pesada em cima da cabeça". A capacidade em descrever claramente os detalhes da dor não estava restrita aos mais velhos. As 94 crianças de 7 a 11 anos de idade responderam objetivamente e, exceto pela freqüência de crises, os dados das duas entrevistas foram bastante semelhantes. Frente a casos de simulação e de dados inconsistentes, seria esperado que as respostas fossem pelo menos em parte contraditórias após intervalo de pelo menos seis semanas.

Não tivemos a intenção de diagnosticar a cefaléia destas crianças, apenas avaliamos o papel da criança na anamnese. No entanto, devido ao tempo de dor, freqüência de crises, intensidade e duração da cefaléia, fatores de piora e de melhora, e fatores acompanhantes, nos parece que boa parte desta população seria portadora de enxaqueca7. Resultados semelhantes foram obtidos por outros autores trabalhando com populações brasileiras8,9.

Nossa sugestão aos pediatras seria que a criança com cefaléia pudesse descrever a própria dor. O adulto acompanhante poderá não valorizar os mesmos dados que a criança que sofre da dor, sendo mesmo muito difícil a alguém descrever a dor de outrem. Obviamente, como citado por outros pesquisadores, pais e filhos podem concordar em vários itens relativos à cefaléia, e ambos devem ser ouvidos10.

Embora a enxaqueca na infância seja freqüente11 é comum que ela seja sub-diagnosticada em crianças12. É raro que o neurologista esteja envolvido em avaliações iniciais de cefaléia na infância3 e, nas clínicas de atendimento de cefaléia, existe claro predomínio das formas já crônicas13,14. O caráter crônico da cefaléia estava presente em 18,1% das crianças de nosso estudo, devido à freqüência maior ou igual a 15 dias por mês com cefaléia.

O não-especialista consultado para avaliar uma criança com cefaléia pode obter muitos dados relevantes na primeira consulta. Em entrevistas subseqüentes, as crianças podem ter reconsiderado os detalhes da dor e informar ainda melhor sobre as crises. Diários de registro de cefaléia podem auxiliar nestas avaliações15-17 e devem ser encorajados. Podem ser utilizados diários detalhados, padronizados pelos serviços de atendimento em cefaléia, porém a simples anotação pela criança e familiares pode trazer informações importantes nas primeiras consultas.

Recebido 29 Setembro 2003, recebido na forma final 27 Fevereiro 2004. Aceito 27 Março 2004.

Dr. Ricardo Diniz - Rua da Constituição 374 - 11015-470 Santos SP - Brasil. E-mail: diretoria.medicina@unimes.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004

Histórico

  • Aceito
    27 Mar 2004
  • Revisado
    27 Fev 2004
  • Recebido
    29 Set 2003
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