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Hemorragia intraparenquimatosa encefálica espontânea: achados à tomografia computadorizada

Spontaneous intraparenchymatous hemorrhage: findings at computed tomography

Resumos

Foram analisados os exames de tomografia computadorizada de crânio de 250 pacientes com hematoma intraparenquimatoso encefálico espontâneo em três diferentes hospitais na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de se levantar os aspectos mais freqüentes desta doença. O hematoma intraparenquimatoso cerebral profundo foi o de maior incidência, seguido do lobar. Mais raramente foi observado sangramento cerebelar e do tronco cerebral. A faixa etária de acometimento mais freqüente foi entre 61 e 70 anos de idade. Não houve diferença expressiva quanto ao sexo predominante ou ao lado mais acometido, porém verificou-se que os homens são mais acometidos em uma faixa etária mais precoce do que as mulheres. A cefaléia foi o sintoma de maior freqüência e a hipertensão arterial esteve presente na maioria dos casos. A drenagem da hemorragia para o sistema ventricular ocorreu mais comumente nos hematomas profundos.

hematoma intraparenquimatoso; tomografia computadorizada


Computed tomography studies of 250 patients with spontaneous hemorrhage were examined in three hospitals in the city of Rio de Janeiro. The goal of this study was to identify the aspects of this disease that appear most frequently in this type of exam. Deep intracerebral hematomas have had the highest incidence followed by lobar hemorrhage, with thalamus being more frequently affected. Cerebelar hemorrhage was much rarer, with brainstem bleeding observed in few patients. The age group with a peak incidence was at 61 to 70 years. Headache was the most frequently related symptom and elevated levels of blood pressure were found in most of the cases. There was no pronounced difference as to predominance in either sex or side most affected but it was observed that the onset of this disease occurs at an earlier age in men than in women. Blood draining into the ventricular system occurred more frequently in deep hematomas.

spontaneous hemorrhage; computed tomography


Hemorragia intraparenquimatosa encefálica espontânea: achados à tomografia computadorizada

Spontaneous intraparenchymatous hemorrhage: findings at computed tomography

Celso Monteiro SoaresI; Antonio Carlos Pires CarvalhoII; Andréa de Jesus RodriguesIII

Hospital Pan-Americano, Hospital Municipal Salgado Filho e Centro de Imagem Pinheiro Machado, Rio de Janeiro, Brasil

IAluno do programa de Pós-Graduação em Radiologia da Faculdade de Medicina (FM) da Universidade Federal Rio de Janeiro (UFRJ)

IIProfessor Adjunto do Departamento de Radiologia da FM-UFRJ

IIIMédica Residente do Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) - Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

RESUMO

Foram analisados os exames de tomografia computadorizada de crânio de 250 pacientes com hematoma intraparenquimatoso encefálico espontâneo em três diferentes hospitais na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de se levantar os aspectos mais freqüentes desta doença. O hematoma intraparenquimatoso cerebral profundo foi o de maior incidência, seguido do lobar. Mais raramente foi observado sangramento cerebelar e do tronco cerebral. A faixa etária de acometimento mais freqüente foi entre 61 e 70 anos de idade. Não houve diferença expressiva quanto ao sexo predominante ou ao lado mais acometido, porém verificou-se que os homens são mais acometidos em uma faixa etária mais precoce do que as mulheres. A cefaléia foi o sintoma de maior freqüência e a hipertensão arterial esteve presente na maioria dos casos. A drenagem da hemorragia para o sistema ventricular ocorreu mais comumente nos hematomas profundos.

Palavras-chave: hematoma intraparenquimatoso, tomografia computadorizada.

ABSTRACT

Computed tomography studies of 250 patients with spontaneous hemorrhage were examined in three hospitals in the city of Rio de Janeiro. The goal of this study was to identify the aspects of this disease that appear most frequently in this type of exam. Deep intracerebral hematomas have had the highest incidence followed by lobar hemorrhage, with thalamus being more frequently affected. Cerebelar hemorrhage was much rarer, with brainstem bleeding observed in few patients. The age group with a peak incidence was at 61 to 70 years. Headache was the most frequently related symptom and elevated levels of blood pressure were found in most of the cases. There was no pronounced difference as to predominance in either sex or side most affected but it was observed that the onset of this disease occurs at an earlier age in men than in women. Blood draining into the ventricular system occurred more frequently in deep hematomas.

Key words: spontaneous hemorrhage, computed tomography.

Este estudo surgiu a partir de um levantamento realizado em 1994 de uma condição relativamente freqüente em nosso meio, principalmente nas emergências hospitalares, que é o hematoma intraparenquimatoso (HIP) encefálico espontâneo. O diagnóstico clínico de HIP encefálico nem sempre é fácil, podendo ser confundido com outras lesões cerebrais. A contribuição de métodos de diagnóstico por imagem como a tomografia computadorizada (TC) promoveu grande facilidade no diagnóstico diferencial destas doenças sendo, também, um método mais acessível, rápido e, inicialmente, com menor custo quando comparado a outros métodos, como a ressonância magnética e a angiografia digital.

Estudos nacionais a este respeito ainda são escassos sob o ponto de vista epidemiológico1,2 o que, então, estimulou os autores a prosseguir a pesquisa sobre este aspecto, correlacionando dados clínico-epidemiológicos e, por fim, compará-los com estudos internacionais.

Os objetivos deste estudo foram avaliar as formas de apresentação da doença pela TC e o perfil dos pacientes que apresentam HIP e compará-los com outros estudos sobre esta doença.

MÉTODO

Foram analisados 250 casos de HIP por TC de crânio que apresentavam sinais tomográficos de sangramento intraparenquimatoso encefálico espontâneo, traduzidos por lesão densa com ou sem halo hipodenso circunjacente (edema). Não foram considerados os casos de hemorragia subaracnóidea isoladamente nem os casos de sangramento intraparenquimatoso com história de traumatismo crânio-encefálico (TCE) prévio.

Da casuística foram apurados os dados clínicos e epidemiológicos como sexo, idade, raça, o quadro de consciência do paciente - vigil ou coma, como também dados tomográficos como o lado predominante da lesão e se havia drenagem para o sistema ventricular. Classificaram-se os hematomas em profundos nos casos de acometimento de cápsulas/ núcleos da base e em lobares nos de acometimento superficial (região cortical). Os casos foram selecionados em 3 hospitais distintos da cidade do Rio de Janeiro: dois localizados na Zona Norte, sendo um privado, o Hospital Pan-Americano (HPA), e o outro de caráter público, Hospital Municipal Salgado Filho (HMSF), os quais contribuíram, respectivamente, com 140 e 54 casos3. No terceiro hospital, Casa de Saúde Pinheiro Machado, localizado na Zona Sul e de caráter privado, foram selecionados 56 casos de seu Setor de Radiodiagnóstico (Centro de Imagem Pinheiro Machado - CIPM). No primeiro hospital a coleta de dados foi realizada entre 1991 e 1993, e nos dois últimos a coleta deu-se entre 2000 e 2002.

Tanto os aparelhos do HMSF (Siemens AR-Star) quanto os do CIPM (Elscint CT-Twin Flash) eram modernos, do tipo helicoidal. No HPA o aparelho realizava aquisições simples (Siemens CRX – não helicoidal). Os dados foram obtidos nestes equipamentos com protocolos semelhantes, tendo espessuras variando entre 2,0 e 5,0 mm para a fossa posterior e entre 8,0 e 10,0 mm para o cérebro.

RESULTADOS

Pela localização topográfica, os HIP foram divididos em quatro compartimentos: região profunda dos hemisférios cerebrais (gânglios da base e cápsulas), região superficial (lobar), cerebelo e tronco cerebral (Gráfico 1).


Os HIP profundos ocorreram nas regiões do tálamo e de outros núcleos da base como o núcleo caudado, núcleo lentiforme (globo pálido e putâmen) e as cápsulas interna e externa. Neste tipo de localização, o hematoma ocorreu em 136 casos (54,4%), sendo esta a região mais freqüentemente afetada (Fig 1). Na distribuição por hospital, verifica-se que no HMSF este tipo de acometimento foi responsável por 66,7% dos casos, no HPA por 52,9% e no CIPM por 46,4%. Assim sendo, o hematoma profundo sempre contribuiu para o maior número de sangramentos intraparenquimatosos em todos os hospitais pesquisados. Mais especificamente, verifica-se neste levantamento que o local mais freqüentemente acometido foi o tálamo em 66 casos (49%), seguido, por ordem decrescente, da cápsula externa em 48 (35%), núcleo lentiforme em 15 (11%), cápsula interna em 6 (4%) e núcleo caudado em apenas 1 caso (1%).


Estes tipos de HIP foram os que mais freqüentemente apresentaram alterações tomográficas associadas, como desvio da linha média, distorção e compressão dos ventrículos adjacentes, e drenagem do hematoma para o compartimento intraventricular. Nos 136 casos de hematomas profundos, houve distribuição equivalente entre os sexos, sendo homens e mulheres afetados na mesma proporção (Tabela 1).

O HIP de acometimento lobar ocorreu em 87 dos 250 casos, ou seja, 34,8% do total (Tabela 1), sendo considerado como hemorragia específica de um ou mais lobos cerebrais. O lobo mais freqüentemente afetado foi o parietal, tendo sido acometido em 62 casos (72%), sendo 26 isoladamente e 36 associados a sangramento em outro(s) lobo(s). Outro lobo que percentualmente destacou-se foi o frontal com 16 casos isolados e 12 associados (Gráfico 2).


Nos hematomas lobares observou-se uma distribuição mais uniforme entre as faixas etárias, diferentemente dos hematomas profundos, em que os valores mais expressivos foram encontrados nas faixas etárias entre 51 e 80 anos. Nesta localização a idade variou entre 32 e 87 anos para os 42 homens (48,3%) afetados, com média de 59 anos. Nas 45 mulheres afetadas (51,7%) a idade média foi 60 anos, variando entre 16 e 88. Tal qual nos hematomas profundos, as faixas etárias de maior incidência foram entre 51 e 70 anos com 39 casos (44,8%); porém, ao contrário dos hematomas profundos, as faixas etárias tanto as mais jovens quanto as mais idosas têm significativo percentual de acometimento, em torno de 14% cada uma. Salienta-se também que a distribuição dos hematomas lobares teve ligeiro predomínio no sexo feminino. Ainda, de acordo com a Tabela 2, entre os quatro casos que ocorreram entre 11 e 40 anos nas pacientes do sexo feminino, três apresentavam comprovadamente uma malformação arteriovenosa (MAV) (Figura 2).


As regiões dos hemisférios e vérmis do cerebelo foram acometidas em 21 casos (8,4%). Destes, 12 foram do HPA, 5 do CIPM e 4 do HMSF. O sangramento nesta região ocorreu em 7 homens e 14 mulheres, mostrando tendência maior de acometimento em mulheres. A média de idade para as mulheres foi em torno de 68 anos e, para os homens, próximo a 62 anos. Dos 5 pacientes do CIPM, um deles comprovadamente apresentava hemorragia secundária a uma MAV, tendo evoluído para óbito em menos de 30 dias. Do total de 21 casos, grande parte - 14 pacientes (66,6%) - faleceu. Nesta topografia o local mais freqüentemente afetado foi o vérmis cerebelar, com 11 casos, e os 10 restantes acometeram os lobos cerebelares, predominantemente à direita.

O tronco cerebral (mesencéfalo, ponte e bulbo) foi acometido em 6 casos (2,4%), sendo 3 indivíduos do sexo masculino e 3 do feminino. Os homens tinham idades entre 39 e 81 anos e as mulheres, entre 25 e 77 anos. Em todos os casos a ponte apresentava foco de sangramento.

Neste estudo, o lado direito foi acometido em 118 casos (47,2%), o esquerdo em 123 (49,2%) e os sangramentos próximos à linha média ocorreram em 9 casos (3,6%).

Em 174 casos (69,6%) os HIP ocorreram entre 51 e 80 anos, divididos em 86 homens e 88 mulheres, sendo a década crítica aquela entre 61 e 70 anos, em que ocorreu o maior percentual do total (28,8% = 72 casos).

Em relação ao sexo, verifica-se que os homens foram acometidos em 119 casos e as mulheres, em 131 casos correspondendo, respectivamente, a 47,6% e 52,4%. Nota-se, entretanto, que quando separados os casos por hospital, tais taxas variaram. Enquanto no CIPM 30/56 casos (53,6%) foram homens e 26/50 casos (46,4%) foram mulheres, no HMSF os números encontrados foram 28/54 casos (52,0%) em homens e 26/54 casos (48,0%) em mulheres e no HPA tais valores eram invertidos, com 79/140 casos em mulheres e 61/140 casos (43,6%) em homens, dados a serem considerados, uma vez que o levantamento neste hospital ocorreu em um período diferente do realizado nos dois outros (HMSF e CIPM).

Quando os casos são distribuídos por sexo em faixa etária, verifica-se que nas faixas etárias críticas, ou seja, dos 51 aos 80 anos, os homens alcançam valores relativamente maiores do que as mulheres entre 51 e 70 anos, porém há maior acometimento de mulheres entre 71 e 80 anos (Tabela 2).

Constata-se também que os 29 casos (24,4%) do sexo masculino na faixa entre 51 e 60 anos, somados aos 37 casos (31,1%) da faixa entre 61 e 70 anos, correspondem a 55,5% dos HIP em homens. Para este mesmo tipo de raciocínio e utilizando-se proporcionalmente apenas os dois maiores valores percentuais das faixas etárias, as mulheres só alcançam valores superiores a 50% quando são somadas as faixas entre 61 e 70 anos (35 casos - 26,7%) e de 71 aos 80 (34 casos - 25,9%), demonstrando que os homens têm mais de sua metade dos casos em faixas mais jovens que as mulheres (Tabela 2).

Neste estudo houve predomínio de brancos. No Brasil, por haver uma grande miscigenação racial, fica muitas vezes difícil de se avaliar corretamente ou criar parâmetros para definir a raça (branco, negro ou pardo). Fatores como cor e aspecto dos cabelos e, principalmente, a cor da pele, definiram os grupos. Dos 250 casos, 200(80%) eram brancos e os 50 (20%) restantes pardos e negros, definidos apenas como negros. No HPA esta distribuição foi de 86,4% para os brancos, havendo uma proporção menor no CIPM, formada de 76,8% de brancos. Já no HMSF, um hospital público, o percentual entre brancos e negros alcança valores percentuais de 66,7% brancos e 33,3% de negros. A distribuição por hospital mostrou, então, nítido predomínio dos indivíduos considerados brancos. Verifica-se, então, que tanto nos hospitais de atendimento de pacientes considerados de melhor poder aquisitivo quanto no hospital público, a maioria acometida pela doença foi de pacientes considerados brancos.

A história de hipertensão arterial crônica, com ou sem tratamento regular, presente ou não no momento do exame, ocorreu em 181 casos (72,4%). Já, entre as queixas dos pacientes que apresentaram HIP, a cefaléia foi o sintoma mais comum, ocorrendo em 176 casos, sendo equivalente a 70,4%. Em 15 casos houve comprovação de MAV como causa do HIP. Somente em 6 casos (2,4%) o sangramento se deu por lesões metastáticas de sítios conhecidos (metástases sangrantes), as quais apresentavam maior edema circunjacente em relação ao diâmetro médio do hematoma do que os hematomas de causa não-neoplásica.

O estado comatoso apresentou-se associado ao quadro de HIP em 60 casos (24,0%). Em outros casos, inicialmente o paciente apresentava-se letárgico, piorando alguns dias depois, neurologicamente, para o coma. Quadro clínico de desorientação, náuseas, vômitos, crises convulsivas também foi observado em alguns casos.

Do levantamento dos casos do HMSF e do CIPM, verificou-se em 6 dos 110 casos apurados (6,6%) história de libação alcoólica nas últimas 48 horas, sem história prévia de hipertensão arterial, demonstrando certa correlação com o HIP.

A drenagem para o sistema ventricular também foi avaliada apenas no levantamento de 110 casos do HMSF e CIPM, ocorrendo em 56 casos (50,9%); destes, 32 correspondiam ao HIP de localização profunda, 15 ao lobar, 9 ao cerebelar e tronco cerebral. Porém, ao se analisar estes dados, verifica-se que os 32 casos de HIP profundo equivalem a 51,6% dos 62 pacientes que tiveram sangramento nesta localização, a 41,6% (15 de 36 casos) dos lobares, a 77,7% dos cerebelares (7 em 9) e a 75% dos casos de HIP em tronco cerebral (9 em 12).

DISCUSSÃO

A TC vem sendo um exame de diagnóstico por imagem dos mais utilizados e a TC de crânio constitui o exame tomográfico mais solicitado, muito embora na grande parte das solicitações o laudo seja normal3,4. Em estudo feito em 19943, em um universo de aproximadamente 4000 exames de TC de crânio realizadas entre 1991 e 1993, foram observados 1069 casos de Acidente Vascular Encefálico (AVE), sendo 881 isquêmicos (82,4%), 140 (13,1%) hemorrágicos, intraparenquimatosos e 48 (4,5%) por hemorragia subaracnóidea (HSA). Uma vez restrito somente aos acidentes hemorrágicos verifica-se a seguinte distribuição: 73,4% (140 casos) foram de HIP e 26,6% (48 casos) de HSA. Resultados semelhantes foram observados em um levantamento epidemiológico na região sul do Brasil1 com 337 casos, sendo 73,4% de acidentes isquêmicos, 18,4% de HIP e 7,5% de HSA. Segundo Broderick e col.5, a incidência de HIP foi, no mínimo, duas vezes maior do que a de HSA entre indivíduos de raça branca, sendo apenas uma vez e meia maior nos indivíduos de raça negra. Em outro trabalho no ano anterior (1992)6, foi descrito que, com o avançar da idade, a incidência de HIP era mais freqüente do que a de HSA.

Na localização topográfica dos hematomas, Massaro e col.7 e Stein e col.8 assinalaram que o hematoma profundo ocorreu respectivamente em 62,0% e 61,3% dos casos. Neste trabalho o hematoma profundo também constituiu maioria, acometendo 54,4% dos 250 casos. Massaro7 prossegue afirmando que o HIP lobar ocorreu em 38% dos seus casos, valor próximo ao encontrado neste estudo, que obteve 34,8% dos casos para o mesmo tipo de localização. As divergências quanto à localização específica mais freqüente foram grandes. Neste levantamento o tálamo foi a região mais acometida pelos hematomas, correspondendo a 66 casos (49%) dos 136 casos de HIP, e a 26,4% dos 250 casos do estudo. Já no estudo de Lynch e col.9 os hematomas putaminais e holobasais foram os mais freqüentemente observados. Alguns autores, quando são mais precisos quanto à localização topográfica do hematoma, relatam que o putâmen e a cápsula interna são as regiões mais comumente acometidas2,5,7,8,10-16.

O lobo mais comumente afetado no HIP neste levantamento, tal como nos trabalhos de Furlan17 e Dourado18, foi o parietal, observado em 26 casos como o único lobo acometido e em 36 casos associado a sangramento de outros lobos. Durante a análise tanto dos hematomas lobares quanto dos profundos em relação à faixa etária de acometimento, verifica-se que os hematomas profundos têm incidências maiores nas faixas etárias críticas (51 aos 80 anos); já os hematomas lobares, apesar de também alcançarem valores maiores nas mesmas faixas, têm distribuição mais uniforme não apresentando tantas variações quanto nos profundos. Evidencia-se, também, que os homens têm sua maior incidência de casos de HIP em faixas etárias um pouco mais precoces do que as mulheres, aspecto salientado também por Dourado18.

Os HIP do cerebelo corresponderam a 21 casos (8,4%) de todos os estudados. Destaca-se apenas que, em sua maioria, era de mulheres (66,7%) e o vérmis cerebelar (52,4%) foi o local que mais comumente sangrou. Na literatura não se encontrou destaque significativo quanto a esta localidade dos hematomas.

Já as hemorragias do tronco cerebral, que representam um total de apenas 6 casos (2,4%) dos 250 analisados, são raras. A região pontina foi a mais atingida pelo sangramento, ocorrendo acometimento parcial ou total em todos os casos, havendo em alguns destes pacientes (3 casos) história prévia de uso de substâncias anticoagulantes. Segundo alguns autores13,19, no tronco cerebral o local mais comumente atingido é também a região pontina, não tendo uma incidência específica estabelecida para sexo, idade e raça, sendo muito raro o sangramento em território mesencefálico. Foi observado que esta localização de HIP incide mais em pacientes mais jovens20.

De acordo com a faixa etária, os indivíduos mais acometidos pelos hematomas, independentes da localização, sexo ou etiologia são os de idade variando entre 51 e 80 anos, com 174 casos (69,6%), sendo a sétima década a que alcançou maiores valores. Tais resultados são semelhantes quando comparados a outros trabalhos2,8,9,21-26.

A tendência de a mulher ser mais freqüentemente afetada por hematoma intraparenquimatoso ocorreu nos trabalhos de Stein8, Drury23, Furlan26 e de Kase27, mantendo uma média de incidência em torno de 55 a 60% para uma faixa de idade maior de 60 anos. Já nos trabalhos de Werneck2, Calandre22 e de Fieschi25, os homens tiveram incidência maior de hematoma intraparenquimatoso em relação às mulheres, com valores variando entre 60 e 70% porém com média de idade mais baixa do que aquela das mulheres, próxima aos 50 anos. Os dados deste estudo revelaram que houve um ligeiro predomínio de mulheres (52,4%), porém os homens, proporcionalmente, atingem maiores valores de incidências em faixas etárias mais precoces que as mulheres. Tais achados podem ser justificados pelo estudo de Bonita28, por ter a mulher maior vida média do que os homens e pelo fato de que as mulheres têm, sob o ponto de vista epidemiológico, idade de acometimento de AVE maior do que os homens.

Dados do censo demográfico do ano de 2000 do IBGE29, mostram que a população brasileira é composta de 53,8% de indivíduos da raça branca, 6,2% de negros, 38,5% de pardos, 0,4% de amarelos, outros 0,4% de indígenas e 0,7% sem declaração. Com isso os valores de negros e pardos somados alcançam percentual de 44,7%. Já no estado do Rio de Janeiro, os resultados apontam 54,7% de brancos e 44,1% de pardos e negros, e sendo a população composta por 47,9% de homens e 52,1% de mulheres. Portanto, proporcionalmente, os indivíduos brancos são em maior número que os pardos e negros.

Os dados levantados em 1994 (HPA) mostravam uma grande maioria branca, atribuindo-se, talvez, ao fato de o hospital ser de caráter privado, onde a maioria dos pacientes teve atendimentos referenciados como particulares ou de planos de saúde. Porém, com os 110 casos apurados em 2002, esta tendência foi mantida e, desta vez, incluindo-se um hospital público onde a população, sem distinção de poder aquisitivo, tem livre acesso. Analisando trabalhos nacionais9,21,23, verifica-se que a raça branca também foi mais acometida. Todavia, esses valores discordam de outros trabalhos já publicados a respeito deste parâmetro, principalmente os americanos. Quando Broderick e col.6 se preocuparam quanto a incidência dos hematomas intraparenquimatosos em relação ao grupo étnico, evidenciaram uma proporção na raça branca de 1:5500 e na raça negra 1:4400. Neste mesmo trabalho também observaram que até os 75 anos de idade a incidência foi maior nos negros, e após os 75 anos era maior nos brancos. Tal fato poderia ser explicado, talvez, por terem os negros maior risco de sangramento intracerebral e outras doenças associadas à hipertensão arterial; nas idades mais jovens, por conseqüência, haveria menos indivíduos negros após os 75 anos com o risco de sangramento. Sabe-se também que os indivíduos da raça negra são os mais acometidos pela hipertensão arterial sistêmica e esta, por sua vez, é uma das principais causas de hematoma intraparenquimatoso cerebral. Em 1999, a Academia Americana de Neurologia publicou um trabalho que mantém estas estatísticas, ou seja, os negros americanos têm risco duas vezes maior que os brancos na incidência de HIP, sendo também a maioria pelas diferenças entre hábitos alimentares e pressão sistólica, concluindo que, enquanto houver disparidade entre pressão sistólica e o nível sócio-econômico entre brancos e negros, estes valores continuarão30.

Assim como nos trabalhos revisados1,18,21,31, ratifica-se que a cefaléia, alterações dos níveis de consciência e vômitos são os sintomas mais comuns encontrados nos pacientes com HIP. Em outro estudo24, observa-se que os pacientes apresentavam-se hipertensos ao dar entrada no hospital. Neste levantamento, a hipertensão era presente ou fazia parte da história clínica do paciente em 181 (72,4%) dos 250 casos.

Salienta-se por último que foram encontrados um total de 56 casos do levantamento de 110 casos mais recentes - próximo a 50% - em que ocorreu drenagem do sangramento para o sistema ventricular, que correspondiam a 32 casos nos hematomas profundos, 15 casos dos lobares e os 9 casos restantes pertencentes às regiões do cerebelo e tronco cerebral. Esses casos em sua maioria estavam associados a um prognóstico pior, tal qual no estudo de Dourado18.

CONCLUSÕES

O HIP de localização profunda é o mais comum, seguido pelos hematomas lobares. O local de sangramento profundo mais freqüente neste estudo foi o tálamo; já o hematoma lobar tem o lobo parietal como sendo o mais freqüentemente acometido.

A faixa etária de maior ocorrência situa-se entre 61 e 70 anos. Tanto os hematomas profundos quanto os lobares têm picos de maior incidência em faixas etárias semelhantes. Não se observou predominância do lado mais afetado. Também não houve predominância de sexo, porém nota-se que os homens têm maior freqüência de acometimento em idade mais precoce do que as mulheres. Ainda neste estudo, foi observado que a raça mais acometida foi a branca, independente da classe sócio-econômica.

Dos sinais mais freqüentemente apresentados, a hipertensão arterial foi o mais comum e a cefaléia, a queixa mais relatada.

A drenagem para o sistema ventricular está associada mais freqüentemente aos hematomas profundos e também aos cerebelares.

29. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Censo demográfico 2000.

www1.ibge.gov.br/home/estatística/população/censo2000/primeiros_resultados_amostra/

grandes_regiões

Recebido 14 Agosto 2003, recebido na forma final 5 Fevereiro 2004. Aceito 11 Março 2004.

Dr. Celso Monteiro Soares - Rua Barão de Mesquita 200/702 - 20540-003 Rio de Janeiro RJ - Brasil. E-mail: celsomsoares@ig.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Ago 2004
  • Data do Fascículo
    Set 2004

Histórico

  • Aceito
    11 Mar 2004
  • Revisado
    05 Fev 2004
  • Recebido
    14 Ago 2003
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