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Lesão cerebral penetrante por grande fragmento de fibra de amianto tratada por craniectomia descompressiva: relato de caso

Penetrating brain injury due to a large asbestos fragment treated by decompressive craniectomy: case report

Resumos

Relata-se caso de paciente de 22 anos vítima de traumatismo cranioencefálico penetrante por fragmento de fibra de amianto medindo 15 x 12 cm, e seu tratamento bem sucedido por craniectomia descompressiva. Ao contrário da lesão encefálica por projétil de arma de fogo, lesão encefálica penetrante por objeto de baixa energia é incomum. A maioria dos casos relatados na literatura envolve lesões cranio-orbitárias ou autoflagelação em pacientes psiquiátricos. O caso relatado torna-se especial em virtude das grandes dimensões do objeto penetrante, do tratamento por craniectomia descompressiva e do bom resultado funcional alcançado.

lesão cerebral penetrante; craniectomia descompressiva; corpo estranho; traumatismo cranioencefálico


We report the case of a 22-year-old man victim of penetrating brain injury due to a 15 x 12 asbestos fragment and a successfully treatment via decompressive craniectomy. Unlike gunshot wounds to the head, penetrating brain injury from low energy objects are unusual. Most cases reported involve cranio-orbitary injuries as well as self inflicted lesions in mentally ill patients. The reported case is noteworthy due to the large dimensions of the foreign body, the treatment via decompressive craniectomy and the good patient functional outcome.

penetrating brain injury; decompressive craniectomy; foreign body; head injury


Lesão cerebral penetrante por grande fragmento de fibra de amianto tratada por craniectomia descompressiva: relato de caso

Penetrating brain injury due to a large asbestos fragment treated by decompressive craniectomy: case report

Gustavo Cardoso de AndradeI; Roberto Leal SilveiraII; Aluízio Augusto Arantes JrIII; Gilberto Almeida Fonseca FilhoIII; Nilson Pinheiro Jr.III

NEUROCENTER - Serviço de Neurocirurgia do Hospital Madre Teresa / BH. Pronto Socorro do Hospital João XXIII / BH, Belo Horizonte MG, Brasil

IResidente em Neurocirurgia do Hospital Madre Teresa, Plantonista do Hospital João XXIII

IIChefe do serviço de Neurocirurgia do Hospital Madre Teresa

IIINeurocirurgião do Hospital Madre Teresa

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Gustavo Cardoso de Andrade Rua Cachoeira de Minas 114/701 30440-450 Belo Horizonte MG - Brasil E-mail: gca@zipmail.com

RESUMO

Relata-se caso de paciente de 22 anos vítima de traumatismo cranioencefálico penetrante por fragmento de fibra de amianto medindo 15 x 12 cm, e seu tratamento bem sucedido por craniectomia descompressiva. Ao contrário da lesão encefálica por projétil de arma de fogo, lesão encefálica penetrante por objeto de baixa energia é incomum. A maioria dos casos relatados na literatura envolve lesões cranio-orbitárias ou autoflagelação em pacientes psiquiátricos. O caso relatado torna-se especial em virtude das grandes dimensões do objeto penetrante, do tratamento por craniectomia descompressiva e do bom resultado funcional alcançado.

Palavras-chave: lesão cerebral penetrante, craniectomia descompressiva, corpo estranho, traumatismo cranioencefálico.

ABSTRACT

We report the case of a 22-year-old man victim of penetrating brain injury due to a 15 x 12 asbestos fragment and a successfully treatment via decompressive craniectomy. Unlike gunshot wounds to the head, penetrating brain injury from low energy objects are unusual. Most cases reported involve cranio-orbitary injuries as well as self inflicted lesions in mentally ill patients. The reported case is noteworthy due to the large dimensions of the foreign body, the treatment via decompressive craniectomy and the good patient functional outcome.

Key words: penetrating brain injury, decompressive craniectomy, foreign body, head injury.

A lesão cerebral penetrante por objetos de baixa energia cinética é incomum na prática neurocirúrgica. Diversos objetos foram relatados na literatura como causadores de lesão encefálica penetrante, sendo habitualmente de pequenas dimensões e com entrada pela face. Desde o caso de Phineas Gage, ocorrido em 1848, o relato dessas lesões sempre desperta interesse.

Relatamos o caso de homem jovem vítima de traumatismo cranioencefálico por corpo estranho de baixa energia e grandes dimensões, seu tratamento bem sucedido por craniectomia descompressiva e o bom resultado funcional atingido.

CASO

Homem de 22 anos de idade, artesão, admitido no Pronto Socorro do Hospital João XXIII vítima de acidente de trabalho com traumatismo cranioencefálico penetrante por fragmento de fibra de amianto ("disco de polir pedra sabão"). À admissão, encontrava-se em estado de choque (pressão arterial sistólica de 60 mmHg, 26 incursões respiratórias por minuto), em respiração espontânea e Glasgow 8, sem déficit neurológico focal. Apresentava corpo estranho penetrante no crânio com lesão temporo-fronto-orbitária direita, com herniação de tecido encefálico e líquor pelas bordas da lesão (Fig 1). Após intubação orotraqueal sob sedação e reposição volêmica, foi encaminhado à tomografia computadorizada do encéfalo (TC), que revelou extenso corpo estranho temporo-fronto-orbitário, com importante edema perilesional, associado a fraturas orbitárias, de processo mastóide e arco zigomático (Fig 2).



O tratamento neurocirúrgico consistiu em extensão fronto-parietal da ferida cutânea, ampla craniectomia temporo-fronto-parietal e abertura dural expondo todo o tecido cerebral em torno do corpo estranho antes de sua retirada (Fig 3). Retirou-se o fragmento medindo 15 x 12 centímetros sem sangramento significativo e sem intercorrências (Fig 4). Após sua exérese procedeu-se desbridamento criterioso com retirada de partículas ósseas, fragmentos do corpo estranho, aspiração de tecido desvitalizado e fechamento dural expansivo com interposição de pericrânio autólogo. As células aéreas da mastóide foram tamponadas com músculo temporal pediculado e cola biológica. A síntese cutânea foi realizada por planos. O "flap" ósseo foi inserido no tecido subcutâneo abdominal no flanco direito. Ao final do procedimento cirúrgico, instalou-se dispositivo de monitorização da pressão intracraniana (parafuso de Richmond) na região frontal esquerda.



Encaminhado ao Centro de Tratamento Intensivo (CTI), onde apresentou instabilidade hemodinâmica no pós-operatório imediato, sendo tratado com aminas vasoativas cuja dosagem foi diminuída progressivamente durante três dias, visando a manutenção de pressão de perfusão cerebral (PPC) adequada. Foi extubado no quinto dia pós-operatório, quando também foi interrompida a monitorização da PIC. Apresentou sinais de meningite bacteriana (febre, rigidez nucal, leucocitose) após o sétimo dia, recebendo antibioticoterapia de largo espectro por 28 dias. Recebeu alta do CTI no décimo dia pós-operatório. Durante o período de monitorização da PIC, esta não excedeu 24 mmHg. Foram realizadas TC seriadas de controle, evidenciando uma área de intenso edema / tumefação local e herniação encefálica transcraniana pela área da craniectomia. Contudo, as cisternas de base sempre se mantiveram patentes e não houve desvio da linha média, indicando a ausência de herniação cerebral interna (Fig 5).


No vigésimo nono dia pós-operatório, ainda em vigência de antibioticoterapia, porém sem indícios clínicos ou laboratoriais de infecção, foi submetido a cranioplastia. O intento inicial era utilizar o fragmento ósseo inserido no abdome, porém durante a exploração cirúrgica constatou-se a presença de secreção purulenta ao seu redor, optando-se por sua retirada e uso de cimento ortopédico (metil-metacrilato).

O paciente recebeu alta hospitalar no trigésimo terceiro dia após o primeiro procedimento cirúrgico. Apresentava ao exame neurológico apenas monoparesia (grau III) do membro superior esquerdo, com predomínio distal, além de amaurose e anacusia à direita, por lesão do globo ocular e ouvido médio, respectivamente. Não apresentava déficits cognitivos aparentes. Retornou para controle ambulatorial trinta dias após alta hospitalar quando apresentou score de 23 pontos no Mini-mental, score 4 na Escala de Resultados de Glasgow e melhora progressiva da monoparesia do membro superior esquerdo (grau 4) (Fig 6).


DISCUSSÃO

A lesão cerebral penetrante de alta energia, causada por projétil de arma de fogo tem atualmente incidência crescente em todos os segmentos da sociedade civil, correspondendo, infelizmente, a evento prevalente na prática neurocirúrgica nos grandes centros urbanos1.

Por sua vez, traumatismo encefálico penetrante por objetos de baixa energia (corpos estranhos) é incomum1-4. A maioria dos casos relatados na literatura refere-se a trauma crânio-orbitário ou acometendo indivíduos com transtornos psiquiátricos, usualmente tratando-se de objetos pequenos5-19. Sua ocorrência, seu tratamento e conseqüências despertam interesse desde 1848 quando Phineas Gage sobreviveu a um trauma penetrante por barra de ferro atingindo seu lobo frontal esquerdo, tornando-se um marco no estudo da função do lobo frontal e da localização cerebral ("brain mapping")4,20-22. O caso aqui relatado torna-se especial em virtude das grandes dimensões do objeto penetrante (15 x 12 cm) e do bom resultado funcional alcançado.

Acreditamos que a pronta indicação de craniectomia descompressiva após evidências tomográficas de tumefação cerebral e conseqüente hipertensão intracraniana possibilitou a manutenção da PIC em valores fisiológicos, favorecendo a perfusão cerebral e prevenindo injúria secundária23-29. Outrossim, a permanência em unidade de tratamento intensivo no período pós-operatório otimizou as medidas citadas, como controle da PIC e manutenção da PPC, além de permitir o tratamento adequado e em tempo hábil de complicações como instabilidade hemodinâmica e meningite30-33.

Em conclusão, apesar da extensa lesão cerebral causada por corpo estranho de grandes dimensões, o tratamento por craniectomia descompressiva associado a pós-operatório bem conduzido em unidade de tratamento intensivo possibilitou ao paciente uma boa recuperação funcional.

Agradecimento

Os autores manifestam seu reconhecimento ao cirurgião plástico Dr. Nicodemus de Arimathéa e Silva Jr. e à equipe de terapia intensiva do Hospital João XXIII pela dedicação na condução do caso descrito.

Recebido 5 Janeiro 2004, recebido na forma final 13 Maio 2004. Aceito 10 Julho 2004.

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  • Endereço para correspondência

    Dr. Gustavo Cardoso de Andrade
    Rua Cachoeira de Minas 114/701
    30440-450
    Belo Horizonte MG - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Abr 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2004

    Histórico

    • Aceito
      10 Jul 2004
    • Recebido
      05 Jan 2004
    • Revisado
      13 Maio 2004
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