Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre níveis plasmáticos de homocisteína e acidente vascular cerebral isquêmico: estudo transversal analítico

Association between plasmatic levels of homocysteine and stroke: a transversal analytic study

Resumos

OBJETIVO: Verificar associação entre valores de homocisteína plasmática e ocorrência de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), considerando idade, sexo, tabagismo, hipertensão, diabetes, etiologia do AVCI e tempo decorrido do episódio. MÉTODO: Estudo transversal analítico de 104 pacientes diagnosticados com AVCI e 98 controles. Dosagem de homocisteína por cromatografia líquida de alta eficiência. Análise estatística feita com testes t de Student e Kruskal-Wallis, análise de variância, análise de regressão linear, regressão logística e coeficiente de correlação linear de Pearson. RESULTADOS: O grupo-pacientes apresentou valores maiores de homocisteína (15,4 ± 11,7 µ mol L-1) comparados aos controles (10,5 ± 4,2µ mol L-1). Dividindo os dois grupos em faixas etárias foram encontradas diferenças nas faixas de 40-49 anos e 50-59 anos. Nos pacientes encontraram-se valores maiores de homocisteína nos casos de hipertensão e etiologia aterotrombótica. Estudo de regressão logística dos dados dos pacientes mostrou relação de aterosclerose com homocisteína. CONCLUSÃO: Homocisteína está associada a AVCI.

homocisteína; acidente vascular cerebral


PURPOSE: To determine the association of homocysteine with ischemic stroke, considering age, gender, cigarette smoking, hypertension, diabetes and etiology of cerebrovascular disease. METHOD: Transversal analytic observational study of 104 patients with the diagnosis of ischemic stroke and 98 healthy controls had blood homocysteine analyzed by high performance liquid chromatography. Statistics was performed with Student's t and Kruskal-Wallis' tests, analysis of variance, linear regression analysis, logistic regression and Pearson's linear correlation coefficient. RESULTS: Patients had higher values for homocysteine (15.4 ± 11.7 µmol L-1) than controls (10.5 ± 4.2 µmol L-1). Dividing both groups into four groups according to age, significant differences in homocysteine values were found between patients and controls with age 40-49 and 50-59 years. Homocysteine values were significantly higher in patients with hypertension and in those with diagnosis of atherosclerotic cerebrovascular disease. Logistic regression studies showed relationship between atherosclerosis and homocysteine. CONCLUSIONS: Homocysteine is associated with ischemic stroke.

homocysteine; stroke


Associação entre níveis plasmáticos de homocisteína e acidente vascular cerebral isquêmico: estudo transversal analítico

Association between plasmatic levels of homocysteine and stroke: a transversal analytic study

Lillian Harboe-GonçalvesI; Luiz Sérgio VazII; Marcelo BuzziIII

Estudo desenvolvido na Rede SARAH de Hospitais do Aparelho Locomotor, Unidade de Brasília DF, Brasil

IMestre em Ciências da Reabilitação, Farmacêutica do Hospital SARAH, Belo Horizonte

IIMestre em Métodos Quantitativos ; Estatístico do Hospital SARAH, Belo Horizonte, MG Brasil

IIIDoutor em Metabolismo e Bioquímica de Lipídios; Responsável por Pesquisa e Desenvolvimento no Laboratório de Bioquímica Analítica do Hospital SARAH, Brasília, DF, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Lillian Harboe-Gonçalves Avenida Amazonas 5953 30510-000 Belo Horizonte MG - Brasil

RESUMO

OBJETIVO: Verificar associação entre valores de homocisteína plasmática e ocorrência de acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI), considerando idade, sexo, tabagismo, hipertensão, diabetes, etiologia do AVCI e tempo decorrido do episódio.

MÉTODO: Estudo transversal analítico de 104 pacientes diagnosticados com AVCI e 98 controles. Dosagem de homocisteína por cromatografia líquida de alta eficiência. Análise estatística feita com testes t de Student e Kruskal-Wallis, análise de variância, análise de regressão linear, regressão logística e coeficiente de correlação linear de Pearson.

RESULTADOS: O grupo-pacientes apresentou valores maiores de homocisteína (15,4 ± 11,7 µ mol L-1) comparados aos controles (10,5 ± 4,2µ mol L-1). Dividindo os dois grupos em faixas etárias foram encontradas diferenças nas faixas de 40-49 anos e 50-59 anos. Nos pacientes encontraram-se valores maiores de homocisteína nos casos de hipertensão e etiologia aterotrombótica. Estudo de regressão logística dos dados dos pacientes mostrou relação de aterosclerose com homocisteína.

CONCLUSÃO: Homocisteína está associada a AVCI.

Palavras-chave: homocisteína, acidente vascular cerebral.

ABSTRACT

PURPOSE: To determine the association of homocysteine with ischemic stroke, considering age, gender, cigarette smoking, hypertension, diabetes and etiology of cerebrovascular disease.

METHOD: Transversal analytic observational study of 104 patients with the diagnosis of ischemic stroke and 98 healthy controls had blood homocysteine analyzed by high performance liquid chromatography. Statistics was performed with Student's t and Kruskal-Wallis' tests, analysis of variance, linear regression analysis, logistic regression and Pearson's linear correlation coefficient.

RESULTS: Patients had higher values for homocysteine (15.4 ± 11.7 µmol L-1) than controls (10.5 ± 4.2 µmol L-1). Dividing both groups into four groups according to age, significant differences in homocysteine values were found between patients and controls with age 40-49 and 50-59 years. Homocysteine values were significantly higher in patients with hypertension and in those with diagnosis of atherosclerotic cerebrovascular disease. Logistic regression studies showed relationship between atherosclerosis and homocysteine.

CONCLUSIONS: Homocysteine is associated with ischemic stroke.

Key words: homocysteine, stroke.

Nos últimos anos, muitos estudos têm sido dedicados à identificação de fatores de risco para as doenças de maior impacto social com o objetivo de prevenir sua ocorrência. Uma das mais estudadas é o acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI). Dentre os processos que levam ao AVCI, o mais freqüente é aterosclerose. McCully, em 1969, relatou evidências de associação entre aterosclerose e concentrações elevadas de homocisteína plasmática1. Em 1984, Brattström et al. fizeram o primeiro estudo controlado sobre níveis elevados de homocisteína em pacientes com história de acidente vascular cerebral (AVC)2. Pesquisadores do estudo de Framingham, em 1990, incluíram a homocisteína na relação de possíveis fatores de risco para doença cardíaca. Este estudo, que completou 50 anos de seguimento em 1998, mostrou que a doença coronariana isquêmica e a doença aterotrombótica cerebral apresentam vários fatores de risco em comum3. Em 1992, Kang et al. publicaram artigo de revisão que reforçou o conceito de que hiper-homocisteinemia moderada é fator de risco independente para o desenvolvimento de aterosclerose nas vasculaturas coronariana, periférica e cerebral4. Nos últimos 10 anos foram realizados mais de 20 estudos transversais e de caso-controle que reforçaram essa relação de risco5-11. Alguns desses estudos utilizaram o desenho de caso-controle aninhado com coleta prospectiva de amostras sangüíneas. Entre eles estão a pesquisa conduzida por Stampfer et al. no Physicians' Health Study em 199210 e a de Arnesen et al. na população de Tromsø (Noruega), publicada em 199511, que encontraram associação positiva entre hiper-homocisteinemia e doença cardíaca. Em 1995, Perry et al. aproveitaram a coorte do British Regional Heart Study e conduziram o primeiro estudo prospectivo que mostrou forte associação entre concentrações plasmáticas de homocisteína e a ocorrência de AVC12. Em 1999, Bostom et al. confirmaram que a homocisteína é fator de risco independente para a ocorrência de acidente vascular cerebral fundamentados no acompanhamento, por nove anos, de pessoas idosas participantes do estudo de Framingham13.

Homocisteína é um aminoácido não essencial encontrado na forma de produto intermediário no metabolismo da metionina. Esse aminoácido não forma proteínas e está na interseção de duas vias metabólicas: remetilação a metionina e transulfuração a cisteína. Quando alguma destas vias metabólicas sofre bloqueio, total ou parcial, há aumento na concentração de homocisteína circulante pois este aminoácido não se acumula nas células. Cerca de 70% da homocisteína presente no sangue está ligada a proteínas, principalmente albumina. Uma pequena fração permanece na forma livre e o restante, espontaneamente, forma di-sulfídios como homocistina (duas moléculas de homocisteína) ou cisteína-homocisteína. A expressão homocisteína total refere-se à soma das concentrações de homocisteína livre, ligada a proteínas e na forma de di-sulfídios.

Tendo em vista a escassez de investigações em nosso meio, conduzimos o presente estudo para a valiar a associação entre níveis plasmáticos elevados de homocisteína total e a ocorrência de AVCI.

MÉTODO

Foi realizado estudo observacional, analítico, de uma amostra intencional de pacientes e controles, de ambos os sexos e idade variada, com emparelhamento por sexo e freqüência de idade.

Os grupos de estudo foram denominados Paciente e Controle. O grupo Paciente foi constituído por pessoas atendidas na Rede Sarah de Hospitais do Aparelho Locomotor (Rede Sarah), de março a setembro de 2001, com diagnóstico de AVCI por métodos clínicos e de imagem (ressonância nuclear magnética e/ou tomografia computadorizada e/ou Doppler de carótida ou transcraneal). O grupo Controle foi composto por doadores de sangue, funcionários da Rede Sarah ou seus parentes, bem como pacientes atendidos no hospital da Rede Sarah em Brasília para atendimento ortopédico. Considerou-se como momento de inclusão no estudo a coleta da amostra sangüínea para dosagem laboratorial.

No grupo Paciente não foram incluídos os que tiveram hemorragia cerebral subaracnoidea ou intraparenquimatosa, trombose venosa cerebral, sorologia positiva para doença de Chagas, diagnóstico ou suspeita de neoplasia e suplementação dietética com vitaminas do complexo B e/ou ácido fólico no período de três meses anteriores à inclusão no estudo.

Na formação do grupo Controle foram excluídos os parentes consangüíneos de outros participantes do estudo, pessoas com diagnóstico prévio de AVC, doença cardiovascular, trombose e/ou neoplasia e aqueles que ingeriram suplementos dietéticos com vitaminas do complexo B e/ou ácido fólico nos três meses que antecederam a coleta da amostra sangüínea usada para análise. O grupo Paciente foi formado por 104 indivíduos, sendo 53 do sexo feminino (51%) e 51 do masculino (49%). O grupo Controle foi formado por 98 pessoas, sendo 46 do feminino (47%) e 52 do masculino (53%).

O projeto do estudo foi submetido ao Comitê de Ética da unidade de Brasília da Rede Sarah, tendo recebido parecer favorável. Foram seguidas as orientações da Declaração de Helsinque II e as normas do Ministério da Saúde do Brasil.

Foram consideradas as seguintes variáveis descritivas: idade, sexo, tabagismo, etilismo, diagnóstico de hipertensão e diabetes mellitus. As variáveis analíticas estudadas foram etiologia do AVCI, tempo decorrido entre a ocorrência do AVCI e a inclusão no estudo, e análise laboratorial de homocisteína total.

O hábito de tabagismo foi classificado como fumante, ex-fumante e não fumante de qualquer cigarro, charuto ou similar, sem detalhar a quantidade. Considerou-se como fumante o indivíduo que fumava na época da inclusão no estudo ou que havia parado até um ano antes. Foi classificado como ex-fumante quem havia abandonado o hábito há mais de um ano. Na categoria de não fumantes foram incluídas as pessoas que nunca haviam fumado. Quanto ao etilismo, os participantes do estudo foram classificados apenas em consumidor ou não de bebida alcoólica, não se considerando detalhes quanto à quantidade ou qualidade da bebida ingerida.

Foi considerado hipertenso o indivíduo que havia sido orientado por um médico a fazer uso de medicação anti-hipertensiva antes da inclusão no estudo. Para o diagnóstico de diabetes mellitus, foram seguidas as normas da American Diabetes Association14. Foi adotada a classificação TOAST para determinar a etiologia do AVCI: aterosclerose de grandes artérias (aterosclerótico), cardioembolismo, oclusão de pequenas artérias (lacunar), outras etiologias e etiologia indeterminada15.

A homocisteína total foi dosada por cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC) de acordo com os métodos descritos por Accinni et al.16 e Pfeifer et al.17.

Para a análise estatística envolvendo a idade, os dois grupos foram divididos por faixa etária (< 30 anos, 30-49 anos, 50-69 anos e > 70 anos). Foi usado o teste t-Student para avaliação entre dois grupos independentes e não pareados e a hipótese de igualdade entre grupos foi rejeitada sempre que p<0,05. Análise de regressão logística foi empregada para avaliar os resultados de etiologia do AVCI em relação a homocisteína, diagnóstico de hipertensão, diabetes, tabagismo, etilismo, idade e sexo. Além disso foi aplicado, um modelo multivariado de regressão linear para analisar o comportamento da homocisteína nos grupos e averiguar possíveis relações com as variáveis sexo e idade. A verificação de existência, ou não, de correlação entre o valor de homocisteína e o tempo decorrido entre o último AVCI bem como o momento de inclusão no estudo foi feita pelo cálculo do coeficiente linear de Pearson (r) e pelo teste não paramétrico Kruskal-Wallis. A análise estatística descritiva foi feita no software Excel, versão 97. Os testes t-Student, as análises de regressão logística, o coeficiente linear de Pearson, teste de Kruskal-Wallis e análise de variância foram feitos no software Statview for Windows, versão 5.0.1.

RESULTADOS

Examinando os resultados das dosagens de homocisteína foi possível evidenciar diferença significativa entre os valores encontrados para os grupos Paciente e Controle (p<0,001). A média do grupo Paciente foi 15,4 ± 11,7 µmol L-1 e do grupo Controle foi 10,5 ± 4,2 µmol L-1.

Dentre os participantes do grupo Paciente, 31 admitiram ser fumantes (média de homocisteína: 14,1 ± 6,7 µmol L-1) , 21 declararam ser ex-fumantes (média de homocisteína: 14,4 ± 8,5 µmol L-1) e 52 disseram que nunca haviam sido fumantes (média de homocisteína: 14,3 ± 8,4 µmol L-1). No grupo Controle foram encontrados 23 fumantes (média de homocisteína: 11,1 ± 4,6 µmol L-1), 2 ex-fumantes (média de homocisteína: 13,7 ± 4,6 µmol L-1) e 73 não fumantes (média de homocisteína: 10,1 ± 4,0 µmol L-1) No grupo Pacientes, 26 indivíduos admitiram ingerir bebida alcoólica (25%) e no grupo Controle, 11 também admitiram (11%).

Com relação à hipertensão, foram encontrados 75 indivíduos do grupo Paciente com esta condição (72%) e 22 do grupo Controle (22%). O subgrupo de hipertensos do grupo Paciente apresentou média de homocisteína total de 15,3 ± 8,7 µmol L-1 e o de não-hipertensos, 11,9 ± 5,3 µmol L-1 (p<0,001). Para confirmar, foi feito outro teste com uma amostra aleatória de 22 pacientes hipertensos, mantendo-se a diferença (p<0,001).

No grupo Paciente foram encontrados 28 indivíduos diabéticos (27%) e no grupo Controle, 2 (2%). Analisando os valores de homocisteína encontrados para diabéticos e não diabéticos do grupo Paciente, observamos médias semelhantes, respectivamente de 14,0 ± 6,8 µmol L-1 e 14,7 ± 8,3 µmol L-1. Como havia uma relação aproximada de 1:3 elementos de um subgrupo em relação a outro, formamos uma segunda amostra (aleatória) contendo 28 elementos do subgrupo de pacientes não diabéticos e uma nova análise estatística também apresentou médias de homocisteína semelhantes .

O grupo Paciente apresentou idade mais elevada que o grupo Controle (p<0,001). A média de idade no grupo Paciente foi 56 ± 14,5 anos e a mediana foi 58 anos. Neste grupo não houve diferença de idade entre os sexos: média de 55,2 anos para as mulheres e 56,8 anos para os homens (p= 0,28). No grupo Controle, a média de idade foi 42,7 ± 13,2 anos, com mediana de 43 anos. Neste grupo, as pessoas do sexo masculino pertenciam a faixa de idade mais elevada que as do sexo feminino (p<0,006) sendo a média das mulheres 44,9 anos e a dos homens 66,2 anos. A análise dos valores de homocisteína por faixa etária foi feita para minimizar o efeito da diferença de idade entre os dois grupos. Os resultados encontrados estão na Tabela 1.

O modelo de regressão múltipla relacionou a homocisteína com informações de idade e sexo de pacientes e controles. Verificamos que o valor de homocisteína foi influenciado pela variável sexo e pela interação entre idade e a qual grupo o indivíduo pertencia. Para Controles do sexo feminino, o valor médio encontrado foi 8,92 µmol L-1 e para Controles do sexo masculino foi 11,81 µmol L-1. Para o grupo Pacientes, a homocisteína variou, em razão da faixa etária do indivíduo, de 8,92 a 21,08 µmol L-1 (feminino) e de 11,81 a 23,98 µmol L-1 (masculino) (Tabela 2).

Não houve correlação entre os valores de homocisteína e o tempo decorrido entre o último AVCI e a inclusão no estudo (r=0,06). Para maior detalhamento, a amostra foi estratificada em quatro categorias: < 6 meses, 7 a 12 meses, 13 a 24 meses e > 25 meses, permanecendo a ausência de diferenças (p=0,48) (Tabela 3).

Analisando os cinco subgrupos formados de acordo com a etiologia do AVCI, em relação aos seus níveis de homocisteína total, encontramos as médias apresentadas na Tabela 4.

Após análise da razão entre o número de casos de aterosclerose, até determinada idade, e o número de pacientes até aquela idade, foi possível observar três regiões distintas: antes dos 30 anos, onde não houve casos de aterosclerose, dos 30 aos 49 anos, onde ocorreu substancial aumento dessa razão, e após os 50 anos, onde se observou uma variação estável na casa de 55% a 60% (Fig 1).


Optamos por um modelo de regressão logística para relacionar a ocorrência de aterosclerose com as variáveis idade, sexo, níveis de homocisteína, se o paciente é ou não hipertenso, se é ou não diabético, se é tabagista, ou ex-tabagista ou não tabagista, se é ou não etilista. Após análise univariada, observamos indícios de relação da ocorrência de aterosclerose apenas com níveis de homocisteína (p<0,001) e com as faixas etárias de 30 a 49 anos (p=0,04) e 70 anos ou mais (p=0,004) (Tabela 5). Convém ressaltar que não houve diferença de idade (p=0,14) entre os ateroscleróticos (57,8 ± 12,9 anos) e os não-ateroscleróticos (53,5 ± 16,2 anos).

DISCUSSÃO

Nos últimos anos a homocisteína tem sido apontada como fator de risco independente para doenças cardíacas e cerebrovasculares. Este estudo foi capaz de detectar evidências da associação entre valores aumentados de homocisteína plasmática e a ocorrência de AVCI.

As médias de homocisteína total dos fumantes, ex-fumantes e não-fumantes são equivalentes, indicando não haver diferença entre os grupos. Malinow relatou, em artigo de revisão (1994), que encontrou apenas um estudo mostrando associação positiva entre tabagismo e homocisteína (Kvale et al., 1993, apresentado na 3ª Conferência Internacional de Cardiologia Preventiva)18.

Em relação à hipertensão, a diferença nos valores de homocisteína encontrada entre os dois grupos (hipertensos e não-hipertensos) foi significativa, estando de acordo com estudos feitos por Kang et al.19e Heinecke et al.20. Esta é uma associação entre dois fatores de risco independentes e não há relação de causa e efeito, pois os mecanismos pelos quais as duas variáveis levam ao AVCI são diferentes.

No estudo dos valores de homocisteína em relação à presença ou não de diabetes, a ausência de diferença encontrada entre os dois grupos estudados está de acordo com os resultados encontrados por Brattström et al.21e Bremmer et al.22. Isto indica que o aumento no risco de AVCI em diabéticos não pode ser explicado pelo nível de homocisteína plasmática.

Ao se analisar os resultados de homocisteína encontrados para os grupos Paciente e Controle ficou evidente a diferença entre ambos, concordando com estudo feito também no Brasil por Cruz et al.23. A análise dos resultados das dosagens de homocisteína para os dois grupos considerando a faixa etária apresenta fatos interessantes. A ausência de diferença nos valores de homocisteína para idades inferiores a 30 anos indica que a hiper-homocisteinemia ainda não se manifestou nesta idade e a análise de regressão logística da presença de aterosclerose com idade, no grupo Paciente, mostrando que nesta faixa etária não foram encontrados casos de aterosclerose, indica outra etiologia para os AVCIs.

Nas duas faixas etárias seguintes existe diferença significativa entre os grupos de estudo. Os valores mais altos de homocisteína encontrados para o grupo Paciente indicam associação entre homocisteína e AVCI, sendo que o aparecimento de casos de aterosclerose em pacientes com idade entre 30 e 49 anos, evidenciado pela regressão logística, reforça a possibilidade de risco para esta faixa etária. Na faixa etária composta por pessoas de 60, 70 e 80 anos o resultado não foi conclusivo, podendo significar que os AVCs nesta faixa etária tenham sido causados também por outros fatores de risco (como hipertensão, aterosclerose por hipercolesterolemia, diabetes). É preciso ter em mente que os fatores de risco interagem, com efeitos aditivos e talvez até multiplicativos. Talvez os mais idosos já apresentem as conseqüências da exposição a vários fatores de risco por mais tempo e nas faixas de 40 e 50 anos o dano causado pela hiper-homocisteinemia seja mais evidente, pois os outros fatores de risco ainda não tiveram tempo para causar lesões significativas. Também é preciso levar em conta que os participantes do estudo pertencem a diferentes coortes de idade, que vão perdendo componentes ao longo dos anos. Estas perdas fazem com que no final se tenha uma coorte de sobreviventes em que o subgrupo dos mais idosos apresenta características diferentes dos outros subgrupos.

Os resultados indicam que na faixa etária de 40 a 59 anos é maior o grau de confiança em aceitar que há associação entre as duas variáveis. Reis et al. estudando 35 pacientes e igual número de controles com média de idade de 46,4 anos, concluíram que a hiper-homocisteinemia tem maior importância como fator de risco para AVCI para pessoas com menos de 55 anos24.

A diferença encontrada nos valores de homocisteína entre o grupo formado pelos pacientes com AVCI aterotrombótico e o de outras etiologias bem como o resultado da análise de regressão de aterosclerose e homocisteína reforçam a teoria de que a homocisteína é aterogênica.

A influência da variável sexo no valor de homocisteína, detectada pelo modelo de regressão linear, se revela por valores mais altos para os homens. A causa de níveis mais elevados de homocisteína em homens do que em mulheres pode estar relacionada a diferentes taxas de formação de homocisteína associadas à maior síntese de creatina e à maior massa muscular encontrada em homens. Também é possível que os estrógenos proporcionem diminuição dos níveis de homocisteína18.

O estudo entre homocisteína e tempo decorrido entre a ocorrência do AVCI e a inclusão no estudo não foi capaz de detectar correlação entre os dois fatos. Isto pode ter ocorrido devido ao formato de estudo de prevalência, que não é o mais indicado para avaliar relação temporal, ou à grande extensão da faixa da variável tempo embora 70% dos pacientes estivessem no período compreendido por até um ano. Brattström et al. relataram estudo com pessoas com doença vascular e sadias nos quais as pessoas com hiperhomocisteinemia mantinham esta condição um ano depois do início do estudo25. Mas é possível que, após a ocorrência de um AVCI, o paciente modifique seus hábitos alimentares, o que pode vir a diminuir os valores plasmáticos de homocisteína caso esta mudança inclua aumento na ingestão de ácido fólico e vitamina B12. He,K et al., estudaram 43732 homens americanos participantes do "The Health Professional Follow-up Study" durante 14 anos e concluíram que a ingestão de folatos e vitamina B12 está associada inversamente ao risco de AVCI26.

Dois estudos prospectivos se propuseram a avaliar o efeito da ingestão de ácido fólico e vitaminas B6 e B12 na prevenção de AVCI: "Vitamin Intervention for Stroke Prevention (VISP)" e "Vitamins to Prevent Stroke (VITATOPS)". VISP é um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, realizado nos Estados Unidos entre 2001 e 2003. Este estudo foi desenhado para verificar se altas doses de ácido fólico, vitamina B6 e vitamina B12, ingeridas para diminuir os valores de homocisteína, diminuiriam o risco de recorrência de AVC e reduziriam o risco de infarto do miocárdio e doença cardíaca fatal27. Seus resultados mostraram que os níveis de homocisteína diminuíram sem que houvesse redução significativa na recorrência de AVC e no risco de doença cardiovascular28. VITATOPS é um ensaio clínico randomizado internacional, multicêntrico, duplo cego e controlado com placebo, desenvolvido por pesquisadores australianos. Seu objetivo é seguir 8000 pacientes entre os anos de 2000 e 2004 para estabelecer estimativas confiáveis da segurança e efetividade da suplementação de dieta com ácido fólico, vitamina B12 e vitamina B6 na redução de acidentes vasculares recorrentes num vasto grupo de pacientes que já sofreram AVC29.

CONCLUSÃO

Neste estudo, verificou-se que pessoas que tiveram AVCI apresentaram valores médios de homocisteína plasmática mais altos do que aquelas consideradas controle, evidenciando associação entre níveis de homocisteína plasmáticos e a ocorrência de AVCI. A estratificação dos dois grupos por faixa etária mostrou que nesse estudo essa associação é estatisticamente significativa apenas na faixa etária de 40 a 59 anos. Ao se comparar as médias de homocisteína dos grupos de pacientes formados pela classificação da etiologia do AVCI, encontraram-se valores mais elevados nos grupo dos aterogênicos. O delineamento deste estudo considerou apenas o aspecto aterogênico da homocisteína mas também é preciso estudar sua ação trombogênica. Também é preciso considerar que os efeitos patológicos associados à hiper-homocisteinemia podem não ser apenas causados pela homocisteína em si mas também pela falta de algum produto que deixe de ser sintetizado ou pelo excesso de outro que deixe de ser metabolizado em conseqüência da diminuição das reações de metilação que dependem da formação de metionina a partir da homocisteína.

Estudos prospectivos em coortes de pacientes que não tiveram AVCI e que eventualmente possam vir a tê-lo certamente esclarecerão muitas das dúvidas ainda existentes sobre esse assunto.

Recebido 27 Julho 2003, recebido na forma final 14 Junho 2004, Aceito 13 Setembro 2004.

  • 1. McCully KS. Vascular pathology of homocysteinemia: implications for the pathogenesis of arteriosclerosis. Am J Path 1969;56:111-128.
  • 2. Brattström LE, Hardebo JE, Hultberg BL. Moderate hyperhomocysteinemia: a possible risk factor for arteriosclerotic cerebrovascular disease. Stroke 1984;15:1012-1016.
  • 3. Messerly FH, Mittler BS. Framingham at 50. Lancet 1998;352:1006.
  • 4. Kang S-S, Wong PW, Malinow MR. Hyperhomocyst(e)inemia as a risk factor for occlusive vascular disease. Annu Rev Nutr 1992;12:279-298.
  • 5. Clarke R, Daly L, Robinson K, et al. Hyperhomocysteinemia: an independent risk factor for vascular disease. N Engl J Med 1991;324:1149-1155.
  • 6. Graham IM, Daly LE, Refsum HM, et al. Plasma homocysteine as a risk factor for vascular disease. The European Concerted Action Project. JAMA 1997;277:1775-1781.
  • 7. Nygård O, Vollset SE, Refsum H, et al. Total plasma homocysteine and cardiovascular risk profile. The Hordaland Homocysteine Study. JAMA 1995;274:1526-1533.
  • 8. Brattstrom L, Lindgren A, Israelsson A, Hultberg B. Homocysteine and cysteine: determinants of plasma levels in middle-aged and elderly subjects. J Intern Med 1994;236:633-641.
  • 9. Coull BM, Malinow MR, Beamer N, Sexton G, Nordt F, de Garmo P. Elevated plasma homocyst(e)ine concentration as a possible independent risk factor for stroke. Stroke 1990;21:572-576.
  • 10. Stampfer MJ, Malinow R, Willett WC, et al. A prospective study of plasma homocyst(e)ine and risk of myocardial infarction in US physicians. JAMA 1992;268:877-881.
  • 11. Arnesen E, Refsum H, Bonaa KH, Ueland PM, Forde OH, Nordrehaug JE. Serum total homocysteine and coronary heart disease. Int J Epidemiol 1995;24:704-709.
  • 12. Perry IJ, Refsum H, Morris RW, Ebrahim SB, Ueland PM, Shaper AG. Prospective study of serum total homocysteine concentration and risk of stroke in middle-aged British man. Lancet 1995;346:1395-1398.
  • 13. Bostom AG, Rosenberg IH, Silbershatz H, et al. Nonfasting plasma total homocysteine levels and stroke incidence in elderly persons: the Framingham Study. Ann Intern Med 1999;131:352-355.
  • 14. Report of the Expert Committee on the Diagnosis and Classification of Diabetes Mellitus. Diabetes Care 2003;26(Suppl 1):S5-S20.
  • 15. Adams HP Jr, Bendixen BH, Kappelle LJ, et al. Classification of subtype of acute ischemic stroke. Stroke 1993;24:35-41
  • 16. Accinni R, Campolo J, Bartesaghi S, et al. High-performance liquid chromatography determination of total plasma homocysteine with or without internal standards. J Chromatogr A 1998;828:397-400.
  • 17. Pfeiffer CM, Huff DL, Gunter EW. Rapid and accurate HPLC assay for plasma total homocysteine and cysteine in a clinical laboratory setting. Clin Chem 1999;45:290-292.
  • 18. Malinow MR. Homocyst(e)ine and arterial occlusive diseases. J Intern Med 1994;236:603-617.
  • 19. Kang S-S, Wong PW, Malinow MR. Hyperhomocyst(e)inemia as a risk factor for occlusive vascular disease. Annu Rev Nutr 1992;12:279-298.
  • 20. Heinecke JW, Rosen H, Suzuji LA, A. The role of sulfur-containing amino-acids in superoxide production and modification of low-density lipoprotein by arterial smooth muscle cells. J Biol Chem 1987;262:10098-10103.
  • 21. Brattström L, Lindgren A, Israelssin B, et al. Hyperhomocysteinaemia in stroke: prevalence, cause, and relationship to type of stroke and stroke risk factors. Eur J Clin Invest 1992;22:214-221.
  • 22. Bremner WF, Holmes EW, Kanabrocki EL, et al. Circadian rhythm of serum total homocysteine in men. Am J Cardiol 2000;86:1153-1156.
  • 23. Cruz EN, D'Almeida V, Cardien LC, et al. Padronização da dosagem de homocisteína plasmática por cromatografia líquida de alta pressão e aplicação em pacientes com doença arterial coronariana. J Bras Patol 2000;36:166-173.
  • 24. Reis RP, Azinheira J, Reis HP, et al. A homocisteinemia como factor de risco de doença cerebrovascular precoce. Acta Med Port 1994;7:285-289.
  • 25. Brattström L, Lindgren A, Israelssin B, et al. Hyperhomocysteinaemia in stroke: prevalence, cause, and relationship to type of stroke and stroke risk factors. Eur J Clin Invest 1992;22:214-221.
  • 26. He K, Merchant A, Rimm EB, et al. Folate, Vitamin B6, and B12 intakes in relation to risk of stroke among men. Stroke 2004;35:169-174.
  • 27. Toole JF. Vitamin intervention for stroke prevention. J Neurol Sci 2002; 203-204:121-124.
  • 28. Toole JF, Malinow MR, Chambless LE, et al. Lowering homocysteine in patients with ischemic stroke to prevent recurrent stroke, myocardial infarction, and death. The Vitamin Intervention for Stroke Prevention (VISP) Randomized Controlled Trial. JAMA 2004;291:565-575.
  • 29. The VITATOPS Trial Study Group. The VITATOPS (Vitamins to Prevent Stroke) trial: rationale and design of an international, large, simple, randomized trial of homocysteine-lowering multivitamin therapy in patients with recent transient ischaemic attack or stroke. Cerebrovasc Dis 2002; 13:120-126.
  • Endereço para correspondência
    Dra. Lillian Harboe-Gonçalves
    Avenida Amazonas 5953
    30510-000 Belo Horizonte MG - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2004
    • Recebido
      27 Jul 2003
    • Revisado
      14 Jul 2004
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org