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Estudo eletrofisiológico do sistema auditivo periférico e central em indivíduos afásicos

Electrophysiological study of the central and peripheral hearing system of aphasic individuals

Resumos

TEMA: Eletrofisiologia do sistema auditivo. OBJETIVO: Avaliação eletrofisiológica do sistema auditivo periférico e central de pacientes lesionados cerebrais. MÉTODO: Grupo experimental: onze lesionados cerebrais com quadros afásicos, de ambos os gêneros e idade variando de 43 a 75 anos; grupo controle: onze sujeitos sem queixa auditiva, equiparados quanto ao gênero e idade. Os indivíduos foram avaliados por meio de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE); de média latência (PEAML) e potencial cognitivo (P300). RESULTADOS: Aumento das latências da onda V e do interpico I-V nos PEATE em ambos os grupos decorrente do fator idade. Presença de diferença hemisférica estatisticamente significante ao comparar o componente Pa na pesquisa dos PEAML registrado em C3 (hemisfério esquerdo) e C4 (hemisfério direito) no grupo experimental. Ausência ou aumento da latência e diminuição da amplitude do P300 na presença do componente N2, na pesquisa do potencial cognitivo P300. CONCLUSÃO: Os PEAML e P300 demonstraram ser instrumentos para avaliação de indivíduos afásicos.

afasia; potenciais evocados auditivos; acidente vascular isquêmico; audiometria tonal liminar


SUBJECT: Electrophysiology of the auditory system. OBJECTIVE: Electrophysiological evaluation of the peripheral and central auditory system of brain injured patients. METHOD: Experimental group: eleven brain injured and aphasic subjects, both genders and with ages ranging from 43 to 75; control group: eleven individuals without hearing complaints, equalized as to gender and age. The subjects were evaluated through auditory brainstem response (ABR); auditory middle latency response (AMLR) and auditory P300 response. RESULTS: An increase in the V wave latency and I-V interpeak in both groups, due to the age factor. The presence of statistically significant hemispheric differences when compared to the Pa component in MLAEP research, registered in the C3 (left hemisphere) and the C4 (right hemisphere). In researching the P300 Cognitive Potential, there was an absence or increase in P300 latency and a decrease in P300 amplitude in the presence of the N2 component. CONCLUSION: The AMLR and auditory P300 response have proven to be effective instruments for evaluating aphasic individuals.

aphasia; auditory evoked potentials; ischemic stroke; otoacoustic emissions; pure tone audiometry


Estudo eletrofisiológico do sistema auditivo periférico e central em indivíduos afásicos

Electrophysiological study of the central and peripheral hearing system of aphasic individuals

Kátia de Freitas AlvarengaI; Dionisia Cusim LamônicaII; Orozimbo Alves Costa FilhoIII; Marcus Roberto BanharaIV; Danielle Tavares OliveiraV; Michelle Alves CampoV

IProfessora do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB) da Universidade de São Paulo, (USP), Membro da Equipe Multidisciplinar de Implante Coclear (EMIC) do Centro de Pesquisas Audiológicas (CPA) do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC), (USP), Bauru SP, Brasil

IIProfessora do Curso de Fonoaudiologia da FOB - USP

IIIProfessor Livre Docente do Curso de Fonoaudiologia / Coordenador da EMIC do CPA HRAC - USP

IVFonoaudiólogo graduado pela FOB; USP / Pesquisador do CPA do HRAC - USP / Mestrando do programa de Fisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicina (FM) USP

VFonoaudióloga graduada pela FOB - USP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Kátia de Freitas Alvarenga Faculdade de Odontologia de Bauru / USP Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla 9/75 17012-000 Bauru SP - Brasil E-mail: dep-fono@fob.usp.br

RESUMO

TEMA: Eletrofisiologia do sistema auditivo.

OBJETIVO: Avaliação eletrofisiológica do sistema auditivo periférico e central de pacientes lesionados cerebrais.

MÉTODO: Grupo experimental: onze lesionados cerebrais com quadros afásicos, de ambos os gêneros e idade variando de 43 a 75 anos; grupo controle: onze sujeitos sem queixa auditiva, equiparados quanto ao gênero e idade. Os indivíduos foram avaliados por meio de potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE); de média latência (PEAML) e potencial cognitivo (P300).

RESULTADOS: Aumento das latências da onda V e do interpico I-V nos PEATE em ambos os grupos decorrente do fator idade. Presença de diferença hemisférica estatisticamente significante ao comparar o componente Pa na pesquisa dos PEAML registrado em C3 (hemisfério esquerdo) e C4 (hemisfério direito) no grupo experimental. Ausência ou aumento da latência e diminuição da amplitude do P300 na presença do componente N2, na pesquisa do potencial cognitivo P300.

CONCLUSÃO: Os PEAML e P300 demonstraram ser instrumentos para avaliação de indivíduos afásicos.

Palavras-chave: afasia, potenciais evocados auditivos, acidente vascular isquêmico, e audiometria tonal liminar.

ABSTRACT

SUBJECT: Electrophysiology of the auditory system.

OBJECTIVE: Electrophysiological evaluation of the peripheral and central auditory system of brain injured patients.

METHOD: Experimental group: eleven brain injured and aphasic subjects, both genders and with ages ranging from 43 to 75; control group: eleven individuals without hearing complaints, equalized as to gender and age. The subjects were evaluated through auditory brainstem response (ABR); auditory middle latency response (AMLR) and auditory P300 response.

RESULTS: An increase in the V wave latency and I-V interpeak in both groups, due to the age factor. The presence of statistically significant hemispheric differences when compared to the Pa component in MLAEP research, registered in the C3 (left hemisphere) and the C4 (right hemisphere). In researching the P300 Cognitive Potential, there was an absence or increase in P300 latency and a decrease in P300 amplitude in the presence of the N2 component.

CONCLUSION: The AMLR and auditory P300 response have proven to be effective instruments for evaluating aphasic individuals.

Key words: aphasia, auditory evoked potentials, ischemic stroke, otoacoustic emissions, pure tone audiometry.

A sintomatologia afásica é ampla, demonstrando quadros clínicos complexos dependendo da seqüela lesional e da severidade do acometimento da função lingüística. De maneira simplificada, os quadros afásicos podem ser classificados de acordo com as funções perdidas, ou seja, alterações da recepção dos signos lingüísticos, da expressão do pensamento ou ambos1. Nos quadros afásicos, as lesões situam-se em áreas corticais especializadas pelas funções da linguagem. Estas áreas estão localizadas na região perissilviana, cuja porção anterior envolve a confluência dos lobos frontal, parietal e temporal, denominada área de Broca, e a região posterior na confluência dos lobos parietal, temporal e occipital, denominada área de Wernicke2.

Desta forma, indivíduos com lesões cerebrais nas áreas anteriores da linguagem apresentarão, invariavelmente, envolvimento do centro expressivo, com provável instalação rápida do quadro clínico, na maioria das vezes, como conseqüência de um acidente vascular cerebral. Nestes casos, pode ser observada redução da linguagem expressiva caracterizando quadro afásico do tipo não fluente, com mutismo inicial evoluindo para estereotipia e para produção laboriosa, perseveração, empobrecimento da capacidade de repetição e agramatismo telegráfico, com maior preservação de nomes e verbos. A compreensão auditiva, porém, é relativamente mantida ou com comprometimento leve, tendo em vista que as porções mais laterais da via motora estão geralmente comprometidas, associa-se comumente à hemiplegia ou hemiparesia do lado direito do corpo1. Por outro lado, nos indivíduos com lesões nas regiões posteriores, a característica mais importante apresentada é a dificuldade para compreensão da linguagem, apresentando afasia do tipo fluente com aparente gramaticalidade, com melodia e ritmo adequados. Entretanto, observa-se dificuldade para transmitir pensamentos por meio de palavras devido à presença de jargão, assim como pouca capacidade para nomear e repetir palavras1-2 .

Na prática clínica, a avaliação fonoaudiológica do indivíduo afásico requer atenção do profissional responsável, pois depende de inúmeras variáveis, dentre as quais, ressalta-se a dificuldade de respostas consistentes devido a seqüela neurológica e a existência de comprometimentos motores associados que alteram a comunicação de modo geral. Desta maneira, é de extrema importância uma cuidadosa análise do examinador quanto aos processos receptivos, referentes tanto a percepção do som quanto ao processamento das informações auditivas até centros corticais. A dificuldade de expressão deste paciente pode implicar em viés na interpretação dos dados da avaliação quanto as habilidades auditivas e consequentemente, na determinação do diagnóstico fonoaudiológico preciso.

Assim, a possibilidade de utilizar os potenciais evocados auditivos (PEA) para estudar os processos receptivos dos pacientes com afasia expressiva, pode significar um grande avanço no processo de diagnóstico destes pacientes, assim como, no acompanhamento da recuperação dos mecanismos neurais responsáveis pela linguagem. Na literatura específica, estudos têm demonstrado normalidade dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE) em indivíduo afásico3. Entretanto, os potenciais evocados auditivos de média latência (PEAML) e longa latência (PEALL) no período inicial do quadro sintomatológico podem mostrar-se alterados quanto a latência e amplitude dos componentes ou até mesmo ausentes4, com significativa melhora do registro após um período do acometimento cerebral5,6.

A correlação da integridade funcional da região temporal póstero-superior com as limitações de compreensão auditiva nos quadros de afasia foi demonstrada por meio da assimetria hemisférica constatada no registro dos PEAML e PEALL7. Entretanto, é importante ressaltar que mesmo na avaliação objetiva por meio dos PEAs existem variáveis que devem ser consideradas na análise do registro obtido. O fator idade influencia na latência dos componentes dos PEAs, havendo aumento da mesma com o envelhecimento, mesmo na ausência de alteração neurológica.

A pesquisa do PEATE demonstrou aumento da latência interpicos I -V na faixa etária entre 60 e 80 anos e na latência do componente PA na pesquisa do PEAML está aumentada em média 2 a 3 ms., quando comparados indivíduos jovens e idosos8-9.

Outra variável importante, refere-se aos efeitos da atenção na geração dos PEAs em vários níveis do sistema auditivo, sugerindo que a informação auditiva é analisada no lemnisco lateral (tronco encefálico) ou no córtex auditivo primário de igual maneira10 .

O objetivo deste estudo foi avaliar o sistema auditivo periférico e central, a fim de averiguar a existência de alteração auditiva que possa estar sendo mascarada pelo prejuízo dos processos expressivos da linguagem no indivíduo afásico.

MÉTODO

Este estudo foi realizado na Clínica do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo - Campus Bauru/SP, conforme as normas de Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos - Resolução 196/96. Protocolo número CEP/15 2002/FOB.

A casuística foi composta de onze indivíduos portadores de lesão cerebral isquêmica e quadro afásico, de ambos os gêneros (seis homens e cinco mulheres) com idade variando entre 43 e 75 anos no grupo experimental e onze indivíduos no grupo controle, sem queixa auditiva equiparados quanto ao gênero e idade.

Caracterização da casuística quanto à audição periférica — Todos os indivíduos do grupo experimental e controle foram avaliados por meio da audiometria tonal liminar (ATL), sendo observado, tanto para o grupo controle quanto para o grupo experimental, perda auditiva neurossensorial bilateral de grau leve a moderado, com curva audiológica descendente. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre o grupo controle e experimental ao comparar-se os resultados obtidos na ATL.

Caracterização da comunicação oral — Após avaliação da comunicação oral por meio da utilização de provas específicas, foi constatado que oito indivíduos afásicos apresentavam dificuldades nas questões envolvendo habilidades de expressão da comunicação oral, e, três apresentaram comprometimento associado da expressão e recepção auditiva (compreensão da linguagem oral), dois de grau leve e um de grau severo. Com relação ao tempo de afasia, todos os indivíduos foram avaliados entre 12 e 48 meses após o acometimento cerebral, ou seja, após o período considerado de recuperação espontânea.

Processo de avaliação — A avaliação eletrofisiológica do sistema auditivo foi realizada por meio da pesquisa dos potenciais evocados auditivos de tronco encefálico (PEATE), de média latência (PEAML) e potencial cognitivo P300. Os parâmetros de avaliação utilizados, assim como, os critérios de avaliação, encontram-se descritos a seguir:

Potenciais Evocados Auditivos de Tronco Encefálico (PEATE): Parâmetros para o teste — Estímulo click; intensidade de 80 dBnHL nos indivíduos com audição normal e 100 dBnHL nos indivíduos com perda auditiva; velocidade: 211 clicks/seg.; polaridade condensação; janela de 15 ms; Filtro de 30 a 3000 Hz e fone de inserção 3A. Os eletrodos foram colocados da seguinte maneira: Fz o eletrodo ativo; M1 e M2 os eletrodos referência (para registro ipsilateral e contralateral) e o eletrodo terra na fronte. Foram analisadas as latências absolutas das ondas I, III e V e valores dos interpicos I-III; III-V e I-V.

Potenciais Evocados Auditivos de Média Latência (PEAML): Parâmetros para o teste — Estímulo click; intensidade de 70 dBnHL nos indivíduos com audição normal e 90 dBnHL nos indivíduos com perda auditiva; velocidade: 7,7 clicks/seg.; polaridade condensação; janela de 100 ms; filtro de 3 a 100 Hz e fone de inserção 3A. Os eletrodos foram colocados da seguinte maneira: os eletrodos ativos Cz, e C4 e C3 nos hemisférios direito e esquerdo, respectivamente, e, M1 e M2 os eletrodos referência e o eletrodo terra na fronte. Foram analisadas as latências absolutas do Na e Pa, comparativamente entre grupos e hemisférios.

Potencial Cognitivo P300: Parâmetros para o teste — estímulo tone burst; estímulo freqüente 1000 Hz (80% das apresentações) e raro 2000 Hz (20% das apresentações - 100 estímulos raros); platô 30 e rise 10; intensidade moderada de 70 dBnHL em indivíduos com audição normal e 90 dBnHL nos indivíduos com perda auditiva; velocidade de 1,1 clicks/seg; filtro de 1 a 100 Hz; polaridade condensação; e fone de inserção 3A. Os eletrodos foram colocados da seguinte maneira: eletrodos ativos em Cz e Fz e M1 e M2 os eletrodos referências e o eletrodo terra na fronte. Foram analisadas a latência absoluta de N2 e latência absoluta e amplitude do P300.

Para os procedimentos descritos acima, foi utilizado o equipamento Biologic's Evoked Potential System (EP). A colocação dos eletrodos seguiu o International 10-20 Electrode System. A análise estatística descritiva foi feita por meio da mediana, percentil 2,5, percentil 97,5, valores mínimo e máximo. Foi realizada a análise estatística descritiva e análise comparativa por meio do teste Mann-Whitney, com significância <0,05.

RESULTADOS

A análise estatística descritiva dos resultados dos PEATE, PEAML, e Potencial Cognitivo P300 encontra-se na Tabela 1.

Na pesquisa dos PEATE a análise das latências absolutas das ondas I, III e V e as latências interpicos I-III, III-V e I-V, obtidas nas orelhas direita e esquerda, demonstrou aumento da latência absoluta da onda V com aumento do interpico I-V, tanto no grupo controle quanto experimental para alguns indivíduos (Tabela 1); entretanto, não foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre os grupos estudados (Tabela 2).

Para os PEAML, verificou-se presença dos componentes Na e Pa em todos os indivíduos avaliados do grupo controle e experimental. Não foi encontrado diferença estatisticamente significante entre as latências absolutas dos componentes Na e Pa, para os registros em C3, C4 e Cz, quando comparados os grupos controle e experimental (Tabela 3). Entretanto, ocorreu diferença estatisticamente significante (p=0,020) quando comparados os hemisférios esquerdo e direito, por meio da latência do componente Pa no grupo experimental, com mediana 36,64ms e 33,71ms, respectivamente (Tabela 4).

Na pesquisa do potencial cognitivo (P300) verificou-se o registro dos componentes N2 e P300 em cinco indivíduos (46%); apenas o componente N2 com ausência de P300 em três indivíduos (27%) e ausência de N2 e P300 em três indivíduos (27%). Na comparação dos valores de latência do componente N2 e amplitude e latência do componente P300 obtidos no registro em Cz e Fz não foi observada diferença estatisticamente significante tanto no grupo controle quanto experimental (Tabela 3), assim como, quando os componentes N2 e P300 foram comparados entre os grupos controle e experimental (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre o grupo controle e experimental ao comparar-se os resultados obtidos nos PEATE (Tabela 2). O aumento da latência absoluta da onda V e do interpico I-V observado em ambos os grupos para alguns indivíduos é condizente com os relatos da literatura consultada, que mencionam a possibilidade de aumento da latência da onda V em decorrência do fator idade7,8. O comportamento semelhante da latência da onda V, no grupo controle e experimental, sugere que as alterações neurológicas observadas no indivíduo afásico provavelmente, não comprometeram as estruturas envolvidas na geração destes potenciais, que compreendem regiões entre o nervo coclear e colículo inferior no tronco encefálico.

Com relação aos PEAML, não se observou diferença estatisticamente significante entre as latências dos componentes Na e Pa quando comparados os grupos controle e experimental. Os valores de latência do componente Na comportaram-se de forma semelhante nos dois grupos, sugerindo que estruturas corticais provavelmente não tiveram participação efetiva na geração deste componente, visto a presença de lesão cortical no indivíduo afásico. Entretanto, a variabilidade maior da latência absoluta do componente Pa no grupo experimental, sugere que o aumento da latência deste componente provavelmente não é justificado apenas pela idade, visto que o grupo controle foi equiparado quanto a este fator. Assim, estes dados demonstram a provável influência da seqüela encefálica na geração do potencial Pa na casuística estudada, achado condizente com a literatura4. É importante salientar, o constante controle do estado de alerta do indivíduo durante o teste, pois modificações neste estado poderiam interferir no componente Pa.

O diagnóstico por imagem, não foi realizado na casuística estudada, o que permitiria precisar o local da lesão existente no indivíduo afásico. Entretanto, analisando o quadro dos indivíduos, observa-se que nove indivíduos apresentavam hemiparesia ou hemiplegia à direita sugerindo lesão no hemisfério esquerdo. Os dois indivíduos restantes, são portadores de hemiparesia à esquerda que pode estar relacionada à lesão no hemisfério direito ou em estruturas mais baixas do hemisfério esquerdo. Desta forma, a diferença hemisférica constatada no PEAML, com uma tendência de maiores valores de latência absoluta do componente Pa no hemisfério esquerdo, vem auxiliar no diagnóstico de localização da lesão, sugerida pelo quadro clínico motor e de linguagem dos indivíduos10.

Não foi observada diferença estatisticamente significante entre os grupos controle e experimental, quando comparados os componentes N2 e P300. A possibilidade de um registro normal do potencial cognitivo P300 em indivíduos afásicos, justifica-se pelas variáveis individuais, como tempo de afasia, participação no processo de reabilitação, plasticidade neuronal, idade, entre outras.

Entretanto, observou-se variabilidade maior na latência e amplitude do componente P300 nos oito indivíduos afásicos que apresentavam apenas alteração no processo expressivo, quando comparado ao grupo controle, sugerindo aumento da latência e diminuição da amplitude deste componente. Analisando estes dados, algumas hipóteses podem ser elaboradas quanto aos fatores que poderiam ter influenciado este achado. Inicialmente, é importante ressaltar que, nos oito indivíduos afásicos o componente N2 mostrou-se presente dentro da latência esperada, sugerindo a atenção adequada para o teste. Outro fator a ser considerado, é a influência da idade no registro destes potenciais, com aumento da latência e diminuição da amplitude do P3007-8. Entretanto, o grupo controle foi equiparado quanto à idade e apresentou latência menor do que o observado nos indivíduos afásicos.

Assim, estes fatos sugerem que o aumento da latência do P300 encontrado nos oito indivíduos afásicos pode ser justificado pela seqüela da lesão neurológica, agravada por comportamentos inerentes ao quadro clínico, como por exemplo a fatigabilidade, na qual os indivíduos afásicos tendem a apresentar fadiga em situações que exigem atenção concentrada1. Semelhante raciocínio pode ser feito para os três indivíduos que apresentaram ausência do P300 mesmo com registro adequado do componente N2. Cabe lembrar que o aparecimento do componente P300 está relacionado aos processos cognitivos refletidos nos componentes e sub-componentes das habilidades de atenção, discriminação auditiva, e memória9. Na presença de lesão cerebral tais processos descritos podem estar comprometidos, o que poderia explicar o aumento da latência e diminuição da amplitude ou ausência do P300 nos indivíduos afásicos.

Por outro lado, fatores como atenção e estado de alerta tornaram o resultado questionável nos três indivíduos que não apresentaram registro dos componentes N2 e P300. Ressalta-se que estes indivíduos apresentavam alterações do processo receptivo (compreensão da linguagem), assim, a ausência de respostas ao P300 pode estar relacionada à própria alteração lingüística, uma vez que nestes casos, há demonstrações de dificuldades no processamento de decodificação de mensagens, mesmo de maneira assistemática, ou seja, em situações dialógicas não contextuais, nas quais podem ser observadas alterações da recepção. Por outro lado, a possibilidade de alteração do P300 não pode ser descartada, visto o quadro de alteração lingüística observado nestes indivíduos, sugerindo lesão nas áreas de linguagem do hemisfério esquerdo.

Cabe ressaltar que a perda auditiva periférica decorrente da idade, provavelmente não interferiu no registro dos PEAML e P300 visto que o grau da perda auditiva variou de leve a moderado, permitindo nível de sensação suficiente do estímulo apresentado para a realização do teste. Em conclusão, a pesquisa do potencial evocado auditivo de média latência e potencial cognitivo P300 permitiu constatar a presença de alteração nas habilidades auditivas de atenção, percepção, discriminação e memória imediata decorrente provavelmente da seqüela da lesão cerebral. Os métodos objetivos de avaliação da função auditiva demonstraram ser instrumentos eficientes na avaliação dos indivíduos afásicos quando há dúvidas quanto ao processo de recepção da linguagem na presença de alterações da expressão oral.

Recebido 5 Junho 2003, recebido na forma final 19 Julho 2004. Aceito 17 Setembro 2004.

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Kátia de Freitas Alvarenga
    Faculdade de Odontologia de Bauru / USP
    Alameda Dr. Octávio Pinheiro Brisolla 9/75
    17012-000 Bauru SP - Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Set 2004
    • Revisado
      19 Jul 2004
    • Recebido
      05 Jun 2003
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