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Enxaqueca oftalmoplégica: achados à ressonância magnética. Relato de caso

Ophthalmoplegic migraine: MRI fingings. Case report

Resumos

A enxaqueca oftalmoplégica é síndrome rara em que a cefaléia se associa à oftalmoplegia por paralisia do terceiro, quarto ou sexto nervos cranianos. Ocorre mais freqüentemente em crianças e adolescentes. Ao exame de ressonância magnética (RM), com uso de gadolínio, é observado realce transitório do nervo afetado. Apresentamos o caso de um adolescente, 16 anos, masculino, com história típica e hipersinal nas seqüências ponderadas em T1 pós-infusão venosa do gadolínio na porção cisternal do nervo oculomotor esquerdo. No exame de controle, realizado 18 meses depois, houve remissão completa das alterações na RM. O hipersinal do oculomotor à RM é sempre patológico; entre os diagnósticos diferenciais devemos incluir neoplasias (linfoma, leucemia), infecções (SIDA, sífilis), doenças inflamatórias não-infecciosas (sarcoidose, síndrome de Tolosa-Hunt) e vasculares (aneurisma da artéria comunicante posterior).

enxaqueca oftalmoplégica; ressonância magnética; nervo oculomotor


Ophthalmoplegic migraine is a rare syndrome in which headache is associated with ophthalmoplegia and third, fourth or sixth cranial nerves palsy. It occurs most frequently in childhood and teenagers. At magnetic resonance imaging (MRI) with gadolinium (GD-DTPA) it may be observed a transitory enhancement of the affected nerve. We present the case of a male teenager, 16 years old, with typical medical history and enhanced signal at left oculomotor nerve in cisternal portion at MRI weighted in T1 with GD-DTPA. On the control exam, eighteen months later, there was no remarkable lesion. The enhancement of oculomotor nerve at MRI is always pathological and among the differential diagnosis we must include: neoplasia (lymphoma and leukemia), infections (AIDS, syphilis), inflammatory process (sarcoidose and Tolosa-Hunt syndrome) and vascular (posterior communicating artery aneurism).

ophthalmoplegic migraine; MRI; oculomotor nerve


Enxaqueca oftalmoplégica: achados à ressonância magnética. Relato de caso

Ophthalmoplegic migraine: MRI fingings. Case report

Luciano FarageI; Mário Augusto Padula CastroI; Túlio Augusto Alves MacedoI; Paulo César Naves BorgesII; Lincoln Pereira de SouzaIII; Luiz Oliveira de FreitasIV

Setor de Radiologia, Hospital das Clinicas, Universidade Federal de Uberlândia (HC-UFU) Uberlândia MG, Brasil

IMédico-Residente do Setor de Radiologia, HC, UFU

IIOftalmologista, Hospital Santa Genoveva

IIIProfessor Assistente de Radiologia, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina-UFU e Radiologista do Centro de Diagnóstico por Imagem (CDI), Hospital Santa Genoveva

IVProfessor Adjunto de Radiologia, Departamento de Clínica Médica, Famed-UFU, Chefe do Setor de Radiologia do HC-UFU e Radiologista do CDI-Uberlândia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Luciano Farage SQS 207 Bloco A apto 201 70253-010 Brasília DF - Brasil E-mail: lucianofarage@yahoo.com.br

RESUMO

A enxaqueca oftalmoplégica é síndrome rara em que a cefaléia se associa à oftalmoplegia por paralisia do terceiro, quarto ou sexto nervos cranianos. Ocorre mais freqüentemente em crianças e adolescentes. Ao exame de ressonância magnética (RM), com uso de gadolínio, é observado realce transitório do nervo afetado. Apresentamos o caso de um adolescente, 16 anos, masculino, com história típica e hipersinal nas seqüências ponderadas em T1 pós-infusão venosa do gadolínio na porção cisternal do nervo oculomotor esquerdo. No exame de controle, realizado 18 meses depois, houve remissão completa das alterações na RM. O hipersinal do oculomotor à RM é sempre patológico; entre os diagnósticos diferenciais devemos incluir neoplasias (linfoma, leucemia), infecções (SIDA, sífilis), doenças inflamatórias não-infecciosas (sarcoidose, síndrome de Tolosa-Hunt) e vasculares (aneurisma da artéria comunicante posterior).

Palavras-chave: enxaqueca oftalmoplégica, ressonância magnética, nervo oculomotor.

ABSTRACT

Ophthalmoplegic migraine is a rare syndrome in which headache is associated with ophthalmoplegia and third, fourth or sixth cranial nerves palsy. It occurs most frequently in childhood and teenagers. At magnetic resonance imaging (MRI) with gadolinium (GD-DTPA) it may be observed a transitory enhancement of the affected nerve. We present the case of a male teenager, 16 years old, with typical medical history and enhanced signal at left oculomotor nerve in cisternal portion at MRI weighted in T1 with GD-DTPA. On the control exam, eighteen months later, there was no remarkable lesion. The enhancement of oculomotor nerve at MRI is always pathological and among the differential diagnosis we must include: neoplasia (lymphoma and leukemia), infections (AIDS, syphilis), inflammatory process (sarcoidose and Tolosa-Hunt syndrome) and vascular (posterior communicating artery aneurism).

Key words: ophthalmoplegic migraine, MRI, oculomotor nerve.

A enxaqueca oftalmoplégica é síndrome rara em que há associação da cefaléia e seus sintomas com oftalmoplegia por paralisia do terceiro (mais comum), quarto ou sexto nervos cranianos. Existe ainda uma forma menos freqüente que é a paralisia ocular sem cefaléia associada4. A freqüência estimada é de 0,7 casos por milhão4,7. Geralmente o aparecimento é precoce - antes dos dez anos - e pode ser recorrente3,4,7. Wong e Wong4 relatam maior freqüência em homens, mesmo salientando que a enxaqueca não-complicada é mais freqüente em mulheres. As duas maiores séries apresentam dominância de meninos8 em uma e meninas na outra4. O quadro apresenta-se de maneira súbita com resolução rápida da cefaléia e lenta, porém completa, da oftalmoplegia2-9. Os estudos com ressonância magnética2-9 (RM) têm demonstrado presença de hipersinal (nos exames realçados com gadolínio venoso) e espessamento do nervo craniano acometido. Alguns autores sugerem que esse possa ser um critério auxiliar ao diagnóstico3,4,6,7.

Relatamos um caso, com achados à MRI , de cefaléia oftalmoplégica.

CASO

Adolescente, masculino, 16 anos com cefaléia hemicraniana, pulsátil, associada a náuseas. Sem fatores predisponentes conhecidos ou pródromos, semelhante a crises anteriores. No segundo dia evoluiu com diplopia à esquerda. Nega episódios semelhantes anteriores. A história familiar e pessoal é positiva para enxaqueca, mas negativa para a variante oftalmoplégica. Ao exame apresentava ptose palpebral, midríase e estrabismo divergente do olho esquerdo, sem outros sinais neurológicos. A avaliação do fundo de olho e da convergência estavam normais.

O estudo por RM em aparelho de 1,0T (Siemens Magneton), realizado no terceiro dia de cefaléia, mostrou nas seqüências ponderadas em T1 (TR 570 ms TE 15 ms), espessura de corte de 5,0 mm, sem meio de contraste, espessamento do nervo oculomotor na porção intracisternal. Com a infusão venosa de agente paramagnético (gadolínio 0,1 mmol/Kg) houve realce nesta mesma topografia, visto nas seqüências ponderadas em T1 nos cortes axial (Fig 1a), coronal (Fig 1b) e sagital (Fig 1c).


A angiografia por RM (ARM) afastou causas vasculares.

Foi instituído tratamento com prednisona 16mg/dia (4 mg, 6/6 horas por via oral), durante 30 dias com recuperação total do quadro, remissão da cefaléia em um dia e da oftalmoplegia em 20 dias, sem novos episódios.

No exame de RM de seguimento, realizado 18 meses depois, utilizou-se a mesma técnica. Já não havia espessamento e hipersinal nas seqüências em T1 com gadolínio no nervo oculomotor.

DISCUSSÃO

A enxaqueca oftalmoplégica tem classificação incerta, entre variante de enxaqueca ou doença desmielinizante. Seus critérios diagnósticos, segundo a classificação da Sociedade Internacional de Cefeléia são: duas crises de cefaléia com características semelhantes à enxaqueca, seguidas dentro de 4 dias por paralisia do terceiro (mais comum), quarto ou sexto nervo craniano, e exclusão de lesões parasselar, orbital ou da fossa posterior com investigação adequada4,10.

Alguns autores sugerem que o hipersinal à RM ponderada em T1 pós-gadolínio, mesmo não sendo patognomônico, é outro critério diagnóstico4,7. O hipersinal do terceiro, quarto ou sexto nervos cranianos na imagem por RM é sempre patológico2. No caso da enxaqueca oftalmoplégica é um achado freqüente e reversível3,4,5.

O hipersinal à RM pode ser encontrado em neoplasias2 (leucemia, linfoma, hemangioma e schwanoma)5, doenças inflamatórias infecciosas e não infecciosas. Entre as infecciosas temos a SIDA (neurite relacionada ao HIV), sífilis e outros vírus2. Entre as não-infecciosas: sarcoidose, síndrome de Tolosa-Hunt, Foix e doenças desmielinizantes2,4. A diferenciação entre essas entidades e a enxaqueca oftalmoplégica pode ser feita pela recuperação da mobilidade ocular e desaparecimento espontâneo do hipersinal, o que não costuma ocorrer nas outras causas, exceção talvez à determinadas infecções vírais2,3,4,7,8.

Um diferencial importante deve ser feito com os aneurismas da artéria comunicante posterior, nas paralisias do 3º nervo que envolvem a pupila, devendo a ARM ser realizada para afastar esse diagnóstico2,3. Se restarem dúvidas diagnósticas com esse método, está indicada a angiografia com catéter, devido aos efeitos devastadores de um aneurisma não diagnosticado3. Causas vasculares foram, durante algum tempo, consideradas responsáveis pela suposta patogênese da doença, na qual haveria constricção da carótida intracavernosa seguida de edema e compressão dos nervos adjacentes. Entretanto, a localização do hipersinal na porção intracisternal do 3º nervo mostra que essa não é a melhor explicação2,3,7,8.

Baseados em achados de imagem, Lance e Zagami8 consideram que a doença poderia ser uma neuropatia desmielinizante e sugerem que o primeiro evento poderia ser a lesão do nervo por vasculite, o que desencadearia a cefaléia. Mark et al.3 consideram como etiologia mais provável a infecção benigna por vírus que levaria a resposta inflamatória intracerebral anômala. Isto explicaria a clínica de cefaléia e os achados de imagem. São necessários estudos futuros para comprovação desta hipótese3.

Recebido 10 Maio 2004, received na forma final 20 Agosto 2004. Aceito 9 Outubro 2004.

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  • Endereço para correspondência

    Dr. Luciano Farage
    SQS 207 Bloco A apto 201
    70253-010 Brasília DF - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Abr 2005
    • Data do Fascículo
      Mar 2005

    Histórico

    • Aceito
      09 Out 2004
    • Revisado
      20 Ago 2004
    • Recebido
      10 Maio 2004
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