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Acesso supraorbital inter-hemisférico ou frontopolar: estudo anatômico

Interhemispheric supraorbital or frontopolar approach: anatomical study

Resumos

É proposta modificação do acesso supraorbital com a finalidade de facilitar a abordagem das regiões mediais das fossas anterior e média (região suprasselar). Ela consiste em estender a craniotomia frontal até a linha média e realizar a abordagem inter-hemisférica: acesso supraorbital inter-hemisférico ou frontopolar. Foram estudadas as bases anatômicas desse acesso em oito cabeças de cadáveres. Os resultados desse estudo demonstram que o acesso supraorbital inter-hemisférico possibilita a abordagem das estruturas mediais da base da fossas anterior e média, com retração cerebral mínima e larga exposição.

acesso supraorbital inter-hemisférico; acesso fronto-polar; anatomia microcirúrgica; técnica cirúrgica


A modification of the supraorbital approach is proposed in order to improve the access to the medial portions of the anterior and middle fossas (supraselar region). It consists of a midline extension of the frontal craniotomy along with an interhemispheric approach: interhemispheric supraorbital or frontopolar approach. The anatomical basis of this approach were studied in eight cadaveric heads. Its results demonstratete that this approach adequaly access the medial structures of the anterior and medial fossas with minimal brain retraction and wide exposure.

interhemispheric supraorbital approach; frontopolar access; microsurgical anatomy; surgical technique


Acesso supraorbital inter-hemisférico ou frontopolar: estudo anatômico

Interhemispheric supraorbital or frontopolar approach: anatomical study

Roberto Leal SilveiraI; Sebastião GusmãoII; Leonardo AvelarIII

Laboratório de Microcirurgia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Serviço de Neurocirurgia do Hospital Madre Teresa, Belo Horizonte MG, Brasil

IDoutor em Neurocirurgia

IIProfessor Adjunto da Faculdade de Medicina da UFMG, Doutor em Neurocirurgia

IIIMédico Residente em Neurocirurgia

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Roberto Leal Silveira Rua Deputado Manoel Costa 141 30350-380 Belo Horizonte MG - Brasil

RESUMO

É proposta modificação do acesso supraorbital com a finalidade de facilitar a abordagem das regiões mediais das fossas anterior e média (região suprasselar). Ela consiste em estender a craniotomia frontal até a linha média e realizar a abordagem inter-hemisférica: acesso supraorbital inter-hemisférico ou frontopolar. Foram estudadas as bases anatômicas desse acesso em oito cabeças de cadáveres. Os resultados desse estudo demonstram que o acesso supraorbital inter-hemisférico possibilita a abordagem das estruturas mediais da base da fossas anterior e média, com retração cerebral mínima e larga exposição.

Palavras-chave: acesso supraorbital inter-hemisférico, acesso fronto-polar, anatomia microcirúrgica, técnica cirúrgica.

ABSTRACT

A modification of the supraorbital approach is proposed in order to improve the access to the medial portions of the anterior and middle fossas (supraselar region). It consists of a midline extension of the frontal craniotomy along with an interhemispheric approach: interhemispheric supraorbital or frontopolar approach. The anatomical basis of this approach were studied in eight cadaveric heads. Its results demonstratete that this approach adequaly access the medial structures of the anterior and medial fossas with minimal brain retraction and wide exposure.

Key words: interhemispheric supraorbital approach, frontopolar access, microsurgical anatomy, surgical technique.

As lesões mediais das fossas anterior (goteiras olfatórias e tubérculo da sela) e média (região suprasselar) são classicamente abordadas pelos acessos fronto-têmporo-esfenoidal (pterional) ou subfrontal. A remoção da reborda supraorbital para aumentar a exposição à base do crânio foi introduzida por Frazier1, em 1913. Jane et al.2, em 1982, sistematizaram o acesso supraorbital com abordagem subfrontal. Sindou e Alaywan3, em 1990, demonstraram que a remoção da reborda supraorbital aumenta de 75% o ângulo de exposição do acesso subfrontal. Al-Mefty4,5 combinou os acessos supraorbital e pterional (acesso crânio-orbital) para a abordagem das lesões da base das fossas anterior e média.

Nos últimos sete anos utilizamos uma modificação do acesso supraorbital que consiste na extensão da craniotomia até a linha média, e na abordagem entre os pólos dos lobos frontais: acesso supraorbital inter-hemisferico (ASIH) ou fronto-polar. O aspecto fundamental deste acesso consiste no afastamento lateral e posterior do pólo frontal, motivo pelo qual pode ser denominado de frontopolar. Na linha média, a porção anterior da escama do osso frontal e as regiões mediais das bases das fossas anterior (goteiras olfatórias e tubérculo da sela) e media (sela turca) estão em relação perpendicular entre si, sendo o ângulo reto de união das mesmas no násio. O ASIH consiste em retirar a porção anterior de uma hemifronte, juntamente com a reborda orbital superior, e afastar póstero-lateralmente o pólo frontal, criando linha direta de visão às porções mediais das fossas anterior e média.

O objetivo do presente trabalho é estudar os aspectos anatômicos do ASIH e determinar sua amplitude de exposição à porção medial da base das fossas anterior e média.

MÉTODO

Foi realizado, no Laboratório de Microcirurgia da Faculdade de Medicina da UFMG, o estudo anatômico através do ASIH de oito segmentos cefálicos, conservadas em formol e cujos vasos foram injetados com silicone colorido. Os diferentes estágios do acesso foram fotografados, e a partir destas fotos e das peças anatômicas foi realizada a ilustração artística. O estudo anatômico obedeceu ao seguinte método que procurou simular, o mais próximo possível, o procedimento cirúrgico.

Posicionamento – O segmento cefálico era colocado em suporte, apoiado sobre o occípito e em posição neutra, de tal forma que a porção vertical do osso frontal (escama) ficasse em posição horizontal, e a porção horizontal (base da fossa anterior) em posição vertical.

Incisão do couro cabeludo e pericrânio – Era realizada incisão bicoronal do couro cabeludo (pele, tecido subcutâneo e gálea), por trás da linha de implantação do cabelo, que estendia-se da raiz do arco zigomático, a 1 cm à frente do tragus, do lado da craniotomia, até a linha temporal superior do lado oposto. O escalpo era separado da fáscia temporal e do pericrânio e rebatido anteriormente.

O pericrânio era seccionado posteriormente e em ambas as linhas temporais superiores, e rebatido para frente, até a exposição do processo zigomático do osso frontal, da reborda orbitária superior e da sutura fronto-nasal (násio). O nervo supraorbital era liberado do forame supraorbital por meio de broca elétrica (high-speed-drill) ou osteotómo. A seguir, a periórbita, que é contínua com o pericrânio, era liberada do teto da órbita.

O músculo temporal homolateral ao acesso era descolado na extremidade inicial da linha temporal superior para expor o processo fronto-zigomático (Fig 1).


Craniotomia – Realizavam-se quatro orifícios de trépano. O primeiro, 1 cm à frente da do estefânio (ponto de união da linha temporal superior com a sutura coronária). O segundo sobre a linha média do osso frontal, a aproximadamente 3 cm da sutura fronto-nasal (násio). O terceiro orifício de trépano localizava-se imediatamente atrás do ponto de união das suturas fronto-zigomática, fronto-esfenoidal e esfeno-zigomática, expondo as fossas frontal e orbital. A metade superior desse orifício expõe a dura-máter da fossa frontal e a metade inferior, a periórbita, sendo essas duas membranas separadas pelo teto da órbita. A partir desse orifício era feita a secção da borda lateral da órbita, junto à sutura fronto-zigomática. O quarto orifício era perfurado imediatamente acima da sutura fronto-nasal (násio). Após o descolamento da periórbita e da dura-máter, era seccionado o teto da órbita, com um cisel em U, a partir dos dois orifícios anteriores da craniotomia, localizados próximos à reborda orbital superior6. Os quatros orifícios eram ligados por meio de serra de Gigli ou craniótomo, procurando-se biselar a secção junto ao último orifício para abrir a glabela bilateralmente e expor o seio frontal em suas duas metades (Fig 1).

Uma variante da craniotomia, que usamos especialmente nos pacientes com seio frontal grande, consiste em substituir o orifício sobre o násio pela retirada, com a ajuda da broca elétrica, da parede anterior do seio frontal (trepanação do seio frontal). São realizados pequenos orifícios nas bordas da trepanação e do retalho ósseo (parede anterior do seio frontal) para permitir sua fixação ao crânio, ao término da cirurgia. A seguir, é retirada a parede posterior deste seio.

O retalho ósseo, que incluía a porção anterior do teto da órbita, a reborda orbitária superior e a porção adjacente da escama do osso frontal, era removido (Fig 2). Eram realizados pequenos orifícios nas bordas da craniotomia e do retalho ósseo para permitir a ancoragem da dura-máter e a fixação do retalho ósseo ao crânio, ao término da cirurgia.


A mucosa do seio frontal era retirada e os orifícios frontonasais eram tamponados com pericrânio pediculado anteriormente.

Abertura da dura-máter – A dura-máter era aberta nas margens posterior, lateral e medial (parasagital) da craniotomia e rebatida anteriormente (Fig 3).


Abordagem inter-hemisférica – Inicialmente, a face orbital do lobo frontal era elevada para expor o trato olfatório, que era dissecado da base do lobo frontal até a substância perfurada anterior. A seguir, a cisterna inter-hemisférica era dissecada e a face medial do lobo frontal era afastada da foice do cérebro para possibilitar abordagem inter-hemisférica das regiões mediais das bases das fossas anterior e média. Essas regiões são cobertas pelo giro reto e o afastamento lateral do mesmo as tornam visíveis. Após esse afastamento, a via de acesso é constituída de um prisma triangular, de vértice posterior, formado pela lâmina terminal e pelo rostro do corpo caloso. A face medial é formada pela foice do cérebro, a face lateral pela face medial do lobo frontal homolateral, e, a face anterior, pela porção medial das fossas anterior e média (diafragma da sela). A base superior do referido prisma é aberta e a inferior, formada pelo assoalho da via de acesso, é ocupada pelos nervos ópticos e pelo quiasma óptico. À frente da borda anterior do quiasma óptico, fica exposto o diafragma selar com a perfuração central por onde penetra a haste hipofisária. Sobre o quiasma óptico repousa o complexo da artéria comunicante anterior. Imediatamente posterior e acima do quiasma óptico encontra-se a lâmina terminal, que forma a parede anterior do terceiro ventrículo (Fig 4).


Ao final do acesso foram realizadas as seguintes medidas nos oito peças anatômicas: crista galli - tubérculo da sela turca, crista galli - nervo óptico (nível do ligamento falciforme), crista galli - região anterior do quiasma óptico, crista galli - lâmina terminal, crista galli - haste hipofisária, crista galli - joelho do corpo caloso, crista galli - borda súpero-medial do pólo frontal, ângulo de exposição no plano sagital e ângulo de exposição no plano horizontal.

Após o estudo anatômico e treinamento laboratorial, empregamos o ASIH ou fronto-polar para o tratamento de lesões vasculares e tumorais em 22 pacientes com os seguintes diagnósticos: quatro aneurismas complexos da artéria comunicante anterior com hematoma inter-hemisférico, dois macroadenomas da hipófise, cinco meningiomas da goteira olfatória, um tumor epidermóide, cinco craniofaringeomas e cinco meningiomas do tubérculo da sela. Os resultados desta experiência clínico-cirúrgica estão sendo coletados e serão publicados posteriormente.

RESULTADOS

Os resultados das medidas realizadas nas oito peças anatômicas submetidas ao ASIH encontram-se na Tabela.

DISCUSSÃO

O ASIH possibilita amplo acesso às porções mediais da base das fossas anterior (goteira olfatória e tubérculo da sela) e média (região suprasselar), permitindo a exposição do bulbo e trato olfatórios e das formações supraselares (haste hipofissária, nervos e quiasma ópticos e o complexo da artéria comunicante anterior) (Fig 4). Apresenta sobre o acesso supraorbital subfrontal a grande vantagem de a face inferior do pólo frontal ser eliminada como fator limitante do campo de visão no plano sagital. Acrescenta-se ainda que, como a posição anatômica não é alterada nos planos sagital e coronal, a linha de visão do cirurgião encontra-se exatamente na linha média das regiões da base das fossas anterior e média, o que facilita a orientação anatômica e diminuí a necessidade de retração do lobo frontal.

O ângulo de exposição da região quiasmática no plano sagital é formado pelo encontro, no quiasma óptico, da linha crista galli - quiasma óptico com a linha quiasma óptico - joelho do corpo caloso. Estas duas linhas podem ser ligadas pela linha imaginária que vai da crista galli ao joelho do corpo caloso e que faz um ângulo reto com a linha crista galli - quiasma óptico. O ângulo de exposição da região quiasmática no plano sagital, seria, portanto, o seno do ângulo formado pelas duas linhas que encontram-se no quiasma óptico (sen a = cateto oposto / hipotenusa).

Encontramos o valor médio de 48,6 graus para o ângulo de exposição da região quiasmática no plano sagital (Tabela). Sindou e Alaywan3 demonstraram que o ângulo de exposição do acesso subfrontal, no plano sagital, é 11 graus na craniotomia frontal e de 19 graus na craniotomia orbitofrontal. Portanto, o ASIH apresenta, no plano sagital, um ângulo de exposição significativamente maior do que os dois últimos acessos.

No plano horizontal, o ângulo de exposição da região quiasmática propiciado pelo ASIH é constituído do encontro, no quiasma óptico, das linhas crista galli - quiasma óptico e quiasma óptico - borda súpero-medial do pólo frontal. Estas duas linhas podem ser ligadas pela linha imaginária, que faz um ângulo reto com a linha crista galli - quiasma óptico, e que vai da foice do cérebro, ao nível da crista galli, à borda súpero-medial do pólo frontal, ou seja, a distância do afastamento lateral do lobo frontal da foice do cérebro. Assim, o ângulo de exposição da região quiasmática no plano horizontal seria a tangente do ângulo formado pelas linhas foice do cérebro - borda súpero-medial do pólo frontal e crista galli- quiasma óptico (tang a = cateto oposto / cateto adjacente).

Encontramos o valor médio de 20,4 graus para o ângulo de visão no plano horizontal. Como a linha de visão do cirurgião encontra-se exatamente na linha média das regiões da base das fossas anterior e média e a distância das estruturas a serem abordadas, em relação à crista galli, é relativamente pequena (região anterior do quiasma óptico: 49,8 mm, lâmina terminal: 54,6 mm, joelho do corpo caloso: 37,2 mm, haste hipofisária: 54,4 mm, nervo óptico: 43,4 mm), tal ângulo de exposição é amplamente suficiente para a abordagem das referidas regiões (Tabela). Apresenta ainda a vantagem adicional de facilitar a orientação anatômica (ausência de desvio das estruturas nos planos horizontal e coronal).

As medidas entre as diferentes estruturas e a crista galli foram bastante próximas em sete segmentos cefálicos; na peça anatômica de número 3 apresentou valores significativamente mais baixos. Nessa última, o quiasma óptico encontrava-se pré-fixado, ou seja, sua borda anterior estava muito próxima ao tubérculo da sela. A exposição da haste hipofisária somente foi possível após grande tração sobre o quiasma óptico. A distância entre o tubérculo da sela e o quiasma óptico (diferença entre as distâncias crista galli - tubérculo da sela e crista galli - região anterior do quiasma) foi 5 mm no segmento cefálico de número 3 e apresentou valor médio de 9 mm (variando de 8 a 10 mm) nos demais casos. Tais resultados parecem sugerir que o quiasma pré-fixado esteja relacionado à base anterior do crânio de pequena dimensão no sentido longitudinal (distância entre a crista galli e o tubérculo da sela).

Por meio do ASIH pode-se preservar pelo menos um trato olfatório, mantendo-se a função olfatória. Em todos os segmentos cefálicos do presente estudo foram preservados os nervos e tratos olfatórios. As medidas realizadas e a observação da anatomia cirúrgica, exposta através do ASIH, indicam que este acesso possibilita a abordagem das estruturas mediais da base da fossa anterior e da região suprasselar com retração cerebral mínima e larga exposição.

Recebido 20 Janeiro 2004, recebido na forma final 18 Outubro 2004. Aceito 27 Novembro 2004.

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  • 2. Jane JA, Park TS, Pobereskin LH, Winn HR, Butler AB. The supraorbital approach: technical note. Neurosurgery 1982;11:537-542.
  • 3. Sindou M, Alaywan M. La dépose orbitaire et/ou zygomatique dans l'abord dês lésions proches de la base du crane: technique chirurgicale, étude anatomique et analyse d'une série de 24 cas. Neurochirurgie 1990;36:225-233.
  • 4. Al-Mefty O, Holoubi A, Rifai A, Fox JL. Microsurgical removal of suprasellar meningiomas. Neurosurgery 1985;16:364-372.
  • 5. Al-Mefty O. Supraorbital-pterional approach to skull base lesions. Neurosurgery 1987;21:474-477.
  • 6. Gusmão S, Silveira RL, Faleiro R. Cisel em U para a secção do teto da órbita. Arq Neuropsiquiatr 1999; 57:323-325.
  • Endereço para correspondência
    Dr. Roberto Leal Silveira
    Rua Deputado Manoel Costa 141
    30350-380 Belo Horizonte MG - Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      27 Nov 2004
    • Recebido
      20 Jan 2004
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