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Padrão eletrográfico ictal subclínico em um caso de epilepsia parcial benigna da infância com pontas centro-temporais

Ictal electroencephalographic subclinical pattern in a case of benign partial epilepsy with centrotemporal spikes

Resumos

Há poucos relatos na literatura do padrão ictal na epilepsia parcial benigna da Infância com pontas Centrotemporais (EPCT). Esse trabalho descreve o caso de um menino, de 7 anos, sem antecedentes de sofrimento neonatal ou distúrbio do desenvolvimento neuropsicomotor, com de história familiar de epilepsia. A ressonância magnética do encéfalo foi normal. O paciente apresentou uma única crise durante sono, seguida de breve déficit motor membro superior esquerdo. O EEG dois dias após a crise evidenciou atividade de base normal com pontas centro-temporais bilaterais, e duas descargas subclínicas de ponta-onda rítmicas, de duração superior a 50 segundos em região centro-temporal direita. Este padrão de descarga rítmica não foi descrito na EPCT anteriormente.

epilepsia parcial benigna; crise; eletrencefalografia; espículas centrotemporais


There are few reports of the ictal pattern of benign partial epilepsy with centrotemporal Spikes (BECTS) in the literature. This paper describes the case of a 7-year-old boy without significant perinatal history or psychomotor development delay. There was positive family history of seizures. Magnetic resonance imaging scans of the head was normal. The patient had a nocturnal isolated seizure, followed by a postictal motor deficit at the left arm. The EEG two days after the seizure showed a normal background activity with spikes in the centrotemporal bilateral area, and two subclinicals rhythmic discharges of spike and wave, with a duration of more than 50 seconds in the right centrotemporal area. This pattern of rhythmic discharge wasn not described in BECTS before.

benign partial epilepsy; seizure; electroencephalography; centrotemporal spikes


Padrão eletrográfico ictal subclínico em um caso de epilepsia parcial benigna da infância com pontas centro-temporais

Ictal electroencephalographic subclinical pattern in a case of benign partial epilepsy with centrotemporal spikes

Daniela Oliveira de Andrade

Setor de Neurofisiologia Clínica, Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, Salvador BA, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dra. Daniela Andrade Praça Igaratinga 206/1402 41830-290 Salvador BA - Brasil E-mail: danielaandrade@sarah.br, danielaandrade71@hotmail.com

RESUMO

Há poucos relatos na literatura do padrão ictal na epilepsia parcial benigna da Infância com pontas Centrotemporais (EPCT). Esse trabalho descreve o caso de um menino, de 7 anos, sem antecedentes de sofrimento neonatal ou distúrbio do desenvolvimento neuropsicomotor, com de história familiar de epilepsia. A ressonância magnética do encéfalo foi normal. O paciente apresentou uma única crise durante sono, seguida de breve déficit motor membro superior esquerdo. O EEG dois dias após a crise evidenciou atividade de base normal com pontas centro-temporais bilaterais, e duas descargas subclínicas de ponta-onda rítmicas, de duração superior a 50 segundos em região centro-temporal direita. Este padrão de descarga rítmica não foi descrito na EPCT anteriormente.

Palavras-chave: epilepsia parcial benigna, crise, eletrencefalografia, espículas centrotemporais.

ABSTRACT

There are few reports of the ictal pattern of benign partial epilepsy with centrotemporal Spikes (BECTS) in the literature. This paper describes the case of a 7-year-old boy without significant perinatal history or psychomotor development delay. There was positive family history of seizures. Magnetic resonance imaging scans of the head was normal. The patient had a nocturnal isolated seizure, followed by a postictal motor deficit at the left arm. The EEG two days after the seizure showed a normal background activity with spikes in the centrotemporal bilateral area, and two subclinicals rhythmic discharges of spike and wave, with a duration of more than 50 seconds in the right centrotemporal area. This pattern of rhythmic discharge wasn not described in BECTS before.

Key words: benign partial epilepsy, seizure, electroencephalography, centrotemporal spikes.

A epilepsia benigna da infância com pontas centro-temporais (EPCT) tem como manifestação típica crises parciais motoras hemifaciais, que podem se propagar ao membro superior ipsilateral ou raramente ao inferior. As crises hemiclônicas são mais freqüentes em crianças entre 2 a 5 anos, podendo durar até mais de 60 minutos, situação em que podem ser seguidas por déficit ipsilateral transitório, o qual geralmente não inclui a face. Apesar da grande freqüência das EPCT, um levantamento bibliográfico feito em banco de dados Medline e Lilacs a partir de 1970, evidenciou dez trabalhos descrevendo o padrão ictal na epilepsia rolândica1-10, e quatro publicações em que EPCT se manifestou como status epilepticus11-14. Dessas publicações, algumas descrevem em detalhe o padrão ictal. Os relatos de Silva et al.9 e Gutierrez et al.5 foram de crises eletrográficas, e Dalla Bernardina et al.4 uma descrição de uma crise eletroclínica, não havendo diferença do padrão ictal entre elas. Os relatos das crises rolândicas2,4,5,9 descrevem início da descarga ictal por um ritmo beta de baixa amplitude, seguido de gradual aumento de amplitude e redução na freqüência, que se propaga ipsi e contralateralmente. Alentecimento pós-ictal foi descrito apenas por Gutierrez et al.5. Os achados eletrográficos do paciente aqui relatado correspondem a duas descargas de ponta-onda contínuas na região centrotemporal direita, de duração maior que 50 segundos, associada a uma história prévia de crise clínica com paralisia de Todd contralateral. Este padrão de descarga com baixa freqüência é incomum na EPCT trazendo aspectos que falam a favor de uma descarga ictal como a longa duração da atividade rítmica epileptiforme.

CASO

Menino de 7 anos de idade, encaminhado a este serviço para realizar eletrencefalograma (EEG) dois dias após primeira e única crise epiléptica. Não havia antecedentes gestacionais ou de parto importantes e apresentou desenvolvimento neuropsicomotor normal. Segundo relato dos pais, apresenta bom desempenho escolar, e seu comportamento é normal. O exame físico geral e neurológico foram normais. Há antecedentes familiares de epilepsia em um primo e tio de primeiro grau com história de crises restritas ao período da infância.

A crise epiléptica ocorreu durante sono, sendo caracterizada por abalos generalizados de duração máxima de 10 minutos. Ao término dela, a criança apresentou paresia do membro superior esquerdo durante 10 a 15 minutos. O paciente não se lembrou do início da crise, não apresentou confusão pós-ictal ou afasia. Ele evoluiu sem outras crises nos últimos oito meses, em uso de oxcarbazepina. O exame ressonância magnética do encéfalo (RM) (1.5 T) foi normal.

EEG – Durante a realização do EEG, o paciente estava bem, sem queixas e sem déficits motores. O exame foi realizado em um equipamento EEG digital 21 canais. Os eletrodos foram dispostos segundo o sistema internacional 10-20 e os dados foram registrados e lidos em montagem bipolar.

O exame teve a duração de 40 minutos tendo sido realizado em vigília, sonolência, sono espontâneo e despertar. O traçado evidenciou atividade de base normal caracterizada por ritmo alfa posterior a 10,5 Hz, bilateral, simétrico, regular e reativo a abertura ocular e ritmo beta em regiões anteriores. Em vigília e sono foram registradas descargas de ondas agudas nas regiões centrotemporais bilaterais, freqüentes, independentes, isoladas ou em salvas de duração de 2 a 3 segundos em C4 e T4, e em C3 e T3, com eletronegatividade máxima em C4 e C3, com paroxismos positivos frontais caracterizando um dipolo tangencial.

Durante vigília, foram registradas duas descargas prolongadas de ponta-onda contínuas, de duração superior a 10 segundos. A primeira descarga foi caracterizada por início súbito de atividade delta rítmica durante aproximadamente 19 segundos (Fig 1 a), apresentando morfologia de ponta-onda (PO) a partir do vigésimo segundo, de projeção centrotemporal média à direita (Fig 1 b), voltando a apresentar-se como atividade delta rítmica no final da descarga durante 14 segundos. A descarga teve duração de 57 segundos. Após 1 minuto e 10 segundos, iniciou-se uma segunda descarga de mesma morfologia e localização, com duração de 65 segundos (Fig 2). Esta descarga apresentou eletronegatividade em C4 e T4, máxima em C4.




Durante o sono houve aumento na freqüência e amplitude dos paroxismos interictais que mantiveram a mesma morfologia. Houve também descargas generalizadas de morfologia irregular, em salvas. Foram evidenciadas atividades fisiológicas do sono como ondas de vértex e fusos de sono bilateralmente, caracterizando estágios I e II. Após o despertar foram registradas duas salvas de ondas lentas, atividade delta rítmica, com duração de 1 min e 37 seg e 8 segundos, respectivamente, na região central direita.

DISCUSSÃO

A faixa etária, a ausência de déficit neuropsicomotor, a morfologia e distribuição dos paroxismos ao EEG, e a maior freqüência de paroxismos epileptiformes especialmente durante o sono em paciente com manifestação clínica escassa são sugestivos do diagnóstico de EPCT. A possibilidade deste paciente ter uma epilepsia sintomática foi afastada pela presença de RM de encéfalo normal e ausência de sinais neurológicos indicativos de dano encefálico.

A única crise aconteceu durante sono. A descrição dos familiares de uma crise generalizada e o déficit pós-ictal no membro superior esquerdo sugerem uma crise generalizada com maior envolvimento da área motora central direita, dados que seriam compatíveis com EPCT ou com uma epilepsia frontal sintomática. Paralisia de Todd tem sido registrada em 7-16% dos casos de EPCT15-17.

As duas descargas registradas apresentaram campo unipolar, com eletronegatividade na região de C4 e T4, de maior amplitude em C4 na montagem com referência auricular. O caráter rítmico contínuo da descarga associado à sua longa duração favorece um padrão ictal. Já o padrão de ponta-onda tem freqüência mais lenta diferindo do padrão de atividade rápida descrito até então nas epilepsias rolândicas, não condizendo, portanto, ao padrão ictal da mesma. Este padrão ictal que se inicia por descarga de ponta-onda rítmica é visto na epilepsia de ausência, na epilepsia do lobo temporal e no meio e fim de uma atividade ictal convulsiva.

Duas salvas de atividade delta rítmica também foram registradas com distribuição similar em região centrotemporal direita, podendo provavelmente tratar-se do mesmo fenômeno epileptogênico, colocando em evidência a grande importância desta área central na participação da rede neural geradora da sintomatologia do paciente.

8. Roger J, Bureau M, Genton P. Idiopathic parcial epilepsies. In: Dam M, Gram M (eds) Comprehensive epileptology, New York: Raven Press 1990; 153-170.

Recebido 2 Agosto 2004, recebido na forma final 1 Novembro 2004. Aceito 24 Novembro 2004.

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  • Endereço para correspondência
    Dra. Daniela Andrade
    Praça Igaratinga 206/1402
    41830-290 Salvador BA - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      01 Nov 2004
    • Recebido
      02 Ago 2004
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