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Sinais de Babinski e Chaddock sem disfunção piramidal aparente

Babinski and Chaddock signs without apparent pyramidal disfunction

Resumos

OBJETIVO: Verificar a presença dos sinais de Babinski e de Chaddock em cem pacientes sem história ou indícios clínicos de comprometimento da via piramidal, internados no Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como objetivos secundários, observar a possível prevalência de um sinal sobre o outro, assim como a influência da posição da cabeça sobre as respostas obtidas. MÉTODO: Cada um dos sinais foi pesquisado por um único autor, utilizando o mesmo instrumento, estando os pacientes em decúbito dorsal e com a cabeça em três posições. RESULTADOS: Em dez pacientes (10%) obteve-se a resposta de extensão do hálux uni ou bilateral. O sinal de Babinski apresentou-se 18 vezes (40%) e o sinal de Chaddock 27 vezes (60%). CONCLUSÃO: O sinal de Chaddock foi o mais freqüente. As respostas anormais ocorreram duas vezes mais à esquerda e, aparentemente, não houve interferência da posição cefálica em relação às respostas obtidas.

sinal de Babinski; sinal de Chaddock; trato piramidal


PURPOSE: The main objective of this study was to verify, in one hundred in-patients from the Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro who did not have a history of clinical symptoms of pyramidal disfunction, the presence of the Babinski and Chaddock signs. As a secondary objective, we looked for a prevalence of one of the signs over the other, and the influence of the head position regarding the obtained responses. METHOD: The patients were examined while supine with their heads in three different positions. RESULTS: Out of the one hundred patients, ten of them (10%) showed hallux extension uni or bilateral. The Babinski sign was positive 18 times (40%), and the Chaddock sign was positive 27 times (60%). CONCLUSION: The Chaddock sign occurred more frequently than the Babinski sign, the abnormal reflex occurred twice as much on the left foot than the right, and apparently there was no interference regarding the head position in relation to the obtained results.

Babinski sign; Chaddock sign; pyramidal tract


Sinais de Babinski e Chaddock sem disfunção piramidal aparente

Babinski and Chaddock signs without apparent pyramidal disfunction

Péricles Maranhão-FilhoI; Eduardo DibII; Rodrigo Gaspar RibeiroII

Serviço de Neurologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro RJ, Brasil (UFRJ)

IProfessor Adjunto de Neurologia

IIGraduandos em Medicina

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Dr. Péricles Maranhão-Filho Avenida das Américas 1155/504 22631-050 Rio de Janeiro RJ - Brasil E-mail: pmaranhao@wnetrj.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Verificar a presença dos sinais de Babinski e de Chaddock em cem pacientes sem história ou indícios clínicos de comprometimento da via piramidal, internados no Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Como objetivos secundários, observar a possível prevalência de um sinal sobre o outro, assim como a influência da posição da cabeça sobre as respostas obtidas.

MÉTODO: Cada um dos sinais foi pesquisado por um único autor, utilizando o mesmo instrumento, estando os pacientes em decúbito dorsal e com a cabeça em três posições.

RESULTADOS: Em dez pacientes (10%) obteve-se a resposta de extensão do hálux uni ou bilateral. O sinal de Babinski apresentou-se 18 vezes (40%) e o sinal de Chaddock 27 vezes (60%).

CONCLUSÃO: O sinal de Chaddock foi o mais freqüente. As respostas anormais ocorreram duas vezes mais à esquerda e, aparentemente, não houve interferência da posição cefálica em relação às respostas obtidas.

Palavras-chave: sinal de Babinski, sinal de Chaddock, trato piramidal.

ABSTRACT

PURPOSE: The main objective of this study was to verify, in one hundred in-patients from the Serviço de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro who did not have a history of clinical symptoms of pyramidal disfunction, the presence of the Babinski and Chaddock signs. As a secondary objective, we looked for a prevalence of one of the signs over the other, and the influence of the head position regarding the obtained responses.

METHOD: The patients were examined while supine with their heads in three different positions.

RESULTS: Out of the one hundred patients, ten of them (10%) showed hallux extension uni or bilateral. The Babinski sign was positive 18 times (40%), and the Chaddock sign was positive 27 times (60%).

CONCLUSION: The Chaddock sign occurred more frequently than the Babinski sign, the abnormal reflex occurred twice as much on the left foot than the right, and apparently there was no interference regarding the head position in relation to the obtained results.

Key words: Babinski sign, Chaddock sign, pyramidal tract.

A via piramidal foi identificada e descrita em 1852, pelo neurologista vienense Ludwing Türck, que assim a denominou em decorrência das protuberâncias que a mesma forma na região ventral do bulbo1. O trato piramidal é a única via central conhecida cuja lesão ou disfunção ocasiona o desaparecimento do reflexo cutâneo plantar normal e o surgimento da resposta extensora2.

No dia 22 de fevereiro de 1896, Joseph François Félix Babinski (1857-1932), num texto com apenas vinte e oito linhas3, apresentou a Société Biologique de Paris o que veio tornar-se o sinal de maior impacto na semiologia neurológica. Babinski relacionou o fenômeno à doença orgânica do sistema nervoso central e através de um estímulo da região plantar, gravou definitivamente seu nome na história da Neurologia. No dia 20 de maio de 1911 Charles Gilbert Chaddock (1861-1936) apresentou frente a St. Louis Neurological Association o sinal ao qual denominou "external malleolar sign", também evidenciado nas lesões do sistema nervoso central e com, segundo o autor, algumas vantagens em relação ao sinal de Babinski4.

O objetivo primário deste estudo foi verificar a presença dos sinais de Babinski (SB) e de Chaddock (SC), estando a cabeça em três posições, em 100 pacientes sem queixas ou sintomas sugestivos de comprometimento da via piramidal. Considerando que ambos os sinais se prestam para demonstrar disfunções das vias piramidais e que determinadas manobras podem avivar respostas reflexas, utilizamo-nos dos "reflexos tônicos cervicais2,5,6 como método de sensibilização a fim de eliciar ou intensificar possível resposta extensora.

MÉTODO

Cem (100) pacientes internados nas enfermarias de Clínica Médica do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (HUCFF - UFRJ), sem história ou expressão clínica de alteração das vias piramidais, após consentimento verbal, foram submetidos à pesquisa do SB e do SC. Os estímulos foram realizados mantendo-se pressão firme, com movimento lento e contínuo. Para o SB, estimulou-se a borda externa da região plantar desde o calcâneo até o arco transverso do ante-pé, sem atingir a base do primeiro metatarsiano. Para o SC, iniciou-se a manobra 2 - 3cm abaixo do maléolo lateral continuando por aproximadamente 6cm adiante pela borda dorso-lateral do pé. Todos os pacientes estavam em decúbito dorsal no leito e com as pernas relaxadas. Os sinais foram pesquisados nos dois pés, estando a cabeça em três posições: face voltada para frente, voltada para direita e voltada para esquerda. O intervalo de tempo mínimo entre cada incitamento foi de aproximadamente dez segundos. Com o intuito de manter o mesmo padrão de estímulo, cada um dos sinais foi pesquisado sempre pelo mesmo autor (SB por RGR e o SC por ED), utilizando como instrumento a extremidade cromada do cabo do martelo de Taylor.

A inserção ou exclusão dos pacientes obedeceu aos seguintes critérios:

Critérios de inclusão – 1. Concordância verbal do paciente. 2. Estar internado numa das enfermarias de Clinica Médica do HUCFF da UFRJ. 3. Possuir os dois hálux. [O exame do reflexo cutâneo plantar e infra maleolar, com a cabeça em três posições, nos obrigou adotar a bilateralidade da pesquisa como critério de inclusão].

Critérios de exclusão – 1. Pacientes internados nas enfermarias de Neurologia e Neurocirurgia. 2. Antecedentes de doenças envolvendo o sistema nervoso central ou periférico (como acidente vascular encefálico, traumatismo raqui-medular, tumor no sistema nervoso central, mononeuropatias, polineuropatias). 3. Dor à mobilização cervical.

Nos casos em que ocorria extensão, a fim de se confirmar a resposta e reduzir a possibilidade de falso positivo devido a retirada do pé, reação tônica ou movimento equívoco, observava-se o ressalto provocado pela elevação do tendão do músculo extensor longo do hálux contraído, e repetia-se a manobra. Também nestes casos, a anamnese era refeita e os prontuários revisados a procura de indícios de doenças, ou qualquer condição (metabólica p.ex.), que pudesse justificar a presença das respostas anormais.

RESULTADOS

Dos 100 pacientes examinados, dez (10%), (6 homens) com idades que variaram entre 30 e 82 anos (média: 55,5 anos), apresentaram 45 respostas anormais. O SB foi evidenciado 18 vezes e o SC 27 vezes. Nos dois grupos houve exatamente duas vezes mais a extensão do hálux esquerdo (SB 12 vezes e SC 18 vezes) (Tabela). Nos prontuários revistos, não se encontrou nenhum indício de doenças que pudessem estar ocasionando lesão ou mesmo disfunção do trato piramidal.

DISCUSSÃO

A pesquisa do SB em indivíduos normais, ou que apresentem o sistema nervoso central supostamente normal, vem sendo objeto de estudos praticamente desde sua descrição. Três anos após a apresentação do trabalho original, Schüler registrou a presença do SB em 6% dos "homens e mulheres saudáveis" 7. Em 1931, M. Critchley assinalou a presença "ocasional" do SB, em pacientes idosos, na ausência de comprometimento óbvio da via piramidal7. Mais recentemente, Kaye e col.8 investigando dois grupos de pacientes idosos com "ótima saúde" registraram, sem entrar em detalhes, a presença do SB em 5.9% no grupo com idades entre 65 e 74 anos, e em 12% daqueles igualmente saudáveis, porém com idade superior a 85 anos.

Os SB e SC se prestam a evidenciar lesões ou disfunções das vias piramidais podendo ocorrer em indivíduos que não expressem outros sinais de comprometimento do trato piramidal6. Citamos como exemplo, alterações bioquímicas ou gasométricas (permanentes ou transitórias), como as que ocorrem nas diferentes fases da respiração de Cheyne-Stokes, durante crises convulsivas6, nos estados hipoglicêmicos6, no transcurso do sono profundo1, ou após a ingestão de certas drogas9. A exaustão física prolongada resulta na presença do SB em 7% dos indivíduos que sofreram atraso de maturação10. Cumpre lembrar que, nos pacientes aqui apresentados, nenhuma destas possibilidades foram observadas.

Nos indivíduos considerados "idosos saudáveis", mesmo que não apresentem dor à mobilização cervical, tanto a espondiloartrose2 quanto o estreitamento do canal cervical1 podem ser os agentes responsáveis pela presença do SB e demais sinais piramidais de liberação.

A inversão do reflexo cutâneo plantar é considerada anatomicamente uma extensão, mas fisiologicamente apenas parte de uma resposta flexora muito mais ampla, e aparentemente desinibida pela perda do controle exercido pelo primeiro neurônio motor11. Os músculos que tomam parte nesta resposta de defesa incluem: o extensor longo do hálux, tibial anterior, extensor longo dos dedos, além dos músculos da face posterior da coxa e o músculo tensor da facia lata12. Em algumas ocasiões, a questão mais importante na interpretação da resposta ao estímulo plantar não é se o artelho maior estende ou não, mas se este movimento é realmente uma resposta anormal12,13. Esta última possibilidade só deve ser considerada se promovida pela contração do músculo extensor longo do hálux, que pode ser observado pela elevação que o tendão deste músculo, quando contraído, faz no dorso do dedo gordo do pé7.

Para alguns autores, o SC é mais sensível na demonstração da disfunção piramidal, além de apresentar a vantagem de não expressar a reação de retirada muitas vezes observada quando no estímulo plantar. A este propósito, encontramos o SC 27 vezes (60%) e o SB 18 vezes (40%). Num estudo incluindo 13 pacientes com 24 lesões do trato piramidal, Tashiro14 observou o SC em 100% e o SB em apenas 79% dos testes. Nesse nosso trabalho, embora o SC tivesse sido o mais encontrado, somente dois pacientes (2%), apresentaram extensão do hálux exclusivamente por este método. Dohrmann e col.9 também observaram que somente 2 (3%) dos 61 pacientes por eles examinados apresentaram o SC sem a presença do SB.

Um grupo de reflexos cervicais (reflexos posturais), estudados principalmente pelos holandeses Magnus e De Klejn, eventualmente podem influir na resposta extensora5. A rotação da cabeça produz um movimento extensor ou aumento do tono dos extensores do braço no lado correspondente ao da face, e um movimento flexor ou um aumento do tono dos flexores do lado oposto. Os membros inferiores mostram tendências opostas. Ou seja, pode-se intensificar a resposta extensora do reflexo cutâneo plantar quando o paciente gira a cabeça de modo que o occipital se dirija até o lado afetado2,5. Mesmo que tais respostas reflexas sejam observadas nos membros "excluídos da inervação piramidal"5, resolvemos utilizar estas manobras como método de sensibilização. Na literatura por nós pesquisada, não encontramos nenhum trabalho que tivesse realizado este tipo verificação e, pelos resultados aqui apresentados, pode-se observar que a mudança da posição da cabeça não interferiu na resposta de ambos sinais, embora curiosamente, houvesse sempre - tanto no SB quanto no SC - franco predomínio de extensão à esquerda.

Em conclusão, apesar das limitações deste estudo, principalmente no que diz respeito às variações individuais que possam ter surgido quanto à pressão e velocidade exercidas ao estímulo (o estímulo plantar lateral lento, e que envolve o arco transverso, é o melhor método para a obtenção do SB)9 e pelo fato de não termos procurado por outros sinais de comprometimento piramidal (92% dos pacientes com SB unilateral demonstram algum déficit motor no pé e 16% apresentam lentificação no movimento do mesmo)11, além de não termos avaliado exames de imagem para confirmar ou não a presença de lesões encefálicas ou medulares com expressão sub clínica, podemos considerar que dos 100 pacientes examinados, pacientes estes que não evidenciavam sintomas ou sinais aparentes de disfunção da via piramidal, dez (10%), demonstraram o SB ou o SC ou ambos, uni ou bilateralmente. O SC predominou em freqüência (60%). O hálux esquerdo estendeu-se duas vezes mais do que o direito e a modificação da posição da cabeça não influiu nas respostas obtidas.

Recebido 27 Setembro 2004, recebido na forma final 14 Dezembro 2004. Aceito 17 Fevereiro 2005.

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  • Endereço para correspondência

    Dr. Péricles Maranhão-Filho
    Avenida das Américas 1155/504
    22631-050 Rio de Janeiro RJ - Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jul 2005
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      17 Fev 2005
    • Revisado
      14 Dez 2004
    • Recebido
      27 Set 2004
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