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Sinais e sintomas associados a alterações otoneurológicas diagnoticadas ao exame vestibular computadorizado em pacientes com esclerose múltipla

Signs and symptoms associated to otoneurologic alterations diagnosed on computerized vestibular exam of patients with multiple sclerosis

Resumos

OBJETIVO: Descrever os principais sintomas e sinais ao exame vestibular computadorizado em pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla. MÉTODO:Foram examinados 30 pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla. Analisaram-se os dados relativos à sintomatologia e achados ao exame vestibular computadorizado realizado no ambulatório de otoneurologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 2003. RESULTADOS: Em relação aos sintomas relatados, observamos desequilíbrio (60%), formigamento de extremidades (43,3%), vertigem (40%), cefaléia e ansiedade (36,7%), zumbido (30%), depressão (26,7%). Ao exame vestibular encontramos alterações do nistagmo de posicionamento (6,7%), nistagmo espontâneo de olhos fechados (30%), nistagmo semi-espontâneo (13,3%), rastreio pendular (3,3%) e prova calórica (63,3%). Na conclusão do exame tivemos prevalência de síndrome vestibular periférica irritativa (60%) e síndrome central (13,4%). CONCLUÇÃO: Concluimos que a realização do exame otoneurológico torna-se imprescindível nos pacientes com esclerose múltipla devido a elevada prevalência de alterações à vectonistagmografia computadorizada e elevada prevalência de sintomas otoneurológicos.

esclerose múltipla; vestíbulo; eletronistagmografia; vertigem


OBJETIVE: To identify main symptoms and signs on computerized vestibular testing in patients diagnosed with multiple sclerosis. METHOD: Thirty patients with the diagnosis of multiple sclerosis were studied. We analyzed data related to presented symptoms and the findings from a computerized vestibular testing realized in the otoneurological ambulatory in Santa Casa de Misericórdia de São Paulo in 2003. RESULTS: Reported symptoms consisted mainly of disequilibrium (60%), tingling of limbs (43.3%), vertigo (40%), headache and anxiety (36.7%), tinnitus (30%), depression (26.7%). In vestibular testing we found alterations in positional nystagmus (6.7%), spontaneous nystagmus with the eyes shut (30%), directional nystagmus (13.3%) and caloric testing (63.3%). In the final conclusion of the exam, the diagnosis of irritative type peripheral vestibular syndrome (60%) and central syndrome (13.4%) prevailed. CONCLUSION: We conclude that the realization of an otoneurological exam has become indispensable in patients with multiple sclerosis. This is due to high prevalence of alterations at computerized vestibular exam and of otoneurological symptoms.

multiple sclerosis; vestibule; electronystagmography; vertigo


Sinais e sintomas associados a alterações otoneurológicas diagnoticadas ao exame vestibular computadorizado em pacientes com esclerose múltipla

Signs and symptoms associated to otoneurologic alterations diagnosed on computerized vestibular exam of patients with multiple sclerosis

Andreza TomazI; Fernanda Nascimento BorgesII; Cristina Freitas GanançaIII; Carlos Alberto Herrerias de CamposIV; Charles Peter TilberyV

Departamento de Otorrinolaringologia. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo; Brasil

IFonoaudióloga, Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina (UNIFESP-EPM) São Paulo SP, Brasil

IIFonoaudióloga. Especialização em Audiologia Clínica pela Irmandade da SCM/SP

IIIFonoaudióloga, Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela UNIFESP-EPM

IVOtorrinolaringologista, Professor Adjunto e Chefe do Departamento de Otorrinolaringologia da (FCM) SCM/SP

VNeurologista, Professor Adjunto e Coordenador do Centro de Atendimento e Tratamento da Esclerose Múltipla da FCM/SCM/SP

RESUMO

OBJETIVO: Descrever os principais sintomas e sinais ao exame vestibular computadorizado em pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla.

MÉTODO:Foram examinados 30 pacientes com diagnóstico de esclerose múltipla. Analisaram-se os dados relativos à sintomatologia e achados ao exame vestibular computadorizado realizado no ambulatório de otoneurologia da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 2003.

RESULTADOS: Em relação aos sintomas relatados, observamos desequilíbrio (60%), formigamento de extremidades (43,3%), vertigem (40%), cefaléia e ansiedade (36,7%), zumbido (30%), depressão (26,7%). Ao exame vestibular encontramos alterações do nistagmo de posicionamento (6,7%), nistagmo espontâneo de olhos fechados (30%), nistagmo semi-espontâneo (13,3%), rastreio pendular (3,3%) e prova calórica (63,3%). Na conclusão do exame tivemos prevalência de síndrome vestibular periférica irritativa (60%) e síndrome central (13,4%).

CONCLUSÃO: Concluimos que a realização do exame otoneurológico torna-se imprescindível nos pacientes com esclerose múltipla devido a elevada prevalência de alterações à vectonistagmografia computadorizada e elevada prevalência de sintomas otoneurológicos.

Palavras-chave: esclerose múltipla, vestíbulo, eletronistagmografia, vertigem.

ABSTRACT

OBJETIVE: To identify main symptoms and signs on computerized vestibular testing in patients diagnosed with multiple sclerosis.

METHOD: Thirty patients with the diagnosis of multiple sclerosis were studied. We analyzed data related to presented symptoms and the findings from a computerized vestibular testing realized in the otoneurological ambulatory in Santa Casa de Misericórdia de São Paulo in 2003.

RESULTS: Reported symptoms consisted mainly of disequilibrium (60%), tingling of limbs (43.3%), vertigo (40%), headache and anxiety (36.7%), tinnitus (30%), depression (26.7%). In vestibular testing we found alterations in positional nystagmus (6.7%), spontaneous nystagmus with the eyes shut (30%), directional nystagmus (13.3%) and caloric testing (63.3%). In the final conclusion of the exam, the diagnosis of irritative type peripheral vestibular syndrome (60%) and central syndrome (13.4%) prevailed.

CONCLUSION: We conclude that the realization of an otoneurological exam has become indispensable in patients with multiple sclerosis. This is due to high prevalence of alterations at computerized vestibular exam and of otoneurological symptoms.

Key words: multiple sclerosis, vestibule, electronystagmography, vertigo.

A esclerose múltipla (EM) é doença de etiologia desconhecida que atinge o sistema nervoso central (SNC) principalmente a substância branca, através de lesões desmielinizantes. Tem como característica a evolução por surtos, nos quais os sintomas ocorrem de acordo com a localização da lesão. Seu diagnóstico é basicamente por exclusão, porque nenhum dado clínico ou complementar é específico ou patognomônico da doença1,2. A EM ocorre na idade adulta (geralmente adulto jovem) e grande porcentagem dos indivíduos é do gênero feminino1-4. Alguns autores a descreveram como a doença mais comum do SNC e sintomas como a cefaléia, depressão e a ansiedade são comuns5-8. É uma doença por vezes otoneurológica, porque alguns pacientes apresentam os primeiros sinais desta afecção na esfera da audição e do equilíbrio corporal. Esses sinais são de grande interesse otorrinolaringológico e, para muitos autores, de 5% a 65% dos casos, o início da afecção ocorre com uma crise vertiginosa com características periféricas5,6,9-11. De acordo com a literatura, um dos sintomas mais freqüentemente provocados pelo envolvimento do sistema vestíbulo-oculomotor é o desequilíbrio. Ele ocorre porque os focos desmielinizantes muitas vezes localizam-se em áreas encefálicas da fossa posterior do crânio. Apesar de ser comum o encontro de uma síndrome vestibular central, freqüentemente ela pode ser mascarada por manifestações mais intensas de origem periférica que prevalecem sobre o quadro neurológico2,12. É freqüente o aparecimento de vertigem aos movimentos bruscos da cabeça, que costuma se apresentar com curta duração e não acompanhada de sintomas neurovegetativos, como náuseas e vômitos. A vertigem postural paroxística benigna (VPPB) é comum nos pacientes com EM, obrigando sua investigação em todos os casos; já a presença do nistagmo de posição pode ocorrer em cerca de 30% destes pacientes12-14. O nistagmo espontâneo e o semi-espontâneo unidirecional, bidirecional ou múltiplo são sinais oculares da doença, presentes, segundo alguns autores, em 20 a 80% dos casos5,6,10,15-17. A realização de exames que explorem o sistema vestibular e auditivo é fundamental para confirmar alterações, determinar o lado lesado e a intensidade do problema, fornecendo importantes informações que podem auxiliar na orientação terapêutica adequada6,10,11.

Disfunções do sistema vestibular, e de suas conexões centrais, assim como lesões no tronco cerebral, podem ser revelados à eletronistagmografia (ENG) mais precocemente do que pela avaliação neurológica rotineira, por ser o método com maior sensibilidade para detectar alterações nas estruturas supracitadas, em indivíduos portadores de EM5,18. A ENG analisa o sistema vestibular e as estruturas neurais envolvidas na manutenção do equilíbrio corporal, através de diversas provas vestibulares e oculomotoras. Com o advento da tecnologia digital, houve um progresso na realização e análise do exame. Assim, a vectonistagmografia computadorizada atualmente é um dos métodos mais utilizados em nosso meio, nos últimos tempos, pois é simples, confiável e identifica o lado lesado. Através das suas provas oculomotoras, permite analisar as alterações oculares, que são os achados mais significativos nas vestibulopatias centrais19,20. Na literatura os achados de ENG mais comuns da EM são amplamente citados, relacionados aos movimentos oculares induzidos (sácadas, rastreio pendular, nistagmo optocinético, nistagmo de posição e nistagmo pós-calórico) e os achados na prova calórica rotineira são a hiperreflexia e a ausência do efeito inibidor da fixação ocular (EIFO)5,10,16,17,21-23. Devido a grande incidência de queixas otoneurológicas como a vertigem e o desequilíbrio em pacientes portadores de EM, é fundamental que sejam submetidos à avaliação otoneurológica que utilize métodos computadorizados para avaliar o sistema vestibular de forma objetiva e precisa.

O objetivo deste estudo é identificar os principais sintomas e sinais ao exame vestibular computadorizado, em pacientes com diagnóstico de EM.

MÉTODO

Esta pesquisa, aprovada pela Comissão de Ética da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, foi realizada no ambulatório de Otoneurologia do Departamento de Otorrinolaringologia, no ano de 2003.

Os pacientes que fizeram parte deste estudo foram encaminhados pelo CATEM (Centro de Atendimento e Tratamento da Esclerose Múltipla) da mesma instituição, independente da idade e sexo. Foram submetidos a um questionário sobre os principais sintomas apresentados em decorrência da EM e à avaliação computadorizada do sistema vestibular, por meio da vectonistagmografia digital, após assinarem um termo de consentimento livre e esclarecido, confirmando sua participação.

A partir de 72 horas antes da realização do exame, todos os pacientes foram orientados a não ingerir bebida alcoólica, café, chá, chocolate, não fumar e evitar o uso de medicamentos como tranqüilizantes, narcóticos, anti-histamínicos, antivertiginosos, antialégicos, que podem interferir nos resultados do exame, porém não deveriam suspender medicamentos para hipertensão, cardiopatia e EM. Além disso, fazer jejum nas 3 horas antecedentes24, pois a estimulação feita durante o exame pode provocar sintomas neurovegetativos.

Os equipamentos utilizados foram o vectonistagmógrafo digital VECWIN, uma barra luminosa e um estimulador calórico a ar NGR-05, da marca Neurograff Eletromedicina Ind. e Com. Ltda-EPT.

A vectonistagmografia computadorizada é realizada através do software Vecwin, que é embutido na memória do computador e registra os movimentos oculares (potencial elétrico córneo-retiniano) através dos eletródios de superfície colocados na região peri-orbitária do paciente, que permitem a captação e a gravação dos diferentes reflexos vestíbulo-oculomotores resultantes da estimulação visual (com a barra luminosa controlada pelo computador), do movimento rotatório da cadeira pendular e da estimulação térmica labiríntica com ar nas temperaturas de 42ºC (quente) e 18ºC (fria).

O software Vecwin é de simples operação e compatível com S.O. Windows. As suas características são: comparar o estímulo com a resposta do paciente e comparar os testes do paciente com o padrão de normalidade embutido na memória do computador.

As provas realizadas e analisadas no exame foram: pesquisa do nistagmo de posicionamento por meio da manobra de Brandt-Daroff, calibração biológica que permite a pesquisa dos movimentos sacádicos fixos, nistagmo espontâneo e semi-espontâneo, movimentos sacádicos randomizados, rastreio pendular, nistagmo optocinético, prova rotatória pendular decrescente (PRPD) e prova calórica a ar.

A pesquisa do nistagmo de posicionamento foi realizada por meio de uma manobra (Brandt-Daroff), partindo da posição sentada com a cabeça virada 45 graus para um dos lados, conduzir rapidamente o paciente ao decúbito lateral oposto, retorná-lo rapidamente à posição sentada e repetir o mesmo procedimento para o outro lado. Cada posição foi mantida durante 30 segundos ou até que a tontura e/ou o nistagmo diminuíssem ou cedessem. Antes do teste, os pacientes foram instruídos para não impor resistência ao movimento e não fechar os olhos.

Previamente à realização da vectonistagmografia digital, procedeu-se à limpeza da pele com substância abrasiva e a colocação de três eletrodos ativos e um eletrodo terra. Os eletrodos ativos foram dispostos no canto externo peri-orbitário direito, no canto externo peri-orbitário esquerdo e na linha média frontal, utilizando a disposição triangular de derivações preconizadas por Pansini e Padovan25, que possibilita gravar os movimentos oculares em três canais de registro.

A calibração biológica foi efetuada para que as diferentes etapas do exame fossem feitas nas mesmas condições, por estabelecer padrões de medida e comparação com o ajuste automático realizado entre o desvio do olhar e a amplitude do registro na tela do computador, além de também propiciar a medida automática de todos os parâmetros oculomotores durante a vestibulometria.

A presença de nistagmo espontâneo foi pesquisada no olhar frontal, com os olhos abertos e depois fechados. O nistagmo semi-espontâneo foi investigado no desvio do olhar para a direita, para a esquerda, para cima e para baixo, sem ultrapassar 30º de desvio da linha média. Na ocorrência da presença destes fenômenos, foi medida a velocidade da componente lenta.

Os movimentos sacádicos foram avaliados ao acompanhamento visual de um alvo que se move com padrão fixo ou randomizado (aleatório) na barra luminosa. Os parâmetros de avaliação foram latência, velocidade e precisão das sácadas.

O rastreio pendular foi avaliado por meio do acompanhamento visual do movimento sinusoidal de um ponto luminoso nas freqüências de 0,1, 0,2 e 0,4 Hz. Nesta prova foi possível avaliar o tipo e o ganho do movimento ocular.

O ganho e a velocidade do nistagmo optocinético foram medidos durante o acompanhamento visual de um ponto luminoso em movimento, com direção fixa para um lado e depois para o outro, à velocidade de 10°/s.

A prova rotatória pendular decrescente (PRPD) foi realizada com o paciente sentado, com os olhos fechados e a cabeça inclinada 30° para diante, na estimulação dos canais semicirculares laterais. Na estimulação dos canais semicirculares posterior e superior, a cabeça foi fletida 60° para trás e 45º para o lado direito e, posteriormente, 60° para trás e 45° para o lado esquerdo. A cadeira foi deslocada 90° do centro e liberada, realizando um movimento pendular periódico de amplitude decrescente.

A prova calórica foi realizada estimulando cada ouvido separadamente com ar a 18 e a 42ºC, durante 80 segundos. Vertigem, direção e velocidade da componente lenta do nistagmo pós-calórico foram analisadas com os olhos fechados e com os olhos abertos. A presença de nistagmo pré-calórico e a sua influência nos resultados da prova foram investigadas.

A realização e interpretação dos exames seguiram os critérios estabelecidos por Ganança et al.20 para a utilização desse equipamento. A análise de cada prova e da conclusão de cada exame foi realizada em conjunto e separadamente, a fim de verificar quais os principais achados da avaliação vestibular desses pacientes.

RESULTADOS

Do estudo realizado em 30 indivíduos com diagnóstico neurológico de EM, os resultados descritos a seguir foram divididos em sintomas e achados ao exame vestibular.

Dos pacientes avaliados, 22 (73%) eram do gênero feminino e oito (27%) do masculino, com idades entre 20 e 64 anos, sendo 23,3% entre 20 a 30 anos, 30% entre 31 a 40 anos e 36,7% entre 41 a 50 anos.

Os principais sintomas referidos pelos pacientes encontram-se na Tabela 1.

Quanto às provas da vectonistagmografia digital, observou-se que 23 pacientes (76,7%) apresentaram um ou mais sinais de comprometimento vestibular à avaliação e em sete pacientes (23,3%) os resultados estavam dentro dos padrões de normalidade.

Quanto à pesquisa do nistagmo de posicionamento, foi observado em dois pacientes (6,7%) a presença de nistagmo, que em ambos se mostrou fatigável, paroxístico, latente e do tipo rotatório, acompanhado de vertigem.

A calibração biológica apresentou-se regular em sua morfologia em todos os casos, porém quanto aos parâmetros dos movimentos sacádicos fixos: latência, velocidade e precisão, 6,6%, 23,3% e 6,6% apresentaram alterações, respectivamente.

O nistagmo espontâneo de olhos abertos (NEOA) esteve ausente em todos os pacientes e o nistagmo espontâneo de olhos fechados (NEOF) foi registrado em 9 casos (30%), sendo cinco do tipo horizontal e quatro oblíquos.

O nistagmo semi-espontâneo (NSE) foi observado e/ou registrado em quatro pacientes (13,3%), sendo todos bidirecionais (apareceram em duas posições cardinais do olhar). Foram do tipo horizontal em três casos e oblíquo em um caso.

Do total de pacientes examinados, houve anormalidade dos movimentos sacádicos randomizados em todos os indivíduos, em pelo menos um dos parâmetros oculomotores pesquisados: 6,7% na latência, 96,7% na velocidade e 20% na precisão.

Em relação à prova do rastreio pendular (nas três freqüências empregadas: 0,1Hz, 0,2Hz e 0,4Hz), 17 casos (56,7%) apresentaram resultados normais dos parâmetros analisados quantitativamente (ganho) e qualitativamente (tipo do rastreio pendular), 13 casos (43,3%) revelaram alteração do ganho e entre estes apenas um (3,3%) apresentou alteração no tipo do rastreio (tipo III).

O nistagmo optocinético encontrou-se simétrico nos 30 pacientes (100%). Em relação ao ganho, a alteração foi observada em 13 casos (43,3%) e em relação a VACL média, foi observada alteração em 8 casos (26,7%).

Na prova rotatória pendular decrescente houve normalidade deste parâmetro em todos os pacientes deste estudo, tanto na pesquisa dos canais horizontais, como também dos verticais.

Nos resultados obtidos à prova calórica, o nistagmo pós-calórico apresentou-se normal em 11 casos (36,7%) e alterado em 19 pacientes (63,3%) (Tabela 2 e 3).

Dos 11 exames com prova calórica normal (normalidade dos valores absolutos e relativos), apenas seis casos não apresentavam alterações nas demais etapas da vestibulometria e tiveram a conclusão final como exame vestibular normal. Os outros pacientes com prova calórica normal mostraram alterações em outras provas, das quais: nistagmo e vertigem de posicionamento (3,3%), nistagmo semi-espontâneo bidirecional e nistagmo e vertigem de posicionamento (3,3%), nistagmo semi-espontâneo bidirecional e ausência do efeito inibidor da fixação ocular (EIFO) (3,3%), reações neurovegetativas intensas (3,3%) e nistagmo semi-espontâneo bidirecional (3,3%).

Em relação ao resultado final do exame, descritos na Tabela 3, 23,3% apresentaram achados compatíveis a exame vestibular normal (destes, 6 casos apresentaram valor de PL e PDN normais e apenas um caso apresentou alteração de PDN, porém com provável influência do NEOF, então foi realizada a prova gelada que apresentou-se simétrica); em 36,7% os achados foram sugestivos de síndrome vestibular periférica irritativa bilateral; 13,3% os achados foram sugestivos de síndrome vestibular periférica irritativa unilateral; 10% os achados foram sugestivos de síndrome vestibular periférica irritativa sem lado definido (um devido a PDN alterada, sem presença de NEOF, outro com sintomas neurovegetativos na prova calórica e outro com vertigem e nistagmo de posicionamento); 6,7% com achados sugestivos de síndrome vestibular central irritativa (um devido a NSE bidirecional e hiperreflexia e outro devido a NSE bidirecional e de posicionamento) e 6,7% com achados sugestivos de síndrome vestibular central (um devido à presença de NSE bidirecional e outro com NSE bidirecional e ausência do efeito inibidor da fixação ocular); 3,3% apresentou achados sugestivos de síndrome vestibular periférica deficitária unilateral, devido a alteração do valor de PL, totalizando 76,7% de exames alterados.

DISCUSSÃO

Na avaliação otoneurológica de 30 pacientes com EM, a maioria dos casos foi constituído por mulheres e houve o predomínio de pacientes na faixa etária entre 20 e 50 anos. Estes achados concordam com os de outros autores4 que referem uma média de 70% para o sexo feminino e 30% para o sexo masculino dos pacientes com esta afecção, a qual costuma acometer adultos jovens1,2. Em relação aos sintomas relatados, o desequilíbrio foi citado pela maioria dos pacientes e algumas pesquisas já haviam ressaltado este como um sintoma freqüente nestes pacientes5,26,27. O formigamento de extremidades foi a mais freqüente manifestação neurológica citada. Esta e outras alterações sensitivas foram descritas e os autores26 valorizaram estes sintomas como manifestações sensitivas subjetivas e objetivas comuns na EM. A vertigem é um sintoma muito citado na literatura6,26 e neste estudo esteve presente em 40% dos pacientes. Porém, alguns autores5,6,9-11 inicialmente encontraram a vertigem em uma porcentagem pequena de pacientes, mas com a evolução da doença, essa porcentagem aumentou. Em relação à cefaléia e distúrbios do sono, os achados se assemelham aos de autores5 que encontraram 48% e 16% destes sintomas respectivamente. Também houve presença de depressão e ansiedade, achados concordantes com algumas pesquisas5,8.

A queixa de deficiência auditiva foi citada por 23,3% dos pacientes, concordando com autores6,10,11,26 que relataram a disacusia como sintoma comum na EM. Foi referido o zumbido em 30% e em outro estudo5 foi observado em 34% e 18% respectivamente.

À vectonistagmografia digital, os movimentos sacádicos fixos (calibração biológica) foi considerado regular em 100% dos pacientes avaliados, divergindo de autores 10 que encontraram dismetria, opsoclonus e desdobramento sacádicos e outros 5 que encontraram calibração irregular em 24% dos casos.

O nistagmo de posicionamento foi observado tendo sempre características periféricas (com latência, paroxísmo e fatigabilidade), e relacionado à queixa de vertigem postural, o que levou à hipótese de VPPB associada à EM. Por isso foi realizada a manobra de Epley, com sucesso terapêutico e extinção dos sintomas de vertigem posicional. Alguns autores12-14 observaram a associação destes quadros clínicos e também trataram com sucesso seus pacientes através de manobras de reposicionamento.

O nistagmo espontâneo foi observado somente com os olhos fechados, o que isoladamente não é considerado achado de origem central, mas na literatura há grande variabilidade entre os autores, que na grande maioria referem que o nistagmo espontâneo é um dos sinais mais freqüentes na EM5,10,16.

O nistagmo semi-espontâneo (NSE) foi observado e/ou registrado. Este achado foi determinante na conclusão dos casos centrais deste estudo. Muitos autores5,6,10,16 o referem como freqüente e geralmente múltiplo, ou seja, aparece em mais de dois desvios cardinais do olhar, com diferentes direções. A presença do NSE é um dado muito importante para o topodiagnóstico, pois quando ocorre em mais de uma posição cardinal do olhar é sempre de origem central6,17.

Em relação aos movimentos oculares sacádicos randomizados, as alterações não foram significativas e sim de leve intensidade, ocorrendo isoladamente e com ausência de alterações de morfologia que sugerissem alterações de origem central e, portanto, não foram consideradas na conclusão final do exame. Estudos16,21,23 citam a presença freqüente destas alterações nestes pacientes, embora alguns autores24 afirmem que leves alterações destes parâmetros podem estar presentes em pacientes com disfunção vestibular periférica crônica ou aguda.

Na prova do rastreio pendular, autores relatam alterações freqüentes no tipo do rastreio3,5,10,22. Neste estudo, constataram-se alguns tipos de anormalidade, relacionadas ao tipo do rastreio e ao ganho, concordando com autores22,24,28,29 que também observaram alteração deste parâmetro em seus estudos, que podem ser explicadas pela assimetria e substituição do segmento lento por sácadas, acarretando a diminuição do ganho3. Assim, esta foi a única prova oculomotora que conseguiu evidenciar lesão central, porém numa porcentagem muito pequena.

As disfunções do nistagmo optocinético horizontal são descritas na literatura5,10,17 com índices divergentes deste estudo, pois não houve alterações de simetria (PDN) em nenhum paciente.

Na PRPD não houve alteração da preponderância direcional do nistagmo diante da estimulação dos canais laterais e verticais. Porém, na literatura5, são relatadas alterações e, segundo alguns autores10, pode haver preservação do nistagmo horizontal a estimulação dos canais laterais com abolição do nistagmo oblíquo a estimulação dos canais verticais em pacientes, sugerindo lesão de origem central.

Na prova calórica, a hiperreflexia foi o achado predominante, sendo a hiporreflexia e a preponderância direcional pouco observadas, o que também foi confirmado por outros estudos5,10,16.

No resultado final deste estudo, os resultados diferem de alguns autores18 que referem maior porcentagem de alteração central no exame vestibular de pacientes com esclerose múltipla.

A alta incidência de sinais de comprometimento vestibular periférico e central aos testes realizados aponta para a necessidade desta avaliação na orientação diagnóstica dos indivíduos portadores de EM. Outros estudos5,18 se assemelharam aos resultados desta pesquisa, evidenciando que a disfunção vestibular pode estar presente na maioria dos casos de EM e merece atenção especial na escolha do melhor tratamento otoneurológico, como a reabilitação vestibular, na tentativa de melhorar a qualidade de vida destes pacientes.

Em conclusão, por meio dos resultados desta pesquisa concluiu-se que a realização do exame otoneurológico torna-se imprescindível nos pacientes com esclerose múltipla devido a elevada prevalência de alterações à vectonistagmografia computadorizada e elevada prevalência de sintomas otoneurológicos.

Recebido 10 Novembro 2004, recebido na forma final 2 Maio 2005. Aceito 30 Maio 2005.

Dra. Andreza Tomaz - Rua Heitor Penteado 1739/102 - 05437-001 São Paulo SP - Brasil. E-mail: atomaz77@hotmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Mar 2006
  • Data do Fascículo
    Set 2005

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2004
  • Aceito
    30 Maio 2005
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