Acessibilidade / Reportar erro

Neuroproteção no acidente vascular celebral: opinião nacional

Neuroprotective agents in stroke: national opinion

Resumos

Com finalidade de orientar e oferecer subsídios para a conduta diagnóstica e terapêutica em diferentes situações dentro das doenças cerebrovasculares, a Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV) constituiu um comitê composto por neurologistas de diferentes áreas do Brasil que emitiram um parecer, denominado "Opinião Nacional", redigido nos moldes dos consensos. O presente artigo analisa a "neuroproteção no acidente vascular cerebral" discutindo o nível de evidência para o uso de drogas de potencial ação neuroprotetora e ensaios clínicos em andamento.

neuroproteção; acidente vascular cerebral; tratamento


The Brazilian Stroke Society constituted a committee composed by specialists from different areas of Brazil that emitted a viewpoint called "National Opinion", written similar to the consensus pattern. The study purpose is to guide and offer subsidies for diagnosis and therapeutical plans for different situations in cerebrovascular diseases. The current article analyses "neuroprotective agents in stroke", discussing the level of evidence for the use of potential neuroprotective drugs and ongoing clinical trials.

neuroprotective agents; cerebrovascular disorders; therapy


Neuroproteção no acidente vascular celebral: opinião nacional

Neuroprotective agents in stroke: national opinion

Gabriel R. de Freitas; Jorge El Kadum Noujaim; Sérgio R. Haussen; Fábio I. Yamamoto; Edson M. Novak; Rubens J. Gagliardi; Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares* * Participantes do comitê: Ana Cláudia Ferraz, Alexandre L. Longo, Aroldo Luiz Bacellar , Ayrton Roberto Massaro, Carla Heloísa Cabral Moro, Cesar N. Raffin, Charles André, Edson Matos Novak, Elza DiasTosta, Fábio Iuji Yamamoto, Gabriel Rodríguez de Freitas, Ibsen Thadeo Damiani, Jamary Oliveira Filho, Jayme Antunes Maciel Júnior, Jefferson Gomes Fernandes, Jorge El Kadum Noujaim, José Ibiapina Siqueira Neto, Márcia Maiumi Fukujima, Maria Lucia Pimentel, Maurício Friedrich, Paulo Puglia, Roberto de Magalhães Carneiro Oliveira, Rogério Darwich, Rubens José Gagliardi, Sebastião Eurico Mello-Souza, Sérgio Roberto Haussen, Soraia Ramos Cabete Fábio, Viviane Flumignan Zétola, Waldir Antônio Tognola.

RESUMO

Com finalidade de orientar e oferecer subsídios para a conduta diagnóstica e terapêutica em diferentes situações dentro das doenças cerebrovasculares, a Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares (SBDCV) constituiu um comitê composto por neurologistas de diferentes áreas do Brasil que emitiram um parecer, denominado "Opinião Nacional", redigido nos moldes dos consensos. O presente artigo analisa a "neuroproteção no acidente vascular cerebral" discutindo o nível de evidência para o uso de drogas de potencial ação neuroprotetora e ensaios clínicos em andamento.

Palavras-chave: neuroproteção, acidente vascular cerebral, tratamento.

ABSTRACT

The Brazilian Stroke Society constituted a committee composed by specialists from different areas of Brazil that emitted a viewpoint called "National Opinion", written similar to the consensus pattern. The study purpose is to guide and offer subsidies for diagnosis and therapeutical plans for different situations in cerebrovascular diseases. The current article analyses "neuroprotective agents in stroke", discussing the level of evidence for the use of potential neuroprotective drugs and ongoing clinical trials.

Key words: neuroprotective agents, cerebrovascular disorders, therapy.

Vários procedimentos vêm sendo utilizados para diminuir a extensão da área comprometida no processo isquêmico agudo do sistema nervoso central. A neuroproteção pode ser definida como uma intervenção, não necessariamente farmacológica, para interferir diretamente nos mecanismos intracelulares da cascata isquêmica, visando o resgate da área de penumbra - definida como área de hipoperfusão, ainda viável, circunjacente ao infarto (área de necrose). Nos últimos 20 anos, dezenas de agentes farmacológicos demonstraram eficácia em modelos animais, porém sem resultados efetivos, quando utilizados em estudos controlados em seres humanos. As principais razões para esse insucesso incluem: modelos animais não superponíveis com a realidade da complexidade dos fatores envolvidos na doença humana (utilização de modelos animais jovens e sadios, diferenças na fisiologia circulatória e percentual de massa cinzenta versus branca, etc); utilização de escalas clínicas incapazes de refletir o volume da área de infarto; janela terapêutica tardia; número de pacientes insuficientes; resultados discrepantes entre diferentes espécies e centros, entre outras. Recomendações foram desenvolvidas para a análise de eficácia de medidas neuroprotetoras1-3, porém não são observadas na maior parte dos estudos.

Dentre as diversas medicações testadas com critérios adequados, é oportuno relacionar abaixo as que vêm sendo tradicionalmente usadas em nosso meio e as que demonstraram efeitos significativos em seres humanos. Sempre que possível, as orientações foram classificadas em níveis de evidência. Para tal, foram utilizados critérios baseados nas recomendações seguidas pela "European Stroke Iniciative"4. A hipotermia, medida não farmacológica com potencial ação neuroprotetora, foi tema de outro artigo da Opinião Nacional5 e não será aqui discutida.

A nimodipina e os gangliosídeos não confirmaram em estudos de pacientes com acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico os efeitos favoráveis inicialmente obtidos em animais6,7.

O sulfato de magnésio mostrou-se eficaz em estudos animais de AVC isquêmico. Supõe-se que seu modo de ação deve-se à diminuição da liberação do glutamato, bloqueio de receptores NMDA ou bloqueio da entrada do cálcio na célula. No estudo IMAGES, 2589 pacientes foram randomizados para receber 4 g de magnésio em bolus seguido de 16 g em 24h ou solução fisiológica8. Houve uma tendência ao aumento da letalidade no grupo que recebeu magnésio (OR 1,18; 95% IC 0,97 - 1,42, p = 0,09). Visto que apenas 3% dos pacientes do estudo IMAGES foram randomizados nas três primeiras horas após o início dos sintomas, está sendo estudado o potencial neuroprotetor do magnésio nas duas primeiras horas do AVC isquêmico através da administração intravenosa por paramédicos9.

A citicolina foi testada em vários ensaios humanos de AVC isquêmico com resultados conflitantes10-12, porém meta-análise dos estudos com citicolina oral mostrou eficácia da droga quando usada nas primeiras 24 horas em pacientes com quadros moderados e graves (NIHSS > 8)13. Boa recuperação aos 3 meses, medida através do NIHSS, escala modificada de Rankin e índice de Barthel, ocorreu em 25,2% dos pacientes tratados com citicolina versus 20,2% no grupo placebo (OR 1,33; 95% IC 1,10 - 1,62, p = 0,0034). Não houve alteração da letalidade no grupo que recebeu citicolina. A dose de 2000 mg / dia apresentou resultado levemente superior a de 500 mg / dia e 1000 mg / dia13. Dados complementares são aguardados de novos estudos fase III.

O NXY-059 (cerovive) tem mecanismo incerto, porém acredita-se que tenha sua ação através da neutralização de radicais livres. Estudos em modelos animais mostraram eficácia e estudos em fase I e II mostraram segurança e tolerabilidade. Estudos fase III estão em andamento (SAINT I e SAINT II).

O uso da aspirina nas 48 horas após o AVC isquêmico esteve relacionado à diminuição da letalidade (diminuição de um evento fatal ou recorrência de evento vascular de 9 em cada 1000 pacientes tratados)14. Não se sabe se esses resultados decorrem de efeito neuroprotetor ou de prevenção de novos eventos vasculares.

Outros agentes vêm sendo testados em estudos clínicos em fase III (Tabela).

RECOMENDAÇÕES

Seria recomendável que os novos estudos obedecessem a metodologia adequada1-3 e incluíssem centros com diferentes populações, inclusive de países em desenvolvimento.

A opinião do grupo não foi unânime, mas existem evidências nível 2 para o uso da citicolina no AVC agudo.

5. Massaro AR, Alves AF, Longo AL, et al. Hipotermia e isquemia cerebral: opinião nacional. Arq Neuropsiquiatr (submetido).

Recebido 11 Abril 2005. Aceito 13 Junho 2005

Sociedade Brasileira de Doenças Cerebrovasculares - Avenida Angélica 916/304 - 01228-000 São Paulo SP - Brasil.

  • 1. No authors listed. Recommendations for standards regarding preclinical neuroprotective and restorative drug development. Stroke 1999;30:2752-2758.
  • 2. Stroke Therapy Academic Industry Roundtable II (STAIR-II). Recommendations for clinical trial evaluation of acute stroke therapies. Stroke 2001;32:1598-1606.
  • 3. Fisher M, Stroke Therapy Academic Industry Roundtable. Recommendations for advancing development of acute stroke therapies: Stroke Therapy Academic Industry Roundtable 3. Stroke 2003;34:1539-1546.
  • 4. Hacke W, Kaste M, Bogousslavsky J, et al. European Stroke Initiative Executive Committee and the EUSI Writing Committee. European Stroke Initiative Recommendations for Stroke Management-update 2003. Cerebrovasc Dis 2003;16:311-337.
  • 6. Gorelick PB. Neuroprotection in acute ischaemic stroke: a tale of for whom the bell tolls? Lancet 2000;355:1925-1926.
  • 7. Wahlgren NG, Ahmed N. Neuroprotection in cerebral ischaemia: facts and fancies-the need for new approaches. Cerebrovasc Dis 2004;17 (Suppl 1):S153-S166.
  • 8. Muir KW, Lees KR, Ford I, Davis S. Magnesium for acute stroke (Intravenous Magnesium Efficacy in Stroke trial): randomised controlled trial. Lancet 2004;363:439-445.
  • 9. Saver JL, Kidwell C, Eckstein M, Starkman S. Prehospital neuroprotective therapy for acute stroke: results of the Field Administration of Stroke Therapy-Magnesium (FAST-MAG) pilot trial. Stroke 2004; 35:106-108.
  • 10. Clark WM, Warach SJ, Pettigrew LC, Gammans RE, Sabounjian LA. A randomized dose-response trial of citicoline in acute ischemic stroke patients. Neurology 1997;49:671-679.
  • 11. Clark WM, Williams BJ, Selzer KA, Zweifler RM, Sabounjian LA, Gammans RE. A randomized efficacy trial of citicoline in patients with acute ischemic stroke. Stroke 1999;30:2592-2597.
  • 12. Clark WM, Wechsler LR, Sabounjian LA, Schwiderski UE, Citicoline Stroke Study. A phase III randomized efficacy trial of 2000 mg citicoline in acute ischemic stroke patients. Neurology 2001;57:1595-1602.
  • 13. Davalos A, Castillo J, Alvarez-Sabin J, et al. Oral citicoline in acute ischemic stroke: an individual patient data pooling analysis of clinical trials. Stroke 2002;33:2850-2857.
  • 14. Chen ZM, Sandercock P, Pan HC, et al. Indications for early aspirin use in acute ischemic stroke: a combined analysis of 40 000 randomized patients from the chinese acute stroke trial and the international stroke trial. On behalf of the CAST and IST collaborative groups. Stroke 2000; 31:1240-1249.
  • *
    Participantes do comitê: Ana Cláudia Ferraz, Alexandre L. Longo, Aroldo Luiz Bacellar , Ayrton Roberto Massaro, Carla Heloísa Cabral Moro, Cesar N. Raffin, Charles André, Edson Matos Novak, Elza DiasTosta, Fábio Iuji Yamamoto, Gabriel Rodríguez de Freitas, Ibsen Thadeo Damiani, Jamary Oliveira Filho, Jayme Antunes Maciel Júnior, Jefferson Gomes Fernandes, Jorge El Kadum Noujaim, José Ibiapina Siqueira Neto, Márcia Maiumi Fukujima, Maria Lucia Pimentel, Maurício Friedrich, Paulo Puglia, Roberto de Magalhães Carneiro Oliveira, Rogério Darwich, Rubens José Gagliardi, Sebastião Eurico Mello-Souza, Sérgio Roberto Haussen, Soraia Ramos Cabete Fábio, Viviane Flumignan Zétola, Waldir Antônio Tognola.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Mar 2006
    • Data do Fascículo
      Set 2005

    Histórico

    • Aceito
      13 Jun 2005
    • Recebido
      11 Abr 2005
    Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revista.arquivos@abneuro.org