Acessibilidade / Reportar erro

Síndrome da cabeça caída em doença do neurônio motor

Dropped head syndrome in motor neuron disease

Resumos

A síndrome da cabeça caída é causada por diminuição de força nos músculos extensores do pescoço sendo encontrada em diversas doenças neuromusculares, bem como, na esclerose lateral amiotrófica. Descrevemos o caso de três mulheres com diagnóstico de doença do neurônio motor com quadro clínico de disfagia e diminuição de força em músculos cervicais que evoluiu com queda da cabeça. A investigação mostrou ressonância magnética de crânio e coluna cervical normais; e a eletromiografia de agulha com desinervação ativa e crônica em músculos bulbares e dos segmentos cervical, torácico e lombo-sacro. Discutimos as características da doença, especialmente suas manifestações clínicas e os achados eletroneuromiográficos, dando ênfase à necessidade de investigação da cabeça caída na suspeita de doença do neurônio motor.

síndrome da cabeça caída; esclerose lateral amiotrófica; doença do neurônio motor inferior; eletromiografia


Dropped head is a syndrome caused by weakness of the neck extensor muscles found in different kinds of neuromuscular disorders and also in amyotrophic lateral sclerosis. This is a cases report of three women with motor neuron disease with beginning of dysphagia and cervical weakness that it evolved with dropped head. The investigation showed normal magnetic resonance imaging of brain and cervical column. Needle electromyography showed active and chronic denervation in bulbar muscles and cervical, thoracic and lumbosacral segments. We discuss the characteristic of disease, specially the clinical manifestations and electromyography features, with emphasis at the clinical evaluation of dropped head in the suspicion of motor neuron disease.

dropped head syndrome; amyotrophic lateral sclerosis; lower motor neuron disease; electromyography


Síndrome da cabeça caída em doença do neurônio motor

Dropped head syndrome in motor neuron disease

Paulo José LorenzoniI; Marcos Christiano LangeI; Cláudia S.K. KayI; Luiz G.M.P. de AlmeidaII; Hélio A.G. TeiveIII; Rosana H. ScolaIV; Lineu C. WerneckV

Serviço de Neurologia e Doenças Neuromusculares do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Curitiba PR, Brasil (UFPR)

IMédico Neurologista

IIAcadêmico de Medicina

IIIProfessor Assistente

IVProfessor Adjunto

VProfessor Titular

RESUMO

A síndrome da cabeça caída é causada por diminuição de força nos músculos extensores do pescoço sendo encontrada em diversas doenças neuromusculares, bem como, na esclerose lateral amiotrófica. Descrevemos o caso de três mulheres com diagnóstico de doença do neurônio motor com quadro clínico de disfagia e diminuição de força em músculos cervicais que evoluiu com queda da cabeça. A investigação mostrou ressonância magnética de crânio e coluna cervical normais; e a eletromiografia de agulha com desinervação ativa e crônica em músculos bulbares e dos segmentos cervical, torácico e lombo-sacro. Discutimos as características da doença, especialmente suas manifestações clínicas e os achados eletroneuromiográficos, dando ênfase à necessidade de investigação da cabeça caída na suspeita de doença do neurônio motor.

Palavras-chave: síndrome da cabeça caída, esclerose lateral amiotrófica, doença do neurônio motor inferior, eletromiografia.

ABSTRACT

Dropped head is a syndrome caused by weakness of the neck extensor muscles found in different kinds of neuromuscular disorders and also in amyotrophic lateral sclerosis. This is a cases report of three women with motor neuron disease with beginning of dysphagia and cervical weakness that it evolved with dropped head. The investigation showed normal magnetic resonance imaging of brain and cervical column. Needle electromyography showed active and chronic denervation in bulbar muscles and cervical, thoracic and lumbosacral segments. We discuss the characteristic of disease, specially the clinical manifestations and electromyography features, with emphasis at the clinical evaluation of dropped head in the suspicion of motor neuron disease.

Key words: dropped head syndrome, amyotrophic lateral sclerosis, lower motor neuron disease, electromyography.

A síndrome da cabeça caída (do inglês "dropped head") caracteriza-se por fraqueza da musculatura extensora do pescoço, levando os pacientes a apresentarem o típico aspecto da cabeça flexionada com o queixo em contato com a parede torácica, limitando suas atividades de vida, diárias e sociais1-3.

Diferentes etiologias estão relacionadas com a síndrome da cabeça caída (SCC), incluindo miopatias, doenças da junção neuromuscular, neuropatias, doenças do sistema nervoso central e doenças metabólicas2-10. Existem ainda pacientes sem etiologia definida para a cabeça caída, sendo observado em alguns uma miopatia cervical extensora isolada (isolated neck extensor myopathy), a qual também é reconhecida como miopatia axial ou dropped head syndrome11-13. A presença de SCC é raramente descrita em pacientes portadores de doença do neurônio motor (DNM) como a esclerose lateral amiotrófica (ELA). O seu mecanismo fisiopatológico ainda não esta bem esclarecido, sendo uma hipótese o envolvimento das células localizadas no corno anterior da medula que inervam a musculatura paraespinhal1,2,12,14.

Neste artigo, descrevemos três pacientes com SCC associada a DNM.

CASOS

Caso 1 – Mulher de 60 anos que iniciou quadro de disfagia e diminuição de força muscular em membros superiores (MS). Após um mês do início dos sintomas evoluiu com diminuição da força muscular em região cervical apresentando queda de cabeça. O exame neurológico mostrava disartria, fasciculações em língua e MS. O exame dos MS revelou trofismo muscular diminuído e tônus muscular discretamente aumentado. A diminuição de força muscular era grau 3 nos MS e de grau 0 nos músculos extensores cervicais, segundo critérios do Medical Research Council (MRC). O exame ainda revelou sinais de liberação piramidal e as sensibilidades tátil, vibratória e dolorosa estavam preservadas. O restante do exame neurológico estava normal. A eletromiografia de agulha mostrou sinais de desinervação crônica e ativa com fibrilações e fasciculações em músculos dos segmentos bulbar, cervical e torácico. Iniciou-se tratamento com riluzole 100 mg/dia, porém não houve melhora do quadro e a paciente evoluiu para o óbito após dois anos do início da doença.

Caso 2 – Mulher de 66 anos que iniciou quadro de disfagia, disfonia e diminuição de força muscular em membro superior e inferior esquerdos. Após um ano do início dos sintomas evoluiu com diminuição da força muscular em região cervical com dificuldade para sustentar a cabeça (Figura). O exame neurológico mostrava disfonia, fasciculações em língua, tônus muscular difusamente aumentado, força muscular diminuída em membro superior e inferior esquerdos grau 4 e músculos extensores cervicais grau 1 (MRC) e sinais de liberação piramidal. As sensibilidades tátil, vibratória e dolorosa estavam preservadas. A eletromiografia de agulha mostrou sinais de desinervação crônica e ativa com fibrilações e fasciculações em músculos dos segmentos bulbar, cervical, lombar e sacral. Há três anos iniciou tratamento com riluzole 100 mg/dia sem melhora do quadro.


Caso 3 – Mulher de 54 anos que iniciou quadro de disfagia e disartria. Após dois anos do início dos sintomas apresentou dificuldade para sustentar a cabeça devido diminuição da força muscular em região cervical evoluindo com queda da cabeça. O exame neurológico mostrava anartria, fasciculações em língua, redução do reflexo do vômito, paresia bilateral da elevação do palato e força muscular diminuída em músculos extensores cervicais grau 1 (MRC) e o restante do exame neurológico foi normal. A eletromiografia de agulha mostrou sinais de desinervação ativa com fibrilações e fasciculações em músculos da língua. Iniciou-se tratamento com riluzole 100 mg/dia, porém paciente não apresentou melhora, evoluindo para o óbito após três anos do início da doença.

Em nossos casos, o estudo da condução nervosa, bem como a investigação laboratorial e radiológica do encéfalo e da coluna cervical não evidenciaram alterações significativas, sendo o diagnóstico de ELA baseado nos critérios clínicos e neurofisiológicos nos casos 1 e 2; o caso 3 teve o diagnóstico de atrofia bulbar progressiva. A Tabela 1 e a Figura mostram os achados da eletromiografia de agulha da região cervical e o aspecto clínico da paciente (Caso 2).

DISCUSSÃO

Gourie-Devi et al. propuseram uma classificação etiológica para a SCC, dividindo os pacientes em quatro grupos conforme a doença a que estivessem relacionadas: miogênicas, neurogências, miscelânea e locais (Tabela 2)2. Dessa forma, os pacientes que apresentam SCC devem submeter-se a uma investigação etiológica extensa devido à possibilidade de doenças tratáveis como a miastenia gravis, miopatia inflamatória, entre outras, ou a miopatia cervical extensora isolada, as quais apresentam bom prognóstico. Dentre as causas de SCC, as DNM são pouco relatadas na literatura, sendo sua real prevalência difícil de ser estimada. Gourie-Devi et al. demonstraram a baixa freqüência desta manifestação em grupo de pacientes com ELA ao analisar 683 pacientes e encontrarem apenas 9 (1,3%) com SCC2. Até o momento, há 15 casos descritos na literatura da associação entre SCC e ELA, e não encontramos descrição anterior de atrofia bulbar progressiva com SCC, mostrando a raridade desta apresentação neste grupo de pacientes1,2,12,14.

A SCC não foi descrita como manifestação inicial nas DNM, sendo encontrada apenas em pacientes com miopatia mitocondrial, miastenia gravis, hipoparatireoidismo e hipotireoidismo3,9,10,15. As manifestações iniciais da DNM em nossas pacientes foram alterações bulbares, sendo caracterizadas por disfagia nos casos 1 e 3, e disartria no caso 2. Gourie-Devi et al. demonstraram apenas um paciente com manifestação bulbar inicial (disartria) e outros cinco pacientes com essa manifestação na progressão da doença2. O comprometimento de musculatura de língua foi encontrado em todos os nossos casos, o que esta de acordo com os dados descritos em outros grupos2. O acometimento da musculatura flexora cervical não foi encontrado em nenhum paciente do nosso relato.

Quando se relaciona o início da SCC ao tempo de evolução da ELA, podemos dividir os pacientes em dois grupos: precoce, com média de início entre 3 e 24 meses do diagnóstico de ELA; e tardio, entre 3 e 8 anos após o diagnóstico de ELA2. Todas as nossas pacientes apresentaram a SCC entre 1 mês e 2 anos após o início da doença, caracterizando o início precoce.

Os exames complementares necessários para a investigação da SCC estão relacionados à etiologia pesquisada; no entanto, a eletroneuromiografia é um dos principais exames por direcionar a investigação entre as doenças neurogênicas, miogênicas e de junção neuromuscular. Os achados eletroneuromiográficos em nossas pacientes foram compatíveis com o diagnóstico de DNM; alguns dos músculos extensores e flexores do pescoço mostraram sinais de desinervação ativa e crônica (Tabela 1). Na literatura, não encontramos descrição detalhada do padrão eletromiográfico da musculatura cervical em pacientes com ELA.

Os estudos de imagem por tomografia axial computadorizada e ressonância magnética de musculatura paraespinhal em miopatia cervical extensora isolada mostraram alterações semelhantes a edema e substituição gordurosa do músculo12,16. A descrição de atrofia e substituição gordurosa da musculatura extensora cervical também foi observada em um paciente com miastenia gravis17. Em um caso associado a hipotireoidismo observou-se aumento do volume do músculo esplênio da cabeça bilateralmente9. Na DNM com SCC não encontramos estudos de imagem na literatura.

O tratamento da SCC na maioria dos casos deve ser relacionado à etiologia8,9. Nos pacientes com DNM ainda não há nenhum tratamento medicamentoso específico para SCC, mas ao identificar a DNM como etiologia da queda da cabeça, o uso de colar cervical deve ser estimulado, assim como a realização de fisioterapia, possibilitando melhora da postura2.

Recebido 29 Abril 2005, recebido na forma final 1 Agosto 2005. Aceito 26 Setembro 2005.

Dra. Rosana Herminia Scola- Serviço de Doenças Neuromusculares / Hospital de Clínicas da UFPR - Rua General Carneiro 181 / 3º andar - 80060-900 Curitiba PR- Brasil. E-mail: scola@hc.ufpr.br

  • 1. Lange DJ, Fetell MR, Lovelace RE, et al. The floppy head syndrome. Ann Neurol 1986;20:133.
  • 2. Gourie-Devi M, Nalini A, Sandhya S. Early or late appearance of "dropped head syndrome" in amyotrophic lateral sclerosis. J Neurol Neurosur Psychiatry 2003;74:683-686.
  • 3. Puruckherr M, Pooyan P, Dube D, Byrd RP, Roy TM. The dropped head sign: an unusual presenting feature of myasthenia gravis. Neuromusc Disord 2004;14:378-379.
  • 4. DeVere R, Bradley WG. Polymyositis: its presentation, morbidity and mortality. Brain 1975;98:637-666.
  • 5. Padberg GW, Lunt PW, Koch M, et al. Diagnostic criteria for fascioscapulohumeral muscular dystrophy. Neuromusc Disord 1991;1:231-234.
  • 6. Lomen-Hoerth C, Simmons ML, DeArmond SJ,et al. Adult-onset nemaline myopathy: another cause of dropped head. Muscle Nerve 1999; 22:1146-1150.
  • 7. Karpati G, Carpenter S, Engel AG, et al. The syndrome of systemic carnitine deficiency: clinical, morphologic, biochemical and pathophysiology features. Neurology 1975;25:16-24.
  • 8. Horiuchi M, Uehara Kenji, Kamo T, Sugihara H, Takahashi Y. Elderly onset Parkinson's disease complicated by dropped head syndrome that responded favorably to therapy. Geriatr Gerontol Internat 2004;4: 55-58.
  • 9. Askmark H, Olsson Y, Rossitti S. Treatable dropped head syndrome in hypothyroidism. Neurology 2000;55:896-897.
  • 10. Rahim F, Gupta D, Bertorini TE, LeDoux MS. Dropped head presentation of mitochondrial myopathy. J Clin Neuromusc Dis 2003;5:108-114.
  • 11. Suarez GA, Kelly JJ. The dropped head syndrome. Neurology 1992;42: 1625-1627.
  • 12. Katz JS, Wolfe GI, Burns DK, Bryan WW, Fleckenstein JL, Barohn RJ. Isolated neck extensor myopathy: a common cause of dropped head syndrome. Neurology 1996;46:917-921.
  • 13. Jaster JH, Bertorini TE, Swims MP, et al. Cervical kyphosis after resolution of myopathic head drop: a case report. Spine 1996;21:2023-2025.
  • 14. Petiot P, Vial C, de Saint Victor JF, et al. Dropped head syndrome: diagnostic discussion apropos of 3 cases. Rev Neurol (Paris) 1997;153:251-255.
  • 15. Beekman R, Tijssen CC, Visser LH, Schellens RLLA. Dropped head as the presenting symptom of primary hyperparathyroidism. J Neurol 2002;249:1738-1739.
  • 16. Oerlemans WGH, de Visser M. Dropped head syndrome and bent spine syndrome: two separate clinical entities or different manifestations of axial myopathy? J Neurol Neurosurg Psychiatry 1998;65:258-259.
  • 17. Rodolico C, Messina S, Toscano A, Vita G, Gaeta M. Axial myopathy in myasthenia: a misleading cause of dropped head. Muscle Nerve 2004;29:329-330.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    Mar 2006

Histórico

  • Aceito
    26 Set 2005
  • Revisado
    01 Ago 2005
  • Recebido
    29 Abr 2005
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org