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Memória de orientação espacial: avaliação em pacientes com doença de Alzheimer e com epilepsia mesial temporal refratária

Spatial orientation memory: evaluation in patents with Alzheimer disease and temporal lobe epilepsy

Resumos

Estudos experimentais identificaram células piramidais no hipocampo de ratos com participação na memória de orientação espacial (MOE), denominadas células de localização. O objetivo deste estudo foi adaptar um teste baseado nesses experimentos para verificar o desempenho de MOE e a participação do hipocampo na MOE em pacientes com esclerose mesial temporal (EMT). Dividiu-se a pesquisa em dois estudos: no primeiro adaptou-se o teste e visando verificar sua capacidade de investigação de déficits de MOE aplicou-se em grupos de 10 indivíduos, um com doença de Alzheimer (DA) e outro de idosos saudáveis (p<0,001). O segundo estudo avaliou a participação do hipocampo na MOE em 43 pacientes (23 com EMT e 20 com amígdalo-hipocampectomia seletiva, AHS e 23 voluntários saudáveis, com p<0,05 entre EMT e AHS, e entre controles e AHS. O teste mostrou-se adequado para avaliar déficit de MOE, mas a MOE parece não ser função específica do hipocampo humano.

memória; orientação espacial; epilepsia; esclerose mesial temporal; amígdalo-hipocampectomia seletiva


Experimental studies have identified pyramidal cells in hippocampus in rats with participation in the spatial orientation memory (SOM), which are named location cells. This study had the purpose to adapt a test based in these experiments in order to check the performance of SOM and the participation of hippocampus into SOM in patients with mesial temporal sclerosis (MTS). The research was divided into two studies: the first one the test was adapted, and in order to check its capacity to investigate the deficits of SOM, it has applied in groups of 10 (ten) subjects, one group with patients that have Alzheimer disease and the other one with healthy elderly (p<0.001). The second study has evaluated the participation of hippocampus into SOM in 43 patients (23 with mesial temporal sclerosis (MTS) and 20 submitted to selective amygdala hippocampectomy (SAH)) and 23 healthy volunteers with p<0,05 between MTS and SAH and between controled and SAH. It was shown that the test of SOM is suitable to evaluate deficits, but it seems the SOM is not a specific function of human hippocampus.

memory; spatial orientation; epilepsy; mesial temporal sclerosis; selective amygdala hippocampectomy


Memória de orientação espacial: avaliação em pacientes com doença de Alzheimer e com epilepsia mesial temporal refratária

Spatial orientation memory: evaluation in patents with Alzheimer disease and temporal lobe epilepsy

Lisiane TuonI; Mirna PortuguezII; Jaderson Costa da CostaIII

IProfessora, Curso de Fisioterapia, Universidade do Extremo Sul Catarinense-UNESC e Aluna do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde e Clínica Médica - Mestrado, com área de concentração em Neurociências, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Poto Alegre RS, Brasil (PUCRS)

IIProfessora Adjunta, Departamento de Medicina Interna, Disciplina de Neurologia, Faculdade de Medicina, FAMED-PUCRS

IIIProfessor Titular, Departamento de Medicina Interna, Disciplina de Neurologia, FAMED-PUCRS

RESUMO

Estudos experimentais identificaram células piramidais no hipocampo de ratos com participação na memória de orientação espacial (MOE), denominadas células de localização. O objetivo deste estudo foi adaptar um teste baseado nesses experimentos para verificar o desempenho de MOE e a participação do hipocampo na MOE em pacientes com esclerose mesial temporal (EMT). Dividiu-se a pesquisa em dois estudos: no primeiro adaptou-se o teste e visando verificar sua capacidade de investigação de déficits de MOE aplicou-se em grupos de 10 indivíduos, um com doença de Alzheimer (DA) e outro de idosos saudáveis (p<0,001). O segundo estudo avaliou a participação do hipocampo na MOE em 43 pacientes (23 com EMT e 20 com amígdalo-hipocampectomia seletiva, AHS e 23 voluntários saudáveis, com p<0,05 entre EMT e AHS, e entre controles e AHS. O teste mostrou-se adequado para avaliar déficit de MOE, mas a MOE parece não ser função específica do hipocampo humano.

Palavras-chave: memória, orientação espacial, epilepsia, esclerose mesial temporal, amígdalo-hipocampectomia seletiva.

ABSTRACT

Experimental studies have identified pyramidal cells in hippocampus in rats with participation in the spatial orientation memory (SOM), which are named location cells. This study had the purpose to adapt a test based in these experiments in order to check the performance of SOM and the participation of hippocampus into SOM in patients with mesial temporal sclerosis (MTS). The research was divided into two studies: the first one the test was adapted, and in order to check its capacity to investigate the deficits of SOM, it has applied in groups of 10 (ten) subjects, one group with patients that have Alzheimer disease and the other one with healthy elderly (p<0.001). The second study has evaluated the participation of hippocampus into SOM in 43 patients (23 with mesial temporal sclerosis (MTS) and 20 submitted to selective amygdala hippocampectomy (SAH)) and 23 healthy volunteers with p<0,05 between MTS and SAH and between controled and SAH. It was shown that the test of SOM is suitable to evaluate deficits, but it seems the SOM is not a specific function of human hippocampus.

Key words: memory, spatial orientation, epilepsy, mesial temporal sclerosis, selective amygdala hippocampectomy.

Desde a década de 70 estudos experimentais vêm investigando a existência de células piramidais no hipocampo de ratos envolvidas na memória e na capacidade de orientação espacial. Essas células piramidais especializadas comporiam um mapa cognitivo no hipocampo, o que permitiria aos animais que elaborassem suas memórias espaciais e as relacionassem de tal forma que pudessem se orientar espacialmente nos ambientes. Campos específicos do hipocampo responderiam a determinada região do ambiente depois da ambientação do animal no local, organizando o hipocampo em vários campos de localização.

Essas células piramidais do hipocampo acabaram denominadas "células de localização"1-3.

Em seres humanos não existe confirmação de existência dessas células de localização no hipocampo, contudo, em pacientes que apresentam esclerose mesial temporal (EMT) pressupõe-se que as células piramidais se encontrem comprometidas, assim como, pacientes após a ressecção hipocampal também devem apresentar alterações da memória de orientação espacial, o que poderia nos indicar qual a participação do hipocampo na memória de orientação espacial.

O objetivo do estudo foi desenvolver um teste para avaliar a memória de orientação espacial (MOE) e verificar a participação do hipocampo na MOE em pacientes com epilepsia refratária do lobo temporal, associada EMT.

MÉTODO

Foi realizado um estudo transversal, com pareamento com grupo controle. A pesquisa foi composta por dois estudos: no primeiro foram selecionados 10 pacientes com doença de Alzheimer (DA), escolhidos entre os componentes do Grupo de Alzheimer de Criciúma-SC, e daqueles com a doença diagnosticada no prontuário médico entre os residentes do Lar São Vicente de Paula de Criciúma-SC, todos com idade entre 60 e 80 anos. Foram incluídos pacientes com DA, com escores no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM) acima de 214,5, no "Teste do Desenho do Relógio"6 acima de 2, e classificação no Estadiamento Clínico das Demências (CDR)7 igual a 1. Os pacientes com DA foram avaliados por estes testes visando identificar os sujeitos com DA leve, com preservação da compreensão e de outras funções, com exceção da memória. Este cuidado deveu-se para excluir aqueles idosos que não possuíam capacidade de entendimento do teste de memória de orientação espacial. Na amostra dos controles foram incluídos 10 voluntários saudáveis, pareados em relação à amostra de pacientes com DA quanto ao sexo, idade e grau de escolaridade, e que não apresentassem históricos de patologia neurológica, recrutados dentre sujeitos oriundos da comunidade de Criciúma-SC.

A segunda parte do estudo foi desenvolvida com 43 pacientes do Programa de Cirurgia da Epilepsia (PCE) do Hospital São Lucas da PUCRS (HSL-PUCRS), sendo 23 pacientes acometidos de epilepsia refratária associada à EMT, candidatos à cirurgia para o tratamento da epilepsia, selecionados de forma consecutiva, e 20 pacientes do ambulatório de epilepsia com amígdalo-hipocampectomia seletiva (AHS), com mais de 8 meses de cirurgia, selecionados consecutivamente. Todos os pacientes com EMT possuíam diagnóstico médico de epilepsia de lobo temporal associada a EMT unilateral, com comprovação por exames complementares (vídeo-EEG, RM). A amostra foi eleita no período de abril de 2004 a dezembro de 2004, no PCE do HSL-PUCRS. Na amostra do grupo controle foram incluídos 23 voluntários saudáveis, pareados em relação aos pacientes com EMT e AHS quanto ao sexo, idade, e ao nível de escolaridade, e que não apresentassem históricos de patologia neurológica, recrutados dentre os indivíduos da comunidade de Criciúma-SC, visando proporcionar o pareamento também quanto ao nível sócio-cultural, uma vez que os pacientes do PCE eram, em sua maioria, oriundos do Estado de Santa Catarina.

Nas duas fases do estudo todos os sujeitos incluídos foram submetidos ao teste de memória de orientação espacial. O teste de memória de orientação espacial foi aplicado por dois avaliadores, após passarem por treinamento com a equipe de pesquisadores, recebendo todas as instruções e procedimentos para as suas tarefas. Um dos avaliadores aplicou o teste nos pacientes com DA e respectivo grupo controle, e o outro avaliador aplicou nos pacientes pré e pós-cirúrgicos de EMT e respectivos controles. Todos os componentes da amostra receberam as mesmas instruções para a realização do teste de memória de orientação espacial, conforme o treinamento dos avaliadores e o que consta do instrumento do teste.

Avaliação da memória de orientação espacial: desenvolvimento do instrumento – O teste de memória de orientação espacial aplicado aos indivíduos da amostra é de um instrumento inédito para humanos, e se baseou em experimentos com animais amplamente referendados pela literatura na investigação dos efeitos de lesões nos hipocampos de ratos, como os realizados por O’Keefe2,3. Este procedimento exigia a percepção de elementos visuais inseridos no espaço e a associação deles com coordenadas e orientação corporal, resultando na composição e consolidação de um mapa espacial do ambiente, através de movimentos específicos e memórias de posições de figuras, gerando escores em percentuais de acertos e erros.

No teste de memória de orientação espacial os pacientes e controles eram colocados sentados em uma cadeira, instalada no centro de uma sala sem dicas espaciais montada pelo avaliador, onde se encontravam dispostas grandes figuras geométricas na cor amarela: um cilindro, uma bola, um quadrado e um triângulo, distribuídos pela área da sala, com o cilindro defronte à cadeira, a bola à direita, o quadrado à esquerda e o triângulo atrás (Fig 1).


O avaliador apresentava os objetos aos sujeitos para que estes fizessem o reconhecimento das figuras com suas formas, denominações e posições, possibilitando a ambientação com a sala e seus elementos, associando-os entre si, suas disposições em relação a sua própria posição, e a associação de todos esses elementos visuais e disposições espaciais, possibilitando que criassem e memorizassem um mapa espacial da sala e das dicas de posição. Dividiu-se o teste em 3 fases distintas, realizando-se a primeira fase após a ambientação e associação do indivíduo com os elementos visuais dispostos na sala, retirando-se progressivamente esses elementos nas duas últimas fases.

A primeira fase era composta por 4 questões e prestava-se à análise da orientação corporal dos pacientes e controles, onde apenas era solicitado que se dirigissem para frente, esquerda, direita a para trás, sem qualquer evocação das figuras existentes na sala ou a posição delas.

A segunda fase também era composta por 4 questões. Nessa fase os pacientes e controles eram vendados para evitar momentaneamente a percepção visual e as figuras geométricas utilizadas na primeira fase, com exceção do cilindro, eram retiradas da sala, possibilitando assim que fizessem a relação do cilindro com a posição das demais figuras que foram retiradas. Uma vez sem a venda, era solicitado aos sujeitos que se dirigissem às posições das figuras, uma de cada vez, começando pelo cilindro que estava à sua frente e as demais sucessivamente. Essa avaliação exigia capacidade de associação dos pacientes e controles, pois eles precisariam utilizar o cilindro para esquematizar e memorizar a posição das demais figuras; memória espacial, para recordar as posições das outras figuras dentro da sala; e orientação espacial, a fim de conseguir orientar-se dentro da sala, de sua posição do centro para o lado direito, esquerdo e para trás.

A terceira fase possuía 8 questões. Vendava-se novamente os pacientes e controles, impedindo a percepção visual do ambiente, e o cilindro que fora mantido na segunda fase era retirado da sala. Mantendo-se a venda, era solicitado aos sujeitos que se movimentassem para frente, direita, esquerda e para trás, analisando-se novamente suas orientações corporais e possibilitando uma nova ambientação, desta vez sem a percepção visual. Ultrapassada essa nova ambientação, solicitava-se ao paciente ainda vendado que se dirigisse à posição do cilindro, da bola, do quadrado e do triângulo, exigindo-se que fizessem uso de sua memória de orientação espacial dentro do ambiente já conhecido, porém sem nenhum tipo de estímulo visual. Era necessário que eles evocassem no mapa espacial que haviam formado em sua memória a localização das figuras dentro da sala e conseguissem se orientar no espaço dentro do mapa espacial que haviam formado a partir da orientação corporal, ambientação, e dicas espaciais, para atingir o local correto das figuras em relação à sua posição inicial, sem a visão.

Todas as três fases do teste de memória de orientação espacial proposto geraram escores de acerto e erro para os pacientes e controles, num total máximo de 16 acertos, representando 100% das questões.

Os dados foram analisados: para as variáveis categóricas o teste de Fischer para amostras independentes e, para as variáveis quantitativas, foi utilizado o teste t Student, obtendo-se a estimativa para diferentes médias. A correlação dos resultados foi apurada com o teste de correlação de Pearson. O nível de significância adotado foi de 95% (p<0,05). Os dados foram analisados com auxilio do Programa "SPSS 10.0 para Windows". O projeto da pesquisa foi aprovado pela Comissão de Pesquisa e Ética em Saúde do HSL-PUCRS. Todos os indivíduos que fizeram parte deste trabalho foram esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa.

RESULTADOS

Na primeira parte do estudo foram avaliados 10 pacientes com DA e 10 voluntários saudáveis. Nos pacientes com DA a idade variou de 65 a 80 anos, com média de idade de 71,6 anos, e grau de escolaridade 2,0 anos, no grupo controle a idade variou de 65 a 80 anos, com média de idade de 72,8 anos, e grau de escolaridade 3,1 anos. Não houve diferença estatisticamente significativa nas médias de idade entre os grupos (p=0,536).

O grupo de pacientes com DA foi submetido ao teste MEEM e a média de pontos ficou em 21,10, com ponto de corte em 21 pontos, dado o nível de escolaridade da amostra. No teste do Relógio a média do escore foi 2 pontos, e na avaliação no CDR foram classificados no estágio 1 (demência inicial). Dos pacientes com DA 7 (70%) eram mulheres e 3 (30%) homens. Dos controles saudáveis havia 7 (70%) mulheres e 3 (30%) homens. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os gêneros nos diferentes grupos (p=1,00).

A Tabela 1 apresenta as médias de acerto dos controles e dos pacientes com DA, apontando superioridade dos indivíduos saudáveis e gerando diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos, p<0,001.

Na segunda parte do estudo foram avaliados 43 pacientes com epilepsia do lobo temporal associada a esclerose mesial, dos quais 20 pacientes com EMT e 23 com AHS. Também foram avaliados 23 voluntários saudáveis no grupo controle.

Dos 23 pacientes com EMT 15 (65%) apresentavam EMT à esquerda e 8 (35%) EMT à direita, sendo 13 (57%) do sexo masculino e 10 (43%) do sexo feminino. Esses pacientes apresentaram média de idade de 38,26 anos (±6,48 DP) .

Dos 20 pacientes com AHS 10 (50%) à esquerda e 10 (50%) à direita, sendo 13 (65%) do sexo masculino e 7 (35%) do sexo feminino, com média de idade de 35,06 anos (±5,58 DP). Os voluntários saudáveis avaliados como grupo controle apresentaram média de idade de 38,48 (±6,60 DP), sendo 11 (48%) do sexo masculino e 12 (52%) do sexo feminino.

Na comparação desses grupos não houve diferença estatisticamente significativa entre o gênero dos indivíduos (p>0,05).

A Tabela 2 mostra que a comparação do percentual de acertos no teste de avaliação da memória de orientação espacial entre os dois grupos apontou uma diferença significativa entre os pacientes com AHS em relação aos pacientes com EMT, com p<0,05.

A Tabela 3 mostra que o resultado também foi estatisticamente significante na comparação de acertos no teste de avaliação da memória de orientação espacial entre o grupo controle e os pacientes com AHS, gerando p<0,05.

A Tabela 4 mostra que o resultado da lateralização da EMT (direita e esquerda) nos pacientes resultou em média de acertos próxima entre os grupos no teste de avaliação de memória de orientação espacial.

A mesma situação também se apresentou quanto à lateralização da AHS no teste de memória de orientação espacial, conforme indica a Tabela 5.

DISCUSSÃO

Os resultados do teste de memória de orientação espacial proposto e aplicado confirmaram os achados da literatura quanto ao comprometimento da orientação espacial nos pacientes com DA inicial8,9. Salienta-se que esta referência ao comprometimento da orientação espacial em pacientes com DA é baseada nos relatos de história clínica quanto a dificuldade em retornar para casa, orientar-se na vizinhança ou até mesmo dentro de sua residência, além das dificuldades nos testes vísuo-espaciais. Neste trabalho criamos e empregamos um instrumento de avaliação que permitiu quantificar o comprometimento destes pacientes. Os pacientes com a DA apresentaram média de acertos baixa (48,13%), enquanto o grupo controle teve média de 89,35% (p<0,001), indicando que o teste de memória de orientação espacial proposto é sensível à identificação de déficits desse tipo de memória, servindo como sugestão de instrumento para uso clínico e científico.

Considerando que o comprometimento estrutural na DA é maior no hipocampo8,9 e que os trabalhos experimentais com ratos localizaram a função da memória de orientação espacial no hipocampo, desenvolveu-se o segundo estudo.

A comparação dos escores dos grupos constantes da amostra apontou que os controles apresentaram a menor média de acertos no teste da memória de orientação espacial. Os pacientes que apresentaram as melhores médias de acerto foram os pacientes submetidos à AHS. A comparação de seus resultados com o grupo controle gerou diferença estatisticamente significante, p<0,05.

Surpreendentemente os pacientes com EMT também obtiveram média de acertos superior aos controles, resultado que não era esperado, uma vez que esses pacientes ainda sofrem dos efeitos da epilepsia, o que deveria gerar um déficit de memória.

Acredita-se que tais resultados sejam oriundos de fatores independentes ao quadro clínico dos pacientes, decorrendo, provavelmente, em parte do fato de estarem eles habituados a realizar esses tipos de testes (alguns inclusive relacionavam o teste da memória de orientação espacial com o sub-teste cubos do WAIS-R). Esses pacientes possuem certa vivência com avaliações clínicas e neuropsicológicas, uma vez que são submetidos a grande quantidade de exames durante a internação e após a cirurgia, o que facilitaria a compreensão e a realização da avaliação. Tal situação não ocorreria com indivíduos saudáveis, inclusive, deve-se também considerar os fatores novidade e ansiedade na realização do teste de memória de orientação espacial, os quais puderam ser observados nos indivíduos do grupo controle.

Ainda, não se pode afastar o papel da amígdala nesta aparente tranqüilidade dos pacientes, eis que essa estrutura está fortemente relacionada com as emoções e medos dos indivíduos, e uma vez lesionada pela EMT ou pela intervenção cirúrgica, estariam atenuadas eventuais reações que pudessem interferir no resultado do teste. Nesta perspectiva, macacos submetidos a lesão da amígdala, poupando o córtex, demonstraram uma redução na neofobia, isto é, na exploração do novo estímulo visual10,11. Assim, uma hipótese é que os pacientes com lesão na amígdala (grupo com EMT e AHS) apresentem uma reação neofóbica menor que o grupo controle possibilitando melhores resultados no teste aplicado.

Houve diferença estatisticamente significativa entre os resultados dos pacientes com EMT e AHS no teste da memória de orientação espacial, (p<0,05).

Os resultados superiores dos pacientes com AHS frente aos pacientes com EMT no teste de memória de orientação espacial poderiam ser esperados, uma vez que, submetidos à AHS eles se encontravam mais livres de crises. A epilepsia é uma hiperexcitabilidade neuronal, que por si só compromete o funcionamento cerebral1,12-14. Porém, mesmo que o foco epileptogênico estivesse localizado em uma única área cerebral, ele acabaria influenciando no funcionamento das outras áreas cerebrais, provavelmente interferindo na memória de orientação espacial dos pacientes com EMT. Ainda, esses resultados também sugerem que a intervenção cirúrgica com a ressecção do foco epileptogênico para o tratamento da epilepsia resulte em benefícios diretos para o bom funcionamento da memória de orientação espacial dos pacientes.

A lateralização hemisférica das funções da memória de orientação espacial dos pacientes apontou médias de acertos muito parecidas entre aqueles com EMT ou AHS no hipocampo direito comparando-se com os resultados daqueles com EMT ou AHS no hipocampo esquerdo, resultando na ausência de significância estatística entre os escores. Ainda, além da não lateralização das funções de memória de orientação espacial, observou-se que os pacientes com EMT e AHS obtiveram índices de acertos muito altos no teste, indicando que a atrofia nos hipocampos, independente da lateralização, não ocasionou déficit de memória de orientação espacial, o que nos sugere que a memória de orientação espacial não é função limitada e específica dos hipocampos em humanos.

Assim, percebe-se que há uma contradição entre os estudos realizados em humanos e animais. O’Keefe e seus colaboradores3, em estudos realizados com animais, concluíram que o hipocampo dos ratos pode formar uma representação interna, um mapa cognitivo, de seu ambiente no espaço. O hipocampo do animal apresenta células piramidais e cada uma dessas células poderia auxiliar na codificação das informações sobre lugares, movimentações e posições dentro de um ambiente, de forma que estas então poderiam ser denominadas de células de localização1,3,15-17.

Em estudos com humanos, como o presente, em que todos os pacientes apresentavam EMT, pressupõe-se que as células piramidais se encontrariam comprometidas, os pacientes antes e após a retirada do hipocampo deveriam apresentar alterações de memória de orientação espacial. Porém, viu-se que este tipo de déficit não se manifestou no teste de memória de orientação espacial, o que leva a entender que a memória de orientação espacial não é função exclusiva do hipocampo, como os resultados que são apontados nos estudos com animais.

Os dados do presente trabalho são confirmados com outros estudos, como um trabalho recente que avaliou a memória vísuo-espacial de 14 pacientes com lesão no lobo temporal mesial (sendo 10 com lesão no hipocampo direito e 4 do hipocampo esquerdo) através de um programa de computador que relacionava a posição de objetos. As conclusões deste estudo apontam que não houve diferença significativa entre os resultados dos pacientes com lesão do lado direito do lobo temporal e do lado esquerdo; e os autores afirmam que a memória espacial que se mensura através da memória vísuo-espacial não é função exclusiva do lobo temporal mesial direito18.

Em outro trabalho, realizado com 20 pacientes com atrofia hipocampal e 15 controles, foi aplicada o WMS-R - Escalas de Memória Weschler Revisada (Weschler Memory Scale-R) para avaliar a memória visual. Os resultados apontaram que os pacientes com atrofia hipocampal à direita não apresentaram déficit de memória visual significativo. Já os pacientes com atrofia hipocampal à esquerda apresentaram alterações significativa de memória verbal14. Os autores concluíram que a presença de tais resultados se deveu principalmente aos tipos de testes utilizados para avaliar a memória visual, os quais provavelmente não sejam adequados para detectar as alterações de memória, ou porque a representação cortical da memória visual é difusa e bilateral19,20 o que deve ocorrer também com a memória de orientação espacial, ou ainda porque são testes facilmente verbalizados. Com relação aos resultados dos pacientes com DA, é importante salientar que embora esses pacientes tenham lesão no hipocampo, eles também apresentam lesão em outras áreas, tais como o córtex cerebral, o que provavelmente poderia no seu conjunto ser responsável pelos baixos escores na memória de orientação espacial. Assim, diante de tais estudos, e principalmente, dos resultados do presente trabalho, observou-se que em humanos provavelmente não existam células ou campos de localização como nos animais, de forma que a memória de orientação espacial dos humanos vai além do hipocampo, envolvendo outras estruturas cerebrais.

Em conclusão, o instrumento proposto para avaliar a memória de orientação espacial mostrou-se sensível à investigação de déficits de memória de orientação espacial em pacientes com DA leve. A intervenção cirúrgica (AHS), e em menor grau a EMT unilateral, propiciaram melhor desempenho dos pacientes no teste de memória de orientação espacial em relação ao grupo controle. Não se encontrou déficit de memória de orientação espacial no comprometimento unilateral do hipocampo em pacientes submetidos à AHS ou com EMT unilateral.

Recebido 10 Outubro 2005, recebido na forma final 16 Janeiro 2006. Aceito 16 Março 2006.

Ms. Lisiane Tuon - Avenida Universitária 1105 - 88806-000 Criciúma SC - Brasil. E-mail: lisiane@contato.net

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Aceito
    16 Mar 2006
  • Revisado
    16 Jan 2006
  • Recebido
    10 Out 2005
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