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Aneurisma intracraniano gigante em menino de três anos: relato de caso

Giant intracranial aneurysm in three years old boy: case report

Resumos

Aneurismas cerebrais são raros na faixa etária pediátrica. A apresentação destas lesões difere significativamente em relação á população adulta no que se refere a tamanho, localização e incidência. Relatamos caso de menimo de três anos de idade que apresentou quadro de hemorragia subaracnóidea sem história de infecções ou traumatismos prévios sendo, posteriormente, diagnosticado aneurisma gigante localizado na artéria cerebral média. Foi submetido a tratamento cirúrgico com boa evolução pós-operatória.

aneurisma intracraniano; infância; gigante; tratamento cirúrgico


Cerebral aneurysms are rare in the pediatric age group and differ from adults with aneurysms in size, localization and incidence. We report a 3-year-old boy with giant middle cerebral artery aneurysms who presented with subarachnoid hemorrhage. The patient was submitted to surgical treatment and the postoperative period was uneventful.

Intracranial aneurysm; childhood; giant; surgical treatment


Aneurisma intracraniano gigante em menino de três anos: relato de caso

Giant intracranial aneurysm in three years old boy: case report

Osvaldo Inácio de Tella JrI; João Francisco CroseraII; Marco Antonio HerculanoIII; Manoel Antonio de Paiva NetoIV

IProfessor Adjunto Livre Docente da Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e médico do Hospital Professor Edmundo Vasconcelos (HPEV), São Paulo, Brasil

IIMédico Neurocirurgião do Hospital Samaritano de São Paulo e médico do HPEV, São Paulo, Brasil

IIIProfessor Adjunto da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí e médico do HPEV, São Paulo, Brasil

IVMédico Neurocirurgião do Hospital São Paulo e médico do HPEV, São Paulo, Brasil

RESUMO

Aneurismas cerebrais são raros na faixa etária pediátrica. A apresentação destas lesões difere significativamente em relação á população adulta no que se refere a tamanho, localização e incidência. Relatamos caso de menimo de três anos de idade que apresentou quadro de hemorragia subaracnóidea sem história de infecções ou traumatismos prévios sendo, posteriormente, diagnosticado aneurisma gigante localizado na artéria cerebral média. Foi submetido a tratamento cirúrgico com boa evolução pós-operatória.

Palavras-chave: aneurisma intracraniano, infância, gigante, tratamento cirúrgico.

ABSTRACT

Cerebral aneurysms are rare in the pediatric age group and differ from adults with aneurysms in size, localization and incidence. We report a 3-year-old boy with giant middle cerebral artery aneurysms who presented with subarachnoid hemorrhage. The patient was submitted to surgical treatment and the postoperative period was uneventful.

Key words: Intracranial aneurysm, childhood, giant, surgical treatment.

Os aneurismas intracranianos são raros na infância, constituindo aproximadamente 0,5-4,6% de todos os aneurismas diagnosticados.

Menos de 5% dos aneurismas nesta faixa etária são diagnosticados antes dos cinco anos de idade1-4. Apesar da pequena incidência, ressalta-se a gravidade da doença devido a grande ocorrência de ruptura, sendo a principal causa de hemorragia subaracnóidea na infância, 40-52,1%1,5-7.

Relatamos o caso de um menino de três anos de idade com aneurisma gigante da artéria cerebral média.

CASO

Menino de três anos e oito meses de idade, foi atendido com quadro de agitação psicomotora há 12 horas, acompanhada de vômitos. Sem história prévia de trauma de parto ou de crânio, também não possuía antecedentes de doença hereditária, hipertensão arterial sistêmica, história infecciosa. No exame clínico estava normotenso, afebril, com ausculta cardiopulmonar normal e abdome sem massa palpável. O exame neurológico apresentava rigidez de nuca acentuada, agitação psicomotora, sem outros sinais focais (grau I na escala de Hunt-Hess).

Os exames laboratoriais não sugeriram presença de quadro infeccioso e as funções hepática e renal eram normais. Ultra-sonografia de abdome e ecocardiograma sem alterações. A tomografia computadorizada (TC) mostrou processo expansivo temporal direito sugestivo de aneurisma gigante com pequeno sangramento local. Angiografia digital cerebral confirmou malformação aneurismática gigante, tri-lobulada, da artéria cerebral média (Fig 1).


O paciente foi submetido a craniotomia pterional no terceiro dia após o sangramento, com clipagem do aneurisma. Foram necessários cinco minutos de clipagem temporária do seguimento M1 da artéria cerebral média e três clipes de aneurisma para oclusão total do colo. Fragmentos da parede do aneurisma foram ressecados e enviados para exame anatomopatológico que mostrou parede vascular parcialmente necrótica e ocluída por trombo sanguíneo. A evolução pós-operatória foi satisfatória, tendo alta hospitalar no 11º dia após a cirurgia. Angiografia cerebral realizada 35 dias após a cirurgia mostrou exclusão total do aneurisma, com preservação da angio-arquitetura normal (Fig 2). A TC mostrou pequena área de infarto em região de núcleos da base, porém sem repercussão clínica. Angiotomografia helicoidal, um ano após o procedimento cirúrgico, confirmou a exclusão total do aneurisma com preservação da arquitetura vascular cerebral (Fig 3).



DISCUSSÃO

A incidência de aneurismas em crianças diminui com a idade; a proporção de ruptura em pacientes com menos de 20 anos de idade é de aproximadamente 3,5%, sendo o pico de incidência na população infantil aos 15 anos de idade. Os aneurismas em crianças menores de cinco anos, como ocorrido em nosso paciente, são considerados raros e correspondem a menos de 0,1% de todos os aneurismas diagnosticados, sendo mais freqüentes nos dois primeiros anos de vida5-12. Existe predomínio do sexo masculino na infância 2-2,8/1, ao contrário do predomínio no sexo feminino observado na idade adulta1,3,5,7,13.

Quanto á localização, muitos autores concordam que a bifurcação da artéria carótida interna é a principal sítio dos aneurismas na circulação anterior, ao redor de 24-50% dos casos1,2,7. Na série de Proust, a artéria cerebral média foi o segmento mais freqüente, 36,4% dos casos. Em 50% dos pacientes a precisa localização foi o segmento M214. A freqüência de aneurismas da circulação posterior e de aneurismas gigantes permanece controversa. Enquanto Meyer et al.3 concluíram que o aneurisma gigante, maior que 25 mm, é comum na infância, outros estudos não demonstram este mesmo resultado2,7,11. Ferrante et al.15 observaram prevalência de aneurismas de tamanho grande (50%) e gigante (27%) em crianças abaixo de cinco anos de idade, ao contrário do grupo adulto, 27% e 2% respectivamente.

Reconhecidamente, aneurismas adquiridos podem ter duas etiologias: os aneurismas micóticos, decorrentes do desprendimento de êmbolos sépticos que podem produzir lesão devido ao lasceramento da lâmina elástica interna; e os traumáticos, induzidos por traumas diretos que ocasionam lesões na lâmina elástica interna e produzem dissecação em grandes artérias cerebrais. Durante o período neonatal, um trauma ao nascimento pode ser responsável por aneurismas localizados na área da incisura tentorial16. Nesses casos, os aneurismas surgem uma a duas semanas após o traumatismo, por vezes associados a fraturas cranianas, e muitas vezes não apresentam colos verdadeiros17,18. Ambos, os aneurismas micóticos e traumáticos, têm maior freqüência no segmento distal da artéria cerebral média e representam cerca de 1/3 dos casos de aneurismas cerebrais na infância19. Também são relatados aneurismas pós-procedimento neurocirúrgico e radioterapia4.

A maioria dos casos de aneurismas na infância permanece ainda com etiologia obscura; a rara incidência de aneurismas da artéria cerebral média, de aneurismas múltiplos e coexistência de hipertensão arterial sugerem uma patogênese diferente para os aneurismas na infância em relação à faixa etária adulta6,10,20. A ocorrência de um aneurisma é provavelmente o resultado da interação entre mudanças na parede do vaso e estresse hemodinâmico. Várias hipóteses de mudanças estruturais na parede do vaso têm sido relatadas na população pediátrica. Lipper et al.21 sugeriram que um grande defeito congênito na parede medial do vaso poderia ser o fator inicial dos aneurismas que ocorrem prematuramente na vida e relataram caso de criança de 19 dias de vida alteração do tecido conectivo parietal também foi postulada7. Algumas desordens do tecido conjuntivo foram associadas com aneurismas intracranianos: Elher-Danlos Tipo IV, síndrome de Marfan, neurofibromatose Tipo I e doença renal policística autossômica dominante, deficiência de colágeno tipo III, alfa1 antitripsina6,11,22-25. Relatos de necrópsias realizadas em crianças com diagnóstico de aneurismas cerebrais rotos, mostraram alta incidência de aterosclerose nas artérias intracranianas11. Não foi identificado qualquer fator predisponente à formação de aneurisma cerebral no nosso paciente.

Ostergaard e Volby7 relataram incidência de 9% de hipertensão arterial sistêmica em crianças com aneurisma cerebral. A maioria apresentava aneurismas múltiplos, sugerindo a teoria do fenômeno hemodinâmico na gênese dessa malformação arterial.

Os aneurismas na infância são usualmente sintomáticos manifestando-se principalmente por hemorragia subaracnóidea em até 95% dos casos5, 14. A sintomatologia também pode ocorrer pelo efeito de massa, com déficit neurológico, seja pela compressão ocasionada pelo aneurisma gigante ou pela formação do hematoma intracraniano (25-50% dos casos), principalmente no território da artéria cerebral média6,7,23. A incidência de anormalidades neurológicas devido ao efeito de massa dos aneurismas é mais observada nas crianças (18%) que nos adultos (2,5%)24. A TC de crânio é capaz de revelar sangramento, determinando a topografia, extensão, presença de hematomas e hidrocefalia. A angiografia cerebral, a RM e angio-ressonância são fundamentais para conclusão do diagnóstico final e a conduta terapêutica26,27. Quanto ao tratamento adequado, existem controvérsias sobre o momento cirúrgico e o tratamento do vasoespasmo7,11. Muitos autores defendem a abordagem precoce, prevenindo-se o ressangramento e o vasoespasmo6,20,26. A cirurgia realizada precocemente, como submetido nosso paciente, nos casos de sangramento por aneurismas na infância, está indicada pela melhor tolerância de cirurgia e pelo elevado risco de ressangramento na criança7,28. Além da conduta cirúrgica direta, principalmente nos aneurismas gigantes, a abordagem endovascular poderá ser indicada embora se saiba que a redução do efeito de massa pode não ser adequada11,18.

A hemorragia inicial é a causa predominante da mortalidade e morbidade. Ostergaard e Volby7 relataram índice de mortalidade de 50% quando associados a hematomas intracranianos e 26% na ausência destes; relataram também taxa de 53% de vasoespasmo observado nos angiogramas. O ressangramento é grande fator de morbidade4,12, podendo levar a piora neurológica em até 52% casos. Tem incidência maior quando comparada à população adulta14. Nosso paciente evoluiu com pequena área isquêmica em região da cabeça do núcleo caudado direito, provavelmente secundária a vasoespasmo cerebral, porém sem seqüela clínica pós-operatória.

Resultados cirúrgicos excelentes foram relatados em 63,5% a 87% dos casos3,14. Crianças são consideradas com melhor prognóstico que adultos por se acreditar que tenham maior tolerância à cirurgia, menor incidência de vasoespasmo pós-hemorragia e baixa coexistência de comorbidades como hipertensão arterial sistêmica4.

Recebido 18 Março 2005, recebido na forma final 16 Janeiro 2006. Aceito 6 Março 2006.

Dr. Osvaldo Inácio de Tella Jr. - Rua São Paulo Antigo 145 / Bloco F / Apto 11 - 05864-010 São Paulo SP - Brasil. E-mail: detella@globo.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Aceito
    06 Mar 2006
  • Revisado
    16 Jan 2006
  • Recebido
    18 Mar 2005
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