Acessibilidade / Reportar erro

Espectroscopia multivoxel com tempo de eco curto: a razão colina/N-acetil-aspartato e a graduação dos astrocitomas cerebrais

Multivoxel spectroscopy with short echo time: choline/N-acetyl-aspartate ratio and the grading of cerebral astrocytomas

Resumos

Avaliou-se a relação colina/N-acetil-aspartato (Co/NAA), obtida pela espectroscopia multivoxel com tempo de eco (TE) curto, na graduação histológica dos astrocitomas encefálicos (graus I, II e III-IV), comparando com o parênquima cerebral normal. Observou-se aumento significativo (p<0,05) das relações médias de Co/NAA nos três grupos de astrocitomas estudados em relação ao tecido normal, havendo tendência de elevação com o aumento da graduação, sem significância estatística, que correspondeu a: 0,53±0,24 no grupo controle, 1,19±0,49 no grau I, 1,58±0,65 no grau II e 5,13±8,12 no grupo de alto grau (graus III-IV). Houve aumento da relação Co/NAA em 4/5 (80%) dos pacientes com grau I, 5/6 (83%) com grau II e 10/20 (50%) com graus III e IV. Concluiu-se que a espectroscopia multivoxel com TE curto pode ser usada na discriminação entre o parênquima normal e o tecido neoplásico. Entretanto, nem todo tecido neoplásico estudado apresentou aumento da relação Co/NAA, principalmente o grupo com maior malignidade.

astrocitoma; colina; N-acetil-aspartato; ressonância magnética; espectroscopia de prótons; histopatologia


The choline/N-acetyl-aspartate (Cho/NAA) ratio, obtained by the multivoxel spectroscopy with short echo time (TE), was evaluated, in the histological grading of the brain astrocytomas (grades I, II and III-IV) in comparison with the normal cerebral parenchyma. A significant increase (p<0.05) in the average ratios of Cho/NAA was observed in the three astrocytoma groups studied in relation to normal tissue, having a tendency to increase with the increase in grading, without any statistic significance, which corresponded to: 0.53±0.24 in the control group, 1.19±0.49 in grade I, 1.58±0.65 in grade II and 5.13±8.12 in the high grade group (grades III-IV), with variation in the values encountered. There was an increase in the Cho/NAA ratio in 4/5 (80%) in grade I, 5/6 (83%) in grade II and 10/20 (50%) in grades III and IV. We conclude that multivoxel spectroscopy with short TE can be used in discriminating between normal parenchyma and neoplasm tissue. However, not all neoplasm tissue studied presented an increase in Cho/NAA, especially in the group with higher grade of malignancy.

astrocytoma; choline; N-acetyl-aspartate; magnetic resonance imaging; proton spectroscopy; histopathology


Espectroscopia multivoxel com tempo de eco curto: a razão colina/N-acetil-aspartato e a graduação dos astrocitomas cerebrais

Multivoxel spectroscopy with short echo time: choline/N-acetyl-aspartate ratio and the grading of cerebral astrocytomas

Maria de Fátima Vasco AragãoI, II; Maria Concepción García OtaduyV; Roberto Vieira de MeloIII; Hildo Rocha Cirne de Azevedo FilhoII, VI; Edgar Guimarães VictorIV; José Laércio SilvaVI; Nelson AraújoIV; Claudia da Costa LeiteV; Marcelo Moraes ValençaII

IMultimagem, Hospital Albert Sabin, Recife PE, Brasil

IIDepartamentos de Neuropsiquiatria

IIIPatologia e de IVClínica Médica da Universidade Federal de Pernambuco, Recife PE, Brasil

VDepartamento de Radiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo SP, Brasil

VIHospital da Restauração, Recife PE, Brasil

RESUMO

Avaliou-se a relação colina/N-acetil-aspartato (Co/NAA), obtida pela espectroscopia multivoxel com tempo de eco (TE) curto, na graduação histológica dos astrocitomas encefálicos (graus I, II e III-IV), comparando com o parênquima cerebral normal. Observou-se aumento significativo (p<0,05) das relações médias de Co/NAA nos três grupos de astrocitomas estudados em relação ao tecido normal, havendo tendência de elevação com o aumento da graduação, sem significância estatística, que correspondeu a: 0,53±0,24 no grupo controle, 1,19±0,49 no grau I, 1,58±0,65 no grau II e 5,13±8,12 no grupo de alto grau (graus III-IV). Houve aumento da relação Co/NAA em 4/5 (80%) dos pacientes com grau I, 5/6 (83%) com grau II e 10/20 (50%) com graus III e IV. Concluiu-se que a espectroscopia multivoxel com TE curto pode ser usada na discriminação entre o parênquima normal e o tecido neoplásico. Entretanto, nem todo tecido neoplásico estudado apresentou aumento da relação Co/NAA, principalmente o grupo com maior malignidade.

Palavras-chave: astrocitoma, colina, N-acetil-aspartato, ressonância magnética, espectroscopia de prótons, histopatologia.

ABSTRACT

The choline/N-acetyl-aspartate (Cho/NAA) ratio, obtained by the multivoxel spectroscopy with short echo time (TE), was evaluated, in the histological grading of the brain astrocytomas (grades I, II and III-IV) in comparison with the normal cerebral parenchyma. A significant increase (p<0.05) in the average ratios of Cho/NAA was observed in the three astrocytoma groups studied in relation to normal tissue, having a tendency to increase with the increase in grading, without any statistic significance, which corresponded to: 0.53±0.24 in the control group, 1.19±0.49 in grade I, 1.58±0.65 in grade II and 5.13±8.12 in the high grade group (grades III-IV), with variation in the values encountered. There was an increase in the Cho/NAA ratio in 4/5 (80%) in grade I, 5/6 (83%) in grade II and 10/20 (50%) in grades III and IV. We conclude that multivoxel spectroscopy with short TE can be used in discriminating between normal parenchyma and neoplasm tissue. However, not all neoplasm tissue studied presented an increase in Cho/NAA, especially in the group with higher grade of malignancy.

Key words: astrocytoma, choline, N-acetyl-aspartate, magnetic resonance imaging, proton spectroscopy, histopathology.

Os astrocitomas são os tumores primários mais freqüentes do sistema nervoso central (SNC). São graduados de I a IV, segundo a classificação da Organização Mundial de Saúde (OMS)1, sendo a distinção da graduação essencial para se estabelecer o prognóstico e o planejamento terapêutico. Quanto maior a graduação histológica, mais freqüente e mais rápida é a recorrência da doença e menor o tempo de sobrevida do paciente2. O exame histopatológico, após a realização de procedimentos invasivos (biópsia e cirurgia), é o padrão-ouro para a classificação e a graduação da neoplasia3. A espectroscopia de prótons por ressonância magnética (1H-ERM), realizada juntamente com a imagem por ressonância magnética (IRM), tem mostrado utilidade em avaliar a graduação tumoral, por associar informações bioquímicas às anormalidades anatômicas4,5. Assim, de maneira não-invasiva, esta técnica permitiria a graduação dos astrocitomas ainda no pré-operatório, podendo ser útil na avaliação do prognóstico e orientação do planejamento terapêutico, principalmente naqueles casos em que haveria contra-indicação de procedimentos invasivos e o diagnóstico histológico não fosse possível.

Os principais metabólitos identificados pela 1H-ERM são: N-acetil-aspartato (NAA - marcador neuronal), creatina (Cr - marcador energético), colina (Co - marcador da multiplicação celular), lipídeo-lactato (Lip-Lac - marcador da necrose e da glicólise anaeróbica) e mioinositol (mI - marcador astrocitário). Esses metabólitos fornecem informações que correspondem a alguns dos critérios histológicos usados pelo patologista para a avaliação do tecido neoplásico obtido do SNC5. Os vários trabalhos de 1H-ERM combinaram parâmetros técnicos do tempo de eco (TE) longo (que detecta os metabólitos: NAA, Cr, Co e Lip-Lac) ou curto (que detecta mais dois metabólitos: mI e glutamina-glutamato) com as técnicas de volume único de interesse (single-voxel, que adquire apenas um gráfico) ou múltiplos volumes de interesse (multivoxel, que adquire simultaneamente uma grade de múltiplos pequenos volumes de interesse contíguos, que correspondem a múltiplos espectros individuais)6,7. Nos tumores cerebrais existe, em geral, aumento da Co pela multiplicação celular, e redução do NAA pela diminuição de neurônios5,8-10. Portanto, a razão Co/NAA pode diferenciar o astrocitoma do tecido cerebral normal, sem infiltração neoplásica.

Partindo da premissa de que quanto maior o grau histológico desses tumores, maior o número de células neoplásicas e menor o número de neurônios, a relação Co/NAA poderia, também, teoricamente, diferenciar os quatro graus dos astrocitomas, por elevar-se com o aumento da graduação histológica. Todavia, a aplicabilidade das alterações do NAA e da Co na graduação dos gliomas é controversa. Tem sido observado que as áreas dos picos dos metabólitos não são necessariamente proporcionais às concentrações dos metabólitos com TE longo (>60)11. Portanto, como a maioria dos estudos foi realizada com TE longo, a correlação da Co e do NAA com a malignidade neoplásica pode não ser fidedigna8. Outra motivação importante do presente estudo baseou-se em não ter sido localizado na literatura artigo associando 1H-ERM multivoxel com TE curto para a avaliação da graduação tumoral cerebral, nem para avaliação de outras afecções do SNC.

Este estudo avaliou a relação Co/NAA, obtida pela técnica de 1H-ERM multivoxel com TE curto, na graduação histológica dos astrocitomas encefálicos, comparados com o parênquima cerebral normal no mesmo paciente e com um grupo controle de indivíduos saudáveis.

MÉTODO

A partir de estudo prospectivo foram avaliados 31 pacientes com tumor intracraniano, com idade variando entre 8 e 66 anos, no período de dezembro de 2004 a agosto de 2005, e que apresentaram os seguintes critérios de inclusão: (a) exame de IRM com imagens realizadas antes e após a administração do contraste paramagnético e 1H-ERM multivoxel com TE curto, antes dos procedimentos cirúrgicos e de radioterapia ou quimioterapia; (b) confirmação do diagnóstico de astrocitoma pelo exame histopatológico a posteriori. Não foram incluídos no estudo pacientes com diagnóstico histopatológico de astrocitoma misto.

Todos os pacientes foram submetidos a craniotomia para ressecção cirúrgica da neoplasia. O material enviado para exame histopatológico foi avaliado, segundo os critérios da OMS, por um experiente neuropatologista, não sendo possível direcionar a análise para o fragmento de tecido correspondente à região do tumor em que foi realizada a espectroscopia.

Para a realização da 1H-ERM e da IRM foi utilizado aparelho de ressonância magnética de 1,5 Tesla, modelo Signa Infinity (General Electric Healthcare, Milwaukee, WI, USA). O exame de 1H-ERM foi composto por três fases: (1) a primeira foi a aquisição dos dados brutos e das seqüências de imagem da espectroscopia; (2) a segunda foi o pós-processamento dos dados brutos para obtenção dos gráficos, numa estação de trabalho Sun 60 - Ultrasparc®, empregando-se o programa SA/GE®(General Electric Healthcare, Milwaukee, WI, USA); (3) a terceira fase foi a análise dos dados que consistiu na determinação da relação Co/NAA.

Para a realização da 1H-ERM multivoxel, utilizou-se uma imagem axial do encéfalo, ponderada em T2, como referência. Nessa imagem, localizou-se o tumor e escolheu-se a região onde foi realizada a 1H-ERM, por meio da delimitação de um volume de interesse, de tamanho suficiente para incluir a região da periferia do tumor e a contralateral ao tumor que, por imagem, era normal. A 1H-ERM multivoxel foi realizada pela técnica Press (Point-Resolved Spectroscopy), com TR=1,500 ms, TE=35 ms, espessura do volume de interesse=10 mm, campo de visão=18 cm, codificação de fase=16x16, NEX=1 e direção da freqüência ântero-posterior. Após a calibração, a seqüência de 1H-ERM teve a duração de aproximadamente 8 minutos.

Após o término da aquisição da 1H-ERM multivoxel, foram obtidas imagens pós-contraste com ponderação T1, no plano axial.

O volume de interesse escolhido (VOI) para análise das concentrações metabólicas foi sempre aquele situado na área sólida do tumor. Quando a lesão se impregnou pelo contraste, o VOI foi escolhido na região com impregnação mais homogênea, em área que não correspondeu a cisto, necrose, sangue ou calcificação. Quando a lesão não se impregnou, foi analisado o VOI da alteração da hiperintensidade no T2. Foram obtidos valores para as integrais de área do pico de Co e NAA.

Foram obtidas 1H-ERM em dois grupos-controles, sendo um grupo correspondente aos pacientes estudados (n=30) e o outro constituído de 8 voluntários normais. Nos pacientes adquiriu-se os valores das áreas dos picos da Co e NAA dos espectros contralaterais ao tumor, onde o tecido cerebral fosse normal na IRM. No caso número 31 não foi obtida 1H-ERM do tecido cerebral supostamente "normal", pois a neoplasia infiltrava ambos os hemisférios cerebrais. Nos oito voluntários normais obtiveram-se a espectroscopia em ambos os hemisférios cerebrais, utilizando-se VOI simétricos escolhidos aleatoriamente na substância branca.

Os dados foram organizados com o programa Prism versão 4.0. Empregou-se o teste estatístico de Kruskal-Wallis e o teste de comparação múltipla de Dunn, ao nível de significância de 0,05, quando o teste de Kolmorogov-Smirnov não mostrou uma distribuição normal. Do contrário usou-se o teste Anova, ou o teste t de Student.

Cada paciente ou seu responsável foi previamente informado, sobre a natureza do estudo, conforme termo de consentimento livre e esclarecido, aprovado pelo Comitê de Ética para Pesquisa em Seres Humanos do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco.

RESULTADOS

A Tabela 1 contém os dados individuais dos 31 pacientes com astrocitoma cerebral e dos 8 voluntários saudáveis. Dentre os 31 pacientes estudados, observaram-se 5 (16%) casos de astrocitoma grau I, 6 (19%) de astrocitoma grau II (Fig 1), 4 (12%) de astrocitoma grau III e 16 (51%) casos de astrocitoma grau IV (Fig 2), diagnosticados por histopatologia.



Para certificação de que a área contralateral, considerada normal nos pacientes, tinha valores normais, realizou-se comparação da relação Co/NAA do controle dos pacientes, obtida na região contralateral ao tumor que por imagem era normal (n=30), com os valores observados em ambos hemisférios no grupo dos 8 indivíduos saudáveis (n=16), não se encontrando diferença estatística (0,53±0,24 versus 0,52± 0,18, p=0,8593 no teste de t de Student).

Na Tabela 2 identifica-se uma tendência de aumento das relações médias de Co/NAA, com o aumento da graduação histopatológica dos astrocitomas que correspondeu a: 1,19±0,49 no grau I, 1,58±0,65 no grau II e 5,13±8,12 no grupo de alto grau (graus III-IV), onde foi observada uma grande variação dos valores encontrados.

A Figura 3 mostra que houve aumento significativo dos valores da relação Co/NAA observados nos três grupos estudados dos astrocitomas (graus I, II e III-IV) comparados ao grupo controle do tecido cerebral normal contralateral. Entretanto, não houve diferenças significativas entre os três grupos da graduação histológica dos astrocitomas (p>0,05) no teste de Dunn.


Foi utilizada a média (0,53) mais dois desvios padrões (2DP=0,48) dos valores encontrados no parênquima cerebral normal contralateral ao tumor (controle, n=30) para calcular o limite superior da normalidade (ponto de corte) da razão Co/NAA. A razão Co/NAA foi considerada elevada quando o valor estivesse acima de 1,01 para técnica de 1H-ERM multivoxel com TE=35 ms. Houve aumento da relação Co/ NAA em 4/5 (80%) no grau I, 5/6 (83%) no grau II e 10/20 (50%) nos graus III e IV. Em 9/11 (81,8%) dos astrocitomas de baixo grau (graus I-II) e 10/20 (50%) dos astrocitomas de alto grau (graus III-IV) foi encontrado aumento da relação Co/NAA, sem diferenças significativas entre esses dois grupos (p=0,1284, teste exato de Fisher).

Observaram-se dois comportamentos particulares na razão Co/NAA nos astrocitomas de alto grau (III-IV): (a) baixos valores (<1,5) em dez de 20 pacientes e (b) valores bastante elevados (>5) em seis de 20 pacientes, como podem ser visto na Tabela 1. No entanto, os valores mais elevados da relação Co/NAA ocorreram nos astrocitomas de alto grau (por ex.: 5,32; 5,38; 8,32; 18,5; 26,3), desde que o maior valor nos astrocitomas de baixo grau foi 2,06.

DISCUSSÃO

A classificação e a graduação dos gliomas cerebrais pela IRM convencional apresenta sensibilidade de 55% a 83% nos gliomas de alto grau, na experiência de bons neurorradiologistas9-15. Isto, em parte, pela ausência de informação sobre aspectos fisiológicos da neoplasia (i.e., microvascularidade, angiogênese, metabolismo, micronecrose e celularidade). Com a introdução da 1H-ERM alguns desses parâmetros puderam ser melhor avaliados15. Nos tumores cerebrais de origem glial existe uma proliferação das células neoplásicas em substituição às células neuronais1. Na 1H-ERM, essas alterações histopatológicas determinam o aumento da Co nos gliomas, que é atribuído ao aumento da densidade celular (devido ao metabolismo dos fosfolipídeos de membrana), e a redução do NAA que é considerado um marcador encontrado somente nos neurônios5,8-10. Teoricamente, seria de se esperar que quanto maior a malignidade tumoral, maior seria a relação Co/NAA.

Embora a habilidade do uso dos dados obtidos pela 1H-ERM, em predizer o grau histopatológico dos tumores encefálicos infiltrativos, seja um assunto de considerável controvérsia16,17, diversos grupos têm reportado sua capacidade discriminatória2,5-7,15,16,18-25. Outros autores afirmam que é impossível discriminar a graduação, caso a caso, devido à considerável sobreposição entre os níveis de metabólitos vistos nos diferentes graus tumorais8,10. Law et al.15 estudando a razão Co/NAA com 1H-ERM multivoxel com TE longo, observaram sensibilidade de 96,7%, havendo, porém, baixa especificidade (10%) para determinação de glioma de alto grau. A alta sensibilidade em identificar gliomas de alto grau seria considerada mais importante do que o encontro de uma especificidade alta, devido à freqüência relativamente mais baixa de tumores baixo grau e pelas conseqüências mais sérias dos falso-negativos.

O presente estudo utilizou a combinação da 1H-ERM multivoxel com TE curto, não sendo do nosso conhecimento a existência de estudo anterior utilizando esses parâmetros técnicos para avaliação da graduação neoplásica nos astrocitomas. Os resultados mostraram que essa combinação pode ser usada, pois reproduzem as observações de estudos prévios que relacionaram a razão Co/NAA, ou inversamente a razão NAA/Co, com a graduação histológica da malignidade da neoplasia, utilizando a técnica TE longo com multivoxel ou single-voxel10 ou TE curto com single-voxel8. No nosso estudo, a razão Co/NAA, em todos os grupos dos astrocitomas, foi significativamente mais alta do que no cérebro normal, estando de acordo com trabalhos que avaliaram essa razão, ou o inverso na análise da razão NAA/Co8,10,15.

Observou-se tendência da razão Co/NAA se elevar com o aumento da malignidade histológica, sem identificarmos diferenças significativas entre os grupos tumorais, devido a grande variação encontrada dentro de cada grau histológico, principalmente nos tumores classificados como grau III e IV8,10, ocorrendo sobreposição entre os graus dos astrocitomas.

Kim et al.26 realizaram 1H-ERM single-voxel em aparelho de ressonância magnética de 3,0 Tesla e compararam TE curto de 35 ms e longo de 135 ms (denominado de TE intermediário), não encontrando diferença estatística na relação Co/NAA entre gliomas grau II e gliomas de alto grau (III e IV), com nenhum dos TE(s) utilizados. Os valores encontrados no grau II e no alto grau foram; com TE curto 1,88±0,96 vs 2,02±0,94, e com TE longo 4,57±4,35 vs 7,09±6,69, respectivamente. Nesse estudo, diferente do nosso, não havia grupo controle nem pacientes com astrocitomas pilocíticos, sendo, também, incluídos na análise oligodendrogliomas.

Kaminongo et al.8 compararam os valores da relação NAA/Co encontrados com 1H-ERM single-voxel com TE curto e TE longo na graduação dos gliomas. Apesar de não terem encontrado diferenças significativas entre os graus tumorais, observaram que as diferenças entre as médias da razão NAA/Co foi maior com TE curto do que com TE longo.

Em nosso estudo foi identificada grande variação dos valores encontrados, com dois comportamentos particulares na razão Co/NAA nos astrocitomas de alto grau: (a) baixos valores (<1,5) em dez de 20 pacientes e (b) valores bastante elevados (>5) em seis de 20 pacientes. Portanto, isto sugere que a presença dos valores muito elevados de Co/NAA é um comportamento típico dos astrocitomas de alto grau, quando comparamos com valores altos, porém menores encontrados nos astrocitomas de baixo grau. Possivelmente, essa variação dos metabólitos dentro de uma mesma graduação seja um reflexo da heterogeneidade histopatológica dos astrocitomas, que ocorre tanto dentro de um mesmo tumor (por exemplo, um tumor grau IV apresenta áreas representativas de graus II e III, daí o nome glioblastoma multiforme)1, como também entre astrocitomas de mesma graduação em pacientes diferentes.

A presença de extensa necrose nos astrocitomas grau IV determina a queda da celularidade do tumor, e consequentemente da intensidade de sinal da Co27,28. Apesar de no presente trabalho terem sido estudadas as áreas sólidas tumorais, a existência de micronecrose pode ser o fator principal para a redução da razão Co/NAA ou aumento da razão NAA/Co observados no grau IV em estudos prévios10.

Tamiya et al.10 e Shimizu et al.27 observaram correlação, respectivamente positiva e negativa, entre as razões Co/NAA e NAA/Co com o KI-67 labing index, marcador histopatológico da proliferação celular. Entretanto, essa correlação não foi observada quando existia necrose dentro do VOI, porque apesar de haver elevação do KI-67, não existia aumento correspondente da Co27.

Não é sempre claro que critério deve ser usado na determinação do melhor valor do ponto de corte (threshold value) para a graduação dos gliomas26. No nosso trabalho foi utilizado como ponto de corte a média mais 2DP, considerando que numa amostra com distribuição normal apenas ~2,5% dos indivíduos do grupo controle apresentariam valores acima da média +2DP. As razões dos metabólitos dos gliomas e seus threshold values variaram muito entre os diversos trabalhos. Essas variações são causadas por diferenças nos parâmetros dos métodos de aquisição da espectroscopia, na localização e tamanho do VOI, número de pacientes, heterogeneidade dos tumores e fatores extrínsecos como campo magnético do aparelho de ressonância26.

As limitações observadas com 1H-ERM multivoxel com TE curto na avaliação da relação Co/NAA foram: a dificuldade de escolha do VOI e da identificação do pico do NAA. Na escolha do VOI, foi analisado o gráfico que correspondeu à área sólida, com impregnação homogênea, e que teve boa resolução dos picos dos metabólitos. Entretanto, entre os que preencheram esses critérios, a escolha foi aleatória. Assim sendo, nesse trabalho não foi escolhido, entre todos os gráficos do multivoxel, aquele metabólito que apresentasse maior alteração, ou seja, não foi avaliado o menor NAA de todos os espectros da área sólida, nem a maior Co, como foi feito por outros autores2,15,29. Law et al.15, em estudo retrospectivo, realizaram 1H-ERM multivoxel com TE longo e fizeram essa avaliação após a identificação do maior pico de Co e do menor pico de NAA de todas espectroscopias obtidas. Encontrou, assim, diferenças significativas (p<0,001) na razão Co/NAA entre glioma de baixo grau (0,60-6,80; 1,96±1,43) e alto grau (0,53-28,90; 3,22±3,65), sem, entretanto identificar diferença estatística entre gliomas anaplásicos e glioblastoma multiforme.

Outra dificuldade foi a identificação do pico do NAA devido à presença de beta-glutamina-glutamato, que está imediatamente adjacente, entre 2,05 ppm e 2,5 ppm e que só é identificada na técnica com TE curto. A presença de artefatos localizados em valores menores que 2 ppm também dificultou a identificação do NAA. Esses problemas não são encontrados quando se utiliza a técnica de 1H-ERM com aquisição simultânea de múltiplos volumes de interesse com TE longo8.

A maior vantagem da técnica que foi utilizada nesse trabalho é justamente associar as características da espectroscopia utilizando TE curto8 com a técnica multivoxel2. Permite reduzir a influência do relaxamento T2 sobre o NAA e a Co que ocorre quando se adquire o espectro com TE longo8, com a capacidade de adquirir simultaneamente uma grade de múltiplos espectros distribuídos no tecido neoplásico, na periferia da impregnação e na região contralateral normal29.

Na graduação histológica são utilizados os critérios: celularidade, atipia, mitose, proliferação vascular e necrose1. O interesse desse estudo foi focar a avaliação para a Co, que serve como marcador histológico da densidade celular e da mitose, e para o NAA, que é o marcador neuronal. Portanto, não foram avaliados os demais metabólitos espectroscópicos que têm correspondência com outros marcadores histológicos tumorais.

Futuros trabalhos deverão ser realizados, avaliando conjuntamente os outros marcadores metabólicos espectroscópicos identificados com essa técnica, dentre eles o mioinositol30 (marcador de tumor de baixo grau) e os lipídeos-lactato8,31,32 (reconhecidos marcadores da necrose presente nas neoplasias de alto grau e encontrados, também, no astrocitoma pilocítico), na tentativa de melhor estimar a graduação dos astrocitomas com 1H-ERM multivoxel com TE curto.

Em conclusão, este estudo mostrou que 1H-ERM multivoxel com TE curto pode ser utilizada na discriminação entre o parênquima normal e o tecido neoplásico, havendo aumento significativo da relação Co/NAA nos astrocitomas cerebrais. Entretanto, nem todo tecido neoplásico estudado apresentou aumento da Co/NAA, principalmente o grupo com maior malignidade (i.e., graus III-IV). Houve também tendência de elevação da razão Co/NAA com o aumento da graduação dos astrocitomas, apesar da variação dos valores encontrados, determinando a sobreposição entre os graus histológicos, possivelmente pela heterogeneidade desses tumores.

Recebido 31 Julho 2006, recebido na forma final 8 Novembro 2006. Aceito 16 Janeiro 2007.

Dra. Maria Fátima Viana Vasco Aragão - Estrada das Ubaias 332 / 1201 - 52061-080 Recife PE - Brasil. E-mail: aragao@truenet.com.br

  • 1. Cavenee WK, Furnari FB, Nagene M, et al. Diffusely infiltrating astrocytomas. In Kleihues P, Cavenee WK (Eds). Pathology and genetics of tumours of the nervous system. World Health Organization Classification Tumors (WHO). Lyon: IARC Press. 2000:10-21.
  • 2. Yang D, Korogi Y, Sugahara T, et al. Cerebral gliomas: prospective comparison of multivoxel 2D chemical-shift imaging proton MR spectroscopy, echoplanar perfusion and diffusion-weighted MRI. Neuroradiology 2002;44:656-666.
  • 3. Howe FA, Opstad KS. 1H MR spectroscopy of brain tumours and masses. NMR Biomed 2003;16:1232.
  • 4. Smith JK, Castillo M, Kwock L. MR neuroimaging: current and newer techniques I. In Castillo M (Ed). Magn Reson Imaging Clin N Am Philadelphia: Saunders, 2003:11:415-430.
  • 5. Danielsen ER, Ross B. Introduction to magnetic resonance spectroscopy. In Danielsen ER, Ross B (Eds). Magnetic resonance spectroscopy diagnosis of neurological diseases. Pasadena: Marcel Dekker, 1999:1-4
  • 6. Majos C, Julia-Sape M, Alonso J, et al. Brain tumor classification by proton MR spectroscopy: comparison of diagnostic accuracy at short and long TE. AJNR 2004;25:1696-1704.
  • 7. Meyerand ME, Pipas JM, Mamourian A, Tosteson TD, Dunn JF. Classification of biopsy-confirmed brain tumours using single-voxel MR spectroscopy. AJNR 1999;20:117-123.
  • 8. Kaminogo M, Ishimaru H, Morikawa M, et al. Diagnostic potential of short echo time MR spectroscopy of gliomas with single voxel and point-resolved spatially localized proton spectroscopy of brain. Neuroradiology 2001;43:353-363.
  • 9. Kinoshita Y, Kajiwara H, Yokota A, Koga Y. Proton magnetic resonance spectroscopy of brain tumors: an in vitro study. J Neurosurg 1994; 35:606-614.
  • 10. Tamiya I, Kinoshita K, Ono Y, Matsumoto K, Furuta T, Ohmoto T. Proton magnetic resonance spectroscopy reflects cellular proliferative activity in astrocytomas. Neuroradiology 2000;42:333-338.
  • 11. Hoshino Y, Yoshikawa K, Inouc Y, et al. Reproducibility of short echo time proton magnetic resonance spectroscopy using point resolved spatially localized spectroscopy sequence in normal human brains. Radial Med 1999;17:115-120.
  • 12. Moller-Hartmann W, Herminghaus S, Krings T, et al. Clinical application of proton magnetic resonance spectroscopy in the diagnosis of intracranial mass lesions. Neuroradiology 2002;44:371-381.
  • 13. Dean BL, Drayer BP, Bird CR, et al. Gliomas: classification with MR imaging. Radiology 1990;174:411-415.
  • 14. Knopp EA, Cha S, Johnson G, et al. Glial neoplasms: dynamic contrast-enhanced T2*-weighted MR imaging. Radiology 1999;211:791-798.
  • 15. Law M, Yang S, Wang H, et al. Glioma grading: sensitivity, specificity and predictive values of perfusion MR imaging and proton MR spectroscopic imaging compared with conventional MR imaging. AJNR 2003; 24:1989-1998.
  • 16. Burtscher IM, Skagerberg G, Geijer B, Englund E, Stahlberg F, Holtas S. Proton MR spectroscopy and preoperative diagnostic accuracy: an evaluation of intracranial mass lesions characterized by stereotactic biopsy findings. AJNR 2000;21:84-93.
  • 17. McKnight TR, von dem Bussche MH, Vigneron DB, et al. Histopathological validation of a thee-dimensional magnetic resonance spectroscopy index as a predictor of tumor presence. J Neurosurg 2002;97: 794-802.
  • 18. Bulakbasi N, Kocaoglu M, Ors F, Tayfun C, Ucoz T. Combination of single-voxel proton MR spectroscopy and apparent diffusion coefficient calculation in the evaluation of common brain tumors. AJNR 2003; 24:225-233.
  • 19. Chang YW, Yoon HK, Shin HJ, Roh HG, Cho JM. MR imaging of glioblastoma in children: usefulness of diffusion/perfusion-weighted MRI and MR spectroscopy. Pediatr Radiol 2003;33:836-842.
  • 20. Fayed N, Modrego PJ. The contribution of magnetic resonance spectroscopy and echoplanar perfusion-weighted MRI in the initial assessment of brain tumours. J Neurooncol 2005;72:261-265.
  • 21. Londonö A, Castillo M, Armao D, Kwock L, Suzuki K. Unusual MR spectroscopic imaging pattern of an astrocytoma: lack of elevated choline and high myo-inositol and glycine levels. AJNR 2003;24: 942-945.
  • 22. Majos C, Alonso J, Aguilera C, et al. Proton magnetic resonance spectroscopy (1H MRS) of human brain tumours: assessment of differences between tumours types and its applicability in brain tumour categorization. Eur Radiol 2003;13:582-591.
  • 23. Saraf-Lavi E, Bowen BC, Pattany PM, Sklar EM, Murdoch JB, Petito CK. Proton MR spectroscopy of gliomatosis cerebri: case report of elevated myoinositol with normal choline levels. AJNR 2003;24:946-951.
  • 24. Tong Z, Yamaki T, Harada K, Houkin K. In vivo quantification of the metabolites in normal brain and brain tumors by proton MR spectroscopy using water as an internal standard. Magn Reson Imaging 2004; 22:1017-1024.
  • 25. Tzika AA, Astrakas LG, Zarifi MK, et al. Spectroscopic and perfusion magnetic resonance imaging predictors of progression in pediatric brain tumors. Cancer 2004;100:1246-1256.
  • 26. Kim JH, Chang KH, Na DG, et al. 3T 1H-MR spectroscopy in grading of cerebral gliomas: comparison of short and intermediate echo time sequences. AJNR 2006;27:1412-1418.
  • 27. Shimizu H, Kumabe T, Shirane R, Yoshimoto T. Correlation between choline level measured by proton MR spectroscopy and KI-67 labeling index in gliomas. AJNR 2000; 21:659-665.
  • 28. Howe AF, Barton JS, Cudlip AS, et al. Metabolic profiles of human brain tumors using quantitative in vivo 1H magnetic resonance spectroscopy. Magn Reson Med 2003;49:223-232.
  • 29. Tedeschi G, Lundbom N, Raman R, et al. Increased choline signal coinciding with malignant degeneration of cerebral gliomas: a serial próton magnetic resonance spectroscopy imaging study. J Neurosurg 1997;87:516-524.
  • 30. Castillo M, Smithsmith J, Kwock L. Correlation of myo-inositol levels and grade of cerebral astrocitomas. AJNR 2000;21:1645-1649.
  • 31. Li X, Vignerou D, Cha S, et al. relationship of MR-derived lactate, mobile lipids, and relative blod volume for gliomas in vivo. AJNR 2005;26:760-769.
  • 32. Hwang J-H, Egnaczyk G, Ballard et al. Proton MR spectroscopic characteristics of pediatric pilocytic astrocitomas. AJNR 1998;19:535-540.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2006
  • Revisado
    08 Nov 2006
  • Aceito
    16 Jan 2007
Academia Brasileira de Neurologia - ABNEURO R. Vergueiro, 1353 sl.1404 - Ed. Top Towers Offices Torre Norte, 04101-000 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 5084-9463 | +55 11 5083-3876 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.arquivos@abneuro.org