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Alterações cardiovasculares e morte súbita nas epilepsias

Cardiovascular alterations and sudden death in epilepsy

Resumos

A epilepsia é a doença neurológica crônica grave mais comum e o fenômeno da morte súbita nas epilepsias (SUDEP) é a causa direta de morte mais importante nesta doença. A causa da SUDEP ainda é desconhecida, no entanto, alterações cardiovasculares têm sido sugeridas como os mecanismos mais comuns. Sendo assim, enfatizamos nesta revisão a relação existente entre SUDEP e alterações cardiovasculares.

epilepsia; SUDEP; alterações cardiovasculares; drogas antiepilépticas


Epilepsy is the most common neurological disorder and sudden unexpected death in epilepsy (SUDEP) is the most important direct epilepsy-related cause of death . The cause of SUDEP is still unknown, however, the most commonly suggested mechanisms are cardiac abnormalities. Based on this, in this review the relationship between SUDEP and cardiac abnormalities has been emphasized.

epilepsy; SUDEP; cardiac alterations; antiepileptic drugs


Alterações cardiovasculares e morte súbita nas epilepsias

Cardiovascular alterations and sudden death in epilepsy

Fulvio Alexandre ScorzaI; Marly de AlbuquerqueII; Ricardo Mario AridaIII; Esper Abrão CavalheiroIV

IProfessor Adjunto da Disciplina de Neurologia Experimental da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina, São Paulo SP, Brasil (UNIFESP/EPM)

IIProfessora Adjunta de Neurologia da Universidade de Mogi das Cruzes SP, Brasil (UMC)

IIIProfessor Adjunto do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM)

IVProfessor Titular da Disciplina de Neurologia Experimental da Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM)

RESUMO

A epilepsia é a doença neurológica crônica grave mais comum e o fenômeno da morte súbita nas epilepsias (SUDEP) é a causa direta de morte mais importante nesta doença. A causa da SUDEP ainda é desconhecida, no entanto, alterações cardiovasculares têm sido sugeridas como os mecanismos mais comuns. Sendo assim, enfatizamos nesta revisão a relação existente entre SUDEP e alterações cardiovasculares.

Palavras-chave: epilepsia, SUDEP, alterações cardiovasculares, drogas antiepilépticas.

ABSTRACT

Epilepsy is the most common neurological disorder and sudden unexpected death in epilepsy (SUDEP) is the most important direct epilepsy-related cause of death . The cause of SUDEP is still unknown, however, the most commonly suggested mechanisms are cardiac abnormalities. Based on this, in this review the relationship between SUDEP and cardiac abnormalities has been emphasized.

Key words: epilepsy, SUDEP, cardiac alterations, antiepileptic drugs.

O termo epilepsia se refere a um distúrbio da atividade cerebral caracterizada pela ocorrência periódica e espontânea de atividade elétrica altamente sincronizada, acompanhada de manifestações comportamentais1. Portanto, a epilepsia não é uma doença específica ou uma única síndrome, ela representa um grupo complexo de distúrbios decorrentes de funções cerebrais alteradas que podem ser secundárias a um grande número de processos patológicos2. Acredita-se que dos novos casos de epilepsia a cada ano, 30-40% dos pacientes serão refratários às atuais terapias farmacológicas e conseqüentemente, apresentarão crises epilépticas recorrentes pelo resto de suas vidas3. As crises epilépticas são fenômenos clínicos transitórios, decorrentes da descarga excessiva e sincronizada da rede neuronal. Essas crises podem surgir espontaneamente ou ser desencadeadas por situações como: febre, distúrbio eletrolítico, intoxicação, doenças degenerativas e alterações vasculares4.

Estudos da prevalência e da incidência das epilepsias encontrados na literatura apresentam índices com grande variabilidade. Têm sido descritos valores de prevalência entre 0,9 e 57 casos/1000 habitantes e de incidência entre 26 e 190 casos/100000 habitantes. No entanto, essas variações podem ser resultantes de características metodológicas diversas, tais como: utilização de diferentes critérios diagnósticos, de classificação, de diferentes métodos de seleção de casos e definições das epilepsias1,5-7. No Brasil, um estudo recente demonstrou que a prevalência das epilepsias foi 186 por 1000 habitantes8. A alta incidência das epilepsias nos países em desenvolvimento é decorrente da deficiente assistência pré-natal e maternal, alto índice de prematuridade, desnutrição, traumas durante o parto, convulsões febris da infância e de infecções, particularmente as decorrentes de parasitismo6,9. Além disso, a alta incidência e prevalência das epilepsias provocam repercussões nos aspectos sócio-econômicos10, na medida em que aumentam os custos econômicos diretos (provenientes dos gastos médicos, drogas e hospitalizações) e indiretos da doença (perda de produção econômica por desemprego, licença médica ou morte prematura)11. Agravando os problemas sócio-econômicos, o custo médio das drogas antiepilépticas é 25% mais alto que nos Estados Unidos e 145% mais alto que na Europa. Além disso, os novos fármacos antiepilépticos são 86% mais caros que nos Estados Unidos e 55% mais caros que na Europa12.

A primeira proposta para a classificação das crises epilépticas foi anunciada em 1969 por Henri Gastaut13, baseada em critérios clínicos, eletrencefalográficos, substrato anatômico, etiologia e idade de ocorrência das crises. No entanto, com a introdução de novas técnicas, exigiu-se a revisão dessa classificação proposta em 1969 por Gastaut, culminando na Classificação Internacional das Crises Epilépticas14,15

Segundo a classificação das síndromes epilépticas da Liga Internacional Contra a Epilepsia (ILAE), as crises estão divididas em generalizadas e parciais, de acordo com a região cortical de origem e com a presença ou não de alteração de consciência durante o episódio. As crises generalizadas são aquelas que as descargas epilépticas envolvem ambos os hemisférios cerebrais simultaneamente, desde o início da crise, enquanto que nas crises parciais a atividade epiléptica está limitada a uma área focal do cérebro. As crises generalizadas são ainda divididas em tônico-clônica, de ausência, mioclônica, tônica, atônica e crises clônicas. As crises parciais são divididas em parciais simples e parciais complexas (de acordo com a preservação ou alteração da consciência). As crises parciais simples podem ser subdivididas em motoras, sensitivo ou sensoriais, vegetativas ou autonômicas e psíquicas. As crises parciais complexas podem não apresentar automatismos, ou cursar com automatismos simples, complexos ou posturas distônicas14,15.

Muitos avanços ocorreram na área da epileptologia, desde que as classificações de 1981 e 1989 foram adotadas, principalmente devido aos avanços das técnicas de imagem (ressonância magnética), vídeo-eletroencefalografia e a uma melhor compreensão das bases neuroquímicas e genéticas da epilepsia. Tais mudanças motivaram a revisão do sistema de classificação. De acordo com a proposição da ILAE de 200116, mostra que a classificação é uma lista dos diferentes tipos de crises que são agora consideradas entidades diagnósticas. As crises epilépticas foram então dividas em três subgrupos: 1) crises isoladas ou autolimitadas (crises generalizadas ou crises focais), 2) crises contínuas, configurando o status epilepticus - SE (SE generalizado ou SE focal) e 3) crises reflexas, em que os fatores precipitantes podem desencadear crises focais ou generalizadas. Esta proposta ocorreu devido à necessidade de um sistema mais abrangente que viabilizasse a categorização das epilepsias sob vários aspectos17.

Em 2005, a ILAE propôs novas definições para os termos crise epiléptica e epilepsia, visando expressar o significado e as características essenciais desses dois termos. De acordo com a nova proposição, crise epiléptica é uma ocorrência transitória de sinais e/ou sintomas devido à atividade anormal excessiva ou atividade neuronal sincrônica no cérebro. Na mesma proposta, as epilepsias são definidas como um distúrbio do cérebro caracterizado pela predisposição em gerar crises epilépticas em condições neurobiológicas, psicológicas, cognitivas e conseqüências sociais dessa condição. Além disso, a caracterização de epilepsia requer a ocorrência de pelo menos uma crise epiléptica18. Também foi proposta nesta nova classificação a utilização preferencial do termo focal ao termo parcial18.

Dentre todos os tipos de epilepsias, os dados epidemiológicos mostram que a mais comum é a epilepsia do lobo temporal (ELT), que ocorre em cerca de 40% de todos os casos de epilepsias5 e é a forma mais comum nos adultos19.

A ELT é responsável por crises parciais complexas5, com correlação clínico-eletrencefalográfica bem definida, originadas nas estruturas límbicas temporais mesiais (epilepsia mesial temporal) ou na convexidade do lobo temporal (neocortical). O substrato patológico mais freqüentemente encontrado é a esclerose hipocampal que ocorre em 65% dos casos de ELT20. A esclerose hipocampal refere-se a uma perda acentuada de neurônios hilares e células piramidais no Corno de Ammon (CA), nas subregiões de CA1, CA3, e regiões do giro denteado do hipocampo21, 22, com relativa preservação das células granulares e neurônios piramidais de CA2,23-25, acompanhada de gliose26 e atrofia da formação hipocampal. No entanto, outras estruturas também estão envolvidas, como a amígdala, o giro parahipocampal e o córtex entorrinal27. Além disso, diversas alterações estruturais também podem ser encontradas isoladamente ou em associação com a esclerose hipocampal como: tumores, displasias, calcificações, malformações vasculares, entre outras28,29.

MORTE SÚBITA NAS EPILEPSIAS

O fenômeno de morte súbita nas epilepsias (SUDEP) tem sido proposto desde 191030. No entanto, para um melhor entendimento desse fenômeno, especialistas propuseram no congresso internacional sobre epilepsia e morte súbita, ocorrido em Londres em 1996, uma definição para tal evento: o óbito deve ocorrer de maneira não traumática, sem afogamento, pode ter ou não relatos de crise, excetuando-se status epilepticus, e os exames realizados após a morte não podem revelar causas anatômicas ou toxicológicas para a morte31. Apesar desta definição, muitas outras têm sido propostas e utilizadas32,33, no entanto, todas compartilham a problemática de que nem sempre é possível classificar cada caso individualmente, devido à falta de informações sobre as circunstâncias do óbito e pela dificuldade de realização de necropsias em diversos países.

A incidência da SUDEP tem sido estimada de 0,35/1000 pessoas/ano em estudos populacionais33, 0,5-1.4/1000 pessoas/ano em indivíduos com epilepsia controlada34, 3,5/1000 pessoas/ano em ensaios clínicos para epilepsias focais35, 5,9/1000 pessoas/ano em centros de referência de epilepsia36 e 9,3/1000 pessoas/ano em candidatos para tratamento cirúrgico para as epilepsias37. A incidência da SUDEP difere em diversos estudos devido a diferenças das populações estudadas, níveis de documentação e da definição da SUDEP utilizada33,38,39.

Apesar desses dados epidemiológicos, alguns estudos têm identificado possíveis fatores de risco para a SUDEP, mas até o momento, nenhum mecanismo para este fenômeno foi claramente elucidado40. Apesar destas considerações, alguns fatores podem ser considerados de risco para a SUDEP: idade35; início precoce das epilepsias41; tempo de duração das epilepsias42; não controle e freqüência das crises epilépticas42,43; tipos de crises epilépticas e regime de drogas antiepilépticas adotado44,45.

ALTERAÇÕES CARDIOVASCULARES NAS EPILEPSIAS

Como citado anteriormente, a ocorrência de morte súbita em pacientes com epilepsia não é tão rara quanto se acreditava. Apesar do mecanismo patofisiológico da SUDEP ser desconhecido, uma possível explicação é que este seja de origem cardiogênica. Dessa forma, estudos morfológicos e funcionais do coração têm sido realizados com o intuito de desvendar o fenômeno da SUDEP.

Do ponto de vista morfológico, alterações cardiovasculares têm sido demonstradas em pacientes com epilepsia que morreram subitamente. Os trabalhos nessa linha de investigação tiveram início na década de 70 e se estendem até os dias atuais. Quando necropsiado, o tecido cardíaco de pacientes com epilepsia apresenta alterações micro e macroscópicas que podem contribuir para a SUDEP, tais como: dilatação e hipertrofia cardíaca, fibrose nas paredes de pequenas artérias coronárias, atrofia dos cardiomiócitos, degeneração miofribilar, infiltração leucocitária que sugere miocardite focal e alterações morfológicas do sistema de condução cardíaco44,46-49. Frente a estes achados, especula-se que a hipoxemia repe-tida e/ou o aumento dos níveis de catecolaminas durante as crises epilépticas sejam fatores etiológicos responsáveis por tais alterações, uma vez que as mesmas também são verificadas em pacientes que evoluíram para óbito devido a cardiomiopatia isquêmica46,48,50. Além disso, algumas estratégias têm sido adotadas para detectar lesões do tecido cardíaco in vivo em pacientes com epilepsia. Para tal, algumas proteínas podem ser utilizadas como possíveis marcadores, como é o caso da troponina, cujo aumento plasmático de sua concentração pode ser considerado um importante indicador de lesão do tecido cardíaco51. Nesse sentido, Woodruff e colaboradores52, avaliando os níveis plasmáticos de troponina em 11 pacientes com epilepsia (antes e após o monitoramento das crises epilépticas), não encontraram alterações significativas nos níveis desta proteína, sugerindo dessa maneira, ausência de lesão miocárdica. No entanto, como as crises registradas nesse estudo foram de curta duração e capazes de induzir apenas uma taquicardia moderada, os autores acreditam que tais eventos não seriam suficientes para causar lesão miocárdica. Seguindo essa lógica, nosso grupo de pesquisa avaliou a concentração de troponina I em 40 pacientes com ELT refratária e que foram submetidos à ressecção cirúrgica. Nossos resultados indicam que mesmo na ausência do controle de crises após tratamento cirúrgico, os pacientes avaliados não apresentaram indícios de lesão do miocárdio, uma vez que os níveis plasmáticos de troponina I se encontraram dentro da faixa de normalidade. Apesar disso, o papel morfológico do coração na SUDEP não pode ser descartado, já que algumas lesões, embora não sendo capazes de alterar os níveis séricos de troponina I, podem ser suficientes na gênese de focos arritmogênicos53.

Do ponto de vista funcional, muitos trabalhos têm investigado possíveis alterações do sistema cardiovascular durante os períodos ictal e interictal de pacientes com epilepsia. Durante as crises epilépticas, a avaliação concomitante do EEG/ECG tem demonstrado que as crises epilépticas estão diretamente associadas com um aumento da freqüência cardíaca. Marshal e colaboradores54 avaliaram 12 pacientes que foram monitorados através de video-EEG e ECG simultaneamente, observando a ocorrência de taquicardia durante as crises epilépticas. Paralelamente, Zijlmans e colaboradores55 observaram que ocorre um aumento na freqüência cardíaca de pelo menos 10 batimentos por minuto imediatamente antes do início das crises em 93% dos pacientes e em 23% das crises (49% dos pacientes), a taquicardia precedeu o início clínico e eletrográfico das crises. Tigaran e colaboradores56 demonstraram que 40% dos pacientes com epilepsia apresentaram depressão do segmento ST durante ou logo após a crise epiléptica e um outro estudo mostrou uma lentificação do prolongamento QT simultaneamente ao aparecimento de alterações eletrográficas detectadas no EEG, sendo que essas alterações cardíacas foram mais pronunciadas nos pacientes que morreram subitamente quando comparados com os que não evoluíram para óbito57. Por outro lado, é interessante frisarmos que alguns dados clínicos sugerem o envolvimento do sistema nervoso parassimpático durante as crises epilépticas, evidenciado por bradicardia sinusal58, a qual pode ser conseqüência da apnéia registrada durante as crises59,60.

Além das alterações verificadas durante as crises epilépticas, alguns estudos têm relatado anormalidades funcionais do sistema cardiovascular em pacientes com epilepsia no período interictal. Nesse sentido, um estudo no final da década de 80 avaliou concomitantemente o EEG/ECG de 338 pacientes com epilepsia com o intuito de monitorar a presença de arritmias nos mesmos. Os autores verificaram que 5% dos pacientes apresentavam alterações do ritmo, embora essa taxa de anormalidade não difira daquelas encontradas em adultos saudáveis e assintomáticos61. Em 1993, Drake e colaboradores62 verificaram um aumento da freqüência cardíaca e da duração do prolongamento QT de 75 pacientes com epilepsia quando submetidos ao ECG, no entanto, estas alterações não se estavam fora dos padrões de normalidade. Além disso, os autores relataram que os pacientes com crises parciais complexas e crises secundariamente generalizadas apresentam uma maior freqüência ventricular e duração do intervalo QT quando comparados com indivíduos com epilepsia generalizada62. Recentemente, pesquisadores dinamarqueses utilizaram testes cardiológicos (ECG, monitorização por Holter, ecocardiografia, teste ergométrico e cintilografia miocárdica) com o intuito de avaliar possíveis alterações cardiovasculares em 23 pacientes com epilepsia refratária56. Nesse sentido, 40% dos pacientes avaliados apresentaram depressão do segmento ST, o qual foi associado com o aumento da freqüência cardíaca durante as crises epilépticas. Sendo assim, os autores concluíram que um processo de isquemia cardíaca pode ocorrer nos pacientes com epilepsia e que são refratários ao tratamento farmacológico56.

MEDICAMENTOS ANTIEPILÉPTICOS E FUNÇÃO CARDIOVASCULAR

A maioria dos estudos relaciona o fenômeno da SUDEP a eventos arritmogênicos. No entanto, diversos grupos de pesquisa têm demonstrado que os medicamentos antiepilépticos também são capazes de alterar a função cardiovascular63. Dentre todas as drogas utilizadas no tratamento das epilepsias e que possivelmente estão associadas com alterações do sistema cardiovascular, a carbamazepina ocupa um lugar de destaque. A carbamazepina aumenta o tônus simpático do sistema nervoso autônomo64, diminui a condução atrioventricular, podendo assim aumentar o risco de arritmias65, pode causar secreção inapropriada do hormônio antidiurético, desencadeando hiponatremia, fenômeno que pode estar associado com o quadro de morte súbita nas epilepsias66. Além disso, a carbamazepina foi implicada em uma série de 14 casos de SUDEP, em que 85% destes pacientes foram tratados com este fármaco67. Um trabalho recente demonstrou que a retirada abrupta de carbamazepina pode facilitar o aparecimento de SUDEP, por aumento da atividade simpática durante o sono, evidenciada por alterações nas taxas de variabilidade cardíaca68. Nessa mesma linha de raciocínio, outras drogas antiepilépticas também têm sido avaliadas. Na década de 80, demonstrou-se que a fenitoína apresenta propriedades antiarrítmicas63, no entanto, recentemente, alguns trabalhos foram realizados com o intuito de avaliar os efeitos da administração oral de fenitoína, fenobarbital e ácido valpróico sobre eventuais processos de arritmias e não foram observadas alterações no ritmo cardíaco69. Os benzodiazepínicos (ex. clonazepam) têm sido associados com o aumento do risco de morte súbita em crianças, principalmente com encefalopatias associadas70. Esse fenômeno pode estar relacionado a quadros de disfagia, infecções recorrentes do trato respiratório (por hipersecreção brônquica), refluxo gastroesofágico e aspiração, especialmente pelo aumento da salivação, um efeito colateral importante desses medicamentos71. Vale a pena salientar que os estudos que relacionam drogas antiepilépticas e SUDEP apresentam limitações, uma vez que nesses trabalhos foram avaliados somente os efeitos proporcionados pelas drogas antiepilépticas per se, sem a associação com outras drogas que eventualmente podem estar sendo utilizadas pelos pacientes, principalmente nos que são refratários à terapia farmacológica e apresentam co-morbidades psiquiátricas.

CONCLUSÕES

Juntamente com o status epilepticus, a SUDEP é a principal causa de morte entre os pacientes com e-pi-lepsia, especialmente naqueles refratários ao tratamento farmacológico. Como já salientado, a SUDEP deve estar associada com alterações da função cardiovascular. Dessa maneira, seria pertinente que, após o diagnóstico do neurologista, os pacientes com epilepsia fossem avaliados por um médico cardiologista, para que este profissional investigue a história clínica, o exame físico do sistema cardiorespiratório, a atividade elétrica e funcional do coração destes indivíduos. Sendo assim, acreditamos ser de fundamental importância à interação entre esses profissionais médicos (neurologistas e cardiologistas) no acompanhamento dos pacientes com epilepsia com maiores fatores de risco para a SUDEP, no intuito de um melhor entendimento dos fenômenos cardiovasculares responsáveis pela morte súbita nas epilepsias, visando a sua prevenção.

Recebido 13 Outubro 2006, recebido na forma final 12 Dezembro 2006. Aceito 6 Março 2007.

Dr. Fulvio Alexandre Scorza - Rua Botucatu 862 - Edifício Leal Prado / Disciplina de Neurologia Experimental - 04023-900 São Paulo SP - Brasil. E-mail: scorza.nexp@epm.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jul 2007
  • Data do Fascículo
    Jun 2007

Histórico

  • Aceito
    06 Mar 2007
  • Revisado
    12 Dez 2006
  • Recebido
    13 Out 2006
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