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Modelagem neurocomputacional do circuito tálamo-cortical: implicações para compreensão do transtorno de défi cit de atenção e hiperatividade

A neurocomputational model for the thalamocortical loop: towards a better understanding of attention deficit hyperactivity disorder

Resumos

CONTEXTO: A desatenção no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é principalmente associada à hipoatividade dopaminérgica mesocortical. Contudo, variações dopaminérgicas mesotalâmicas também afetam o controle da atenção e, possivelmente, originam alterações atencionais no TDAH. OBJETIVO: Elaboração de um modelo neurocomputacional a partir do conhecimento do funcionamento bioquímico dos sistemas dopaminérgicos mesocortical e mesotalâmico, a fim de investigar a influência dos níveis de dopamina na via mesotalâmica sobre o circuito tálamo-cortical e suas implicações nos sintomas de desatenção do TDAH. MÉTODO: Através de um conjunto de equações modelamos propriedades fisiológicas de neurônios talâmicos. A seguir, simulamos computacionalmente o comportamento do circuito tálamo-cortical variando os níveis de dopamina nas vias mesotalâmica e mesocortical. RESULTADOS: Em relação à via mesotalâmica, a hipoatividade dopaminérgica dificulta o deslocamento do foco de atenção, e a hiperatividade dopaminérgica acarreta desfocalização atencional. Quando tais situações são acompanhadas de hipoatividade dopaminérgica mesocortical, surge uma incapacidade em perceber estímulos, devido à competição sem vencedores entre regiões talâmicas pouco ativadas. A desatenção no TDAH também se origina em desequilíbrios dopaminérgicos na via mesotalâmica, que levam à focalização excessiva ou à desfocalização da atenção. CONCLUSÃO: O nosso experimento in silico sugere que no TDAH a desatenção relaciona-se com alterações dopaminérgicas, que não se restringem à via mesocortical.

neurociência computacional; circuito tálamo-cortical; via dopaminérgica mesotalâmica; atenção; transtorno de défict de atenção e hiperatividade


BAKGROUND: Inattention symptoms observed in patients with attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) are mostly related to a hipoactivity in the mesocortical dopaminergic pathway. However, mesothalamic dopaminergic variations also affect the attentional control, and possibly lead to attention alterations in ADHD. PURPOSE: Elaborating a neurocomputational model from biochemical knowledge of mesocortical and mesotalamic dopamine systems, to investigate how different levels of mesothalamic dopamine influence the thalamocortical loop, leading to some attention deficits observed in ADHD. METHOD: First, we model physiological properties of thalamic neurons with a set of mathematical equations. Next, we simulate computationally the modeled thalamocortical loop under different levels of mesothalamic dopamine, and also the mesocortical dopaminergic decrease. RESULTS: Low levels of mesothalamic dopamine hinders the attentional shift and, high levels of such neuromodulator lead to distraction. When such alterations occur together with a decrease in the mesocortical dopamine level, the attention deficit turns into incapacity of perceiving environmental stimuli, due to a no winner competition between low activated thalamic areas. Inattention in ADHD also has its origins in dopaminergic disturbs throughout the mesothalamic pathway, which enhance a high focusing or do not allow the attention focus consolidation. CONCLUSION: In ADHD, the inattention is related to dopaminergic alterations that are not restricted to the mesocortical system.

computational neuroscience; thalamocortical loop; mesothalamic dopaminergic pathway; attention; attention deficit hyperactivity disorder


ARTIGOS

Modelagem neurocomputacional do circuito tálamo-cortical: implicações para compreensão do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade

A neurocomputational model for the thalamocortical loop: towards a better understanding of attention deficit hyperactivity disorder

Daniele Q.M. Madureira; Luis Alfredo V. de Carvalho; Elie Cheniaux

Programa de Engenharia de Sistemas e Computação, Coordenação de Pesquisas em Pós-Graduação em Engenharia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro RJ, Brasil (COPPE-UFRJ)

ID.Sc, Coordenação de Matemática Aplicada, Laboratório Nacional de Computação Científica, LNCC

IID.Sc, Programa de Engenharia de Sistemas e Computação, Coordenação de Pesquisas em Pós-Graduação em Engenharia, COPPE-UFRJ

IIID.Sc, Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria da UFRJ

RESUMO

CONTEXTO: A desatenção no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é principalmente associada à hipoatividade dopaminérgica mesocortical. Contudo, variações dopaminérgicas mesotalâmicas também afetam o controle da atenção e, possivelmente, originam alterações atencionais no TDAH.

OBJETIVO: Elaboração de um modelo neurocomputacional a partir do conhecimento do funcionamento bioquímico dos sistemas dopaminérgicos mesocortical e mesotalâmico, a fim de investigar a influência dos níveis de dopamina na via mesotalâmica sobre o circuito tálamo-cortical e suas implicações nos sintomas de desatenção do TDAH.

MÉTODO: Através de um conjunto de equações modelamos propriedades fisiológicas de neurônios talâmicos. A seguir, simulamos computacionalmente o comportamento do circuito tálamo-cortical variando os níveis de dopamina nas vias mesotalâmica e mesocortical.

RESULTADOS: Em relação à via mesotalâmica, a hipoatividade dopaminérgica dificulta o deslocamento do foco de atenção, e a hiperatividade dopaminérgica acarreta desfocalização atencional. Quando tais situações são acompanhadas de hipoatividade dopaminérgica mesocortical, surge uma incapacidade em perceber estímulos, devido à competição sem vencedores entre regiões talâmicas pouco ativadas. A desatenção no TDAH também se origina em desequilíbrios dopaminérgicos na via mesotalâmica, que levam à focalização excessiva ou à desfocalização da atenção.

CONCLUSÃO: O nosso experimento in silico sugere que no TDAH a desatenção relaciona-se com alterações dopaminérgicas, que não se restringem à via mesocortical.

Palavras-chave: neurociência computacional, circuito tálamo-cortical, via dopaminérgica mesotalâmica, atenção, transtorno de défict de atenção e hiperatividade.

ABSTRACT

BAKGROUND: Inattention symptoms observed in patients with attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) are mostly related to a hipoactivity in the mesocortical dopaminergic pathway. However, mesothalamic dopaminergic variations also affect the attentional control, and possibly lead to attention alterations in ADHD.

PURPOSE: Elaborating a neurocomputational model from biochemical knowledge of mesocortical and mesotalamic dopamine systems, to investigate how different levels of mesothalamic dopamine influence the thalamocortical loop, leading to some attention deficits observed in ADHD.

METHOD: First, we model physiological properties of thalamic neurons with a set of mathematical equations. Next, we simulate computationally the modeled thalamocortical loop under different levels of mesothalamic dopamine, and also the mesocortical dopaminergic decrease.

RESULTS: Low levels of mesothalamic dopamine hinders the attentional shift and, high levels of such neuromodulator lead to distraction. When such alterations occur together with a decrease in the mesocortical dopamine level, the attention deficit turns into incapacity of perceiving environmental stimuli, due to a no winner competition between low activated thalamic areas. Inattention in ADHD also has its origins in dopaminergic disturbs throughout the mesothalamic pathway, which enhance a high focusing or do not allow the attention focus consolidation.

CONCLUSION: In ADHD, the inattention is related to dopaminergic alterations that are not restricted to the mesocortical system.

Key words: computational neuroscience, thalamocortical loop, mesothalamic dopaminergic pathway, attention, attention deficit hyperactivity disorder.

Neste trabalho, elaboramos um modelo matemático-computacional do circuito tálamo-cortical, abrangendo o funcionamento bioquímico tanto da via dopaminérgica mesocortical quanto da mesotalâmica, com o intuito de investigar como diferentes níveis de atividade da dopamina proveniente da substância negra (SN) podem afetar a formação do foco de atenção. De fato, as alterações da atenção observadas em pacientes com doença de Parkinson (DP) nos fornecem um indício de que a SN esteja envolvida no controle da atenção, uma vez que a base neurobiológica da DP consiste na neurodegeneração de neurônios dopaminérgicos do sistema nervoso (SN)1. No entanto, ao contrário do que ocorre com a DP, as origens neurobiológicas do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) não se encontram completamente elucidadas. Há teorias apontando para distúrbios tanto de ordem dopaminérgica como noradrenérgica ou serotoninérgica2. Com relação às primeiras, o enfoque mais aceito pelos pesquisadores sugere que baixos níveis da dopamina proveniente da via mesocortical seriam responsáveis pela desatenção, enquanto que o descontrole da atividade dopaminérgica nigro-estriatal estaria relacionada à hiperatividade3. Independente das origens neuroquímicas, propomos duas hipóteses antagônicas para esclarecer o fenômeno da desatenção no TDAH. Segundo a hipótese da hiperfocalização, o déficit de atenção seria decorrente da dificuldade em deslocar o foco de atenção para os diversos estímulos do ambiente. Neste caso, a presença de uma certa rigidez mental acarretaria a focalização da atenção em um determinado estímulo - externo ou interno - e o paciente não conseguiria desviar sua atenção para os demais. De forma contrária, a desatenção seria interpretada pela hipótese da desfocalização como conseqüência do excesso de deslocamento do foco de atenção. Com isso, a atenção seria direcionada, a cada momento, a um estímulo diferente, não se fixando em nenhum. A formação do foco atencional passa pelo controle do circuito tálamo-cortical, uma vez que o tálamo seleciona os estímulos externos a serem processados pelo córtex4,5. Experimentos histoquímicos realizados por Freeman et al.6, tanto em humanos como em macacos, mostraram que a SN projeta, através da via mesotalâmica, neurônios dopaminérgicos em direção a núcleos talâmicos - em particular o núcleo reticular talâmico (NRT). Com isso, a SN possivelmente afeta diretamente a atividade do circuito tálamo-cortical e, portanto, modula a maneira pela qual o foco de atenção é consolidado. Além disso, experimentos realizados por Florán et al.7 indicaram que receptores dopaminérgicos D4 inibem neurônios do NRT, em presença de cálcio e potássio. Baseados nos experimentos de Freeman et al.6 e Florán et al.7, propomos um modelo neurocomputacional que fornece uma plausível explicação de como a projeção dopaminérgica oriunda da SN afeta o funcionamento do circuito tálamo-cortical.

Tal modelo envolve um conjunto de equações descrevendo o comportamento de neurônios pertencentes ao circuito tálamo-cortical. Através de simulações computacionais dessas equações, podemos acessar os estados neuronais ao longo do tempo. Como o circuito tálamo-cortical relaciona-se com a formação do foco de atenção, a análise de seus neurônios pode ser útil para o estudo da fisiopatologia das alterações da atenção. Sendo assim, o desenvolvimento de um modelo teórico refletindo características essenciais do problema, e sua posterior simulação por computador, abre caminho tanto para a investigação de situações ainda não acessíveis experimentalmente, como para a realização de experimentos a um custo muito mais barato. O processo de modelagem envolve não somente o conhecimento profundo do sistema em questão, como também um apurado poder de síntese, para que somente os aspectos essenciais do problema sejam abarcados.

Nossas simulações refletem evidências experimentais que apontam tanto para o decréscimo como para o acúmulo de dopamina na SN em pacientes do TDAH8, além de abordar a baixa atividade dopaminérgica mesocortical3.

MÉTODO

Arquitetura e funcionamento da rede neuronal – Baseados em estudos neuroanatômicos, neuroquímicos e neurofisiológicos5,9-11 modelamos uma rede neuronal representando o circuito tálamo-cortical com a projeção da SN em direção ao NRT.

Podemos observar, na Figura 1, a arquitetura da rede, cuja dinâmica de funcionamento, também refletindo os estudos acima referenciados, será descrita a seguir.


A apresentação dos estímulos X e Y à rede acarreta a ativação de vias excitatórias e inibitórias, que dão origem à formação do foco de atenção. Uma vez estimulada, a região talâmica Tx ativa o NRT através de uma projeção glutamatérgica. Na realidade, o destino final desta via é o córtex, mas como este não é explicitamente modelado neste trabalho, tal projeção finaliza-se no NRT.

Em contrapartida, por uma via também excitatória glutamatérgica, o córtex enfatiza a ativação de Tx, enviando um colateral axônio em direção ao NRT. Este, então, inibe a região talâmica Ty situada na vizinhança de Tx, através de uma projeção GABAérgica.

O efeito final da ativação da rede tálamo-cortical pelo estímulo X consiste na excitação de uma região talâmica central, Tx, e na inibição de sua vizinhança, Ty.

O processamento cortical de um estímulo externo depende, por conseguinte, da filtragem que ocorre no tálamo. A região inibida não conseguirá propagar o estímulo sobre ela projetado, ao passo que a área talâmica possuidora de maior ativação, além de obter o processamento cortical, receberá um reforço oriundo do próprio córtex. Um foco de atenção é gerado, então, quando há algum vencedor na competição entre regiões talâmicas que disputam direito ao processamento cortical.

Como a dopamina nigral possui efeito inibitório no NRT6,7, o seu aumento gera uma diminuição na ativação dos neurônios desta região. No contexto do modelo, isso faz com que a área talâmica Ty sofra menos inibição oriunda do NRT. De maneira inversa, a diminuição da dopamina desinibe o NRT, crescendo, assim, a inibição sobre Ty. Portanto, a quantidade de dopamina enviada pela SN afeta, via NRT, o grau de focalização da atenção.

Aspectos fisiológicos – Das estruturas cerebrais envolvidas no circuito tálamo-cortical, modelamos explicitamente as regiões pertencentes ao complexo talâmico - uma área do tálamo dorsal, Tx, sua vizinhança, Ty, bem como uma região do núcleo reticular talâmico, NRT. Incorporamos somente os aspectos relacionados à fase tônica dos neurônios talâmicos.

Quanto ao córtex frontal e à SN, foram modelados através de padrões de disparos representativos de seus respectivos comportamentos neuronais. Da mesma forma representamos os estímulos externos.

Assumimos que os disparos neuronais sejam devidos à corrente de sódio, INa, a qual despolariza a célula, e à corrente de potássio, IK, que restaura o potencial da membrana celular12.

Neurônios talâmicos – Definimos, pois, um modelo de neurônio com um único compartimento, onde dendritos, soma e axônios estão concentrados, e cujo potencial elétrico é V13-15.

A membrana neuronal foi modelada como um capacitor elétrico, com capacitância CT, que integra as correntes iônicas segundo a equação:

CT= lk + lsin + II

Aqui Ik representa a corrente de potássio, Isin a corrente dendrítica induzida por ação sináptica e Il a de escoamento, que engloba correntes não modeladas.

A corrente de sódio, INa, não foi explicitamente modelada, mas seu canal iônico é representado pela função s, cujo valor unitário equivale à sua ativação. Assim,

Aqui q é um limiar de voltagem para a abertura do canal.

A resposta do neurônio é dada por r, que se identifica com a voltagem da membrana V, exceto nos instantes em que um disparo ocorre (s=1). Assumindo o pico de voltagem, Vmáx, de um potencial de ação, temos:

r = V + s (Vmáx – V)

Neurônio do NRT – A nossa explicação para a inibição dopaminérgica do NRT em presença de cálcio e potássio, evidenciada por Florán et al.7, seria que a dopamina atua nos canais de potássio dependentes de cálcio aumentando a sua condutância. Dessa forma, ocorre um aumento na saída de potássio da célula, dificultando, com isso, o disparo neuronal. Como conseqüência, a liberação de GABA é inibida.

Assim, assumimos a ação dopaminérgica sobre o canal de potássio-dependente do cálcio, cuja corrente iônica é Ic. A equação da membrana do neurônio NRT, portanto, incorpora a corrente Ic, sendo apresentada a seguir.

CNRT= Ik + Isin + Il

De fato,

Ic = gc (Ek – V)

onde EK representa o potencial de reversão, e gc a condutância, da corrente Ic.

A condutância gc sofre ação dopaminérgica, via receptor D4, e depende da concentração intracelular de cálcio, assim:

gc =

c D4* S( [Ca] )

Aqui

cé uma constante de proporcionalidade, e S([Ca]) a função que descreve o aumento da concentração de cálcio intracelular em virtude do disparo neuronal.

A ação dopaminérgica D4* reflete o aumento e o declínio da dopamina, em cada um dos N disparos pré-sinápticos que ocorreram nos instantes ti antes de t, com 1 < i < N. Então,

D4* = (t - ti)e – ( t – ti) / tpd

Aqui tpd relaciona-se ao tempo de ação da dopamina e ao grau de influência da projeção dopaminérgica.

RESULTADO

A seguir descrevemos os experimentos in silico, onde simulamos o comportamento dos neurônios talâmicos por 500 milisegundos. Em cada simulação, a dopamina proveniente da SN começa a agir aos 100ms. Nos experimentos envolvendo alteração dopaminérgica cortical, esta teve início aos 250 ms.

Foco de atenção em condições normais – Ao longo deste experimento, as projeções oriundas de X e Y estimulam Tx e Ty, respectivamente, segundo a taxa de um disparo a cada milisegundo. O NRT recebe inibição dopaminérgica da SN, que emite um disparo a cada 12 milisegundos. Finalmente, a resposta cortical às estimulações talâmicas é graduada em um disparo a cada milisegundo.

Sem a presença da dopamina, até 100 ms, a excitação do NRT é tão grande que inibe completamente a região vizinha Ty. No entanto, a inibição dopaminérgica do NRT possibilita a ativação de Ty, que passa a competir com Tx pelo processamento cortical.

Na Figura 2 observamos as freqüências de disparos dos neurônios Tx e Ty, a cada 50 milisegundos, na condição normal. Observa-se que, a partir de 100 ms, a freqüência de disparos de Tx é realmente maior que a de Ty. Isso significa que o foco de atenção se forma sobre o estímulo X. Contudo, a diferença entre tais freqüências não é tão grande, como nos primeiros 100 ms, o que indica a possibilidade de haver deslocamento do foco da atenção para o estímulo Y. Uma competição equilibrada entre X e Y é salutar por permitir que o foco da atenção se desloque por diversos estímulos. E, realmente, isso é necessário para que o processo cognitivo ocorra sem prejuízos.





Baixa atividade dopaminérgica mesotalâmica – Simulamos a diminuição da atividade dopaminérgica mesotalâmica diminuindo drasticamente a freqüência de disparos da SN, cujo intervalo entre disparos passa, então, de 12 para 30 milisegundos. Mantivemos os demais parâmetros da simulação referente à condição normal.

O nível extremamente baixo da dopamina acarreta um alto estado excitatório no NRT. Conseqüentemente, Ty é fortemente inibido.

A comparação entre os comportamentos de Tx e Ty indica um foco de atenção exacerbado sobre o estímulo projetado em Tx. Isso implica na dificuldade de deslocamento da atenção para outros estímulos: neste caso em especial, bloqueia o processamento de Y.

As freqüências dos disparos dos neurônios Tx e Ty podem ser observadas e comparadas com a situação normal, na Figura 2A.

Alta atividade dopaminérgica mesotalâmica – Neste experimento aumentamos o nível dopaminérgico através da diminuição dos intervalos entre disparos da SN - estes passaram de 12 milisegundos, relativos à condição normal, para 5 milisegundos. Os demais parâmetros não foram alterados.

O drástico aumento da atividade dopaminérgica ocasiona a total inibição do neurônio NRT. Assim, Ty torna-se completamente desinibido, apresentando freqüência de disparos idêntica a Tx.

Em termos da formação do foco de atenção, a igualdade entre as respostas dos neurônios talâmicos Tx e Ty leva a uma competição, sem vencedor, entre os estímulos X e Y. Ou seja, há uma desfocalização da atenção.

A Figura 2B apresenta as freqüências dos disparos de Tx, e Ty, a cada 50 milisegundos, tanto neste experimento quanto na condição normal.

Baixa atividade dopaminérgica mesotalâmica e mesocortical – A diminuição dopaminérgica no córtex frontal compromete os sinais que daí partem16. Sendo assim, a diminuição da dopamina cortical foi simulada, indiretamente, pelo enfraquecimento das estimulações que córtex exerce sobre Tx, NRT e Ty.

Nesta série de experimentos investigamos uma diminuição generalizada da atividade dopaminérgica, tanto na via mesotalâmica como na mesocortical. A baixa dopaminérgica mesocortical se inicia aos 250 ms.

Ajustamos os intervalos entre disparos da SN em 30 milisegundos, refletindo a diminuição da dopamina nigral. O córtex, por sua vez, passou a disparar a cada 15 ms, refletindo uma baixa atividade dopaminérgica nessa.

Tx torna-se menos ativado devido à variação da dopamina cortical. A baixa atividade dopaminérgica nigral permite a forte ativação do NRT. Mas, como a diminuição da dopamina cortical enfraquece as projeções eferentes do córtex, o NRT passa a ser menos estimulado pelo próprio córtex e também por Tx. Conseqüentemente, a baixa atividade dopaminérgica cortical atenuou a forte inibição de Ty, ocasionada pela diminuição isolada na dopamina nigral entre 100 e 250 ms. A mudança de comportamento de Ty igualou seu padrão de ativação ao de Tx e, portanto, corrompeu o mecanismo de focalização da atenção, como pode ser observado na Figura 2C

Evidenciou-se, com isso, um comprometimento no foco de atenção onde a competição entre regiões talâmicas com ativações igualmente fracas impede que algum estímulo consiga processamento cortical.

Alta atividade dopaminérgica mesotalâmica e baixa atividade dopaminérgica mesocortical – Nesta simulação, os intervalos entre disparos da SN são ajustados em 5 ms, caracterizando a alta dopaminérgica nigral máxima, a partir de 100 ms. O córtex passou a disparar spikes a cada 15 ms, após 250 ms, caracterizando a diminuição da atividade dopaminérgica cortical. A ativação de Tx se enfraquece por depender da estimulação cortical, a qual se encontra diminuída. O aumento da dopamina nigral impede o disparo de NRT, e a baixa atividade dopaminérgica cortical acentua tal inibição, trazendo o potencial da membrana para valores mais negativos. Finalmente, a mudança de comportamento do neurônio Ty decorre somente do enfraquecimento da estimulação cortical.

Ocorre, portanto, a igualdade entre as ativações de Tx e Ty, a partir de 250 ms, indicando uma competição na qual nenhum estímulo se consolida como vencedor e, portanto, não há formação do foco de atenção.

Como no experimento anterior, a comparação da freqüência desses disparos talâmicos com o comportamento de Tx em condições normais, mostrado nos primeiros 250 ms da Figura 2D, sugere uma peculiaridade presente na desfocalização: não é que a atenção se desloque por diferentes estímulos; nenhum estímulo se torna capaz de realmente ‘chamar a atenção’. A Figura 3A-E apresenta o comportamento do neurônio NRT em cada um dos experimentos descritos.


DISCUSSÃO

As simulações computacionais do nosso modelo sugerem que variações na atividade dopaminérgica da via mesotalâmica geram alterações no mecanismo de focalização realizado pelo circuito tálamo-cortical, comprometendo, assim, o processamento da atenção.

Visto que este circuito envolve áreas cerebrais relacionadas aos sintomas da desatenção no TDAH, presume-se que as alterações retratadas pelas simulações do modelo estariam presentes nas alterações de atenção existentes nesta enfermidade.

A diminuição drástica da atividade dopaminérgica nigro-talâmica origina uma exacerbada formação de foco atencional. Assim, sintomas de desatenção presentes no TDAH também seriam explicados pela incapacidade em deslocar o foco atencional para novos estímulos. Ou seja, a hipótese da hiperfocalização da atenção no TDAH seria corroborada pelos experimentos referentes à baixa atividade dopaminérgica mesotalâmica.

Os experimentos relativos ao aumento da atividade dopaminérgica nigral indicam que este tipo de alteração também pode originar sinais de déficits de atenção. Neste caso, o respaldo seria dado à hipótese da desfocalização no TDAH; ou melhor, a desatenção seria decorrente da incapacidade de fixação do foco atencional sobre algum estímulo, havendo excesso de deslocamento da atenção.

Portanto, os experimentos referentes à variação dopaminérgica nigral fornecem respaldos neurobiológicos para cada uma das explicações para a desatenção no TDAH.

Retratou-se, por outro lado, a variação da atividade dopaminérgica de forma mais abrangente nas séries de simulações onde o nível da dopamina foi alterado tanto na substância negra quanto no córtex pré-frontal.

Duas motivações orientaram a inclusão da dopamina cortical nos experimentos: a importância da participação do córtex frontal nos processos relacionados à atenção e a consolidada prática psiquiátrica em aplicar estimulantes cognitivos aos pacientes de TDAH, acarretando o aumento da dopamina na via mesocortical17. De fato, Stahl3 assume a hipótese de que os sintomas de desatenção em TDAH sejam primariamente relacionados ao déficit dopaminérgico mesocortical.

A primeira simulação realizada nesse sentido envolveu a baixa atividade dopaminérgica geral - tanto cortical como nigral. Nela, o núcleo reticular talâmico sofreu influências antagônicas por parte das projeções nigral e cortical. O efeito final constitui uma tendência à não formação de foco atencional. Observamos, porém, uma particularidade no déficit da atenção gerado: possivelmente, os estímulos não são capazes de chamar a atenção do paciente.

No experimento relativo à baixa dopaminérgica cortical em conjunto com a alta da dopamina nigral, evidenciou-se um mecanismo de sinergia, entre córtex e núcleo reticular talâmico, facilitando a desfocalização do foco atencional. Novamente, os neurônios talâmicos se encontram fraca e igualmente estimulados, indicando que os estímulos dificilmente chamarão a atenção do paciente, por não serem processados corticalmente.

Importante ressaltar que nas simulações envolvendo alterações dopaminérgicas corticais e nigrais, os neurônios talâmicos apresentaram comportamentos idênticos. Sugerindo, portanto, que em presença de baixa atividade dopaminérgica cortical, a contribuição da dopamina estriatal fica anulada.

É plausível, pois, que o TDAH envolva vários tipos de desequilíbrios dopaminérgicos - corticais e subcorticais -, onde, apesar das similaridades, cada sintoma de desatenção apresente características neuroquímicas específicas.

A dificuldade na compreensão das bases neurobiológicas do TDAH, em virtude da complexidade das vias neuroquímicas - em especial das vias dopaminérgicas - é diretamente refletida no desenvolvimento de tratamentos adequados. De fato, apesar de estimulantes cognitivos serem prescritos com o intuito de diminuir a desatenção, ainda permanecem controvérsias em relação ao seu mecanismo de ação. Alguns estudos de neuroimagem indicam que tais medicamentos alteram o metabolismo cerebral, aumentando a perfusão nos lobos frontais, no núcleo caudado e no tálamo. Por outro lado, outros trabalhos sugerem que a ação desses estimulantes não envolve efeitos diretos sobre regiões cerebrais específicas e, sim, relaciona-se com a integração e facilitação da atividade neuronal em circuitos cerebrais segregados pela estimulação ambiental17.

Finalmente, é importante observar que a modelagem neurocomputacional apresenta limitações. Em particular, o seu caráter sintético, além do fato de lidar com representações de mecanismos cerebrais - não o cérebro em si. Contudo, tal abordagem pode complementar e auxiliar a elucidar resultados provenientes de estudos experimentais.

Em resumo, o desequilíbio dopaminérgico nigral isolado pode comprometer a formação do foco de atenção por duas vias opostas: hiperfocalização, decorrente da hipoatividade dopaminérgica; ou desfocalização, em virtude da hiperatividade dopaminérgica. Quando tal descontrole passa a ser acompanhado da baixa atividade dopaminérgica cortical, a tendência à focalização ou à desfocalização transforma-se na incapacidade da percepção de estímulos, ou melhor, na impossibilidade do processamento cortical de estímulos. É plausível, portanto, que todas as distintas variações na modulação dopaminérgica do circuito tálamo-cortical, aqui investigadas, sejam substratos neurobiológicos do TDAH. Assim, foi fornecida uma hipótese para a diversidade de situações em que os déficits de atenção são observados nos pacientes com TDAH.

Recebido 25 Abril 2007, recebido na forma final 3 Julho 2007. Aceito 21 Agosto 2007.

Dra. Daniele Quintella Mendes Madureira - Laboratório Nacional de Computação Científica - Avenida Getúlio Vargas 333 - 25651-075 Petrópolis RJ - Brasil. E-mail: daniele@lncc.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2007
  • Data do Fascículo
    Dez 2007

Histórico

  • Revisado
    03 Jul 2007
  • Recebido
    25 Abr 2007
  • Aceito
    21 Ago 2007
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