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Variabilidade genética do rendimento intrínseco de grãos em germoplasma de Coffea

Genetic variability for bean outturn in Coffea germplasm

Resumos

O rendimento intrínseco do café, relação percentual entre a massa de dois grãos normais tipo chato e do respectivo fruto que os contém, foi estudado em seis grupos de germoplasma de Coffea, com o objetivo de se conhecer a variabilidade genética para essa característica. Investigou-se o rendimento intrínseco de Coffea arabica em um grupo de cinco cultivares de porte baixo, em outro contendo 22 cultivares e seleções e, ainda, em outro grupo com 79 cultivares, variedades e formas botânicas, mutantes e acessos da Etiópia. Em C. canephora, foram analisados três acessos da variedade kouilou e 10 acessos da variedade robusta. Investigaram-se ainda, outras oito espécies do gênero Coffea. Observou-se considerável variabilidade genética tanto entre representantes de C. arabica quanto de C. canephora, assim como entre as diferentes espécies do gênero Coffea. A amplitude de variação nos valores de rendimento intrínseco referente ao último grupo foi bem maior que a de qualquer outro grupo estudado. A magnitude das variações observadas e as implicações econômicas do rendimento intrínseco indicam que essa característica pode ser utilizada como um critério adicional de seleção no melhoramento de C. arabica e C. canephora.

café; grãos tipo chato; melhoramento; cultivares; polpa


The intrinsic coffee bean outturn, percent weight ratio of two normal flat beans and the respective whole fruit, was studied in six Coffea germplasm groups in order to investigate the genetic variability for this characteristic. It was evaluated in C. arabica a group of five short stature cultivars, another group composed of 22 cultivars and selections yet a third group of 79 items comprising cultivars, botanical varieties and types, mutations and accessions from Ethiopia. In C. canephora it were studied three acessions of var. kouilou and ten of var. robusta. It were investigated also eight other species of the genus Coffea. Considerable genetic variability was detected within C. arabica and C. canephora and among the other species of the genus Coffea. The range of values among the last group was much larger than in any other group investigated. The magnitude of variations and the economic implication of bean intrinsic outturn indicate that this characteristic could be used as an additional selection criterion in improvement programs aiming at the development of high yielding cultivars of C. arabica and C. canephora.

coffee; flat beans; breeding; cultivars; pulp


MELHORAMENTO GENÉTICO VEGETAL

Variabilidade genética do rendimento intrínseco de grãos em germoplasma de Coffea

Genetic variability for bean outturn in Coffea germplasm

Cristiana de Gaspari-PezzopaneI, II; Herculano Penna Medina FilhoI, III; Rita BordignonI

ICentro de Análise e Pesquisa do Agronegócio do Café 'Alcides Carvalho', Instituto Agronômico (IAC), Caixa Postal 28, 13001-970, Campinas (SP). E-mail: medina@iac.sp.gov.br; rita@iac.sp.gov.br

IICom bolsa de Pós-Graduação da CAPES

IIICom bolsa de Produtividade em Pesquisa do CNPq

RESUMO

O rendimento intrínseco do café, relação percentual entre a massa de dois grãos normais tipo chato e do respectivo fruto que os contém, foi estudado em seis grupos de germoplasma de Coffea, com o objetivo de se conhecer a variabilidade genética para essa característica. Investigou-se o rendimento intrínseco de Coffea arabica em um grupo de cinco cultivares de porte baixo, em outro contendo 22 cultivares e seleções e, ainda, em outro grupo com 79 cultivares, variedades e formas botânicas, mutantes e acessos da Etiópia. Em C. canephora, foram analisados três acessos da variedade kouilou e 10 acessos da variedade robusta. Investigaram-se ainda, outras oito espécies do gênero Coffea. Observou-se considerável variabilidade genética tanto entre representantes de C. arabica quanto de C. canephora, assim como entre as diferentes espécies do gênero Coffea. A amplitude de variação nos valores de rendimento intrínseco referente ao último grupo foi bem maior que a de qualquer outro grupo estudado. A magnitude das variações observadas e as implicações econômicas do rendimento intrínseco indicam que essa característica pode ser utilizada como um critério adicional de seleção no melhoramento de C. arabica e C. canephora.

Palavras-chave: café, grãos tipo chato, melhoramento, cultivares, polpa.

ABSTRACT

The intrinsic coffee bean outturn, percent weight ratio of two normal flat beans and the respective whole fruit, was studied in six Coffea germplasm groups in order to investigate the genetic variability for this characteristic. It was evaluated in C. arabica a group of five short stature cultivars, another group composed of 22 cultivars and selections yet a third group of 79 items comprising cultivars, botanical varieties and types, mutations and accessions from Ethiopia. In C. canephora it were studied three acessions of var. kouilou and ten of var. robusta. It were investigated also eight other species of the genus Coffea. Considerable genetic variability was detected within C. arabica and C. canephora and among the other species of the genus Coffea. The range of values among the last group was much larger than in any other group investigated. The magnitude of variations and the economic implication of bean intrinsic outturn indicate that this characteristic could be used as an additional selection criterion in improvement programs aiming at the development of high yielding cultivars of C. arabica and C. canephora.

Key words: coffee, flat beans, breeding, cultivars, pulp.

1. INTRODUÇÃO

Uma importante característica econômica no melhoramento do cafeeiro é o rendimento, ou seja, a relação entre a massa de café maduro ou seco e o de café beneficiado. Na prática, os produtores se referem ao rendimento ou renda do café como a proporção entre a "palha" que sobra do beneficiamento do fruto inteiro e o resultante "café limpo". Em C. arabica essa proporção em massa varia normalmente entre 45% e 55% (KRUG et al., 1965). O rendimento, assim estimado, sofre considerável influência da quantidade de frutos-bóia, os quais são desprovidos de grãos ou que contém apenas um grão tipo chato e também da quantidade de frutos que contém um grão moca (VACCARELLI et al., 2003).

Entretanto, o rendimento aqui estudado e denominado rendimento intrínseco(1 1 H.P. Medina Filho; R. Bordignon. (dados não publicados) 2 L.C. Fazuoli (Informação pessoal). 3 C. Gaspari-Pezzopane; H.P. Medina Filho; R. Bordignon; W.J. Siqueira; P. Mazzafera (dados não publicados) ) refere-se somente à relação percentual entre a massa seca de dois grãos normais tipo chato e a massa seca do respectivo fruto contendo esses dois grãos. Livre das grandes variações devido aos frutos-bóia e às sementes do tipo moca, exprime uma relação mais acurada entre a massa de grãos e as demais estruturas do fruto que os contém. Presumivelmente, esse parâmetro seria de maior valia para indicar as diferenças existentes entre materiais genéticos distintos.

As principais espécies de Coffea no mercado mundial são C. arabica, originária da Etiópia, Sudão e Quênia e C. canephora, oriunda de regiões tropicais e subtropicais do continente africano (LEBRUN, 1941; CHEVALIER, 1947; CHARRIER, 1978). C. arabica, conhecida genericamente como café arábica, é responsável por 75% da produção comercializada e preferida devido à melhor qualidade de sua bebida. C. canephora, conhecida como café robusta, contribui com 25% desse mercado, tendo ampla utilização na indústria de café solúvel e em blends com café arábica, visando à redução no preço do produto final.

No gênero Coffea existem outras 80 ou mais espécies, sendo 25 provenientes do continente africano e 55 de Madagascar e Ilhas Mascarenhas (BRIDSON, 1982; 1987; 1994; Bridson e Verdcourt, 1988). Tais espécies, embora não apresentem expressão comercial, são importantes para o melhoramento genético, pois se constituem em reservas gênicas de resistência às pragas, doenças e condições adversas de ambiente (MEDINA FILHO et al., 1984; CARVALHO e FAZUOLI, 1993). C. arabica, com 2n=4x=44 cromossomos é a única espécie poliplóide do gênero, sendo as demais, diplóides com 22 cromossomos. C. canephora é alógama e apresenta auto-incompatibilidade gametofítica (CONAGIN e MENDES, 1961; BERTHAUD, 1980), enquanto C. arabica multiplica-se predominantemente por autofecundação, com taxa de fecundação cruzada ao redor de 10% (CARVALHO e MÔNACO, 1962).

As outras espécies são alógamas e, em grande maioria, auto-incompatíveis. Sendo C. arabica autógama, a variabilidade genética entre as plantas não é alta devido ao fato de as cultivares terem sido desenvolvidas, na maioria dos casos, pelo método genealógico. Como C. canephora é auto-incompatível apresenta, em geral, maior variabilidade genética, sendo as cultivares constituídas de mistura de progênies de meios-irmãos. Cultivadas em larga escala no Estado do Espírito Santo, as recentes cultivares selecionadas pela INCAPER são, entretanto, constituídas por cerca de dez clones propagados vegetativamente. Nas outras espécies de Coffea, a variabilidade genética é mais elevada, por serem alógamas e não terem passado pelo processo de melhoramento e seleção.

O objetivo deste trabalho foi investigar a característica rendimento intrínseco em diferentes germoplasmas de C. arabica, C. canephora e de espécies silvestres do gênero Coffea do Banco de Germoplasma do Instituto Agronômico (IAC).

2. MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Germoplasmas analisados

O rendimento intrínseco (RI) foi estudado em seis grupos independentes de materiais genéticos, em 2001, descritos a seguir:

Grupo 1: Cultivares de C. arabica de porte baixo – Centro Experimental Central (CEC), Campinas

Nesse primeiro grupo, foram estudadas as cultivares de porte baixo Catuaí IAC 81, Catuaí IAC 144, Obatã IAC 1669-20, Tupi IAC 1669-33 e Ouro Verde IAC H5010-5, mantidas em um lote no Centro Experimental Central (CEC) do Instituto Agronômico (IAC), em Campinas. Em cada cultivar, coletaram-se 100 frutos de quatro plantas na posição mediana, face Norte, sendo os valores de RI analisados no delineamento inteiramente casualizado.

Grupo 2: Cultivares e seleções de C. arabica – Fazenda Monte D'Este

Na Fazenda Monte D'Este, localizada em Campinas, seleções de diversas cultivares de porte alto e de porte baixo são mantidas em um campo experimental homogêneo e com produções controladas, visando a observações comparativas. Em cada uma das 22 cultivares e seleções relacionadas na Tabela 1 foram colhidos um total de 100 frutos, amostrando-se quatro plantas inteiras. Os resultados de RI foram analisados segundo o delineamento inteiramente casualizado.

Grupo 3: Variedades e formas botânicas, híbridos, acessos e mutantes de C. arabica – coleção no CEC

Variedades e formas botânicas, mutantes e acessos de C. arabica da Etiópia, representando grande diversidade genética da espécie, são mantidos em uma coleção viva no CEC. Nesse lote, 100 frutos da planta toda foram coletados em uma planta de cada um dos 79 acessos estudados (Tabela 2). Os resultados do RI foram analisados de acordo com o delineamento inteiramente casualizado.

Grupo 4: Seleções de C. canephora var. kouilou – Banco Ativo de Germoplasma (BAG) no CEC

Foram coletados 100 frutos em uma planta inteira das coleções IAC 66, IAC 67 e IAC 68 da variedade kouilou de C. canephora, oriundas do Estado do Espírito Santo, mantidas no BAG do CEC em Campinas. Na análise dos dados, considerou-se o delineamento inteiramente casualizado.

Grupo 5: Acessos de C. canephora – Ensaio no CEC

Foram investigados dez acessos de C. canephora oriundos do Ceilão, mantidos em condições de experimentação no CEC, em Campinas, relacionados na Tabela 12. Coletaram-se 100 frutos em cada uma das duas plantas de cada acesso sendo as amostras constituídas da mistura de frutos da planta toda. Considerou-se para análise dos dados o delineamento hierárquico totalmente aninhado, e os frutos em cada planta, o fator de aninhamento.

Grupo 6: Espécies de Coffea – BAG no CEC

As seguintes espécies presentes no BAG do Instituto Agronômico de Campinas e depositadas em Herbário foram avaliadas: C. liberica var. liberica 38414; C. liberica var. dewevrei 29; C. klainii 42265; C. dybowiskii 38413; C. eugenioides 42276; C. stenophylla 42277; C. salvatrix 42278; C. racemosa 42279; C. congensis 42280; C. kapakata 42282; C. canephora cv. Guarini 38462. Reflexo da diversidade genética desses materiais, a época de maturação é bastante variável. Por essa razão, frutos cereja foram coletados à medida que amadureciam, nas várias partes e faces das plantas, até completarem um total de 100 frutos. Os dados foram analisados pelo delineamento inteiramente casualizado.

2.2 Preparo dos frutos para obtenção do rendimento intrínseco

Foram coletados frutos em lotes experimentais e coleções adultas, com idades, espaçamentos e tratos culturais diversos, porém uniformes em cada grupo analisado.

Frutos no estádio de maturação cereja foram colhidos na safra de 2001, secos em terreiro pavimentado e padronizados a 12% de umidade após ficarem aproximadamente 30 dias em sala com ar condicionado. O monitoramento da padronização da umidade foi obtida por pesagens sucessivas de amostras extras de frutos, secas em estufa a 105 °C durante 24 horas.

Ao atingirem 12% de umidade, os frutos de cada tratamento foram acondicionados hermeticamente até o momento da avaliação do rendimento quando, cada fruto foi pesado individualmente e, a seguir, seus grãos removidos e pesados, tendo sido considerados somente os frutos contendo dois grãos normais tipo chato. O rendimento intrínseco (RI) foi obtido pela fórmula RI = massa de dois grãos tipo chato/massa total do fruto seco) x 100. O número de frutos colhidos em cada germoplasma de um mesmo grupo foi o mesmo. Entretanto, o número final considerado para as análises, parâmetros estatísticos e confecção dos gráficos de caixa foi variável, pois somente foram considerados o rendimento daqueles frutos, contendo dois grãos normais tipo chato, e descartados os frutos com grão moca ou com uma ou duas lojas vazias.

2.3 Parâmetros e análises estatísticas

Visando ilustrar a variabilidade dos diversos materiais e amostras estudadas obtiveram-se, com o auxilio do programa estatístico MINITAB (2000), versão 13, além das análises de variância e intervalos de confiança da média (Tukey a 95%; a=0,05), os desvios-padrão, coeficientes de variação experimental e gráficos de caixa mostrando a distribuição dos valores. Nos gráficos de caixa utilizados para melhor visualização dos resultados, constam a média, mediana, quartis (Q) e valores discrepantes (Figura 1). Conforme o grupo de experimento estudado, os delineamentos experimentais utilizados foram o inteiramente casualizado (DIC), considerando cada fruto uma repetição ou o hierárquico com dados totalmente aninhados (DHTA). Nesse último caso, considerou-se cada fruto como amostra dos respectivos tratamentos, com efeitos aleatórios, sendo os resultados analisados e estatisticamente testados, com base nos respectivos componentes de variância de cada delineamento.


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Grupo 1: Cultivares de C. arabica de porte baixo - CEC

As cinco cultivares de porte baixo mostraram rendimentos intrínsecos significativamente diferentes (Tabelas 3 e 4; Figura 2). A maior diferença entre as cultivares desse grupo foi de 9,5%. As cultivares Obatã IAC 1669-20 e Tupi IAC 1669-33 apresentaram valores de rendimento próximos (45,5% e 46,6% respectivamente), mais baixos se comparados aos de Catuaí Vermelho (IAC 144 e IAC 81) e Ouro Verde H 5010-5, sendo a última, a de mais alto rendimento (55%). As cultivares Obatã e Tupi são geneticamente bastante relacionadas entre si, possuindo origem comum de um "Sarchimor" (FAZUOLI et al., 1999). As duas cultivares de Catuaí Vermelho são geneticamente muito relacionadas e também apresentaram valores bem mais próximos entre si que entre as demais cultivares. A cultivar Ouro Verde IAC H 5010-5, derivada de um cruzamento de uma linhagem de Catuaí Amarelo com a cv. Mundo Novo IAC 515-20 (FAZUOLI et al., 2000) é, geneticamente, a menos relacionada às demais desse grupo e a mais discrepante, com o mais alto rendimento (55%). Esses resultados vem indicar a importância da constituição genética na característica rendimento intrínseco.


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3.2 Grupo 2: Cultivares e seleções de C. arabica – Fazenda Monte D'Este

Os resultados da avaliação do rendimento nas várias cultivares e seleções de C. arabica obtidas do campo experimental na Fazenda Monte D'Este, em Campinas, são apresentados nas Tabelas 5 e 6 e Figura 3.


A cultivar Tupi IAC 4096, as seleções Broto Bronze e Broto Verde de 'Icatu Amarelo IAC 2944' apresentaram os menores rendimentos, com valores de 48,5; 49,9 e 49,4 respectivamente. Os maiores rendimentos foram observados na cultivar Mundo Novo IAC 388-17-1, Catuaí Vermelho IAC 46 e Icatu Amarelo IAC 2944 seleção 7A, com valores de 58,5; 58,9 e 57,8% respectivamente. Essas diferenças são, em grande parte, devido às diferenças genéticas existentes entre os materiais, sendo interessante notar o fato de as seleções Broto Bronze e Broto Verde de "Icatu Amarelo" terem mostrado valores de rendimentos, muito semelhantes, estatisticamente não significativos e, serem também materiais geneticamente muito relacionados, pois se tratam de progênies irmãs que, por estarem segregando para coloração das folhas novas, foram selecionadas na geração anterior (2 1 H.P. Medina Filho; R. Bordignon. (dados não publicados) 2 L.C. Fazuoli (Informação pessoal). 3 C. Gaspari-Pezzopane; H.P. Medina Filho; R. Bordignon; W.J. Siqueira; P. Mazzafera (dados não publicados) ).

Outros casos com genealogia e rendimentos bastante semelhantes são os das seleções Catucaí Vermelho MAPA (55,3%) e Catucaí Amarelo MAPA (56,3%), Catuaí Amarelo IAC 47 (55,1%), Catuaí Amarelo IAC 62 (56,3%) e Catuaí Amarelo IAC 100 (55,9%) e das seleções 'Icatu Vermelho' IAC 4041, IAC 4043, IAC 4045 e IAC 4046 que variaram de 53,9% a 56,7%, com diferenças também não significativas. Por outro lado, diferenças significativas foram observadas entre os rendimentos das cultivares Icatu Amarelo IAC 2944-6 (54,1%) e Icatu Amarelo IAC 2944-7A (57,8%) com marcantes diferenças verificadas entre o Catuaí Vermelho IAC 81 (53,7%) e o Catuaí Vermelho IAC 46 (58,9%).

Merecem destaque sob o aspecto genético, portanto, tanto as similaridades quanto as diferenças de rendimento intrínseco observadas entre as várias cultivares e seleções bastante relacionadas genealogicamente. Esse fato vem indicar, por um lado, a fidelidade esperada na expressão genética deste caráter e, por outro, sua relação com uma possível segregação dos genes responsáveis por essa característica. Essas observações sugerem ser, o rendimento intrínseco, uma característica passível de seleção e, talvez, de caracterização de cultivares, haja vista a amplitude de 9,5% nos valores observados entre as 22 cultivares e seleções investigadas nesse grupo experimental.

3.3 Grupo 3: Variedades e formas botânicas, híbridos, acessos e mutantes de C. arabica – Coleção no CEC

Observou-se que existe ampla variabilidade entre os materiais desse grupo, tendo sido obtidos valores entre 42% a 64% (Tabelas 2, 7 e 8 e Figura 4). As variedades botânicas comercialmente cultivadas mostraram rendimentos intermediários, entre 47,0% a 56,9%. Os mais altos rendimentos, acima de 58%, foram observados em Nacional (59,3%), 1109-3 (60,2%), 1142-1 (63,9%), Anômala (60,2%), Abramulosa (63%), Híbrido de Timor (58,4%), Cera (58,1%) e Abissínica (59,6%), notando-se que todos são pouco produtivos.


Entre os de mais baixo rendimento, na faixa de 42,3% a 46,1%, estão BA 27 (49,9%), Icatu Vermelho (44,7%), Polisperma (43,6%), Icatu Caturra (43,2%), Catimor (46,1%) e Macrodiscus (42,3%). Entre esses últimos, Polisperma e Macrodiscus são mutantes que têm, especificamente, as características dos frutos afetadas. Os demais compreendem acessos e formas antigas de variedades cuja única semelhança é o fato de terem remotamente, na genealogia, origem em uma hibridação interespecífica, no caso BA 27 de C. liberica var. liberica e Icatu Vermelho, Icatu Caturra e Catimor de C. canephora. Note-se que C. liberica var. liberica e C. canephora foram as espécies que apresentaram, respectivamente, os mais baixos e os mais altos rendimentos intrínsecos (Tabela 14).

Entre os derivados de C. canephora, espécie de alto rendimento, encontram-se representantes de baixo rendimento como duas da cv. Icatu e uma da Catimor e também de alto rendimento como o Híbrido de Timor. É, entretanto, alvo de maiores conjecturas o fato de o Híbrido de Timor ser o de mais alto rendimento e possuir a maior proporção de genoma de C. canephora.

3.4 Grupo 4: Seleções de C. canephora var. kouilou – BAG no CEC

A variedade kouilou de C. canephora foi introduzida do Estado do Espírito Santo no IAC há mais de 50 anos. Constitui-se na principal cultivar de café do tipo robusta cultivada no Brasil. Naquele Estado, foi submetida a vários ciclos de seleção, porém, é comum ainda, lavouras antigas dessa cultivar apresentando considerável variabilidade para características dos frutos e grãos, resistência à ferrugem (Hemileia vastatrix), porte, perfilhamento e facilidade de enraizamento.

Entre os três acessos investigados, a seleção IAC 66 foi a de menor rendimento (57,8%) e o maior (61,3%) observado na seleção IAC 68 (Tabelas 9 e 10 e Figura 5). Esses valores são relativamente altos quando comparados aos cafés do tipo arábica e corroboram o que se conhece na prática de que o café robusta "rende" mais que o café arábica. CRAMER (1957), CAPOT (1972) e VENEZIANO (1993) mencionam também o superior rendimento em coco/beneficiado do café robusta em relação ao café arábica.


A variação de 3,6% no rendimento médio entre as três seleções da variedade kouilou de C. canephora reflete pequena, mas significativa diferença genética entre elas.

3.5 Grupo 5: Acessos de C. canephora – Ensaio no CEC

Entre os 10 acessos de C. canephora var. robusta, verificou-se variação de 48,4% a 61,9%, diferença de 13,6% nos valores para rendimento intrínseco, o que ilustra a considerável variabilidade existente nesse material (Tabelas 11 e 12; Figura 6).


3.6 Grupo 6: Espécies de Coffea – BAG no CEC

Conforme os resultados apresentados nas Tabelas 13, 14 e na Figura 7, em que são analisados representantes de 10 espécies diplóides de Coffea do Banco de Germoplasma do IAC, verifica-se existir grande variabilidade para o rendimento intrínseco entre as espécies. Foram obtidos valores entre 30,2% e 61,3%. Essa diferença de 31,1% entre os representantes desse grupo foi maior que entre os representantes de todos os outros grupos aqui investigados. C. liberica var. liberica apresentou o menor rendimento intrínseco, devido à grande espessura da casca. Os representantes dessa espécie no BAG têm frutos verdes, grandes, com um pericarpo visivelmente espesso.


3.7 Considerações finais

A análise geral dos diversos grupos investigados revela que quanto maior a diversidade e o número de genótipos de cada grupo estudado, maiores foram as diferenças significativas observadas entre os valores de rendimento intrínseco. Observou-se ampla variabilidade genética, tanto em C. arabica quanto em C. canephora, sendo os valores dessa última, bem superiores aos da primeira. Em C. arabica, os valores de rendimento intrínseco observados no extenso germoplasma estudado não revelou associação desta característica com níveis de produtividade, qualidade da bebida ou resistência à ferrugem dos diversos materiais, haja vista existirem representantes contrastantes para rendimentos intrínsecos e para todas essas características. As diferenças entre os valores das várias espécies do gênero Coffea, foram bem maiores que aquelas referentes aos germoplasmas de C. arabica ou de C. canephora. Nos germoplasmas derivados de hibridações interespecíficas de C. arabica com C. canephora ou com C. liberica var. liberica, observou-se também ampla variabilidade, verificando-se material de origem comum, porém, como os parentais, exibindo marcantes diferenças nos valores de rendimento intrínseco.

Esse fato sugere possível segregação e fixação dos fatores genéticos que controlam essa característica. Essas variações genéticas observadas revelam que o rendimento intrínseco pode ser utilizado no melhoramento como um critério adicional de seleção, controladas, entretanto, as influências ambientais que o afetam.

Um estudo de vários fatores ambientais que podem influenciar o rendimento intrínseco(3 1 H.P. Medina Filho; R. Bordignon. (dados não publicados) 2 L.C. Fazuoli (Informação pessoal). 3 C. Gaspari-Pezzopane; H.P. Medina Filho; R. Bordignon; W.J. Siqueira; P. Mazzafera (dados não publicados) ) atestou que a seleção para essa característica deve ser realizada em amostras padronizadas do maior número possível de plantas pertencentes à progênies uniformes.

4. CONCLUSÕES

1. Existe variabilidade genética para a característica rendimento intrínseco nas cultivares, seleções, acessos, variedades botânicas, formas e mutantes de C. arabica, assim como nas seleções e acessos de C. canephora e em outras espécies do gênero Coffea.

2. No germoplasma estudado, o rendimento intrínseco variou de 30,2% a 63,9%.

3. Sugere-se que o rendimento intrínseco seja utilizado como critério adicional de seleção no melhoramento do cafeeiro.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a I.B. Baziolli, S.L.S. Lima, R.C. Gregol, AT.E. Aguiar, R. Moreira, E.A.P. Barbosa, C.J. Cipriano, O.S. Campos pelo auxílio na obtenção dos dados; ao Dr. L.A. Ambrósio e Dr. A. Conagin pela ajuda nas análises estatísticas e ao Dr. O. Guerreiro Filho pelo auxílio nas discussões.

Recebido para publicação em 14 de maio de 2003 e aceito em 4 de fevereiro de 2004.

Parte da dissertação de mestrado da primeira autora em Agricultura Tropical e Subtropical, apresentada ao Instituto Agronômico (IAC), em Campinas.

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  • 1
    H.P. Medina Filho; R. Bordignon. (dados não publicados)
    2
    L.C. Fazuoli (Informação pessoal).
    3
    C. Gaspari-Pezzopane; H.P. Medina Filho; R. Bordignon; W.J. Siqueira; P. Mazzafera (dados não publicados)
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Jun 2004
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      04 Fev 2004
    • Recebido
      14 Maio 2003
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