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Caracterização agromorfológica interpopulacional em Oryza glumaepatula

Interpopulational agro-morphological haracterization of Oryza glumaepatula

Resumos

O gênero Oryza apresenta duas espécies cultivadas e 21 espécies silvestres, sendo quatro originárias da América do Sul e Central. Dentre essas, a única espécie diplóide é Oryza glumaepatula Steud., compatível em cruzamentos com a espécie cultivada O. sativa L. O objetivo deste trabalho foi caracterizar, por meio de caracteres agromorfológicos, oito populações de O. glumaepatula, coletadas em diferentes bacias hidrográficas brasileiras. O experimento foi realizado em casa de vegetação utilizando-se o delineamento em blocos ao acaso com oito tratamentos e seis repetições. Cada parcela foi constituída de quatro plantas, obtendo-se o total de 24 plantas por população. Foram avaliadas três características agronômicas e 18 características morfológicas. Os dados foram analisados utilizando-se estatísticas univariadas e multivariadas. Os resultados mostraram diferenças significativas entre populações para todos os caracteres avaliados, o que indica a grande variabilidade genética observada para todas as populações. Os resultados da análise de componentes principais foram similares aos da análise de agrupamento que classificou as populações em quatro grupos, sendo um grupo para cinco populações da Amazônia, um grupo para uma população do Rio Negro, e dois grupos, um para cada população originária do Rio Xingu e do Rio Paraguai, no Pantanal. A população com características agronômicas mais desejáveis, maior produção de sementes e maior número de perfilhos foi a PG-4, originária do Pantanal Matogrossense, seguida da população JA-4, do Rio Japurá.

arroz silvestre; caracterização morfológica; caracterização agronômica; diversidade genética; Oryza glumaepatula


The genus Oryza contains two cultivated and 21 wild species, and four of these wild species originated from South and Central America. Among these, the only diploid species, compatible in crossing experiments with the cultivated O. sativa L. is O. glumaepatula Steud. The objective of this research was to characterize with morpho-agronomic traits eight populations of Oryza glumaepatula, collected at different river basins in Brazil. The experiment was conducted in greenhouse, using randomized blocks with eight treatments (populations) and six repetitions, a total of 24 plants per population. Three agronomic and 18 morphological traits were evaluated. Data were analyzed using univariate and multivariate statistics. Results showed significant differences (P<0,01) among populations for all traits, indicating a great genetic variability for these eight O. glumaepatula populations. The principal component analysis displayed similar results to the cluster analysis, which classified the populations in four groups: one group with five Amazonian populations, another group with a single Rio Negro population, and two other groups for each population of Rio Xingu and Rio Paraguai, in the Pantanal region. The most promising population exhibiting desirable agronomic traits was PG-4, originated from the Pantanal Matogrossense, with highest seed yield and tiller number, followed by JA-4 population, from Rio Japura.

agronomic characterization; genetic diversity; morphological characterization; Oryza glumaepatula; wild rice


ÁREAS BÁSICAS

Caracterização agromorfológica interpopulacional em Oryza glumaepatula

Interpopulational agro-morphological haracterization of Oryza glumaepatula

Mariana Silva RosaI, II; Patrícia Pimentel dos SantosI, II; Elizabeth Ann VeaseyII, III

IDepartamento de Genética, Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Caixa Postal 83, 13418-970 Piracicaba (SP). E-mail: msrosa@esalq.usp.br; ppsantos@esalq.usp.br; eaveasey@esalq.usp.br

IIBolsista de iniciação científica da FAPESP

IIIBolsista de produtividade em pesquisa do CNPq

RESUMO

O gênero Oryza apresenta duas espécies cultivadas e 21 espécies silvestres, sendo quatro originárias da América do Sul e Central. Dentre essas, a única espécie diplóide é Oryza glumaepatula Steud., compatível em cruzamentos com a espécie cultivada O. sativa L. O objetivo deste trabalho foi caracterizar, por meio de caracteres agromorfológicos, oito populações de O. glumaepatula, coletadas em diferentes bacias hidrográficas brasileiras. O experimento foi realizado em casa de vegetação utilizando-se o delineamento em blocos ao acaso com oito tratamentos e seis repetições. Cada parcela foi constituída de quatro plantas, obtendo-se o total de 24 plantas por população. Foram avaliadas três características agronômicas e 18 características morfológicas. Os dados foram analisados utilizando-se estatísticas univariadas e multivariadas. Os resultados mostraram diferenças significativas entre populações para todos os caracteres avaliados, o que indica a grande variabilidade genética observada para todas as populações. Os resultados da análise de componentes principais foram similares aos da análise de agrupamento que classificou as populações em quatro grupos, sendo um grupo para cinco populações da Amazônia, um grupo para uma população do Rio Negro, e dois grupos, um para cada população originária do Rio Xingu e do Rio Paraguai, no Pantanal. A população com características agronômicas mais desejáveis, maior produção de sementes e maior número de perfilhos foi a PG-4, originária do Pantanal Matogrossense, seguida da população JA-4, do Rio Japurá.

Palavras-chave: arroz silvestre, caracterização morfológica, caracterização agronômica, diversidade genética, Oryza glumaepatula.

ABSTRACT

The genus Oryza contains two cultivated and 21 wild species, and four of these wild species originated from South and Central America. Among these, the only diploid species, compatible in crossing experiments with the cultivated O. sativa L. is O. glumaepatula Steud. The objective of this research was to characterize with morpho-agronomic traits eight populations of Oryza glumaepatula, collected at different river basins in Brazil. The experiment was conducted in greenhouse, using randomized blocks with eight treatments (populations) and six repetitions, a total of 24 plants per population. Three agronomic and 18 morphological traits were evaluated. Data were analyzed using univariate and multivariate statistics. Results showed significant differences (P<0,01) among populations for all traits, indicating a great genetic variability for these eight O. glumaepatula populations. The principal component analysis displayed similar results to the cluster analysis, which classified the populations in four groups: one group with five Amazonian populations, another group with a single Rio Negro population, and two other groups for each population of Rio Xingu and Rio Paraguai, in the Pantanal region. The most promising population exhibiting desirable agronomic traits was PG-4, originated from the Pantanal Matogrossense, with highest seed yield and tiller number, followed by JA-4 population, from Rio Japura.

Key words: agronomic characterization, genetic diversity, morphological characterization, Oryza glumaepatula, wild rice.

1. INTRODUÇÃO

O arroz pertence à tribo Oryzeae, família Poaceae (Gramineae), subfamília Oryzoideae, gênero Oryza (WATANABE, 1997), com duas espécies cultivadas e 22 espécies silvestres distribuídas nos trópicos e subtrópicos (IRRI, 2005). As duas espécies cultivadas de arroz são O. sativa L. e O. glaberrima Steud, sendo a primeira originária da Ásia e a segunda circunscrita à África Ocidental (GRIST, 1975). As espécies silvestres estão distribuídas por todas as regiões tropicais e subtropicais do mundo, e cada espécie possui sua distribuição geográfica característica (MORISHIMA, 1994). Dez espécies silvestres habitam a Ásia, cinco a África, duas a Austrália e quatro a América. Todas as quatro espécies americanas (O. glumaepatula, O. alta, O. grandiglumis e O. latifolia) que estão distribuídas do México até o norte da Argentina, existem no Brasil e são hidrófitas (OLIVEIRA, 1991).

O. glumaepatula é uma espécie diplóide com 2n = 24 cromossomos e genoma AgpAgp (KHUSH, 1997). Trata-se de espécie perene, com hábito de crescimento em forma de touceiras, com panículas abertas, espiguetas com cerca de 6,6 a 11 mm de comprimento e 1,9 a 2,5 de largura, com aristas de 6 a 16 cm de comprimento e anteras geralmente de 2 a 5 mm de comprimento ocupando 3/4 da espigueta. É encontrada no Brasil, mas também na Bolívia, Colômbia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Guiana Francesa, Guiana, Honduras, México, Panamá, Suriname e Venezuela (IRRI, 2005).

Embora as pesquisas de arroz estejam amplamente dirigidas às espécies cultivadas, selecionando-se grande número de cultivares para características importantes como alta produtividade e alta qualidade dos grãos, muitas delas não possuem características agronômicas, também importantes, como resistência a determinadas pragas. Assim, a utilização de espécies silvestres é muito importante como reservatório gênico para o melhoramento do arroz cultivado, uma vez que muitas destas possuem tais características (BRAR e KHUSH, 1997).

Visando ampliar a base genética do arroz cultivado, programas de melhoramento envolvendo retrocruzamentos utilizando como parental recorrente cultivares de O. sativa e como parental doador, populações de O. glumaepatula têm sido realizados no Brasil (MAMAMI, 2002), visando ainda à obtenção de mapas genéticos por meio de marcadores moleculares ligados a diversas características morfológicas e agronômicas relacionadas à produção (BRONDANI et al., 2002). BRAR e KHUSH (1997) citam também, entre outras espécies utilizadas em programas de melhoramento do arroz cultivado, a introgressão de genes para macho esterilidade a partir de O. glumaepatula como parental doador. Na Costa do Marfim foi realizado um estudo visando à transferência de caracteres de interesse para o arroz cultivado, O. sativa, a partir de O. glaberrima, espécie também cultivada na África, tais como a rápida resposta ao nitrogênio e rápido estabelecimento do volume foliar (elevada área foliar específica) (JONES et al., 1997).

A caracterização morfofenológica e agronômica de populações de espécies de arroz silvestre faz-se necessária na etapa inicial dos programas de melhoramento, visando desenvolver populações com potencial agronômico, como produção, hábito de crescimento, altura da planta, resistência a pragas, entre outras características, para serem incorporadas a partir de um genitor doador em programas de retrocruzamentos com a espécie cultivada. Com a finalidade de verificar a variabilidade genética interespecífica, inter e intrapopulacional para caracteres morfoagronômicos em 11 populações de O. glumaepatula, quatro de O. latifolia, sete de O. grandiglumis e uma de O. alta, VEASEY et al. (2001) avaliaram 20 caracteres observando diferenças altamente significativas entre espécies e entre populações dentro de espécies. As espécies mais polimórficas foram O. glumaepatula, seguida de O. latifolia. O caráter número de perfilhos foi bastante polimórfico para O. glumaepatula, variando de 11,00 a 56,33 perfilhos por planta. O. latifólia, com grande polimorfismo para altura da planta no florescimento, entre outros caracteres, variou de 1,37 a 2,98 metros.

OLIVEIRA (1992) avaliou nove populações de O. glumaepatula, cinco de O. alta e cinco de O. grandiglumis e observou em O. glumaepatula tendência significativa para aumento do número de dias para o florescimento no sentido foz-nascente em seu habitat de origem, na Amazônia. Com relação ao padrão de distribuição de florescimento nessas espécies, foi observado padrão unimodal na maioria das populações tetraplóides, que floresceram de maio a junho, e padrão bimodal para a maioria das populações de O. glumaepatula, com pico de florescimento entre abril e agosto e, outro período menor, de outubro a dezembro.

O objetivo deste estudo foi avaliar oito populações de O. glumaepatula, coletadas em diferentes bacias hidrográficas do Brasil, visando à caracterização interpopulacional quanto às características morfológicas e agronômicas, no intuito de fornecer subsídios para futuros programas de melhoramento.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram multiplicadas no ano agrícola 2002/2003 sementes de oito populações de Oryza glumaepatula coletadas nas bacias hidrográficas de Japurá (JA-4), Tapajós (TA-1), Solimões (SO-2 e SO-4), Paraguai (PG-4), Purus (PU-1), Negro (NE-26) e Xingu (XI-1) (Tabela 1), no Departamento de Genética, ESALQ/USP, em Piracicaba, SP. Uma amostra de 50 sementes de cada população foi obtida juntando-se de uma a três sementes de cada planta coletada na natureza, a fim de se obter uma amostra representativa de cada população. As sementes foram postas a germinar em caixas do tipo Gerbox, sobre papel de filtro umedecido com água destilada, em estufa BOD para germinação de sementes, à temperatura de 27 °C, no escuro.

As sementes recém-germinadas foram transplantadas para bandejas de isopor, contendo substrato apropriado à base de vermiculita e terra vegetal, em condições de casa de vegetação com irrigação controlada. Quando as mudas atingiram cerca de 20 cm de altura, foram transplantadas para sacos plásticos de 5 kg contendo terra estercada. Esses sacos foram acondicionados em tanques permanentemente inundados em casa de vegetação (SILVA et al., 1999), simulando-se o ambiente natural às margens de rios dessa espécie. Foram acrescentados peixes do tipo tilápia para o controle de algas e de possíveis focos de mosquito de Aedes aegypti. O experimento foi desenvolvido em blocos ao acaso, com seis repetições, com cada tanque representando uma repetição. Cada parcela foi constituída de uma fileira de quatro plantas, totalizando 24 indivíduos por população.

Foram avaliados 18 descritores morfológicos: número de perfilhos (NP), no período vegetativo; altura da planta no período vegetativo (AP), medindo-se a distância da base da planta até o nó de inserção da folha bandeira; ângulo de inserção do caule (AIC) (1 - ereto; 2 - intermediário; 3 - prostrado); comprimento (CLF) e largura do limbo foliar (LLF); comprimento da lígula (CL); comprimento (CFB) e largura da folha bandeira (LFB); comprimento da panícula (CP), medindo-se a distância da base da panícula até a última espigueta; tipo de panícula (TP) (1 - compacta, 2 - intermediária, 3 - aberta); ângulo de inserção da folha bandeira (IFB) (1 - ereta, 2 - intermediária, 3 - horizontal, 4 - descendente); comprimento da arista (CA); cor da arista (CORA); cor do estigma (CORE); comprimento (CE) e largura da espigueta (LE); número de ramificações secundárias (RS) e número de ramificações primárias (RP). Foram também avaliadas três características agronômicas, como: início do florescimento (IF), considerando a data do surgimento de pelo menos uma panícula aberta por planta; razão entre panículas chochas e panículas normais (PC/PN); e produção de sementes (P). Os dados obtidos para a PS e PC/PN foram transformados em . Não houve necessidade de transformação para os demais caracteres.

Os caracteres foram avaliados por métodos univariados (ANOVA, teste F e teste de Tukey) e multivariados (análise de componentes principais e análise de agrupamento pelo critério UPGMA, a partir da distância Euclidiana) (CRUZ E REGAZZI, 1994). Para as análises univariadas foram excluídos os caracteres qualitativos CORA e CORE, e para as multivariadas foram excluídos os caracteres AIC, IFB, TP, PC/PN, CORA, CORE, analisando-se um total de 15 descritores (NP, AP, CLF, LLF, CL, CFB, LFB, CP, CA, CE, LE, RS, RP, IF e P). Foram utilizados os programas SAS (SAS INSTITUTE, 1993) para as análises univariadas e de componentes principais, Statistica for Windows (STATSOFT, 1996) para a análise de agrupamentos e ORIGIN versão 3.5 (MICROCAL SOFTWARE, 1994), para a confecção do gráfico de dispersão a partir dos dois primeiros componentes principais.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Diferenças significativas (P<0,01) foram observadas entre populações para todos os caracteres avaliados, o que indica a grande variabilidade genética observada para as oito populações de O. glumaepatula, bem como seu potencial para uso em programas de melhoramento visando à ampliação da base genética do arroz cultivado. Os caracteres de maior destaque do ponto de vista do melhoramento e com maior variabilidade foram: número de perfilhos, variando em média de 9,46 (XI-1) a 42,12 (PU-1); altura da planta no período vegetativo, variando de 31,96 cm (SO-2) a 103,33 cm (XI-1); e produção de sementes, variando de 0,38 g/planta (SO-2) a 6,46 g/planta (PG-4) (Tabelas 2 e 3).

Com base nos resultados, observa-se que a população PG-4, originária da bacia hidrográfica do Rio Paraguai, região do Pantanal, foi aquela com a maior produção de sementes, bem como o maior comprimento da arista, além de elevado número de perfilhos (37,41 em média) (Tabelas 2 e 3). VEASEY et al. (2001) também observaram grande variabilidade para 11 populações de O. glumaepatula, principalmente para os caracteres número de perfilhos, altura da planta no florescimento, comprimento e largura do limbo foliar, início do florescimento, número de panículas, comprimento da panícula, comprimento da folha bandeira, comprimento da espigueta e comprimento da arista. Da mesma forma, SHIMAMOTO et al. (1994) relatam variações entre populações de O. GLUMAEPATULA originárias da região Amazônica para tamanho e forma da semente.

Foram observadas na maioria das plantas porte mais ereto, mas também porte prostrado, principalmente para a população TA-1 do Rio Tapajós. O descritor ângulo de inserção da folha bandeira variou em média de 1,97 (XI-1), com folhas do tipo ereto a intermediário, a 3,82 (JA-4), com folhas bandeiras dispostas na horizontal ou na posição descendente. O descritor tipo de panícula variou de 1,00 (XI-1), com panículas compactas, a 2,95 (TA-1), com panículas mais abertas. Já o caráter agronômico PC/PN variou de 0,55 (XI-1), população com maior quantidade de panículas chochas, a 1,16 (TA-1). As populações SO-4 e JA-4, assim como a população TA-1, também tiveram baixa quantidade de panículas chochas, com alto rendimento de sementes. Com relação ao florescimento, as populações iniciaram florescimento da primeira quinzena de abril (SO-4, a mais precoce) à primeira de junho (XI-1, a mais tardia).

Os descritores cor da arista e do estigma, que não entraram na análise estatística por serem caracteres qualitativos, foram polimórficos para o material avaliado. Observou-se cor da arista amarelo-esverdeada, que predominou em seis populações; avermelhada, em PG-4 (95%) e XI-1 (54%), e amarelo-avermelhada, principalmente, em XI-1 (46%), TA-1 (31%), PU-1 (13%), SO-4 (14%) e PG-4 (5%). Quanto à cor do estigma, nas populações SO-2, PG-4, JA-4, NE-26, XI-1 e TA-1 observaram-se 100% de estigmas de cor roxa, enquanto em PU-1, 100% das plantas tinham estigmas brancos. A única população polimórfica para este caráter foi SO-4, com 57% de estigmas brancos e 43% de roxos.

Pela análise de componentes principais, observou-se correlação entre nove pares de caracteres, sendo as mais expressivas (P<0,01) as correlações entre massa de sementes e comprimento da espigueta (r = 0,93), e comprimento da panícula e número de ramificações primárias (r = 0,92). Em populações com espiguetas mais longas houve maior produção de sementes, e naquelas com panículas mais longas, maior número de ramificações na panícula (Tabela 4). XIAO et al. (1998), em uma população originada do segundo retrocruzamento entre O. sativa e O. rufipogon, observaram correlações elevadas e significativas entre o comprimento da panícula e número de espiguetas por planta (r = 0,601), caráter não avaliado, mas que estaria diretamente associado ao número de ramificações na panícula. Outras correlações elevadas e significativas (P<0,05) no presente estudo foram entre número de perfilhos e número de ramificações secundárias (r = -0,84), comprimento da panícula e comprimento da folha bandeira (r = 0,87), comprimento da panícula e largura da espigueta (r = -0,83), altura da planta e número de dias para o florescimento (r = 0,77), entre outras (Tabela 4).

Pela análise de componentes principais utilizando 15 caracteres, a variância acumulada pelos dois primeiros componentes foi de 57,8% da variação total observada, e pelos quatro primeiros componentes 84,9% da variação total observada. Segundo MARDIA et al. (1979), se os primeiros componentes acumularem uma porcentagem relativamente alta da variação total, em geral, acima de 80%, eles explicam satisfatoriamente a variabilidade manifestada entre os indivíduos avaliados. Pelo primeiro componente, observa-se na figura 1 a separação das populações NE-26 e PG-4 das demais, notando-se nessas duas populações correlação positiva com os caracteres número de ramificações primárias, comprimento da panícula, comprimento da folha bandeira, comprimento da espigueta, massa de sementes, comprimento da arista e da lígula, comprimento do limbo foliar e número de dias para o florescimento.


As demais populações (SO-2, SO-4, TA-1, JA-4 e PU-1) foram correlacionadas com os caracteres largura da espigueta, largura do limbo foliar e número de perfilhos. Pelo segundo componente, observa-se a separação nítida da população do Rio Xingu (XI-1), revelando alta correlação com altura da planta, número de ramificações secundárias e largura da folha bandeira.

Na análise de agrupamento, utilizando distância Euclidiana, observaram-se resultados semelhantes à da análise de componentes principais, com a formação de quatro grupos: NE-26 (grupo I); PG-4 (grupo II); TA-1, JA-4, SO-4, SO-2 e PU-1(grupo III) e XI-1 (grupo IV) (Figura 2). A população NE-26 (grupo I) destacou-se por possuir o comprimento do limbo foliar superior e a largura do limbo foliar inferior às demais populações (Tabela 2), caracterizando folhas compridas e estreitas. Nessa população observou-se, ainda, maior comprimento da folha bandeira e maior número de ramificações primárias, havendo correlação não significativa, mas elevada (r = 0,50) entre esses caracteres. Verifica-se que, embora originária da Amazônia e geograficamente não tão distante das populações do Rio Solimões, Rio Japurá, Rio Tapajós e Rio Purus, essa população foi classificada em um grupo isolado das demais populações da Amazônia (grupo III). A separação da população NE-26 pode ser explicada pela diferenciação geográfica entre os sistemas fluviais na Amazônia. O Rio Negro é considerado um ambiente desfavorável para plantas aquáticas devido ao baixo teor de nutriente e baixo pH (GOULDING et al., 1988), fatores que podem levar à maior diferenciação morfológica de suas populações. Esse fato confirma o encontrado por AKIMOTO et al. (1998) que observaram a diferenciação isoenzimática entre populações do Rio Negro e populações do Rio Solimões, mostrando a separação dos genótipos de O. glumaepatula em função dos sistemas fluviais da Amazônia.


A população PG-4 (grupo II) diferenciou-se das demais pelo maior comprimento de arista, maior número de ramificações primárias e maior produção de sementes. Possui também tipo ereto de inserção da folha bandeira. Nessa população verificaram-se caracteres agronômicos desejáveis, sendo a mais produtiva dentre as oito populações avaliadas (Tabelas 2 e 3). SANTOS et al. (2002), VEASEY et al. (2002) e BUSO et al. (1998) também observaram a separação de populações originárias da bacia hidrográfica do Rio Paraguai, região do Pantanal Matogrossense, de populações originárias da Amazônia, tanto por caracteres morfológicos como isoenzimáticos, evidenciando a diferenciação genética com o isolamento dessas populações e posterior adaptação a diferentes condições ambientais. VEASEY et al. (2004) também notaram diferenças quanto ao padrão de quebra da dormência de sementes entre populações de O. glumaepatula; nas originárias da região Amazônica verificou-se dormência logo após a colheita, quebrada totalmente seis meses depois. Já as populações coletadas na bacia hidrográfica do Rio Paraguai mantiveram-se com altos níveis de dormência até um ano após a colheita das sementes.

O grupo III foi composto por cinco populações originárias da Amazônia, coletadas ao longo dos Rios Solimões, Purus, Tapajós e Japurá. Desse grupo, destacaram-se as populações JA-4 do Rio Japurá, com alta produção de sementes e comprimento da panícula e maior comprimento da lígula, e a população TA-1, com o maior comprimento da panícula e alto número de ramificações primárias. Essa última população é, no entanto, de hábito mais prostrado, observado pelo maior ângulo de inserção no caule, e panículas mais abertas, o que seria desvantajoso para o arroz cultivado, dificultando a colheita das sementes.

A população XI-1 (grupo IV) foi a mais divergente morfologicamente entre as oito populações avaliadas, com maior altura da planta no período vegetativo, sendo observada maior altura também no período reprodutivo, menor número de perfilhos e florescimento mais tardio, entre a segunda quinzena de abril e primeira de junho. Como já citado, a alta porcentagem de sementes chochas talvez seja característica de uma população com certo grau de hibridação. KARASAWA et al. (2004) verificaram elevada taxa de cruzamentos (ta = 0,464) para essa população, comparando com as demais populações de O. glumaepatula avaliadas com marcadores microssatélites, bem como elevados níveis de heterozigosidade observada e esperada, respectivamente (Ho = 0,267 e He = 0,418). O sistema reprodutivo dessa espécie foi neste estudo considerado misto, com predominância para autogamia.

4. CONCLUSÕES

1. Há grande variabilidade e diferenciação para caracteres morfológicos e agronômicos entre populações de O. glumaepatula provenientes de diferentes bacias hidrográficas brasileiras.

2. A separação da população NE-26 do Rio Negro das demais populações da Amazônia pode ser explicada pela diferenciação geográfica entre os sistemas fluviais na Amazônia.

3. A separação da população originária da bacia hidrográfica do Rio Paraguai (PG-4), região do Pantanal Matogrossense, com base em caracteres agromorfológicos, evidencia a diferenciação genética e adaptação das populações a diferentes ecossistemas.

4. Em populações com espiguetas mais longas, observa-se maior produção de sementes, e naquelas com panículas mais longas, o maior número de ramificações na panícula.

5. As populações mais promissoras, com características agronômicas desejáveis, foram a PG-4, originária do Pantanal Matogrossense, seguida da população JA-4, do Rio Japurá, podendo ser usadas em programas de melhoramento, visando à ampliação da base genética e a transferência de caracteres de interesse para o arroz cultivado.

AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. José Baldin Pinheiro da ESALQ/USP, Piracicaba (SP) e a dois revisores anônimos que muito contribuíram para a redação final do trabalho. À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, pelo apoio financeiro ao projeto e pelas bolsas de estudos concedidas para a realização desta pesquisa.

Recebido para publicação em 13 de janeiro e aceito em 16 de novembro de 2005.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2006
  • Data do Fascículo
    2006

Histórico

  • Aceito
    16 Nov 2005
  • Recebido
    13 Jan 2005
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