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Características de plantas de soja que conferem habilidade competitiva com plantas daninhas

Soybean plant characteristics that confer competitive ability against weeds

Resumos

Com o objetivo de identificar características morfológicas em plantas de soja que determinem maior habilidade competitiva com plantas daninhas, foram desenvolvidos dois experimentos, um em Cruz Alta (RS), onde a soja competiu com nabo-forrageiro (Raphanus sativus), e outro em Eldorado do Sul (RS), onde a cultura competiu com as espécies daninhas picão-preto (Bidens spp.) e guanxuma (Sida rhombifolia). Por meio de análises de regressão linear múltipla e de correlação, cultivares de soja que produzem maior quantidade de matéria seca do caule (incluindo as folhas) aos 45 dias após a emergência, de matéria seca da parte aérea aos 60 dias após a emergência e de grãos, têm habilidade competitiva superior à de nabo-forrageiro. Quando os competidores foram as espécies picão-preto e guanxuma, a matéria seca dos ramos de soja (com as folhas), cobertura do solo pelo dossel da cultura e produção de grãos destacaram-se como as características que conferiram maior habilidade competitiva à soja. As características estatura de planta, número de ramos e comprimento de ramos também contribuíram para expressar maior capacidade de competição à soja.

interferência; Raphanus sativus; Bidens spp.; Sida rhombifolia


In order to identify morphological characteristics in soybean plants that define greater competitive ability against weeds, two experiments were carried out. The first experiment was installed in Cruz Alta, RS, where soybean competed against forage radish (Raphanus sativus), and the other in Eldorado do Sul, RS, where the crop competed against beggar ticks (Bidens spp.) and arrow leaf sida (Sida rhombifolia). Results multiple linear regression and correlation analysis demonstrated that soybean plants holding with higher stem dry matter of (including leaves) at 45 days after emergency, higher dry matter of shoot at 60 days after emergency, and greater grain yield, granted superior competitiveness of soybean with forage radish. When competitors were weeds hairy beggarticks and arrowleaf sida, soybean stem dry matter (with the leaves), soil coverage by crop canopy, and grain yield, arose as the traits that conferred greater competitive ability to the crop. Plant height, branch number and branch length have also contributed for higher competition ability in soybean.

interference; Raphanus sativus; Bidens spp.; Sida rhombifolia


FITOTECNIA

Características de plantas de soja que conferem habilidade competitiva com plantas daninhas1 1 Parte da tese do primeiro autor para obtenção do título de Doutor em Fitotecnia pelo Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS. * Autor correspondente.

Soybean plant characteristics that confer competitive ability against weeds

Mário Antônio BianchiI, * 1 Parte da tese do primeiro autor para obtenção do título de Doutor em Fitotecnia pelo Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS. * Autor correspondente. ; Nilson Gilberto FleckII; Luiz Carlos FederizziII

IFundacep, RS 342, km 149, Caixa Postal 10, 98100-970 Cruz Alta (RS). E-mail: mariobianchi@fundacep.com.br

IIDepartamento de Plantas de Lavoura, UFRGS, Av. Bento Gonçalves, 7712, Caixa Postal 15100, 90001-970 Porto Alegre (RS). Bolsista do CNPq

RESUMO

Com o objetivo de identificar características morfológicas em plantas de soja que determinem maior habilidade competitiva com plantas daninhas, foram desenvolvidos dois experimentos, um em Cruz Alta (RS), onde a soja competiu com nabo-forrageiro (Raphanus sativus), e outro em Eldorado do Sul (RS), onde a cultura competiu com as espécies daninhas picão-preto (Bidens spp.) e guanxuma (Sida rhombifolia). Por meio de análises de regressão linear múltipla e de correlação, cultivares de soja que produzem maior quantidade de matéria seca do caule (incluindo as folhas) aos 45 dias após a emergência, de matéria seca da parte aérea aos 60 dias após a emergência e de grãos, têm habilidade competitiva superior à de nabo-forrageiro. Quando os competidores foram as espécies picão-preto e guanxuma, a matéria seca dos ramos de soja (com as folhas), cobertura do solo pelo dossel da cultura e produção de grãos destacaram-se como as características que conferiram maior habilidade competitiva à soja. As características estatura de planta, número de ramos e comprimento de ramos também contribuíram para expressar maior capacidade de competição à soja.

Palavras-chave: interferência, Raphanus sativus, Bidens spp., Sida rhombifolia.

ABSTRACT

In order to identify morphological characteristics in soybean plants that define greater competitive ability against weeds, two experiments were carried out. The first experiment was installed in Cruz Alta, RS, where soybean competed against forage radish (Raphanus sativus), and the other in Eldorado do Sul, RS, where the crop competed against beggar ticks (Bidens spp.) and arrow leaf sida (Sida rhombifolia). Results multiple linear regression and correlation analysis demonstrated that soybean plants holding with higher stem dry matter of (including leaves) at 45 days after emergency, higher dry matter of shoot at 60 days after emergency, and greater grain yield, granted superior competitiveness of soybean with forage radish. When competitors were weeds hairy beggarticks and arrowleaf sida, soybean stem dry matter (with the leaves), soil coverage by crop canopy, and grain yield, arose as the traits that conferred greater competitive ability to the crop. Plant height, branch number and branch length have also contributed for higher competition ability in soybean.

Key words: interference, Raphanus sativus, Bidens spp., Sida rhombifolia.

1. INTRODUÇÃO

A escolha de cultivar mais competitivo com plantas daninhas confere vantagem ao agricultor no que diz respeito ao manejo de plantas daninhas (LEMERLE et al., 2001). O esforço para identificar características de planta, associadas à maior habilidade competitiva (HC), aumentou nos últimos anos, principalmente nas culturas de trigo (FLECK, 1980; LEMERLE et al., 2001) e arroz (NI et al., 2000; CATON et al., 2001; BALBINOT JUNIOR. et al., 2003). Em menor escala, estudos foram realizados em soja (JANNINK et al., 2000; JANNINK et al., 2001; LAMEGO, 2004). O maior número de trabalhos realizados nas culturas de trigo e arroz refere-se, principalmente, às dificuldades em controlar Lolium spp. em trigo e poáceas em arroz.

As características morfológicas que estão mais diretamente relacionadas à HC superior da cultura são: matéria seca da parte aérea (WORTMANN, 1993; OLESEN et al., 2004), estatura (FLECK, 1980; MCDONALD, 2003), tamanho das folhas (WORTMANN, 1993; LEMERLE et al., 1996); índice de área foliar (GIBSON et al., 2003; HAEFELE et al., 2004), cobertura do solo (CALLAWAY, 1992; BALBINOT JUNIOR. et al., 2003) e densidade foliar na parte superior da planta (BEGNA et al., 2001; CATON et al., 2001). Além disso, cultivares mais produtivos, em geral, toleram melhor a competição de plantas concorrentes (GIBSON et al., 2003; LAMEGO, 2004).

Como há variabilidade entre cultivares de soja, quanto à HC com plantas daninhas (BUSSAN et al., 1997; JANNINK et al., 2000; LAMEGO, 2004), então, é possível selecionar plantas mais competitivas. Características como folhas amplas (SHILLING et al., 1995) e plantas altas (JANNINK et al., 2000; LAMEGO, 2004) indicaram cultivar de soja mais competitivo. O rápido incremento em estatura na fase inicial de desenvolvimento de plantas de soja, causa supressão do crescimento de plantas daninhas (JANNINK et al., 2000), podendo esta característica estar presente tanto em cultivares de ciclo precoce como tardio (JANNINK et al., 2001).

A habilidade competitiva de uma espécie vegetal não é definida somente por uma característica apenas e depende do recurso pelo qual compete e das características da espécie competidora. Em geral, na competição por radiação solar, estão envolvidas a estatura e características foliares da planta e, por outro lado, na competição por recursos do solo (água e nutrientes), além das características da parte aérea, as do sistema radicular assumem importância (LEMERLE et al., 2001). Quanto às características inerentes às espécies daninhas, por exemplo, sob competição por luz, nas plantas de porte baixo e com formato cônico (maior densidade foliar na parte inferior), observou-se pouco efeito sobre a produtividade de arroz (CATON et al., 2001).

A identificação de características que contribuam para incrementar a HC é o primeiro passo para formular estratégias de seleção de cultivares mais competitivos com plantas daninhas. As ferramentas estatísticas utilizadas com o propósito de identificar tais características são a análise de regressão linear múltipla (BALBINOT JUNIOR. et al., 2003; GIBSON et al., 2003), análise de trilha (Ni et al., 2000) e modelos computacionais que simulam o crescimento de plantas (CATON et al., 2001; OLESEN et al., 2004). Essa última, no entanto, simula, principalmente, a competição por radiação solar, sendo a simulação por recursos do solo, ainda pouco explorada (LEMERLE et al., 2001).

Após a identificação de características que confiram maior competitividade, é necessário selecionar genótipos que as contenham. Tal seleção pode ser efetuada de forma direta ou indireta (JANNINK et al., 2000; GIBSON et al., 2003). A seleção direta, efetuada na presença de plantas daninhas, é trabalhosa, sujeita a erros e viável somente em fases mais avançadas da seleção, quando houver quantidade suficiente de sementes para realizar o trabalho. Por outro lado, a seleção indireta, realizada na ausência de plantas daninhas, é mais prática e pode ser efetuada em fases iniciais do programa de melhoramento. As características utilizadas na seleção indireta, identificadas previamente em estudos de competição com plantas daninhas, devem ser herdáveis e com alta correlação genética (JANNINK et al., 2000). Em soja, por exemplo, a estatura da planta na fase vegetativa possui os pré-requisitos para ser utilizada em seleção indireta (JANNINK et al., 2000). Características associadas com o incremento na HC de soja e que possam ser determinadas de forma rápida, exata e não destrutiva devem ser as preferidas em programas de melhoramento vegetal.

O objetivo deste trabalho foi identificar características morfológicas em plantas de soja que contribuam para sua habilidade competitiva com plantas concorrentes.

2. MATERIAL E MÉTODOS

Foram instalados dois experimentos em campo - um na Fundação Centro de Experimentação e Pesquisa (FUNDACEP), em Cruz Alta (RS), durante o ano agrícola 2000/01 e outro na Estação Experimental Agronômica da UFRGS (EEA/UFRGS), em Eldorado do Sul (RS), durante o ano agrícola 2001/02. A FUNDACEP localiza-se na região do Planalto Médio do Rio Grande do Sul, à latitude de 28º36' Sul, longitude de 53º40' Oeste e altitude média de 409 m; e a EEA/UFRGS localiza-se na região da Depressão Central do Rio Grande do Sul, à latitude de 30º05' Sul, longitude 51º40' Oeste e altitude média de 46 m. O solo da área experimental na FUNDACEP é classificado como Latossolo Vermelho Distrófico típico e o da área experimental na EEA/UFRGS como Argissolo Vermelho Distrófico típico (EMBRAPA, 1999). As chuvas que ocorreram durante o período de desenvolvimento dos experimentos são apresentadas na figura 1.


Em Cruz Alta, testaram-se duas condições de competição, ausência e presença de espécie competidora (parcela), combinadas com onze cultivares de soja: BR 16, Bragg, BRS 154, CD 201, CEPS 9678, CEPS 9703, Fepagro RS 10 (RS 10), FT 2000, Fundacep 38, IAS 5 e MSoy 6101 (subparcela). As cultivares foram escolhidas pelo contraste em estatura e grupo de maturação. Os tratamentos resultantes dessas combinações foram dispostos em delineamento em parcelas subdivididas, com as parcelas principais distribuídas em quatro blocos, sendo as unidades experimentais constituídas por oito fileiras de soja espaçadas de 0,5 m e com 5 m de comprimento. A soja, semeada em 17 de novembro de 2000, competiu com Raphanus sativus (nabo ou nabo-forrageiro), semeado perpendicularmente às fileiras de soja. A interferência do nabo, em uma população média de 45 plantas m-2, ocorreu até 60 dias após a emergência da soja. As espécies daninhas poáceas foram eliminadas por meio da aplicação de herbicidas e as dicotiledôneas (baixa infestação) por catação manual.

As variáveis determinadas em Cruz Alta na cultura de soja foram: estatura de planta (ESTsj) aos 15, 30, 45 e 60 dias após a emergência (DAE) e na maturação; área foliar (AFsj) aos 30, 45 e 60 DAE; massa da matéria seca total da parte aérea (MPAsj) aos 15, 30, 45 e 60 DAE; MPAsj fracionada em matéria seca do caule com folhas (MCFsj) e matéria seca de ramos com folhas (MRFsj), ambas aos 45 e 60 DAE; número de ramos por planta (NRsj) e comprimento médio dos ramos (CMRsj) aos 45 e 60 DAE e na maturação; ciclo de crescimento e produtividade de grãos de soja (PGsj). Em nabo, foram avaliadas a massa da matéria seca total da parte aérea (MPAnf) e a produtividade de grãos (PGnf) no fim de seu ciclo de crescimento (60 DAE).

Em Eldorado do Sul, compararam-se duas condições de competição, ausência e presença de plantas daninhas (parcela), dois espaçamentos entre fileiras de soja, 25 e 50 cm (subparcela) e duas cultivares de soja, IAS 5 e RS 10 (sub-subparcela). Os tratamentos resultantes dessas combinações foram dispostos em delineamento em parcelas sub-subdivididas, com as parcelas principais distribuídas em quatro blocos, sendo as unidades experimentais constituídas por seis fileiras quando espaçadas de 0,5 m e por 12 fileiras quando espaçadas de 0,25 m, com 6,8 m de comprimento. A soja, semeada em 9 de novembro de 2001, cresceu na presença de Bidens spp. (picão-preto) e Sida rhombifolia (guanxuma), durante todo o ciclo de crescimento. As plantas daninhas ocorreram em uma densidade média de 353 plantas m-2, somadas ambas as espécies. Em Cruz Alta e em Eldorado do Sul foi adicionada, a cada bloco, uma unidade experimental contendo apenas a espécie competidora.

Na soja, em Eldorado do Sul, determinaram-se a ESTsj aos 18, 31, 46 e 60 DAE e na maturação; MPAsj aos 31, 46 e 60 DAE; MCFsj e MRFsj aos 60 DAE; cobertura do solo (CSsj), NRsj e CMRsj aos 31, 46 e 60 DAE e PGsj. Nas plantas daninhas, avaliaram-se a MPApd aos 60 DAE e na maturação da soja.

A ESTsj foi obtida pela mensuração da distância da base até o ponto de crescimento na extremidade do caule. A AFsj foi medida nos folíolos sem pecíolos em aparelho modelo Area Meter 3100. A MCFsj e MRFsj foram obtidas pela pesagem das frações após secagem em estufa a 65ºC por três dias. A MPAsj inclui as frações MCFsj e MRFsj. Os ramos, estrutura originada no nó do caule, cuja diferenciação da primeira folha era visível a olho nu (aproximadamente 1 cm de comprimento), foram contados e mensurados, sendo o CMRsj o resultado da divisão do comprimento total dos ramos pelo número de ramos das plantas. A cobertura de solo foi estimada visualmente, utilizando-se escala percentual, onde nota zero correspondeu à ausência de cobertura do solo e nota 100 representou cobertura completa do solo pela soja. O fim do ciclo de crescimento da soja foi identificado pela inspeção das unidades experimentais a cada dois dias, o qual correspondeu ao estádio em que mais de 80% das plantas estavam na fase de maturação de colheita.

Calcularam-se as reduções em MPAnf (60 DAE), MPApd (60 DAE e na maturação da soja) e de MPAsj (60 DAE) e as reduções em PGnf e de PGsj . Para esse cálculo, utilizou-se a seguinte equação: Redução = [1-(Ci/Am)]*100; em que, "Ci" é o valor de produtividade de grãos obtido na associação soja-competidor de cada repetição do respectivo tratamento e "Am" é o valor de produtividade de grãos médio obtido em monocultivo.

A habilidade de plantas de soja em competir com as espécies daninhas foi analisada sob dois aspectos: supressão e tolerância, conforme proposto por GOLDBERG e LANDA (1991). Considerou-se como supressão a capacidade da cultura em reduzir a produção de matéria seca e a produtividade de grãos das espécies daninhas e como tolerância a capacidade da cultura em manter estável a produção de matéria seca e produtividade de grãos quando na presença das plantas daninhas. Caso o resultado da equação anterior para a soja for menor que o resultado verificado para as espécies daninhas, a HC da cultura é maior que a das espécies daninhas.

Investigaram-se as relações entre características de planta e HC por meio de análises de regressão linear múltipla e de correlação, utilizando as características de plantas de soja determinadas na presença de competidor e, também, aquelas referentes ao competidor. Para análise de regressão linear múltipla, utilizaram-se como variáveis dependentes as reduções em MPAsj, MPAnf, PGsj e PGnf (Experimento 1); e as reduções em MPApd e PGsj (Experimento 2). Nessa análise, utilizou-se o método "stepwise selection" adotando-se o nível de significância de 10% como critério para a entrada e permanência de variáveis no modelo. A equação de regressão linear é dada por: Y = a + b1X1 + b2X2 + ... + bnXn. Y é a variável dependente; "a" representa o intercepto com o eixo Y; b1, b2, ... bn são coeficientes de regressão parciais; X1, X2, ... Xn são variáveis independentes. Calculou-se, ainda, a contribuição relativa de cada variável independente para o modelo, ou seja, os coeficientes de regressão parciais padronizados. Esse procedimento visa eliminar os efeitos de magnitude e de unidades de medida diferentes. Quanto maior o valor absoluto desse coeficiente, maior será a contribuição da variável independente (Xn) para o modelo, indicando a característica de planta mais importante para a HC de cultivares de soja. A correlação foi efetuada utilizando os resíduos obtidos na análise de variância, para eliminar a influência exercida pelos tratamentos sobre o resultado da análise. A regressão linear múltipla e as correlações foram procedidas com auxílio do programa computacional SAS (SAS, 1989).

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Interação entre nabo- forrageiro e soja

As características de planta de soja que contribuíram para reduzir a MPAnf foram ESTsj (30 DAE), MCFsj (45 DAE) e NRsj (45 DAE) (Tabela 1). De todas, a MCFsj foi a de maior coeficiente "b" padronizado (b = 0,65), e a variável mais importante para o modelo. A redução em PGnf foi afetada pela AFsj aos 45 e 60 DAE e MCFsj aos 60 DAE. Essas variáveis tiveram o mesmo valor de R2-parcial, mas em AFsj e MCFsj, ambas aos 60 DAE, observaram-se os maiores valores do coeficiente "b" padronizado. O incremento na AFsj, aos 60 DAE, resultou em queda na PGnf mas, com a MCFsj, ocorreu o inverso. Possivelmente, plantas de soja portadoras de maior área foliar sombrearam mais intensamente as plantas do competidor, resultando em prejuízo na produção de grãos do nabo. Por outro lado, plantas de soja que priorizaram acúmulo de matéria seca no caule (MCFsj), em vez de ramos, permitiram que a produção de grãos de nabo fosse aumentada. Verificou-se que o ajuste do modelo (Tabela 1) que considerou a redução de MPAnf (R2 = 0,54) foi ligeiramente superior ao obtido para redução de PGnf (R2 = 0,48), embora ambos tenham sido significativos. Além da superioridade entre os coeficientes "b" padronizados, a característica MCFsj, aos 45 DAE, foi mais expressiva na supressão do crescimento do competidor durante a fase vegetativa da soja, comparativamente à AFsj e MCFsj aos 60 DAE na redução da PGnf. Por outro lado, a tolerância da soja à presença do nabo associou-se, principalmente, à MPAsj aos 60 DAE e à PGsj (Tabela 1), cujas variáveis indicaram os maiores valores para o coeficiente de regressão parcial padronizado.

As correlações entre as variáveis independentes relacionadas às reduções de matéria seca da parte aérea e a produtividade de grãos de nabo e de soja, com as demais variáveis, são apresentadas na tabela 2. Com relação à redução da MPAnf , verificou-se em MCFsj aos 45 DAE alta associação positiva com a MPAsj, aos 45 DAE e, também, relacionou-se positivamente, embora em menor grau, com NRsj aos 45 DAE, MPAsj e MRFsj aos 60 DAE e CMRsj na maturação da soja. Por sua vez, em MPAsj aos 60 DAE, além de alta associação com as variáveis de matéria seca aos 45 e 60 DAE, houve relação positiva com ESTsj aos 30, 45 e 60 DAE e, ainda, com NRsj e CMRsj aos 45 e 60 DAE. Considerando a redução da MPAnf aos 60 DAE, verificou-se que a MPAsj aos 45 DAE constitui-se em um indicador da capacidade supressiva das plantas de soja sobre o competidor. Por outro lado, devido à relação direta com a MPAsj aos 60 DAE, as variáveis ESTsj, NRsj e CMRsj, também conferem à cultura capacidade em tolerar a competição do nabo.

A contribuição menos pronunciada do NRsj e CMRsj para a HC sugere que as relações de competição soja-nabo podem ter sido definidas antes do período de emissão e do crescimento acelerado dos ramos. A competição posterior a 60 DAE não ocorreu, pois o nabo completou seu ciclo de crescimento nessa época, neutralizando a contribuição das ramificações de soja como característica supressiva no processo competitivo. Contudo, perante as associações positivas com a MPAsj aos 60 DAE, variável que foi determinante na tolerância da soja à competição do nabo, em situação de convivência mais prolongada, NRsj e CMRsj poderiam exercer maior influência sobre a HC da cultura. Em cereais, a alta capacidade de afilhamento (CATON et al., 2001; HAEFELE et al., 2004) e de produção de matéria seca na fase de afilhamento (NI et al., 2000; BALBINOT JUNIOR. et al., 2003), são características relacionadas a plantas mais competitivas. Portanto, precocidade na emissão e o crescimento rápido dos ramos podem ser fatores decisivos para a soja adquirir vantagem na competição com plantas infestantes.

As correlações de MCFsj aos 45 DAE, MPAsj aos 60 DAE e PGsj na presença de nabo, com as respectivas variáveis determinadas na ausência do nabo, foram significativas apenas para produção de grãos (r = 0,37; p = 0,01). Não ocorreram correlações significativas das variáveis ESTsj, AFsj, MPAsj, MCFsj, MRFsj, NRsj, CMRsj determinadas na presença do nabo com elas próprias determinadas na ausência do competidor. Devido a esse fato, é baixa a probabilidade de se utilizar tais variáveis na ausência do competidor, fato que tornaria mais prático o processo de seleção de genótipos mais competitivos, principalmente determinações não destrutivas, como estatura, número e comprimento dos ramos da planta de soja.

Interferência entre soja e plantas daninhas dicotiledôneas

A supressão do crescimento de picão-preto e guanxuma, aos 60 DAE, decorreu, principalmente, da MRFsj aos 60 DAE (Tabela 3). Embora se observasse em CSsj maior contribuição para o coeficiente de determinação múltiplo do modelo (R2 parcial = 0,44), a MRFsj derivou maior valor do coeficiente "b" padronizado, caracterizando-a como a mais importante para o modelo. Contudo, na maturação, a CSsj aos 46 DAE foi a variável que mais contribuiu para a redução da MPApd. Desse modo, a supressão de espécies daninhas dicotiledôneas por plantas de soja foi determinada, principalmente, pela CSsj e MRFsj. Por outro lado, a tolerância da soja à competição, ou seja, a capacidade da cultura em manter o crescimento independentemente da presença das plantas daninhas, relacionou-se com a produtividade de grãos, cujo incremento, da própria produtividade de grãos, propiciou menores perdas (Tabela 3).

A variável preponderante na supressão de plantas daninhas, CSsj aos 46 DAE, associou-se diretamente com a CSsj aos 31 e 60 DAE e com a ESTsj na maturação, mas se relacionou inversamente com o CMRsj aos 31 DAE (Tabela 4). Na associação inversa entre CSsj aos 46 DAE e CMRsj aos 31DAE constatou-se que, inicialmente, os ramos investiram prioritariamente em alongar-se e não na emissão de folhas, contribuindo em menor proporção para a CSsj. Por sua vez, a MRFsj aos 60 DAE, além de se associar diretamente com a MPAsj da soja aos 46 e 60 DAE, também permitiu relação positiva com o NRsj e CMRsj, aos 60 DAE. Desse modo, mesmo não sendo determinantes diretas da supressão do crescimento de plantas daninhas, a ESTsj, NRsj e CMRsj fazem parte de um conjunto de características que conferem maior competitividade à soja.

A produtividade de grãos, característica indicadora da tolerância da soja à competição de plantas daninhas, associou-se inversamente com a MPAsj aos 60 DAE (Tabela 4). Portanto, selecionar plantas com maior matéria seca com o objetivo de suprimir plantas daninhas, pode resultar em genótipos menos produtivos. Uma alternativa é obter, por meio do arranjo apropriado de plantas, maior produção de matéria seca pela comunidade de plantas da cultura. Assim, o uso combinado de cultivar mais competitiva e do arranjo de plantas poderá resultar em cultura com HC superior.

Nas variáveis determinantes da habilidade competitiva de soja com espécies daninhas, CSsj aos 46 DAE, MRFsj aos 60 DAE e produtividade de grãos não houve correlação significativa com as respectivas características avaliadas na ausência de infestantes. A ausência dessas associações corrobora os resultados obtidos no experimento desenvolvido em Cruz Alta, exceto para produtividade de grãos. Portanto, se ocorrer competição apenas durante o período vegetativo da cultura, como quando o nabo foi o competidor, a seleção de genótipos mais produtivos pode ser efetuada na ausência de espécies daninhas. No entanto, sob competição mais severa, como no caso de plantas daninhas dicotiledôneas presentes durante todo o ciclo da soja, como no experimento de Eldorado do Sul, genótipos tolerantes à competição (mais produtivos) devem ser selecionados na presença desses competidores.

Comparando-se os resultados dos dois experimentos, verifica-se que a supressão do crescimento do competidor é determinada, basicamente, pela MCFsj (Tabela 1) e pela CSsj e MRFsj (Tabela 3). Quando a competição ocorreu apenas no período vegetativo da cultura, o crescimento do caule mostrou-se mais importante (MCFsj aos 45 DAE), mas quando se prolongou durante todo o ciclo de crescimento da cultura, MRFsj e CSsj assumiram maior importância. Além disso, as variáveis MPAsj, NRsj, CMRsj e ESTsj (Tabelas 2 e 4) também contribuíram para o conjunto de variáveis que indicaram genótipos com maior capacidade de supressão de espécies competidoras. Nos dois experimentos, o incremento na produtividade de grãos indicou maior tolerância da soja à competição de plantas concorrentes.

Em lavouras comerciais, dificilmente na cultura de soja ocorrerá forte competição com plantas daninhas durante todo o seu ciclo de desenvolvimento, em decorrência do controle geralmente adotado. Cultura mais competitiva assume maior importância, principalmente, sob enfoque da agricultura com redução do uso de insumos, cuja utilização de herbicidas deve ser minimizada ou, no enfoque mais extremo (por exemplo, "agricultura orgânica"), na qual a eliminação do uso destes produtos é até compulsória. A vantagem em utilizar cultivar mais competitiva reside, principalmente, em sua habilidade competitiva inicial (período vegetativo). Durante a fase vegetativa se estabelecem as relações de competição que mais afetam a produtividade de grãos de soja, havendo necessidade de manter a cultura no limpo, em geral, dos 20 aos 50 dias após a emergência para minimizar as perdas em produtividade de grãos decorrentes da competição com plantas daninhas (PITELLI, 1985).

A vantagem em utilizar cultivar mais competitiva aumenta em situações em que o controle de plantas daninhas tem sua eficiência reduzida, o que pode ocorrer devido, por exemplo, à resistência das plantas daninhas a herbicidas, a aplicação desses produtos em condições ambientais inadequadas, ou ao controle mecânico de plantas daninhas. Os benefícios em utilizar cultivares com elevada competitividade são: reduzir a necessidade de uso de herbicidas em pós-emergência, diminuir a pressão de seleção para geração de resistência de plantas daninhas aos herbicidas, reduzir as quantidades de herbicidas aplicados no ambiente, obter maior eficiência do herbicida mesmo em condições adversas de ambiente e reduzir as densidades de plantas daninhas em cultivos subseqüentes (LEMERLE et al., 2001). Além disso, cultivar mais competitiva poderá atrasar o início da competição, de forma que o controle de plantas daninhas poderá ser iniciado mais tarde.

O nível de aceitação pelo agricultor de cultivares de soja mais competitivas com plantas daninhas, considerando-se o advento das cultivares portadoras de gene de resistência ao herbicida não seletivo glyphosate, deverá passar, obrigatoriamente, pela maior produtividade de grãos. Em curto prazo, dificilmente o benefício de maior habilidade competitiva superará a praticidade, eficiência e economia propiciada pelo herbicida no controle das espécies daninhas em cultivares resistentes a esse produto. Contudo, em médio e longo prazos, é possível que a tecnologia da soja resistente ao herbicida glyphosate fique comprometida com o aparecimento de espécies daninhas resistentes ou com a seleção de outras tantas tolerantes ao produto. Assim, a pesquisa deve estar atenta em propiciar alternativas viáveis a uma provável era "pós-glyphosate" no cultivo dessa oleaginosa. Portanto, é primordial, para aceitação de nova cultivar, que as características que conferem maior competitividade, conforme foram apontadas nesse estudo, estejam presentes em cultivar com alto potencial produtivo. Desse modo, as vantagens advindas da maior HC poderão ser aproveitadas pelo agricultor no manejo integrado e o conceito de competitividade será mais bem aceito e adotado por eles.

4. CONCLUSÕES

1. Plantas de cultivares de soja que produzem maior quantidade de matéria seca no caule (incluindo folhas) aos 45 dias após a emergência, maior quantidade de matéria seca na parte aérea aos 60 dias após a emergência e maior produtividade de grãos, possuem habilidade competitiva superior à do nabo-forrageiro.

2. Características de plantas de soja indicadoras de habilidade competitiva superior à de plantas de Bidens spp. (picão-preto) e de Sida rhombifolia (guanxuma), englobam maior produção de matéria seca de ramos (incluindo folhas), maior cobertura do solo pelo dossel e maior produtividade de grãos.

3. Características como estatura de planta e número e comprimento de ramos também contribuem para maior competitividade às plantas de soja contra plantas concorrentes.

Recebido para publicação em 13 de outubro de 2005 e aceito em 1.° de agosto de 2006.

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  • 1
    Parte da tese do primeiro autor para obtenção do título de Doutor em Fitotecnia pelo Programa de Pós-Graduação em Fitotecnia da Faculdade de Agronomia da UFRGS.
    *
    Autor correspondente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      2006

    Histórico

    • Aceito
      01 Ago 2006
    • Recebido
      13 Out 2005
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